VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA FILOSOFIA Rio de Janeiro / 2007 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB. U n3p Universidade Castelo Branco. Filosofia. – Rio de Janeiro: UCB, 2007. 68 p. ISBN 85-86912-15-8 1. Ensino a Distância. I. Título. CDD – 371.39 Universidade Castelo Branco - UCB Avenida Santa Cruz, 1.631 Rio de Janeiro - RJ 21710-250 Tel. (21) 3216-7700 Fax (21) 2401-9696 www.castelobranco.br FILOSOFIA Conteudista Liliana Lúcia da S. Barbosa Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor Orientações para o Auto-Estudo O presente instrucional está dividido em quatro unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares. As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das quatro unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o conteúdo de todas as Unidades Programáticas. A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos! Dicas para o Auto-Estudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Não pule etapas. 6 - Faça todas as tarefas propostas. 7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação. 9 - Não hesite em começar de novo. SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático............................................................................................................... 11 Contextualização da disciplina ................................................................................................................................... 12 UNIDADE I A NATUREZA DA FILOSOFIA 1.1. Os níveis de conhecimento e suas aplicações ........................................................................................... 13 1.2. O conhecimento filosófico e sua importância .............................................................................................. 16 1.3. Os métodos da investigação filosófica ......................................................................................................... 17 1.4. Principais períodos filosóficos na dimensão gnoseológica e política ...................................................... 18 UNIDADE II AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS DO HOMEM 2.1. O que é o Homem: sua hominização .............................................................................................................. 30 2.2. A essência do fenômeno humano .................................................................................................................. 30 2.3. A Complexidade humana ................................................................................................................................. 32 2.4. Corporeidade no pensamento filosófico ....................................................................................................... 32 UNIDADE III REFLETINDO SOBRE OS VALORES: AXIOLOGIA 3.1. Noções preliminares de axiologia ................................................................................................................. 39 3.2. O agir comunicativo e educação para a consciência moral ........................................................................ 40 3.3. A construção de valores e a responsabilidade de cidadania ..................................................................... 42 3.4. A ética como espaço de revolução global ..................................................................................................... 42 UNIDADE IV AS TENDÊNCIAS FILOSÓFICAS CONTEMPORÂNEAS E SUAS INFLUÊNCIAS NA COTIDIANIDADE 4.1. Positivismo ........................................................................................................................................................... 45 4.2. Marxismo ............................................................................................................................................................... 46 4.3. Fenomenologia e Existencialismo ..................................................................................................................... 48 4.4. As tendências emergentes do final do século XX e início do XXI ............................................................ 49 Glossário ................................................................................................................................................................... 