VIROSES DE PLANTAS ORNAMENTAIS E MEDIDAS DE CONTROLE Eliana Borges Rivas Vírus que infectam plantas Em culturas comerciais, um importante agente disseminador de vírus é o próprio produtor. Como os vírus são microrganismos muito simples, eles são incapazes de infectar uma planta sem o auxílio de agentes externos. Para que a infecção ocorra, esses agentes devem romper a parede celular e introduzir o vírus diretamente no citoplasma da célula. Na cultura, esses agentes podem ser vetores (insetos, ácaros, nematóides e fungos), instrumentos-de-poda contaminados, material propagativo infectado, assim como o adensamento das plantas pois, o contato entre as folhas de diferentes plantas pode promover a quebra de pêlos e proporcionar a passagem do vírus da célula de uma planta para a célula da outra planta. Vírus em aráceas (antúrios e outras folhagens) A família Araceae, reconhecida por sua estrutura floral característica: a espata e a inflorescência em espádice, possui espécies comestíveis e ornamentais; estas últimas cultivadas como flor de corte (antúrio, copo-de-leite e ‘calla’) e folhagem (caládio, comigo-ninguém-pode, costela-de-adão, filodendro, singônio e outras). Relatos de vírus em aráceas começam em 1930, com a constatação de manchas necróticas, cloróticas e ‘faixas onduladas’ em folhas de Anthurium andraeanum (Verplanck) e, a partir daí, mais de 25 espécies de vírus foram relatadas (Tabela 1). O vírus mais amplamente disseminado, dentre as aráceas cultivadas, é o Dasheen mosaic virus (DsMV – “vírus do mosaico do inhame”). A descrição desse vírus coincide com o “boom das folhagens”, ocorrido na década de 1970. Dependendo da espécie de arácea e das condições ambientais, o DsMV pode não induzir sintomas (latência) ou, então, induzir diferentes tipos de sintomas (Tabela1). O padrão comumente observado, em amostras de aráceas obtidas de diferentes produtores do Estado de São Paulo, que de acordo com a literatura é atribuído apenas ao DsMV, foi o mesmo para diferentes espécies de vírus (Tabela 1). No Brasil, o DsMV é o vírus mais freqüente em aráceas, tendo sido relatado em: Alocasia macrorhiza, Amorphophalus konjak, Anthurium scherzerianum, Colocasia esculenta, Syngonium wendlandii, Xanthosoma atrovirens e Zantedeschia aethiopica. No Vale do Ribeira, pesquisadores do Instituto Biológico detectaram a ocorrência de DsMV em Anthurium andraeanum e Dieffenbachia spp.; Tomato chlorotic spot virus e vários Potyviridae em Dieffenbachia (Tabela 1). Fora do Brasil, duas importantes viroses que ocorrem em países que cultivam aráceas comestíveis (‘taro’: Alocasia, Colocasia, Cyrtosperma e Xanthosoma) são: ‘alomae’ e ‘bobone’, causadas por Taro bacilliform virus e Colocasia bobone disease virus, respectivamente. Embora não haja relatos dessas viroses em aráceas ornamentais e nem Pesquisador Científico – Instituto Biológico Av. Cons. Rodrigues Alves, 1252 – São Paulo, SP - CEP 04014-002 E-mail: [email protected] 21 da ocorrência no Brasil, cuidados adicionais devem ser tomados para evitar a entrada dessas doenças através de cormos (‘bulbos’) infectados. Helicônias A família Heliconiaceae possui um único gênero: Heliconia. Não há relatos de ocorrência natural de vírus em Heliconia. Tentativas experimentais de transmitir Banana streak virus e Banana bunchy top virus (não ocorre no Brasil) para helicônias foram negativas. Em folhas de helicônias apresentando sintomas semelhantes àqueles induzidos por vírus, como mosaico e riscas cloróticas, coletadas em produtores do Vale do Ribeira, também não foram detectadas as presenças