Bactérias Anaeróbias – Parte I

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Aula teórica nº 12 de Microbiologia – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Bactérias Anaeróbias – Parte I
Aspectos gerais das infecções por bactérias anaeróbias. Diagnóstico laboratorial das infecções por
bactérias anaeróbias.
Aula dada por: Prof. Acácio Rodrigues.
7 de Novembro de 2006
Bactérias:
- Aeróbias obrigatórias: exigem O2 como aceitador terminal de electrões
- Aeróbias facultativas: crescem em aerobiose e são capazes de obter energia pela fermentação
de compostos orgânicos. Existe todo um espectro contínuo de capacidades de tolerar O2 que vai
desde o extremo do aeróbio obrigatório até ao anaeróbio estrito.
- Anaeróbias obrigatórias/estritas: não são capazes de fixar O2 e este é francamente inibidor do
seu crescimento. Podem ser classificadas em:
- extremamente sensíveis: as “verdadeiras” anaeróbias estritas, porque não toleram
concentrações de O2 > 0,5% por mais que uns minutos
- moderadamente sensíveis: toleram concentração de O2 até 2-8%. Podem não se
conseguir multiplicar na presença de O2, mas, pelo menos, não morrem. Toleram estes
níveis cerca de 15 a 20 minutos.
(No entanto, o professor não faz grande questão nesta distinção. No exame podemos considerálas a todas como “anaeróbias obrigatórias/estritas”.)
Os tais anaeróbios obrigatórios estritos, os extremamente sensíveis, são tipicamente membros
das nossas populações microbianas normais – isto é um aspecto muito importante. Os
moderadamente sensíveis são os principais agentes de infecções humanas, o que é lógico: têm
uma maior capacidade de adaptação, tolerando por um certo período de tempo eventuais
concentrações de O2 que estejam presentes.
E porque motivo é o O2 é tóxico para estas bactérias?
O O2 é tóxico para qualquer célula viva, quer seja procariótica ou eucariótica. Por exemplo, se se
ventilar um pulmão humano a uma concentração de O2 de 100% durante algumas horas, durante
alguns dias, ele ficará totalmente fibrosado. Porquê? O O2 gera radicais que são extremamente
deletérios. Um radical ao qual se dá grande importância é o anião super-óxido O22-: porque é
capaz de quebrar DNA, inactiva muitas enzimas bacterianas e é extremamente tóxico para os
lípidos da membrana. O que se sabe é que as bactérias aeróbias produzem determinadas enzimas
que são capazes de quebrar estes radicais livres: catálase, peroxídase, dismutase do super-óxido.
O que fazem: O22- + H2 → (Dismutase do super-óxido) → H2O2 (que também é tóxico) →
(Catálase/Peroxidase) → O2 + H20
Quando se começaram a cultivar e a estudar bactérias anaeróbias surgiu a noção, um pouco
empírica, de que o O2 lhes seria nocivo, porque não teriam estas enzimas. E 1971, McCord diz que
as bactérias anaeróbias geralmente não produzem catálase e nunca produzem dismutase do
super-óxido. Isto é uma daquelas “verdades” que não o é a 100%, mas é vulgarmente aceite. É
um conceito bastante arreigado, não produz problemas clínicos, nem é causa de erros de
tratamento, mas, ainda assim, não é totalmente verdade. E porquê? Em relação a:
- Catálase: demonstrada a produção de catálase em espécies de Bacteróides, Peptoestreptococcus
e Propionibacterium (que são anaeróbias estritas); não se correlaciona com a tolerância ao O2
- Peroxidase: não foi definitivamente demonstrada a produção significativa de peroxidase em
bactérias anaeróbias estritas.
- Dismutase super-óxido:
• Produção induzida por exposição ao O2 (ex. Bacteroides): está reprimida, mas quando a bactéria
entra em contacto com o O2, ao fim da 2ª ou 3ª geração, as células filha já são capazes de a
exprimir
• Eubacterium limosum e Clostridium oroticum (“por curiosidade, porque ninguém vos vai
perguntar isto no exame”) – produzem quantidades significativas desta enzima, mas são
incapazes de sobreviverem em aerobiose.