61 Gabarito .................................................................................................................................................................... 63 Referências bibliográficas ...................................................................................................................................... 65 Quadro-síntese do conteúdo programático UNIDADES DO PROGRAMA 1. A NATUREZA DA FILOSOFIA 1.1. Os níveis de conhecimento e suas aplicações 1.2. O conhecimento filosófico e sua importância 1.3. Os métodos na investigação filosófica 1.4. Principais períodos filosóficos na dimensão gnoseológica e política OBJETIVOS • Possibilitar ao aluno o gosto pelo pensamento reflexivo-filosófico inovador, crítico e autônomo capaz de desenvolver a pesquisa acadêmica e a manutenção do diálogo com outras áreas do saber inter e transdisciplinar; • Diferenciar os tipos de conhecimentos existentes no cotidiano; • Perceber o significado e a importância da filosofia como pensamento que pretende superar o senso comum e estabelecer uma visão crítica da realidade; • Fornecer ferramentas necessárias para aquisição de uma metodologia apropriada à investigação filosófica; • Oferecer uma visão dos vários momentos da filosofia na história do homem. 2. AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS DO HOMEM 2.1. O que é o Homem: sua hominização 2.2. A essência do fenômeno humano 2.3. A complexidade humana 2.4. Corporeidade no pensamento filosófico • Capacitar o aluno para um modo especificamente filosófico de formular e propor soluções de problemas nos diversos campos do conhecimento, analisar as possibilidades de compreensão do homem, do mundo e de si mesmo, em bases lógico-dialéticas, objetivando a aquisição do saber crítico para o exercício da cidadania e da qualidade de vida; • Desenvolver reflexões sobre quem é o homem e as questões pertinentes a sua natureza e a sua capacidade de transcendência; • Compreender as origens filosóficas do Ser do Homem, seu modus vivendi como um verdadeiro progresso ontológico; • Analisar as concepções que resultam de um modo mutilador de organização de conhecimento incapaz de reconhecer e compreender a complexidade humana; • Refletir sobre o corpo na vida cotidiana, buscando desvelar os antecedentes históricos das relações do homem com sua corporalidade. 3. REFLETINDO SOBRE OS VALORES: AXIOLOGIA 3.1. Noções preliminares de axiologia 3.2. O agir comunicativo e a educação para a consciência moral 3.3. A construção de valores e a responsabilidade de cidadania 3.4. A ética como espaço de revolução global • Levar o aluno a se tornar um sujeito capaz de refletir sobre a realidade a partir da contextualização dos valores emergentes na cultura, tomando uma posição crítica face aos problemas nacionais e globais; • Compreender a dimensão ética e moral da existência humana; • Identificar na atitude dialogal o espaço para a construção da consciência moral; • Desvelar através da reflexão e do diálogo a construção dos valores necessários a uma atitude de cidadania como norte para a consciência planetária; • Compreender e utilizar de forma coerente os conceitos de direito, dever, responsabilidade, cidadania, entre outros, vinculando-os à idéia de ethos. 4. AS TENDÊNCIAS FILOSÓFICAS CONTEMPORÂNEAS E SUAS INFLUÊNCIAS NA COTIDIANIDADE 4.1. Positivismo 4.2. Marxismo 4.3. Fenomenologia e Existencialismo 4.4. As tendências emergentes do final do século XX e início do XXI • Capacitar o aluno à compreensão das diferentes teorias e visões de mundo de forma a identificar suas contribuições no drama antropológico hodierno, desvelando as contradições inerentes a cada modo de olhar e o fio condutor que une esses olhares para o entendimento da situação do Ser no mundo; • Analisar a importância da visão positivista como mola propulsora do desenvolvimento científico, social e político e suas conseqüências atuais; • Compreender a dimensão do marxismo oriundo de um contexto de contradições existentes entre a realidade social e o avanço técnico, estendendo essas compreensões para a sociedade pósguerra e a sociedade das tecnologias de comunicação; • Reconhecer nos postulados da fenomenologia e do existencialismo a possibilidade da liberdade e responsabilidade tendo como implicações o compromisso e o conflito; • Estabelecer uma visão crítica da situação do homem no mundo, compatível com as mudanças avassaladoras em que se encontra a humanidade, identificando as visões emergentes que procuram caminhos alternativos para a construção de uma consciência planetária e cósmica. 