de vírus. Tabela 1 – Vírus de maior importância econômica em aráceas ornamentais e os sintomas por eles induzidos. Gênero de Vírus x Sintomas Araceae Aglaonema Anthurium Caladium Dieffenbachia Monstera Philodendron Spathiphyllum Syngonium DsMV– mosaico; Outros: ABV, INSV, TSWV. Anthurium ringspot virus (Rhabdoviridae*)– mancha em anel DsMV*– anéis e manchas cloróticos, riscas e anéis necróticos, deformação foliar, mosaico, anéis necróticos e alteração na coloração da espata; INSV, TSWV– manchas e anéis necróticos de marrom a pretas com haloamarelo nas folhas, manchas necróticas na espata; Outro: CMV. DsMV* – faixas verdes junto às nervuras, “mosaico em pena”; CalVX* – mosaico, manchas clóroticas, anéis verdes, pontos avermelhados, amarelecimento foliar BYMV, CMV, TMV– nanismo, deformação foliar, alteração da coloração das folhas; DsMV*– mosaico; manchas, faixas e anéis cloróticos, distorção foliar, nanismo; TCSV*– manchas e anéis cloróticos, faixas cloróticas; Potyviridae*– faixas cloróticas, mosaico, manchas e anéis cloróticos, Outros: TSWV, TNV e ToMV*. Rhabdoviridae*– manchas cloróticas, anelares e verdes (folhas senescentes) DsMV– mosaico, faixa-de-nervuras, riscas cloróticas, clorose de nervuras, deformação foliar; TSWV– anéis e desenhos necróticos; Outros: CMV, DLV, INSV. DsMV– mosaico; Outros: INSV, TSWV. DsMV– mosaico, “mosaico em pena” (‘feathering’), deformação foliar; Outro: INSV. 22 Zantedeschia (= Richardia) BYMV, KoMV– mosaico, faixas verde claro e verde escuro; CMV– mosqueado clorótico, riscas, amarelecimento de nervuras; DsMV*– mosaico, manchas cloróticas, anéis necróticos, faixas verde claro e verde escuro, amarelecimento das folhas, distorção foliar; TSWV– manchas, riscas e anéis cloróticos ou marrons, nervuras com aspecto grosseiro, distorção foliar, mosaico; espatas manchadas, deformadas e reduzidas; TuMV– manchas e faixas amarelas nas folhas; Outros: AMV, ArMV, CarMoV, CCSV, CLLV, INSV, PVX, TRV, WSMoV, ZaMV, ZaMMV. Legenda: ABV- Aglaonema bacilliform virus; AMV- Alfalfa mosaic virus; ArMV- Arabis mosaic virus; BYMV- Bean yellow mosaic virus; CalVX– Caladium virus X; CCSVCalla chlorotic spot virus; CLLV- Calla lily latent virus; CMV- Cucumber mosaic virus; CarMoV- Carnation mottle virus; DLV- Dioscorea latent virus; DsMV- Dasheen mosaic virus; INSV- Impatiens necrotic spot virus; KoMV- Konjac mosaic virus; PVXPotato virus X; TMV- Tobacco mosaic virus; TNV- Tobacco necrosis virus, ToMV– Tomato mosaic virus; TRV- Tobacco rattle virus; TSWV- Tomato spotted wilt virus; TuMVTurnip mosaic virus; WSMoV– Watermelon silver mottle virus; ZaMV- Zantedeschia mosaic virus; ZaMMV- Zantedeschia mild mosaic virus *Espécies de vírus que ocorrem, em aráceas, no Brasil. Marantáceas A família Marantaceae possui 30 gêneros e 450–500 espécies, sendo que as mais cultivadas como folhagens: Calathea, Ctenanthe, Maranta e Pleiostachya. Dados de literatura mostram que em Maranta spp. ocorre: Cucumber mosaic virus (CMV) induzindo manchas, anéis e desenhos amarelos, deformação e redução da lâmina foliar; TSWV causando faixas-de-nervuras, desenhos cloróticos e necróticos nas folhas; e INSV. Em Calathea spp. há ocorrência de CMV causando mosaico. Entretanto, no Brasil há apenas um relato de um vírus de partículas isométricas causando mosaico na face inferior da folha de Maranta. Convém mencionar que a observação dos sintomas é dificultada pelo padrão de cores das folhas. Orquídeas Na família Orchidaceae, com suas mais de 17000 espécies e incontável número de híbridos intra e interespecíficos, não há como