De um modo geral, o teor da dismutase do super-óxido é maior em bactérias gram- que gram+. E
daí existirá uma correlação com o grau de tolerância ao O2 nas anaeróbias obrigatórias moderadas
– “esta é uma verdade clínica, que não é totalmente verdade, mas que serve para calar as nossas
consciências clínicas”.
Uma coisa muito importante é o Potencial de oxi-redução do meio, que tem a ver com a
electro-negatividade do meio. P.ex.: se o meio for muito electro-negativo, ou seja, bastante
reduzido, é possível fazer-se crescer anaeróbias estritas num meio de cultura líquido onde está
diluído O2 (como aquelas “pedras difusoras” de aquário), ou seja, estão expostas ao O2 e
conseguem crescer. É evidente que este meio electro-negativo é difícil de atingir num meio de
cultura convencional em laboratório e é quase impossível existir “in vivo”, mas é algo que
contribui e pode explicar porque é que as anaeróbias estritas mais sensíveis são capazes de
sobreviver em locais onde estão expostas ao O2, como, por exemplo, no suco gengival das
superfícies dentárias – porque estes meios serão mais electro-negativos.
Distribuição de bactérias anaeróbias no corpo humano
Elas existem em quase todos os locais em que existem populações microbianas autóctones, ou
seja, em quase todo o lado. Na boca: na superfície dentária existe 1 bactéria anaeróbia para 1
aeróbia (1:1), enquanto no suco gengival, a proporção é de 1000:1, o que é semelhante, deste
ponto de vista, ao cólon (“é horrível dizer isto desta maneira, mas é verdade”). O estômago tem
poucas bactérias devido ao seu pH ácido, mas o seu número vai aumentando à medida que se vai
progredindo no intestino. No aparelho genital feminino existe uma razão elevada de anaeróbias
em relação às aeróbias (3 a 5: 1).
Incidência de diferentes estirpes anaeróbias nas populações microbianas autóctones
Aqui estão enunciados alguns dos principais géneros de anaeróbias, usando-se um sistema de
classificação de 0 a 2 da sua localização por sistemas. Existe uma grande quantidade de géneros,
quer gram+ e gram-, no aparelho respiratório e no intestino, no aparelho genital e até na pele,
p.ex. a Propionibacterium (a P. acnes está muitas vezes envolvida na patogénese do acne).
Fazendo uma súmula: as bactérias anaeróbias predominam francamente em relação às
bactérias aeróbias (tanto obrigatórias como facultativas). Logo, a maioria das infecções por
anaeróbias têm origem endógena, são verdadeiros “cavalos de Tróia” (patogéneos oportunistas):
estas bactérias produzem infecção quando se espalham do seu local normal para locais
usualmente estéreis. Isto implica que, se à partida soubermos quais os organismos que fazem
parte das populações microbianas autóctones, conseguiremos prever qual a entidade dos agentes
responsáveis pela infecção, em função dos locais onde eles surgem ou dos locais adjacentes. Isto
põe então de parte a teoria da “muralha da China”, pois os microorganismos já estão dentro de
nós.
E quais as doenças que provocam?
A lista não é para saber de cor, mas nela temos a percentagem de casos da doença provocados
por bactérias anaeróbias. Por exemplo, o abcesso cerebral é provocado em 89% dos casos por
bactérias anaeróbias.
É
típico
das
bactérias
anaeróbias
produzir infecções necrotizantes, com
abcessos. P.ex. uma meningite, que é
uma
infecção
que
não
envolve
formação de abcesso, raramente é
provocada
por
anaeróbias.
