ARS VETERINARIA, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 231-237, 2002. ISSN 0102-6380 EFEITO DA ROMIFIDINA SOBRE AS DIMENSÕES ECOCARDIOGRÁFICAS E SOBRE ÍNDICES DA FUNÇÃO CARDÍACA EM EQÜINOS (EFFECTS OF ROMIFIDINE ON ECHOCARDIOGRAPHIC MEASUREMENTS OF CARDIAC DIMENSIONS AND INDICES OF CARDIAC FUNCTION IN HORSES) J. C. CANOLA1, J. J. CARDENAS2, P. A. CANOLA3 RESUMO Com o presente estudo foi avaliado, por meio da ecocardiografia, o sistema cardiovascular de dez eqüinos adultos sob efeito da romifidina, determinando-se os índices relativos às funções ventriculares esquerdas. No Grupo 1, controle, foi administrado intravenosamente placebo. Nos Grupos 2 e 3 aplicou-se, por via intravenosa, romifidina nas doses de 60 µg/ kg e 100 µg/kg, respectivamente. O intervalo entre os tratamentos foi de 15 dias, permitindo o total restabelecimento dos animais. Os dados relativos aos ecocardiogramas foram tomados a cada 15 minutos, por um período de 60 minutos. Os índices das funções ventriculares esquerdas serviram para mensurar a taxa e o débito cardíaco (DC). O eletrocardiograma (ECG) permitiu determinar a presença e o tempo médio de duração do bloqueio atrioventricular de segundo grau (BAV2o). As pressões arteriais diastólica (PAD), média (PAM) e sistólica (PAS) foram aferidas nos diferentes momentos e determinadas por metodologia oscilométrica do tipo não invasivo. Independentemente da dose de romifidina utilizada não ocorreram variações significativas com relação à fração de ejeção (FE), à fração de encurtamento (FS), à pressão arterial média (PAM) e à pressão arterial sistólica (PAS). Todavia, a PAD e o DC diminuíram significativamente sob efeito da romifidina. O BAV2o, observado em todos os animais tratados com romifidina, foi dose dependente. O aumento na amplitude das ondas T no eletrocardiograma, entre 45 e 60 minutos, foi compatível com um quadro de hipóxia cardíaca. As alterações observadas no ecocardiograma permitiram concluir que o uso da romifidina em eqüinos reduz o DC em conseqüência da diminuição da freqüência cardíaca (FC). PALAVRAS-CHAVE: Eqüinos. Romifidina. Ecocardiografia. SUMMARY The cardiovascular system of adult horses treated with romifidine was evaluated by echocardiography, by measurement of dimensional variations and relative indexes of the left ventricular function. Ten healthy horses were submitted to three different treatments. Placebo was administered intravenously in G1. In G2 and G3 was administered respectively 60 µg/kg and 100 µg/kg of romifidine intravenously. The interval between treatments was 15 days. Echocardiogram was performed every 15 minutes for 60 minutes. The indexes of the left ventricular functions, fractional ejection and fractional shortening, were used to measure the rate and cardiac output. The electrocardiogram was performed to investigate the presence of the second-degree heart block. The systolic, diastolic, and mean arterial blood pressures were measured by a 1 Professor Assistente Doutor, Depto. de Clínica e Cirurgia Veterinária - Unesp, Campus de Jaboticabal. Via de acesso Prof. Paulo D. Castellane. CEP 14870-000, Jaboticabal, SP, Brasil. End. Eletrôn.: [email protected] 2 Pós-graduando do Curso de Mestrado em Medicina Veterinária - Área de Concentração em Cirurgia - Unesp - FCAVJ. 3 Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária - Unesp - FCAVJ. 231 CANOLA, J. C.; CARDENAS, J. J.; CANOLA, P. A. Efeito da sedação com romifidina sobre as medidas ecocardiográficas das dimensões e índices da função cardíaca em eqüinos. / Effects of romifidine on echocardiographic measurements of cardiac dimensions and indices of cardiac function in horse.. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 231-237, 2002. noninvasive oscilometric method. There were no changes in fractional ejection, fractional shortening and systolic and mean arterial blood pressures, regardless the dose of romifidine. Diastolic arterial blood pressure and the cardiac output reduced significantly after romifidine administration. The second-degree heart block observed in all animals treated with romifidine was dose dependent. The increase of the T waves in the electrocardiogram between 45 and 60 minutes after romifidine suggested hipoxia. It was concluded that romifidine decreased the cardiac output in horses due to reduction of the heart rate. KEY-WORDS: Horse. Romifidine. Echocardiography. INTRODUÇÃO MATERIAL E MÉTODOS Um dos sistemas referentes à homeostase que se deteriora rapidamente depois de procedimentos pré-anestésicos, anestésicos ou analgésicos é o cardiopulmonar. A ultra-sonografia é um método não-invasivo e bem tolerado pelos cavalos na avaliação do débito cardíaco (DC). Todavia, alguns animais apresentam comportamento inadequado durante o exame, sendo necessário o uso de fármacos que podem afetar quantitativamente os resultados ecocardiográficos (PATTESON et al., 1995). A mensuração cardíaca, que torna possível a determinação dos índices da função ventricular, são de grande utilidade clínica, pois variações podem representar uma falha no bombeamento sangüíneo (LIGHTOWLER et al., 1996). A avaliação da função sistólica do ventrículo esquerdo, fração de ejeção (FE%) e fração de encurtamento (FS%), são as mensurações mais utilizadas na ecocardiografia de eqüinos (NYLAND & MATTOON, 1995; PATTESON et al., 1995). Têm sido reportados aumentos na dimensão cardíaca e diminuição dos índices da função ventricular, espessamento das paredes ventriculares e bradicardia após sedação com detomidina na dose de 0,01 mg/kg (PATTESON et al., 1995). A romifidina é um dos novos alfa-2-agonistas utilizados na sedação de cavalos (POULSEN-NAUTRUP, 1988). Episódios de hipertensão seguidos por hipotensão e bloqueio atrioventricular de segundo grau (BAV2ο) após aplicação de romifidina são reconhecidos (CLARK et al., 1991). O objetivo deste estudo foi o de determinar se a função sistólica do ventrículo esquerdo de eqüinos, analisada em diferentes momentos por meio da ecocardiografia, variava significativamente pela sedação realizada com a romifidina. Da mesma forma, procurou-se verificar se os resultados obtidos eram suficientemente diferentes da normalidade a ponto de afetarem uma interpretação ecocardiográfica, uma vez que não foram encontradas na literatura relatos sobre este procedimento. No presente trabalho foram estudados 10 eqüinos adultos, dos quais cinco machos e cinco fêmeas, considerados hígidos após avaliação, registrando-se parâmetros de freqüência cardíaca (FC) em batimentos por minuto (bat/min), pulso (P) em pulsações por minuto (p/min) e freqüência respiratória (FR) registrada por contagem da movimentação do gradil costal (movi/min). Os animais, sem raça definida e com peso corpóreo médio de 379 kg, tinham entre 4 e 15 anos de idade e foram submetidos a três diferentes tratamentos (G1, G2, G3), repetidos a intervalos de 15 dias entre si. No G1, grupo controle, foram administrados intravenosamente 5,0 ml de solução fisiológica (NaCl a 0,9%), simulando a quantidade da droga a ser injetada nos dois outros tratamentos. No G2 e no G3 foram administrados, intravenosamente, 60 µg/kg e 100 µg/kg de romifidina, respectivamente. Em todos os tratamentos realizados foram colhidos dados referentes à freqüência cardíaca (FC), à pressão arterial, ao