11 12 Contextualização da Disciplina O homem não vive sem uma filosofia. Essa frase nos remete a muitas reflexões. O ser humano vive num mundo de indagações, de questionamentos; sua vida vê-se tecida por uma teia muito complexa e que o põe em constantes reflexões sobre si mesmo e seu mundo. O pensamento filosófico impõe-se como pensamento radical, rigoroso e de conjunto. Assim, a filosofia implica um raciocínio com métodos apropriados que procuram iluminar os caminhos dos homens. A filosofia é um pensar coerente, pois faz emprego dos recursos do raciocínio lógico; profundo, vai até as raízes dos problemas, não permanecendo na superfície (é avessa ao achismo). É abrangente, já que procura abordar as questões tendo presente o contexto em que estas se encontram e a multiplicidade de respostas possíveis. Enfim, procura não somente explicar as coisas, como fazem as ciências, mas se esforça também em buscar o sentido que elas possam ter para a existência humana. A filosofia tem hoje o desafio de levar os homens a tomar consciência de seu tempo, apesar de os meios de comunicação propagarem uma cultura da superficialidade. Na atualidade, a lixocultura é uma armadilha muito sutil que convida os homens a não pensar. No decorrer dos conteúdos, a filosofia irá se desdobrando em áreas específicas, desde a lógica até a antropologia filosófica, na tentativa de oferecer um conhecimento mais profundo das idéias dos grandes pensadores que contribuíram para a formação de um modelo mental nas diferentes sociedades. Este instrucional inicia-se com a natureza da filosofia e seu método. Depois oferece uma visão da trajetória do pensamento filosófico. Assim parte da Grécia Antiga, em torno do século VI a.C. O aparecimento da filosofia deveu-se à intensificação da vida nas cidades (pólis) gregas (Mileto, Corinto, Atenas, Éfeso, Eléia, etc.). A partir do século VIII a.C., as pólis passaram a congregar pessoas provenientes de várias culturas – genos – e, com isso, criaram condições novas de vida, dando chances ao surgimento do cidadão (pólis). Recentemente, principalmente a partir da década de 90, o avanço da ciência e da tecnologia e as transformações socioeconômicas (globalização, neoliberalismo e robotização dos sistemas de produção) têm provocado o debate de questões, tais como os limites da inteligência artificial, a salvaguarda dos valores humanos na aldeia global, o futuro do homem numa sociedade robotizada, a revolução genética e outras temáticas que insurgem na sociedade do século XXI. UNIDADE I 13 A NA TUREZA D A FIL OSOFIA NATUREZA DA FILOSOFIA Você está neste momento “[...]lendo esse texto, e tem a sensação de estar parado no universo, mas o universo está girando. Nosso planeta gira a uma velocidade de 1.300 quilômetros por hora e você tem a sensação de que está parado. Todos temos a sensação de que o sol nasce no leste e morre no oeste, mas, na verdade, quem gira é a Terra. Portanto, não confie muito nos seus órgãos dos sentidos, pois aquilo que você pensa que está vendo na realidade é uma ilusão. Temos a impressão de que estamos andando sobre uma Terra chata, mas ela é redonda. Da mesma forma, existem muitas coisas que você considera verdadeiras, mas que são ilusórias. É bom saber que os seus olhos enganam, os seus ouvidos enganam, qualquer um dos nossos órgãos sensoriais pode nos enganar. A realidade que você percebe não é a realidade real; ela é a sua realidade, naquele determinado momento. Se você modificar suas crenças, se você modificar seu modo de perceber o mundo, eu lhe garanto que o mundo vai mudar. A sua realidade vai mudar.