Uma
bacteriemia
(infecção
da
sanguínea),
só
percentagem
numa
corrente
significativamente mais baixa é que é
provocada por anaeróbias (5 a 20%)
e, quando o faz, em 20% dos casos é
porque é secundário a infecções que
já existem, p.ex., secundária a um
abcesso pulmonar. As infecções do
aparelho urinário são menos que 1%.
Isto faz-nos perceber “pistas” para uma infecção por bactérias anaeróbias:
• odor pútrido da lesão ou descarga, porque as anaeróbias produzem aminas biogénicas
(putrescina ou cadaverina – que dá o cheiro aos cadáveres)
• localização do foco infeccioso próximo a superfície mucosa: as anaeróbias fazem parte das
populações das superfícies mucosas e imaginemos que esta foi invadida, devido a uma lesão
perfurante e introduziu directamente as anaeróbias nos tecidos profundos, que têm menos
quantidade de O2, logo, elas vão ter óptimas condições para proliferarem
• necrose tecidular
• formação de abcesso
• infecção secundária a mordedura humana ou animal - “se calhar vêm, por dia, ao Hospital de
São João, mais casos de mordeduras humanas que animais”
• gás nos tecidos ou no exsudado – sensação de crepitação
• tromboflebite séptica
Aspectos mais clínicos:
• “quadro clássico” – gangrena gasosa: dá-se uma ferida perfurante e rapidamente começa a
haver um foco infeccioso, que progride em poucas horas. Tem também sinais de crepitação e em
100% dos casos é causado por anaeróbias
• terapêutica com aminoglicosídeos / antimicrobianos de largo espectro – alteram profundamente
as populações microbianas normais: as razões entre anaeróbias e aeróbias (normalmente de 1:1)
desequilibram-se, pois as aeróbias morrem, logo as anaeróbias começam a proliferar imenso e
causam infecção
• fluorescência avermelhada com luz U.V. (Bacteroides ou Porphyromonas)
• presença de “grãos de enxofre” (amarelados) no exsudado (Actinomyces)
• culturas negativas em aerobiose, quando houve prévia observação de microrganismos (ex.: em
esfregaço)
Diagnóstico Laboratorial
1. Procedimentos recomendados para a colheita de amostras
Regras gerais:
- por aspiração com agulha e seringa – principalmente quando se trata de abcesso
- amostra de tecido por biópsia – ex.: tecido necrosado
(“O ideal é que fosse sempre assim”)
- Zaragatoas: devem ser, sempre que possível, rejeitadas (“há quem diga que as zaragatoas não
deviam entrar num laboratório de microbiologia, mas devo-vos dizer que se fosse assim se calhar
o laboratório não fazia mais do que 50% dos diagnósticos de infecções por anaeróbios – são um
mal necessário”). Porque devem ser rejeitadas:
• são mais susceptíveis de serem contaminadas: ao passar a zaragatoa posso contaminá-la com
membros da população microbiana normal de áreas adjacentes
• ficam mais expostas ao O2 ambiente e à dissecação
• colhem um pequeno volume de produto para amostra (é difícil recolher o produto a partir da
zaragatoa). Além disso, a zaragatoa não consegue penetrar num abcesso, logo, há que drenar o
abcesso, o que o expõe ao ar e, além disso, se o exsudado purulento escorrer sobre outros
tecidos, a amostra está a ser contaminada por microorganismos desse local. Ao ser mergulhada
no exsudado, a zaragatoa vai absorver uma quantidade muito menor do que o que seria aspirado
por uma seringa.