eletrocardiograma (ECG) e à ecocardiografia. Para melhor proteção dos aparelhos e dos operadores, os animais foram contidos no interior de um tronco. Todos os parâmetros foram tomados imediatamente antes (M0) e após os respectivos tratamentos, sendo repetidos com intervalos de quinze minutos, perfazendo-se um total de quatro colheitas (M1, M2, M3, M4), num período máximo de sessenta minutos. Utilizando-se do programa de biometria cardíaca, instalado no aparelho de ultra-som, a primeira avaliação realizada foi a FC. A pressão arterial foi obtida usando-se método não-invasivo, com emprego de aparelho digital tipo oscilométrico1 , cujo manguito foi posicionado na base da cauda, devidamente adaptado após tricotomia e limpeza local. Para cada momento preconizado para a colheita dos parâmetros, a pressão arterial média (PAM), a pressão arterial diastólica (PAD) e a pressão arterial sistólica (PAS) foram aferidas três vezes. Os dados finais 232 CANOLA, J. C.; CARDENAS, J. J.; CANOLA, P. A. Efeito da sedação com romifidina sobre as medidas ecocardiográficas das dimensões e índices da função cardíaca em eqüinos. / Effects of romifidine on echocardiographic measurements of cardiac dimensions and indices of cardiac function in horse.. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 231-237, 2002. dessas variáveis ficaram, em cada momento, representados pela média aritmética das respectivas pressões. A varredura eletrônica foi realizada com aparelho de ultra-som 2 e a ecocardiografia feita na região paraesternal direita, dorsal ao olécrano e correspondendo ao 4º ou 5º espaço intercostal, após a realização de tricotomia em pequena área. Os espaços intercostais preestabelecidos serviram como janelas acústicas para a varredura eletrônica do coração, após aplicação de gel na pele e na extremidade distal do transdutor setorial mecânico de 3,5 MHz, como o estabelecido por TOAL (1994). O coração foi inicialmente localizado, no seu eixo longitudinal (eixo maior), observando-se suas quatro câmaras em imagens bidimensionais (2D). Na seqüência, o transdutor foi lentamente rotacionado no sentido horário, em aproximadamente 90º, obtendo-se assim imagens transversais deste órgão (eixo menor). Durante essa varredura eletrônica os músculos papilares e as cordas tendíneas, considerados pontos referenciais para a realização das medidas cardíacas em Modo-M, foram localizados alterando-se o ângulo de apoio da extremidade distal do transdutor em contato com a pele. Definido o ponto de interesse, a linha eletrônica presente no Modo-B foi deslocada lateralmente do seu eixo central e posicionada entre os músculos papilares, sendo então acionado o ModoM (LONG, 1992). Com a imagem congelada no monitor de vídeo, foram mensurados, durante a diástole e no mesmo nível, o espessamento do septo interventricular (IVSd), o diâmetro do ventrículo esquerdo (EDD) e o espessamento da parede livre do ventrículo esquerdo (LVFWd). Durante a sístole cardíaca foram medidos o espessamento do septo interventricular (IVSs), o diâmetro do ventrículo esquerdo (ESD) e o espessamento da parede livre do ventrículo esquerdo (LVFWs). Os valores numéricos obtidos foram armazenados na memória do programa e automaticamente apresentados em forma de relatório, que continha dados relativos a FE, FS e DC. A fórmula usada para o cálculo do volume foi a de Teicholz, segundo NYLAND & MATTOON (1995). As imagens, os valores das medidas realizadas e os resultados dos cálculos desenvolvidos automaticamente foram impressos em papel térmico3 , utilizando-se vídeo impressora4 e, também, com auxílio de um programa de comunicação, capturados e gravados