[...]” (RIBEIRO, 2003: 05). Segundo Leôncio Basbaum (1978: 302-3), “devemos repelir qualquer idéia de que a filosofia seja um quadro exposto à contemplação passiva do homem, ou mesmo um entorpecente para mergulhá-lo em doces sonhos etéreos enquanto esquece a realidade da vida e o muito que há a fazer dentro dela. A filosofia é, antes de mais nada, em primeiro lugar e acima de tudo, uma arma, uma ferramenta, um instrumento de ação com a ajuda da qual o homem conhece a natureza e busca o conforto físico e espiritual para a vida. Se o homem realmente se destaca dos outros animais pela amplidão e profundidade do seu pensamento, se tudo o que ele realizou, desde que, saindo da selvageria, começou a construir o que chamamos de civilização, foi a concretização desse pensamento, que, evoluindo, se transformou, através do tempo e do espaço; não há dúvida de que esse pensamento, mobilizando os dedos de sua mão, é a sua principal arma na conquista da natureza e, portanto, da sua liberdade”. Diante de um mundo destituído de valores que expressam amor, fraternidade, solidariedade e respeito ao homem, figura uma luz no final do túnel – a Alegoria da Caverna, de Platão – um saber que pede passagem e propõe uma nova ciência, a ciência do homem. A ciência que resgata o princípio e fim último de valor: a pessoa. Vivemos no fundo da caverna, enxergamos o mundo por uma única lente, é preciso rever os valores que predominam na sociedade, que como possuidores da capacidade de reflexão possamos construir um mundo mais justo e digno para todos cidadãos. Somos levados ao questionamento, incertezas e angústias diante de um cenário que não mais privilegia o humano. Somos impelidos a sair do marasmo e a arriscarmos a conquista de um novo mundo. No livro O mundo de Sofia , de Gaarder (1996), o autor faz uma analogia do coelhinho que o mágico retira da cartola com as pessoas que acreditam que o mundo é incompreensível. Segundo o autor, os homens são como bichinhos microscópicos que se instalam na base dos pêlos do coelho. No entanto, alguns homens tentam subir para a ponta dos pêlos a fim de olhar bem dentro dos olhos do grande mágico. Esses homens são aqueles que não se satisfazem diante das situações do mundo e se lançam numa jornada rumo aos limites, a transcendência. E voltamos a insistir que só o homem é capaz da transcendência, visto que é um ser práxico (BARBOSA, 2002: 119). 1.1. Os Níveis de Conhecimento e Suas Aplicações Produzir conhecimento é uma capacidade e uma necessidade humana. Para tanto, temos disponíveis certos recursos lógicos e metodológicos que nos auxiliam a obter um conhecimento mais adequado e mais desvendador dos significados que pode ter uma manifestação do mundo circundante. 14 Natureza do Conhecimento Humano e Características de Sua Construção Tipos de Conhecimento Principais Características de Sua Construção Científico Conjunto de assertivas que partiram de hipóteses de investigadores que as sistematizaram em forma de teoria, com emprego de métodos de estudo e de comprovação reconhecidos pelo rigor acadêmico. Filosófico Conjunto de especulações tido como de natureza racional, construído com sistematização, mas sem exigências de observação, de realização de experimentos e, portanto, sem verificação. Religioso Discurso sobre verdades consideradas inspiradas pela divindade, caracterizado por uma natureza tomada como sagrada e visto como infalível através da adesão pelo chamado ato de fé. Empírico Conjunto de idéias e opiniões vindas do acúmulo de vivências cotidianas das pessoas ao longo do tempo ou passadas por sua comunidade, construídas na familiaridade com os fenômenos considerados. Do Senso Comum Conjunto de conhecimentos constituídos principalmente de opiniões e modos acríticos de perceber a realidade, embora costumem mesclar-se de conhecimentos advindos das outras naturezas (científicos, filosóficos, empíricos, religiosos) e incorporados ao pensamento das pessoas comuns (não-acadêmicas) devido a um forte processo de sua popularização. Mágico Criticamente, um não-conhecimento, reunindo um conjunto de crendices oriundas de mitos (culturais) e de elementos fantasiados e organizados psicanaliticamente (individuais). Fonte: TURATO, Edberto Ribeiro. Tratado da metodologia clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2003. p.57. Estamos iniciando este novo século numa sociedade tendendo à globalização, e impregnada de fenômenos que desumanizam, coisificam o ser humano. O pensamento hegemônico, quase que único, faz com que se privilegie o individualismo, a descrença em valores éticos, o dogmatismo, o fanatismo, o