• não permitem a preparação de um bom esfregaço
Os livros tradicionalmente dizem que são amostras inaceitáveis por parte de um laboratório,
principalmente aquelas que vêem de locais intensamente habitados por anaeróbias:
- Zaragatoas nasais ou da orofaringe
- Zaragatoas gengivais
- Expectoração expectorada (o meio mais habitual de recolha para diagnóstico)
- Expectoração colhida por aspiração oro- ou nasotraqueal – contamina-se ao passar na via aérea
superior
- Expectoração colhida por broncoscopia, quando o cateter não tem a ponta protegida – é o
broncoscópio que, ao descer, antes de chegar aos bronquíolos, é contaminado nas vias aéreas
superiores. O broncoscópio de ponta protegida consiste em: é recoberto na ponta por uma
cápsula de gelatina (material biodegradável e inofensivo), que é ejectada quando está no local
onde se recolhe as secreções e é rapidamente degradada (não obstrui brônquios, não causando
atelectasias) – só neste caso é possível aceitar a amostra. A alternativa é a punção transtorácica
guiada por ecografia até ao sítio onde está o abcesso ou a necrose pulmonar.
- Conteúdo gástrico ou do intestino delgado (excepto no síndrome em “ansa cega” – em que o
intestino está ocluído nas duas extremidades)
- Conteúdo intestino grosso, de ileostomias, de colostomias ou fezes (excepto suspeita de C.
difficile ou C. botulinum – agentes específicos de diarreia por anaeróbios)
- Urina colhida por micção ou por sonda de Folley (algaliação) – tem que ser feita punção suprapúbica
- Zaragatoas vaginais ou cervicais
- Amostras colhidas da superfície de úlceras de decúbito, de feridas, escaras ou fístulas – muito
contaminadas e muito expostas ao O2
- Amostras colhidas em zonas adjacentes à pele ou a membranas mucosas que não tenham sido
devidamente descontaminadas
2. Transporte da amostra – fundamental para qualquer diagnóstico microbiológico
Deve ser rápido e adequado, de forma a preservar a viabilidade das bactérias e as proporções
relativas das populações bacterianas nos produtos, pois destes depende o sucesso do isolamento
correcto dos anaeróbios presentes na amostra. Regras gerais:
- As amostras, durante o transporte até ao laboratório, devem ser mantidas a 37ºC
- Evitar a refrigeração das amostras – existe diminuição do nº de microrganismos viáveis
Ex.: a urina tolera algumas horas em refrigeração a 4ºC (“na porta do frigorífico”) – isto é um
conceito arreigado nos cuidados de saúde, mas o problema é que se expõe diferentes produtos ao
mesmo tipo de refrigeração, o que não é bom, porque “nenhuma bactéria gosta de ser
refrigerada”. As bactérias da urina estão num meio de cultura de rico, logo conseguem resistir
mais tempo, mas os anaeróbios são extremamente sensíveis ao frio. Logo, nunca se devem
refrigerar amostras
Em condições ideais, a amostra será enviada ao laboratório numa atmosfera anaeróbia, húmida e
à temperatura ambiente. Recorre-se a um dispositivo e/ou meio de transporte, quando se prevê
um atraso superior a 15-20 minutos entre a colheita e o processamento ou quando se utilizou
uma zaragatoa. São geralmente constituídos por um meio semi-sólido pré-reduzido e esterilizado
em recipiente próprio, com uma atmosfera sem oxigénio e que contém um indicador de oxidaçãoredução. O problema é que estes estão desenhados (por parte dos fabricantes) para o transporte
de zaragatoas, logo acaba por ser mais fácil e mais prático recolher amostras e transportá-las
com zaragatoas.
Na prática diária
• um volume de 2 ml ou mais, em seringa com agulha “ocluida”, tolera 1 ou 2 horas à
temperatura ambiente, mas: tal depende do agente implicado e existe o risco de picada acidental
quando o técnico oclui a seringa com uma rolha de borracha. Além disso, não se deve dobrar
agulhas (entra na mesma O2 para a amostra)
• uma “grande” amostra de tecido (ex.: perna amputada…) mantém os microrganismos viáveis
durante “algumas horas”, mas deve-se:
- Recorrer a dispositivos e meios de transporte – no entanto…
* muitos são incompatíveis com certas amostras, principalmente biópsias
* a maioria foi concebido para transporte de zaragatoas – mas nestas não será possível ver a
“fluorescência”, típica dos anaeróbios, que vem nos livros.