em disco rígido de computador5 . Para a eletrocardiografia, empregou-se um eletrocardiógrafo computadorizado6 , onde os eletrodos foram fixados com auxílio de agulhas de aço inoxidável implantadas na região escapular dos membros anteriores e na altura das articulações fêmur-tíbio-patelares, utilizando-se o método Base-Ápice. A derivação periférica utilizada foi aVL com velocidade de 25mm/s, acompanhada de uma sensibilidade de 2N. As medidas feitas antes e após a sedação foram comparadas pelo test F e o Test de Tukey ao nível de 5% de significância, para comparação das médias, considerando-se grupos (G1, G2 e G3) e momentos (M0, M1, M2, M3, M4). RESULTADOS A freqüência cardíaca não diferiu significativamente entre G2 e G3, mas foi menor (p<0,01) nestes grupos que no grupo controle ( Tabela 1). A FE e a FS não apresentaram diferenças significativas em função dos grupos e dos momentos, apesar de serem, em números absolutos, inferiores nos grupos sedados com romifidina ( Tabela 2 ). O DC, representado em litros por minuto, variou significativamente (p<0,05) quando comparado os grupos G2 e G3 ao grupo controle (Tabela 3). Em função dos grupos e dos momentos, o uso da romifidina causou redução significativa (p<0,01) do DC nos momentos M1 e M2 ( Tabela 3 ). A pressão arterial sistólica, média e diastólica não variaram significativamente entre os grupos. Em função dos momentos, foi detectada uma redução significativa (p<0,05) para a pressão arterial diastólica entre 30 (M2) e 45 minutos (M3) após a aplicação da romifidina (Tabela 4). O bloqueio atrioventricular de segundo grau (BAV2o) surgiu mais precocemente e permaneceu por um tempo maior quando os animais foram submetidos ao tratamento com 100 µg/kg de romifidina, podendo ser observado tanto no ECG como no Modo-M durante a varredura eletrônica (Figura 1). Alguns animais submetidos à aplicação de romifidina apresentaram no ECG, principalmente no M3, um aumento na amplitude da onda T. 233 CANOLA, J. C.; CARDENAS, J. J.; CANOLA, P. A. Efeito da sedação com romifidina sobre as medidas ecocardiográficas das dimensões e índices da função cardíaca em eqüinos. / Effects of romifidine on echocardiographic measurements of cardiac dimensions and indices of cardiac function in horse.. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 231-237, 2002. Tabela 1- Valores médios da freqüência cardíaca (FC) em eqüinos tratados com solução fisiológica (G1), 60 µg/kg (G2) e 100 µg/kg (G3) de romifidina. Grupo FC Momento FC-G1 FC-G2 FC-G3 Teste F DMS (5%) G1 48,08a M0 47,30Aa 47,40Aa 48,00Aa 0,02 ns 9,5333 G2 37,14b M1 48,00Aa 32,10Bb 31,00Bb 14,67** 8,7725 G3 36,34b M2 49,40Aa 34,90Bb 31,40Bb 15,33** 8,6098 Teste F 7,81** M3 49,40Aa 35,40Bb 35,50Bb 5,69** 11,921 DMS(5%) 8,288 M4 46,30a 35,90Bb 35,80Bb 5,45* 9,1244 M0 = momento antes da romifidina; M1 = 15 minutos após romifidina; M2 = 30 minutos; M3 = 45 minutos; M4 = 60 minutos; DMS = diferença mínima significativa. -Médias com a mesma letra maíscula na linha vertical não diferem entre si a 5% de probabilidade. -Médias com a mesma letra minúscula na linha horizontal não diferem entre si a 5% de probabilidade. Tabela 2 - Valores médios da fração de ejeção (FE%) e da fração de encurtamento (FS%) do ventrículo esquerdo em eqüinos tratados com solução fisiológica (G1), 60 µg/kg (G2) e 100 µg/kg (G3) de romifidina. Grupo FE% FS% Momento FS%-G1 FS%-G2 FS%-G3 Teste F DMS(5%) FE%-G1 FE%-G2 FE%-G3 Teste F DMS(5%) G1 39,14a 67,12a M0 36,80a 38,10a 39,30a 0,70ns 5,2877 67,70a 65,90a 67,30a 0,45ns 6,886 G2 37,26a 64,52a M1 40,20a 34,50a 32,40a 2,28ns 9,4358 68,40a 60,50a 58,30a 2,16ns 12,764 G3 37,70a 65,36a M2 38,80a 