correlacionar o tipo de sintoma e o vírus associado (Tabela 2). Entretanto, pode-se dizer que na maioria dos países produtores, incluindo o Brasil, os vírus mais freqüentes em orquídeas são o Cymbidium mosaic virus (CymMV) e o Odontoglossum ringspot virus (ORSV). Modos de transmissão Na Tabela 3 encontram-se relacionados os modos de transmissão envolvidos na disseminação dos vírus mencionados no texto acima. Para aráceas e marantáceas os afídeos estão entre os vetores mais importantes (Tabela 3). O modelo, a taxa e a extensão do espalhamento da virose na cultura dependem de vários fatores, como: número de plantas infectadas, concentração do vírus na hospedeira, características 23 Tabela 2 – Vírus que infectam orquídeas. Gênerode vírus Espécie de vírus Parte afetada Closterovirus Cucumovirus Nepovirus Potexvirus Potyvirus Dendrobium vein necrosis virus–DVNV Cucumber mosaic virus–CMV Tomato ringspot virus–ToRSV Cymbidium mosaic virus–CymMV* Bean yellow mosaic virus – BYMV Calanthe mild mosaic virus–CalMMV Ceratobium mosaic virus–CerMV Clover yellow vein virus–ClYVV (=Dendrobium mosaic virus) Dasheen mosaic virus – DsMV Cypripedium chlorotic streak virus– CypCSV (=Cypripedium necrotic leaf stripe virus) Habenaria mosaic virus–HaMV Turnip mosaic virs-TuMV Vanilla mosaic virus–VanMV Vanilla necrosis virus (=Watermelon mosaic virus–WMV) Rhabdoviridae Dendrobium leaf streak virus–DLSV Laelia red lefspot virus–LRLV Tobamovirus Odontoglossum ringspot virus–ORSV* Tombusvirus Cymbidium ringspot virus–CymRSV Tospovirus Impatiens necrotic spot virus–INSV Tomato spotted wilt virus–TSWV Desconhecido Orchid fleck virus–OFV* Cymbidium mild mosaic virus *Vírus já relatados, em orquídeas, no Brasil. Folhas, flores Folhas, flores Folhas Folhas, flores Folhas Folhas, flores Folhas Folhas, flores Folhas Folhas Folhas Folhas Folhas Folhas Folhas, flores Folhas Folhas, flores Folhas ? ? Folhas Folhas físico-químicas do vírus (por exemplo, estabilidade), relação vírus x vetor, do tempo de permanência da planta infectada na cultura e das condições ambientais. Medidas de controle Uma vez na cultura, as plantas estão sujeitas a infecção por vírus e, uma vez infectada, não há como livrar a planta desse patógeno. Entretanto, há medidas fitossanitárias que visam diminuir a disseminação de vírus e a introdução de plantas infectadas na cultura. Mudanças nas práticas culturais e nas culturas de determinada região têm trazido profundos efeitos na incidência das viroses. A introdução de novas culturas em uma região traz consigo plantas daninhas e insetos vetores. Além disso, acrescenta-se que: 1) os vírus inexistentes na região podem ser introduzidos com a nova cultura; 2) os vírus já existentes na região encontram, na nova cultura, a hospedeira ideal para sua multiplicação e disseminação; 3) o cultivo em grandes áreas, com uma única espécie vegetal ou com espécies de uma única família botânica, pode permitir o desenvolvimento de grandes populações de insetos vetores e de alta concentração de inóculo viral, que pode a médio e longo prazo tornar a cultura impraticável na região. 