Passos Intralaboratoriais
3. Exame directo da amostra
3.1 – Exame macroscópico
Normalmente quem o faz é o clínico: recebe a zaragatoa (que normalmente diz pouco), mas pode
encontrar “pistas” sobre a natureza e a qualidade da amostra… Sugerem a presença de bactérias
anaeróbias as mesmas coisas que existem nos locais de lesão:
- purulência
- odor pútrido
- tecidos necrosados
- pús com “grãos de enxofre”
Mas muitas vezes é difícil identificar estas características, porque a zaragatoa já está mais seca e
perde parte do cheiro. Pode-se também fazer:
- Exame com luz U.V. (360 nm): pesquisa de fluorescência
- Vermelho tijolo: Bacteroides pigmentados
A seguir devemos passar ao…
3.2 - Exame microscópico
- Esfregaço corado pelo gram: em conjunção com os dados clínicos, é o exame laboratorial mais
útil: “Imaginem que aparece ao microbiologista um administrador de hospital que fosse muito
minimalista em termos de custos e lhe dissesse: “O senhor só pode fazer um único teste de
diagnóstico”, para quem tem experiência em identificar anaeróbios isto parece uma aberração,
mas responderia assim: “A única coisa que eu quero então é poder preparar um esfregaço e corálo pelo Gram. Quero ver também o que se passa com o doente, qual o aspecto da lesão, dos
exsudados, da biópsia…” Eu considero isto uma atitude muito fundamentalista, típica de um
microbiologista que trabalhou muito com anaeróbios, que tem muita experiência, mas que
pertence à 2ª geração de bacteriologistas, ou seja: um de 1ª geração já ficava contente em saber
que se encontrava diante de anaeróbios, o de 2ª geração, usando os métodos culturais clássicos,
era já capaz de chegar a uma identificação definitiva, mas já ficaria contente se chegasse à
identificação de “anaeróbios”. O de 3ª geração usa já métodos de biologia molecular, não
culturais.”
Embora as anaeróbias, tal como as aeróbias, sejam bacilos e cocos e corem de mais ou menos
rosa, azul ou arroxeado, elas têm um aspecto um pouco diferente, o qual, para quem tem
sensibilidade, consegue identificá-las como sendo anaeróbias. Daí que se consiga observar a
morfologia típica de muitas bactérias, como:
•
Bacteroides: bacilo gram-, “pálido”, pleomórfico
•
Fusobacterium: bacilo fino, gram-, fusiforme
•
Veillonella: diplococo pequeno, gram- (“costumo dizer que são a versão anaeróbia da
Neysseria”)
•
Actinomyces: bacilo gram+ (não coram muito), em grupos, “ramificações”
Existem “bactérias Gram variáveis”: são bactérias filhas da mesma célula, ou seja, são da
mesma colónia, têm a mesma estrutura (conteúdo de peptidoglicano da parede), mas coram de
maneira diferente: umas Gram+ e outras Gram-. Tal não se deve a serem mais velhas ou a terem
condições de cultura diferentes. Estas bactérias são sempre anaeróbias, daí que o esfregaço de
Gram tenha importância na sua identificação.
Em alternativa, em meados dos anos 80 surgiu um método muito promissor, que seria usar
anticorpos monoclonais específicos contra determinada bactéria directamente no esfregaço,
produzindo-se Imunofluorescência. No entanto, estes anticorpos mostravam especificidade um
pouco duvidosa, o que diminui a sensibilidade do método. Actualmente, são só utilizados em
laboratórios de referência/investigação, pois têm custos elevados e não substituem a cultura
(devido aos seus falsos positivos e negativos).