34,30a 35,60a 1,88ns 5,9726 67,00a 60,80a 63,60a 1,97ns 7,8097 Teste F 0,43ns 0,46ns M3 42,20a 37,60a 39,10a 1,55ns 6,6469 70,40a 65,50a 67,20a 1,26ns 7,8296 DMS(5%) 5,2772 6,934 M4 37,70a 41,80a 42,10a 1,03nss 8,5494 65,10a 69,90a 70,24a 1,04ns 10,131 M0 = momento antes da romifidina; M1= 15 minutos após romifidina; M2 = 30 minutos; M3 = 45 minutos; M4 = 60 minutos; DMS = diferença mínima significativa. -Médias seguidas pela mesma letra não diferem ao nível de 5% de probabilidade. Tabela 3 - Valores médios do débito cardíaco (DC), em litros por minuto, em eqüinos tratados com solução fisiológica (G1), 60 µg/kg (G2) e 100 µg/kg (G3) de romifidina. Grupo DC Momento DC-G1 DC -G2 DC -G3 Teste-F DMS(5%) G1 14,22a M0 14,10Aa 16,70Aa 14,80Aa 1,16ns 4,4205 G2 11,34ab M1 15,60Aa 8,80Bb 8,30Bb 10,55** 4,4346 G3 10,66b M2 14,10Aa 9,40Bb 8,60Bb 6,77** 4,0319 Teste -F 4,18* M3 14,40Aa 11,10Aa 10,60Aa 12,12 ns 5,0049 DMS(5%) 3,2632 M4 12,90Aa 10,70Aa 11,00Aa 1,07ns 4,0678 M0 = momento antes da romifidina; M1 = 15 minutos após romifidina; M2 = 30 minutos; M3 = 45 minutos; M4 = 60 minutos; DMS = diferença mínima significativa. -Médias com a mesma letra maíscula na linha vertical não diferem entre si a 5% de probabilidade. -Médias com a mesma letra minúscula na linha horizontal não diferem entre si a 5% de probabilidade. 234 CANOLA, J. C.; CARDENAS, J. J.; CANOLA, P. A. Efeito da sedação com romifidina sobre as medidas ecocardiográficas das dimensões e índices da função cardíaca em eqüinos. / Effects of romifidine on echocardiographic measurements of cardiac dimensions and indices of cardiac function in horse.. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 231-237, 2002. Tabela 4 - Valores médios da pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial média (PAM) e da pressão arterial diastólica (PAD) em eqüinos tratados com 60 μg/kg e 100 μg/kg de romifidina. M0 = momento antes da romifidina; M1 = 15 minutos após romifidina; M2 = 30 minutos; M3 = 45 minutos; M4 = 60 minutos; DMS = Diferença Mínima Significativa. -(*) = p<0,05. -Médias na linha vertical com pelo menos uma letra igual não diferem entre si a 5% de probabilidade. Pressão Momento M0 M1 M2 M3 M4 mmHg 135,46 a 125,23 a 131,96 a 131,93 a 134,03 a PAM M0 M1 M2 M3 M4 PAD M0 M1 M2 M3 M4 PAS Teste F DMS (5%) 1,92 ns 11,121 102,56 a 98,53 a 104,13 a 101,53 a 90,50 a 0,60 ns 11,523 80,26 ab 86,16 ab 88,73 a 77,23 b 84,20 ab 2,61 * 11,189 Figura 1- Ecocardiograma em Modo-M, obtida de um animal do G3, mostrando a ocorrência de bloqueio atrioventricular de segundo grau (BAV2º), 15 minutos após a administração da romifidina (setas). DISCUSSÃO Uma das manifestações mais evidentes da romifidina, como agente alfa 2 agonista, é o seu efeito bradicárdico (KERR et al., 1972; MUIR et al., 1979). Neste delineamento experimental, a bradicardia ocorreu em ambos os grupos de animais que receberam romifidina. Todavia, a bradicardia mais pronunciada surgiu no tratamento realizado com uma dose maior deste fármaco (G3), caracterizando assim ser dose-dependente. A bradicardia também foi verificada em outros modelos experimentais em eqüinos submetidos à administração intravenosa de romifidina (MUIR et al.,1979) ou detomidina (PATTESON et al.,1995). Os menores valores de FC foram encontrados durante o primeiro momento (M1), logo após a aplicação da romifidina, apresentando no decorrer das demais avaliações a tendência de alcançar gradualmente o índice médio obtido antes do tratamento. O registro da freqüência cardíaca nos dez primeiros minutos da administração intravenosa da romifidina, mediante o uso de eletrocardiograma, foi inviável devido ao relaxamento