consumismo, a ausência de solidariedade, a valorização do “ter” em relação ao “ser”, a competitividade destrutiva. A oposição a esta “cultura do narcisismo”, instrumentalizada pela “mídia” todo-poderosa, é praticamente nula. - Ausência dos valores humanos [...] O PENSAR é algo difícil, muitas vezes sofrido, e facilmente pode ser substituído por dogmas e crenças; melhor ainda se estes aparentam ser fruto de “liberdade”. Liberdade essa que, na verdade, impõe-se sub-repticamente à limitação e à impossibilidade do pensamento próprio. - Falta criatividade [...] O mau uso do conhecimento adquirido através das ciências é altamente preocupante, ainda mais quando se sabe que são os grupos que visam principalmente o poder ou o lucro que se apropriam das descobertas. - O conhecimento científico acompanha o ritmo da sociedade atual. Vivemos a crise de valores éticos que permitem a humanização. [...] Método adequado [...] criativo e flexível, [...] indo além do senso comum. Esse método é tanto mais rico quanto mais longe ele vai nos objetivos propostos.[...] nas chamadas Ciências Humanas [...] os objetivos e o método devem ter a potencialidade de ampliar-se, rumo àquilo que nem pensamos que iríamos encontrar. - O método qualitativo permite ir além do quantitativo, procurando descrever o fenômeno nos seus aspectos mais suscetíveis à percepção do próprio sujeito, os aspectos fenomênicos. [...] Corre-se o risco de que se questione a “verdade única”, que nos diz que somos apenas objetos consumistas, que produzimos objetos de consumo para nós e para os demais. Áreas como a ética, a afetividade, as relações profundas entre os seres humanos, as conjunções sociais, históricas e culturais podem revelar-se e fazer pensar. Ora, o pensar é subversivo. [...] Suas investigações têm por finalidade o bem-estar do ser humano. - Crítica aos resultados das pesquisas em Ciências Humanas que, na verdade, busca o fim último da ciência: a melhoria da vida e seu envolvimento em todos os aspectos que compõem a natureza humana. A atitude científica apresenta uma dimensão pessoal, uma característica não exclusiva dos cientistas de carreira, mas que se encontra difusa nas pessoas da sociedade em geral. A atitude científica é filha do bom senso, do espírito crítico que uma pessoa desenvolve geralmente desde uma idade precoce, bem como de uma relação sadia que a pessoa estabelece com os outros e com o mundo.[...] A atitude científica existe num estado de espírito que compreende uma disposição emocional e uma organização intelectual, que permite às pessoas apreenderem os fenômenos no ponto mais próximo de como as coisas funcionariam em si mesmas.[...] A atividade científica, por seu turno, é uma prática casada com discussões teóricas, usando instrumentos trabalhados, embora não obrigatoriamente sofisticados, e que também tem explicitamente o propalado objetivo de se aproximar da verdade das coisas da natureza e do homem. Adotando uma atitude filosófica e usando os conhecimentos das diversas correntes/escolas da história da filosofia, a universidade poderia rever criticamente suas posições políticas e ocupações científicas, processo que, no entanto, é incomum na maioria dos departamentos universitários. Embora a atitude filosófica (sábia) não dependa estritamente do uso do saber filosófico historicamente sistematizado, este por sua inequívoca riqueza deveria ter um espaço maior na vida cotidiana das pessoas comuns e nas instituições de toda natureza. Acerca da atitude religiosa, podemos entendê-la como a disposição natural das pessoas em direção a um posicionamento afetivo (psicológico), a atividades/ocupações que considerem o desenvolvimento de suas relações com a realidades e seres de instâncias sobre-humanas, e conseqüentemente uma disposição a elaborar intelectualmente seus sentimentos e atos religiosos. Mito O mito foi a primeira grande arma da qual o homem se serviu para enfrentar o desconhecido e de algum modo controlá-lo – sociedades primitivas. As atitudes e os conhecimentos religiosos, a rigor, não devem se opor ou competir, respectivamente, com as posturas pessoais ou com o engendrar das comunidades que elaboram o saber filosófico e científico, pela (aparentemente) simples razão de que a religião, a filosofia e a ciência