3.3 - Outros procedimentos
- Análise directa ácidos gordos cadeia curta por cromatografia gás-líquida (GLC) – é um dos
métodos de referência para a identificação de isolados em meio de cultura. Contudo houve
alguém que se lembrou de usá-lo directamente na amostra: no entanto, nunca obteve grandes
resultados, pois as bactérias normalmente existem em pouca quantidade na amostra e existe uma
grande mistura de bactérias. É que, ao contrário das infecções por aeróbias, as infecções por
anaeróbias são tipicamente polimicrobianas, ou seja, existem várias bactérias que actuam em
conjugação para produzir a infecção: p.ex., numa infecção urinária por E.coli (aeróbia facultativa),
existe um predomínio claro (podem aparecer outras bactérias, arrastadas pela uretra, mas
identifica-se claramente a E.coli como agente infeccioso), enquanto que quando alguém tem um
abcesso pulmonar, uma pneumonia necrotizante ou um abcesso cerebral, tem ali uma mistura de
bactérias Gram + e -, cocos e bacilos e de vários géneros, acabando por ser o conceito de “a
união faz a força” que prevalece: populações microbianas normais aproveitam um desequilíbrio do
sistema, ou foram introduzidas em locais com baixa tensão de O2, proliferando em conjugação
uns com os outros. Daí que toda esta variedade de bactérias, em conjunto com a existência de
material purulento, faz com que este método seja pouco sensível. Sendo também dispendioso,
não é utilizado no diagnóstico de anaeróbios. Contudo, tem algum valor nas infecções do Sangue,
pois estas são normalmente monomicrobianas. Ainda assim, não é utilizado por rotina, pois as
infecções do sangue por anaeróbios são raras.
- Sondas DNA/PCR – mais recentemente começam a ter alguma relevância
•
No entanto, só estão disponíveis para um nº limitado de agentes e não existem sondas de
PCR disponibilizadas comercialmente (têm que ser desenhadas pelo próprio laboratório)
- Microscopia campo escuro/ contraste fase – só tem interesse para detecção de um determinado
grupo de bactérias, as Espiroquetas, mais precisamente o Treponema Pallidum, causador da sífilis,
uma bactéria anaeróbia incultivável. Tem pouco interesse prático.
- Testes “serológicos” – pouco têm de serológicos, pois são feitos directamente nos produtos
biológicos, para a detecção de antigénios:
•
Uso limitado; controverso. ex.: aglutinação latex (Clostridium difficile)
- EIA (métodos imunoenzimáticos)
•
Detecção toxina A e B do C. difficile – maior valor. Bactéria que produz diarreia e que leva
tempo a cultivar, logo a detecção da toxina torna a identificação da infecção muito mais
rápida
Quanto ao exame directo da amostra, na maior parte dos laboratórios só se efectua mesmo o
esfregaço de Gram. Logo, tradicionalmente, deve-se passar para um exame cultural:
4. Processamento laboratorial das amostras
Uma
informação
clínica
completa
(tipo
de
infecção,
doenças
subjacentes,
terapêutica
antimicrobiana) combinada com a informação obtida do exame macroscópico e microscópico, é
essencial, ao microbiologista, na escolha dos meios de cultura a utilizar para as sementeiras
primárias:
4.1 - Selecção dos meios de cultura
- A maioria das infecções são polimicrobianas: isto implica usarem-se meios selectivos e meios
não selectivos. É sempre difícil valorizar tudo aquilo que cresce, ou seja, há que diferenciar qual
ou quais os agentes implicados na infecção daqueles que vieram por contaminação.
- O grau de “selecção” vai depender do: tipo de amostra, volume da amostra e dos recursos
económicos do laboratório
Como mínimo:
- Meio não selectivo: fazem-se culturas em duplicado: incuba-se uma em anaerobiose e outra em
aerobiose. No entanto há que perceber que se um organismo cresce em anaerobiose, isto não
quer dizer que seja anaeróbio obrigatório, pois os aeróbios facultativos também crescem em
anaerobiose. Uma coisa que acontece muitas vezes é que existem bacilos gram– que só crescem
em anaerobiose, mas à 2ª ou 3ª geração (ou repicagem) começam a crescer em aerobiose –
normalmente isto acontece com a E. coli. Este é um daqueles fenómenos de repressão
enzimática: esta E. coli (aeróbia facultativa) viveu durante tanto tempo numa atmosfera de
anaerobiose que reprimiu as enzimas que degradam os metabolitos tóxicos de O2, mas agora é
capaz de as voltar a sintetizar.