muscular, que produzia oscilamento corporal com ataxia e sonolência, provocada pela ação do fármaco (GEISER, 1990; FANTONI et al., 1994). Por outro lado, neste mesmo espaço de tempo, a ecocardiografia foi prejudicada pela sobreposição cardíaca do lóbulo pulmonar direito, tal como relatou SHORT (1997), impedindo assim a obtenção de ecocardiogramas e conseqüentemente a mensuração da FC por meio dessa metodologia. Em virtude do tempo decorrido entre a aplicação de romifidina e o primeiro momento de avaliação (M1), não foi possível avaliar com precisão o quadro inicial de hipertensão seguido de hipotensão, como relataram CLARK et al. (1991), e episódios de bradicardia (KERR et al., 1972). O estado de hipotensão também foi verificado por WAGNER et al. (1991) durante o uso intravenoso de xilazina ou de detomidina em eqüinos. A redução significativa da pressão diastólica aos 45 minutos (M3) após aplicação da romifidina coincidiu com o momento de maior dificuldade para se obter seu valor. Esse resultado reforça a observação feita por PATTESON et al. (1995), evidenciando claramente a ineficácia do método oscilométrico na tomada da pressão arterial, em modelos experimentais com drogas hipotensoras. A este respeito, por ser a pressão diastólica a que apresentou valores numéricos menores, tornou-se evidente a falta de sensibilidade do método para registrá-la com a devida precisão. Quanto aos índices ventriculares, FE e FS, apesar de os valores terem sido inferiores nos animais tratados com romifidina, pode-se inferir que esses índices não foram responsáveis pela redução do DC nos eqüinos sedados. O estudo do efeito da romifidina no sistema cardiovascular avaliado por meio de ecocardiogramas, ao contrário da xilazina e da detomidina, não havia sido, ainda, realizado. Quando do uso da xilazina (PIPERS et al., 1979) e da detomidina (PATTESON et al., 1995), os estudos demonstraram que houve redução da espessura da 235 CANOLA, J. C.; CARDENAS, J. J.; CANOLA, P. A. Efeito da sedação com romifidina sobre as medidas ecocardiográficas das dimensões e índices da função cardíaca em eqüinos. / Effects of romifidine on echocardiographic measurements of cardiac dimensions and indices of cardiac function in horse.. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 231-237, 2002. parede livre e do septo intraventricular durante a sístole ventricular, com importante aumento da área cardíaca total e diminuição dos índices inotrópicos positivos. Como conseqüência, ocorreu decréscimo na força de contração do coração com redução do débito cardíaco, o qual depende diretamente dos índices ventriculares. Os efeitos da romifidina neste modelo experimental foram semelhantes aos descritos por PIPERS et al., (1979), porém a redução dos índices ventriculares não influenciou no DC. A diminuição do espessamento da parede do septo interventricular durante a sístole, associado ao aumento do diâmetro do ventrículo esquerdo na diástole, não comprometeu significativamente o volume sistólico final, que depende da FE e da FS, que influenciam no DC (MUIR & HUBBELL, 1991). A variação do DC aos quinze (M1) e aos trinta minutos (M2) pode ser inferida a bradicardia encontrada nos animais sedados com romifidina, uma vez que não houve variação significativa dos índices ventriculares. Nesse caso, quanto maior a dose utilizada, menor foi o valor da FC, com conseqüente redução no DC. Este achado corrobora com os relatos de MUIR & HUBBELL (1991), que reconheceram a influência direta da FC, além do volume sistólico final, sobre o DC. De acordo com WAGNER et al. (1991), a vasoconstrição inicial provocada pela romifidina induz o aumento