têm intenções diferentes com os objetos de sua consideração, como conseqüentes modos diferentes de abordagem. O conhecimento empírico e do senso comum, por sua vez, pode ser então definido como um conjunto das vivências diárias, dado pela familiaridade que se tem com a coisa/assunto em consideração/questão e consistindo em informações/dados de conteúdo comum e igualizado (Trujilo Ferrari, 1982:6). [...] atitude mágica de uma pessoa é a que implica se relacionar com os outros e com o mundo como se os resultados dos pensamentos, da fala e das ações fossem fortemente condicionados por poderes ocultos, inexplicáveis e, muitas vezes, caprichosos (de mudança imprevisível nos modos de sentir, pensar e se conduzir sem motivos razoáveis). A atitude mágica não se harmoniza com a atitude científica, à medida que não apenas afronta teorias que contemplem relações naturais entre fenômenos, mas também recusa de antemão a busca clara de relações.[...] A atitude mágica contrapõese também às atitudes filosófica, religiosa e mesmo do senso comum, à medida que esta última, ainda que não obedeça aos rigores dos experimentos e da construção científica, ao menos procura se sustentar na busca comedida das conclusões da experiência de vida, com observação ao modo do funcionamento da natureza das coisas e dos comportamentos humanos. TURATO, Edberto Ribeiro. Tratado da metodologia clínico-qualitativa: construção teóricoepistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2003: passim 02 - 56. universo e do homem. Geralmente relatam a forma de como, através de deuses ou de forças poderosas, o universo e o homem passaram a existir do modo como existem. Entre os mais famosos mitos cosmogônicos estão o mito de Marduk (Babilônia) e o mito grego de Prometeu e Pandora. Tipos de Mito: • Mitos Teogônicos ( theós = deus + gónos = geração) – relatam o modo como surgiram os deuses e as entidades poderosas em geral. É famoso o mito de Afrodite emergindo das águas do mar ou o de Atenas saindo da cabeça de Zeus. • Mitos Cosmogônicos (Kósmos = universo + gónos = geração) – referem-se às origens do • Mitos de Renovação – indicam o nome, como devem ser invocados e a esfera de ação dos deuses encarregados de proteger o universo, a natureza e o próprio homem. A esses tipos de mito estão ligados também os mitos de destruição, ou seja, das divindades capazes de destruir ou produzir malefícios. Muitas vezes, as próprias divindades protetoras, quando desafiadas, produzem a destruição. Estão particularmente ligados aos rituais mágicos. 15 16 • Mitos Heróicos – contam os grandes feitos de um personagem que possui qualidades fora do comum. Esse personagem pode ser um semideus, um homem dotado de poderes especiais ou um animal elevado à categoria de espírito divino, a quem se atribue grandes feitos no sentido de ser útil ao seu povo, de satisfazer os desejos de um tirano ou até mesmo de agradar ao ser amado. Entre os mais famosos mitos heróicos estão os mitos de Perseu, Hércules e Aquiles. • Mitos Escatológicos (éskhatos = o último, as últimas + logia = doutrina) – prevêem o fim de todas as coisas ou de parte das coisas, do homem ou de grande parte da humanidade. Entre os mitos escatológicos mais famosos estão o de Gilgamesh (Babilônia) e o de Deucalião e Pirra (Grécia). FUNÇÕES DO MITO: • Conhecimento – fornece uma interpretação da realidade. Não tendo ainda acesso à ciência e à filosofia, o homem mítico encontra nas narrativas míticas a fonte de explicação para os fenômenos da natureza e para os fatos que dizem respeito à vida do grupo. • Acomodação – diante do mundo ameaçador – as forças da natureza, as doenças, as injustiças, a morte –, o mito se apresenta como um ponto de referência, um oásis no qual o homem procura algum tipo de consolo e segurança. • Organização Social – a sociedade organiza-se de acordo com as indicações contidas no mito. O mito indica que tipo de relações devem ser estabelecidas entre os homens e as mulheres e os guerreiros. Em algumas sociedades, por exemplo, os homens devem dedicar-se exclusivamente à guerra e em épocas de paz nada fazem, cabendo às mulheres a realização de todas as tarefas, inclusive as de caça e agricultura. MITO E MAGIA: A narrativa mítica sugere a maneira adequada de se invocar os deuses