- Meio selectivo para microrganismos: como por ex. grupo do Bacteroides fragilis
Característica dos Meios de Cultura:
- As bactérias anaeróbias são por via de regra nutricionalmente muito exigentes, requerendo
meios de cultura com base de gelose sangue, suplementados com vitaminas, coenzimas e
factores de crescimento.
- Os meios devem ser frescos (preparados há poucas horas, ou seja, foram aquecidos a mais de
60ºC, logo libertaram o O2) ou terem sido pré-reduzidos (o meio de cultura deve ser mantido em
anaerobiose, mesmo antes de ser semeado: o se isto não acontecer, durante a preparação do
meio o O2 pode-se ir dissolvendo no meio de cultura e se este tiver O2, mesmo que a atmosfera
em que ele seja posto a cultivar não tenha O2, este pode inibir o crescimento das anaeróbias
muito sensíveis, estritas).
Os quatro meios de cultura mais utilizados para o isolamento de anaeróbios ou as bases de meio
de cultura (pois eles podiam ser enriquecidos com sangue, soro, factores de crescimento…), eram
considerados os “4 magníficos” pois eram meios de cultura que por si só também já tinham
agentes redutores, para manterem a menor quantidade possível de O2 no meio. Estes eram
Shedler e o tioglicolato em caldo ou em estolido mas pode-se perfeitamente cultivar anaeróbios
numa cultura que seja Columbia, Agar, Breyner-Agar ou caldo – crescem perfeitamente.
4.2 - Preparação das amostras para a sementeira
Deve-se extrair e concentrar os microorganismos presentes:
- Grande volume líquido (ex.: 5 ml de exsudado purulento): concentrar por centrifugação; semear
o sedimento
- Zaragatoa: coloca-se um pequeno volume (0.5 a 1 ml) de caldo tioglicolato num tubo de ensaio
e esfregar suavemente a zaragatoa nas paredes do tubo de ensaio, para extrair o material
- Tecidos (ex.: biópsia): homogeneização em 1 ml caldo tioglicolato; suave e rápida
Importante: evitar exposição prolongada ao ar!
4.3 - Incubação em anaerobiose
- Temperatura habitual: 37ºC
- Pretende-se uma incubação em atmosfera sem O2 livre
- Composição habitual: 5% H2, 5% CO2, 80% N2 – todos gostariam que atmosfera tivesse um
pouco mais de H2, mas não se pode ter porque seria demasiado explosiva
A escolha entre os diferentes sistemas de produção de anaerobiose é condicionada por diversos
parâmetros: o principal é os recursos económicos. Qualquer um deles é satisfatório para o
isolamento dos anaeróbios mais frequentemente implicados em doença humana (mas pode não
servir para todos):
- Jarra anaerobiose: fica fechada e tem um gerador próprio da mistura gasosa acima descrita
(Sistema GAS PAK); ou então usa-se o Sistema de evacuação-substituição: extrai-se a atmosfera
normal (com 21% de O2) e introduz-se a mistura gasosa livre de O2 (anaerobiose não imediata,
mas mais rápida – e cara). Como desvantagens: anaerobiose relativamente lenta (principalmente
se for feita com um gerador).
Quando se fecha a jarra, o gerador começa a produzir a atmosfera sem O2, mas algum O2 ainda
ficou lá retido (não existe uma anaerobiose imediata): o H2 produzido pelo gerador combina-se
com o O2 e forma água (H2O) que se deposita no fundo da jarra, logo: empilham-se várias placas
de Petri na jarra, mas a placa do fundo fica vazia, para evitar a contaminação por bactérias que
podem ser arrastadas pela água.