da pressão arterial, que, estimulando um mecanismo reflexo, aumenta o tônus parassimpático, por via vagal, diminuindo assim a FC e o DC. Segundo SHORT (1997), a diminuição da FC pode também ser produzida pela interrupção na condução do estímulo elétrico, que é o bloqueio elétrico de segundo grau. Algumas das manifestações colaterais da romifidina no sistema cardiovascular, segundo GÓMEZVILLAMANDOS et al. (1994), efetivamente estão presentes no primeiro momento da sua aplicação, fato observado e aqui comprovado pelo surgimento imediato de bloqueios atrioventriculares de segundo grau. O bloqueio átrio ventricular de segundo grau (BAV2°), assim como a FC (MUIR et al.,1979), mostrou ser em efeito também dose dependente, pois surgiu mais rapidamente e perdurou por mais tempo no tratamento com dose maior de romifidina (G3). Há ainda que considerar a ação da romifidina diretamente sobre o centro cardiovascular, influenciando o tônus autonômico cardíaco com depressão do miocárdio. Esse efeito pode ser devidamente comprovado pelo uso de drogas parassimpatolíticas administradas antes ou após a romifidina (GASTHUYS et al., 1990; MARQUES et al., 1998). 236 O mecanismo acima mencionado é de grande importância, uma vez que a vasoconstrição inicial aumenta a resistência vascular e conseqüentemente a pós-carga cardíaca, tornando mais difícil a ejeção do sangue pelo ventrículo esquerdo durante a fase hipertensiva da droga. Todavia, a fase hipotensiva da medicação contribui mais ainda para a queda do DC, tal como foi observado neste estudo (PATTESON et al. 1995), isto por que esta fase coincide com a redução do inotropismo por mecanismos como o descrito acima. Os episódios de hipoventilação evidenciados por PATTESON et al. (1995), aos quarenta e cinco minutos da administração de detomidina, podem estar aqui representados pelo aumento da onda T observada em alguns animais, caracterizando quadros de hipóxia. A dificuldade respiratória causada pelo relaxamento muscular provocado pela romifidina foi descrito anteriormente por GEISER (1990) e FANTONI et al. (1994). Independentemente da via pela qual a romifidina atua, deve-se reconhecer os importantes efeitos que este fármaco alfa-2 agonista exerce sobre o sistema cardiovascular, principalmente na atividade elétrica do miocárdio, na capacidade cronotrópica positiva do coração e no DC, como observado neste estudo. CONCLUSÕES Pode-se concluir que a sedação de eqüinos hígidos com romifidina nas doses de 60 μg/kg ou de 100 μg/kg reduz significativamente o débito cardíaco por um período de aproximadamente trinta minutos do início da sua aplicação. O decréscimo no débito cardíaco é devido à bradicardia apresentada e não à diminuição da força de contração do coração, que depende diretamente dos índices ventriculares e das dimensões cardíacas. As alterações encontradas nos ecocardiogramas de eqüinos sedados com 60 μg/kg ou 100 μg/kg de romifidina, com exceção do BAV2°, são independentes da dose utilizada. A mensuração da pressão arterial sangüínea realizada por meio de metodologia indireta não é recomendada para eqüinos submetidos à sedação com romifidina. A romifidina, nas doses de 60 μg/kg ou de 100 μg/kg administrada intravenosamente em eqüinos, altera a interpretação ecocardiográfica de forma quantitativa. AGRADECIMENTOS À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo financiamento do trabalho. CANOLA, J. C.; CARDENAS, J. J.; CANOLA, P. A. Efeito da sedação com romifidina sobre as medidas ecocardiográficas das dimensões e índices da função cardíaca em eqüinos. / Effects of romifidine on echocardiographic measurements of cardiac dimensions and indices of cardiac function in horse.. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 18, nº 3, 231-237, 2002. ARTIGO RECEBIDO: FEVEREIRO/2001 REFERÊNCIAS CLARK, K. W., ENGLAND, G. C. W., GOOSSENS, L. Sedative and cardiovascular effects of romifidine, alone and in combination with butorphanol, in horses. Journal Veterinary Anesthesia, v.18, p.25-9, 1991. FANTONI, D. T., CORTOPASSI, S. R. G., SILVA, C. L. C., VERENGER, M. E., CAPA, R. S., MIRANDOLA, R. M. Avaliação do uso da romifidina como sedativo em eqüinos. Ars Veterinaria, v.10, n. 2, p.208, 1994. GASTHUYS, F., PARMENTIER, D., GOOSENS, L., DE MOOR, A. A preliminary study on the effects of atropine sulphate on bradycardia and heart blocks during romifidine sedation in the horse. Veterinary Research Communications, v.14, p.489-502, 1990. GEISER, D. R. Chemical restraint and analgesia in the horse. In: SILVEIRA, G. E. Efeito sedativo da romifidina em muares (Equus asinus caballus) não domados. Ciência Rural, v.29, n. 1, p. 51-5. 1990. GÓMEZ-VILLAMANDOS, R., VALENZUELA, S. J., CALATRAVA, R. I., JURADO, A. I. Empleo de la romifidina en la premedicación anestésica de potrillos: aportación de cuatro casos clínicos. Medicina Veterinária, v. 11, n. 7-8, p. 402-7, 1994. KERR, D.D., JONES, E.W., HOLBERT, D. and HUGGINS, K. Sedative and other effects of xilazine given intravenously to horse. American Journal of Veterinary Research, v. 33, p.525-32, 1972. LIGHTOWLER, C.H, MERCADO, M.C., PAJOT, S.M. Valor diagnóstico y pronóstico de los indices ventriculares en las enfermedades cardiacas por fallo de bomba. Pet’s, v.12, nº 64, p.177-81, 1996. LONG, K. J. Two–dimensional and M-modo echocardiography. Equine Veterinary Education, v.4, p.303-10, 1992. MARQUES, J. A., TEIXEIRA NETO, F. J., CAMPEBELL, R. C., VALADÃO, C. A. A. Effects of hyoscine -N–butylbromide given before romifidine in horses. Veterinary Record, v.142, p.166-68, 1998. MUIR, W. W., SKARDA, R.T., SHEEHAN, W.C. Hemodynamic effects xylazine-acepromazine drug combination in horses. American Journal of Veterinary Reserch, v.40, p.1518-22, 1979. MUIR, W. W., HUBBELL, J. A. Equine anesthesia – monitoring and emergency therapy. Mosby Year Book, 1991. p.49, 55, 57, 83, 96. NYLAND, T.G., MATTOON, J.S. Veterinary diagnostic ultrasound. Philadelphia: W.B. Saunders, 1995. 357p. PATTESON, M.W. Equine Cardiology. Oxford: Blackwell Sience, 1996. p. 14, 71, 115. PATTESON, M.W., GIBBS, C., WOTTON, P. R., CRIPPS, P. J. Efects of sedation with detomidine hydrochloride on echocardiographic measurements of cardiac dimensions and indices of cardiac function in horses. Equine Veterinary Journal, v.19, p.33-7, 1995. PIPERS, F.S., HAMLIN, R. L., REEF, V. B. Echocardiography detection of cardiovascular diseasse. Journal of Equine Medical Surgery. v. 3, p. 68-77. 1979. POULSEN – NAUTRUP, B. Clinical trial of the iminoimidazoline derivative STH2130 as a sedative in comparison with acetylpromazine (Sedalin) and preanaesthesic in horses. Hannover, 1988. Thesis (PhD). University of Hannover. TOAL, R. Ultrasound for the practitioner. College of Veterinary Medicine the University of Tennessi Knoxville, TN. Printed in the United States of America. 1994. 190p. SHORT, C. E. Pain in animals. Nevada: Designed and Published by the Western Veterinary Conference, 1997. p.27. WAGNER, A., MUIR, W. W., and HINCHCLIFFE, K.W. Cardiovascular effects of xylazine and detomidine in horses. American Journal of Veterinary Reserch, v.52, p.651-7, 1991. ___________________________________________________ 1 Dixtal – DX2710 2 Pie Medical – Scanner 200 3 Mitsubishi – K65hm 4 Mitsubishi – P90W 5 Toshiba – Notebook / 4015cds 6 Teb Ecg Pc 237