24 Tabela 3 – Modos de transmissão dos fitovírus citados no texto. Modo de transmissão Vírus afídeos (pulgões) Cucumovirus: CMV; Alfamovirus: AMV Potyvirus: BYMV, CLLV, DsMV, KoMV, TuMV, ZaMV, ZaMMV, Cigarrinha: Tarophagus proserpina Rhabdoviridae: CBDV Cochonilhas: Pseudococcus longispinus, Badnaviridae: TaBV Planococcus citri ‘Mosca-branca’: Bemisia tabaci Desconhecido (partículas flexuosas) Tripes Tospovirus: CCSV, INSV, TCSV, TSWV, WSMoV Ácaro: Brevipalpus sp. Rhabdoviridae: Anthurium ringspot virus Fungo unicelular de solo: Olpidium Necrovirus:TNV Nematóides: Paratrichodorus, Tobravirus: TRV Trichodorus e Xiphinema Nepovirus: ArMV Solo e solução de hidroponia Aureusvirus: PoLV (sem vetor envolvido) Instrumentos de corte e propagação Potexvirus: CalVX, DLV, PVX vegetativa Tobamovirus: TMV, ToMV; Carmovirus: CarMV Desconhecido Badnavirus: ABV A propagação comercial por meio de divisão de rizomas, cormos e mudas propicia a disseminação das viroses. Medidas sanitárias como a remoção cuidadosa de todo a parte subterrânea da planta infectada e a destruição desse material (longe da estufa), a multiplicação de plantas sadias e o controle dos agentes disseminadores de vírus na cultura (incluindo a ação do homem no manejo da cultura) garantem níveis aceitáveis das viroses ou sua erradicação da estufa. A termoterapia tem sido empregada em cormos (bulbos) de Colocasia e Xanthosoma para reduziu a porcentagem de plantas infectadas; em Xanthosoma, o tratamento se dá com a imersão dos cormos em água a 55º C ou 45º C (dependendo da espécie de Xanthosoma), por 10 min. De acordo com a literatura, a incidência de DsMV pode ser reduzida com o uso de material micropropagado, híbridos resistentes e a habilidade de se detectar, rapidamente, plantas infectadas no campo. Há relatos de plantas de Caladium, Dieffenbachia e Xanthosoma ‘livres de vírus’ obtidas através da micropropagação a partir de ápices caulinares com 1–3 mm3 . A cultura de meristemas propicia a obtenção de boa parte de clones sadios e, associada a termoterapia e/ou quimioterapia, tem permitido um aumento no número de clones sadios. A detecção e caracterização de vírus são de fundamental importância para traçar um panorama das viroses que ocorrem em plantas ornamentais e para 25 programas de indexação e certificação de material vegetal. O uso de material certificado garante que apenas plantas sadias sejam introduzidas na cultura. Testes sorológicos (ELISA), moleculares e biológicos, microscopia de luz e eletrônica de transmissão são utilizados para a detecção dos principais vírus que infectam aráceas, marantáceas e orquídeas. Entretanto, deve-se salientar que, muitas vezes, a detecção de vírus é dificultada pelo fato que os vírus se apresentam, comumente, com distribuição irregular na planta, sua concentração variar enormemente em diferentes condições ambientais e presença de substâncias (taninos, látex, compostos fenólicos), na planta infectada, que dificultam ou impedem a detecção do patógeno. Assim, devido à distribuição irregular do vírus na planta é necessário, para aumentar a probabilidade de obtenção de resultados confiáveis e reprodutíveis, que diversas amostragens sejam realizadas de uma única planta e pelo menos duas diferentes técnicas de detecção sejam empregadas. Literatura Consultada A LEXANDRE, M.A.V.; D UARTE, L.M.L.; RIVAS , E.B.; C OUTINHO, L.N.; A LMEIDA, I.M.G.; FIGUEIREDO , M.B. Plantas ornamentais: guia de sintomas causados por bactérias, fungos e vírus. São Paulo: Instituto Biológico, 2002. 24p. A LEXANDRE, M.A.V.; RIVAS, E.B.; TOZETTO , A.R.P.; DUARTE, L.M.L. Lista comentada sobre a ocorrência natural de vírus em plantas ornamentais no Brasil. São Paulo: Instituto Biológico, 2005. 55p. A LEXANDRE, M.A.V.; SEABRA, P.V.; RIVAS , E.B.; DUARTE, L.M.L.; GALLETI, S.R. Vírus, viróides, fitoplasmas e espiroplasmas detectados em plantas ornamentais no período de 1992 a 2003. Revista Brasileira de Horticultura Ornamental, v.11, p.49–57, 2005. HARTMAN, R.D. 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