ou as forças ocultas. Uma vez feita a invocação, cria-se a convicção (poder psicológico) de que as coisas irão realmente ocorrer de acordo com o conteúdo da inovação. O conjunto dos rituais é denominado magia. Uma das notas do ritual mágico consiste numa espécie de comércio que se estabelece com as divindades: caso sejam satisfeitos os desejos do deus, este tem a obri- gação de satisfazer o pedido e, se não o fizer, pode perder a credibilidade. CARACTERÍSTICAS DO MITO: • Comunitária – o indivíduo não se percebe com tal. • Sacralizada – nada ocorre naturalmente. Tudo o que acontece deve-se à intervenção de alguma força oculta, à presença de um deus, de um herói ou de um antepassado. • Acrítica – o homem mítico tende a aceitar sem críticas os ensinamentos da tradição. MITO HOJE: Alguns pensadores do século passado, os positivistas, afirmavam que o progresso científico e tecnológico faria o homem abandonar totalmente suas crenças, passando a aceitar somente as explicações resultantes das pesquisas científicas. A ciência não é capaz de dar todas as respostas de que necessita o homem; por mais que a ciência e a tecnologia progridam, elas não são capazes de satisfazer a sede humana do infinito. Superstições, crendices, invocações de espíritos fazem parte não só das assim chamadas sociedades menos desenvolvidas, mas podem ser encontradas nos mais refinados ambientes das sociedades avançadas. O mito está fortemente vivo, apesar da negativa de alguns. A religião, a filosofia e a ciência não conseguiram eliminá-lo. Somente diminuíram sua importância. MITO MODERNO: Movido por aspirações íntimas, premido por necessidades de todos os tipos, convocado pela propaganda a adquirir um determinado status, desejoso de afirma-se de algum modo perante os outros, mas limitado economicamente, intelectualmente, em talento ou pelas próprias circunstâncias, o homem vê-se incapaz de atingir aquilo a que aspira ou o que dele se cobra. Temos aqui os ingredientes básicos para a vivência mítica: alguém realiza tais anseios de fama, glória, riqueza, status etc. Dáse, no caso, um processo de aproximação entre o homem e o ídolo, que pode ser um artista (real) ou um herói das histórias de quadrinhos (imaginário). De modo geral, os mitos da atualidade vêm preencher o vazio deixado pelo abandono de certos valores, como o ético ou o da comunicação autêntica. 1.2. O Conhecimento Filosófico e Sua Importância A F I L O S O F I A é um modo de pensar os acontecimentos além de suas aparências, podendo pensar a ciência, seus valores, seus métodos e seus mitos; podendo pensar a religião, a arte e o próprio homem em sua vida cotidiana, incluindo sua própria educação. É ela que permite o distanciamento para a avaliação dos fundamentos dos atos humanos e dos fins a que eles se destinam, é a possibilidade de transcendência humana, ou seja, a capacidade que o homem tem de superar a sua imanência (que significa a situação dada e não escolhida). Pela transcendência, o ser humano reconstrói conceitos e valores, ultrapassa os limites dados pelo cotidiano e refaz a si mesmo e o mundo num processo contínuo, como partícipe da experiência humana. No início (século VI a.C.), o filósofo procurava responder não só ao PORQUÊ das coisas mas também ao COMO, ao funcionamento, por isso a Filosofia englobava também o conhecimento científico além da indagação filosófica propriamente dita. No século XVI, com Francis Bacon, a Ciência começou a se separar da Filosofia. Surgiu um novo método – a indução – para atingir um novo conhecimento, crescente, progressivo e dinâmico, provisório e não mais dogmático, mas provável. Somente a partir do século XVII, com Galileu, é que a Ciência se separa da Filosofia. Começam a surgir diferentes ciências e especializações, que se ocupam apenas de partes da realidade, cabendo à Filosofia a reflexão sobre o conjunto. “A atitude filosófica pura e forte pode estar presente no cientista, no filósofo profissional e no homem comum e deve buscar uma sabedoria para distinguir as coisas boas e ruins para si, para a vida do outro e para a comunidade humana, no cotidiano e na história [...]” (TURATO, op.cit.: 51). Por isso a Filosofia é importante, cabe a ela fazer a investigação dos fundamentos do conhecimento e da ação