- Saco de anaerobiose: versão clássica da Jarra. Formado por um plástico impermeável ao ar e
com gerador da mistura gasosa sem O2. É pequeno e mais barato que a jarra, logo é mais
conveniente para laboratórios que façam culturas de anaeróbios mais esporadicamente.
- Só funciona com o sistema GAS PAK
- Desvantagem: só pode utilizar 2 placas de Petri de cada vez
Quer com a Jarra, quer com o Saco, quando se abre o dispositivo para inspeccionar as culturas,
ao colocá-las em cima da mesa de trabalho estamos a expô-las a um ambiente de aerobiose, logo
o processamento tem de ser rápido: tem de ser uma pessoa com experiência, senão mesmo que
se tenha cultivado em anaerobiose, se se expõe as bactérias durante muito tempo ao O2, vai
haver uma inibição do seu crescimento. Daí que não se queiram nem Jarras nem Sacos muito
grandes, porque só uma pessoa não consegue processar em tempo útil (15 a 20 minutos) todas
as placas. Logo foi necessário criar a:
- Câmara de anaerobiose: aqui tudo se processa em anaerobiose: é uma câmara fechada (como
se fosse uma câmara de fluxo laminar), onde existe uma porta por onde se introduz os meios de
cultura e na qual há a própria estufa de incubação, ou seja, todo o processamento da amostra é
feito anaerobiose. Funciona segundo um sistema de evacuação/substituição. Permite o uso das
técnicas de cultura convencionais.
Desvantagens: preço muito elevado, ocupa muito espaço, “time consuming” e manutenção difícil “avarias”.
- Roll tube/tubo Hungate: (“só é utilizado num laboratório no mundo – um centro de referência
para anaeróbios – e mesmo esse, recentemente, comprou várias câmaras de anaerobiose”) A
técnica é muito bizarra: os tubos não estão numa câmara, mas antes estão sempre expostos a
um jacto de gás inerte que não contém O2, logo afasta o O2 da atmosfera – o que implica um
grande gasto. Tem a vantagem teórica de observar os tubos sem quebrar a anaerobiose, mas é
difícil isolar estirpes em cultura pura e fazer repicagens. Nunca foi usado para diagnóstico clínico.
No entanto estes sistemas não são infalíveis, logo deve-se fazer o Controlo de Anaerobiose por
inicadores:
- Químicos
- Biológico: anaeróbios estritos
▫ Fusobacterium
▫ Porphyromonas
aeróbios estritos ▫ Pseudomonas aeruginosa
5. Identificação de bactérias anaeróbias
Bastante complexa e demorada, sendo feita a dois níveis:
5.1 – Identificação Presuntiva – muito importante, pois a identificação definitiva é em geral
muito mais demorada nas bactérias anaeróbias que nas aeróbias facultativas – os anaeróbios têm
necessidades nutricionais mais exigentes e crescem lentamente em cultura. É feita normalmente
por testes simples (semelhantes aos das bactérias aeróbias):
- Sensibilidade aos antimicrobianos – da mesma maneira que se faz para outras bactérias.
Permite dividir as bactérias dentro de grandes grupos, como sejam Cocos ou Bacilos. Usam-se:
colistina, vancomicina, kanamicina, metronidazol
- Provas bioquímicas: catalase, produção indol, redução nitratos, polianetol sulfonato sódio,
crescimento em meio com sais biliares, alanina peptidase, urease, lecitinase/ lipase
- Testes cromogénicos: existem kits de identificação rápida (4 a 24 h). Também se usam: ß
glicosidase, ß galactosidase, alfa glicosidase, alfa fucosidase
Usam-se vários destes testes e utilizando os dados, pode-se presumir a que grupo pertence a
bactéria.
5.2 – Identificação Definitiva
“A identificação das bactérias anaeróbias vai continuar na próxima 6ª feira” – leiam a aula
desgravada seguinte :)
Boa sorte para Janeiro!
Mariana Brandão – turma 3
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