humana, refletindo, inclusive, se a Ciência é realmente um conhecimento objetivo, o que é objetividade e até que ponto o cientista pode ser objetivo. O filósofo reflete sobre a condição humana atual e sobre que tipo de homem é desejável no futuro, por isso reflete sobre a escola, para saber que tipo de homem essa escola está formando, se um ser criativo, político e participante ou um ser conformado com o status quo. A Filosofia se propõe, através da reflexão profunda dos problemas, descortinar as ideologias presentes nos discursos e desvelar suas contradições existentes, possibilitando um repensar humano. A Filosofia vai além da realidade como ela se apresenta, procurando entender os problemas profundamente, para depois propor alternativas de mudanças. 1.3. Os Métodos da Investigação Filosófica Segundo Dermeval Saviani (1980), o pensamento filosófico deve ser: • Radical – isto é, deve chegar até a raiz, à origem dos problemas, deve ser profundo, deve chegar aos valores originais que possibilitaram o fato. • Rigoroso – ou seja, deve seguir um método adequado ao objeto em estudo, colocando em questão o senso comum e as generalizações científicas apressadas. • De conjunto – como já foi dito, a Filosofia se preocupa com o todo, com todos os atos, fatores e valores que estão envolvidos num determinado problema. Faz uma análise diacrônica e sincrônica do contexto analisado, sendo útil como complementação a cada ciência que tem uma visão parcial da realidade. Para resumir, segundo Dermeval Saviani: Radical – deve ir à origem dos problemas o pensamento filosófico deve ser: Rigoroso – deve seguir um método adequado De conjunto – deve se preocupar com o todo A tarefa da Filosofia consiste em corrigir a visão, ou, mais exatamente, a visão distorcida. Essa tarefa, no entanto, não é fácil. Isso por dois motivos: Primeiro, pelo fato de que toda visão tende a se transformar em cosmovisão; isto é, numa visão global. Assim, nossas afirmações mais simples são expressões da 17 18 nossa cosmovisão, “de nossa organização arquitetônica do mundo”, como diz Rubem Alves (ALVES apud SAVIANI, 1980: 24). O mais grave, porém, é que pretendemos solucionar todos os problemas e todas as contradições da vida e do mundo através dessa cosmovisão. Segundo, pelo fato de que, em geral, nós não temos consciência da nossa cosmovisão. Ela funciona como óculos que temos diante de nossos olhos e, ao vermos as coisas, não vemos os próprios óculos. Como a Filosofia pode ajudar-nos a superar essas duas dificuldades? A essência da Filosofia é a procura do saber e não a sua posse e que o trabalho filosófico é um trabalho de reflexão constante. Faz parte da essência da Filosofia, portanto, questionar os pressupostos comumente aceitos sem exame, questionar, como diz Rubem Alves, a nossa “organização arquitetônica do mundo” e o “nosso conhecimento familiar de que lançamos mão para explicar nossas práticas cotidianas” (PILETTI, 1990: 17). A Filosofia, enfim, pode nos ajudar a superar nossa visão distorcida da realidade porque a reflexão filosófica, para merecer esse nome, tem que ser, como vimos, uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto. Alguns métodos serão aqui expostos para exemplificar algumas concepções teóricas. Para procurar os conceitos universais, o método socrático, baseado no diálogo, assenta-se em dois passos fundamentais: Ironia e Maiêutica. Sócrates começa por solicitar ao seu interlocutor que defina um dado conceito (O que é o Bem? A Justiça? A Retórica ?). Aceita qualquer definição como ponto de partida, para em seguida formular um conjunto de questões em torno da mesma, mostrando as suas limitações. Chama-se Ironia esse passo, porque nos diálogos de Platão, Sócrates finge ignorar as respostas que procura. Maiêutica - Processo de questionamento a que se expõe seus interlocutores, em seus diálogos filosóficos; utilizava esse método não com a proposta de ensinar, mas apenas para aprender, por meio de perguntas. Confrontado com as limitações das suas definições, o interlocutor acaba por reconhecer as limitações do seu próprio saber. É então convidado a reformular a resposta anterior, dando uma definição mais ampla, na direção da universalidade. Dialética - O método proposto por Platão para atingir o conhecimento autêntico (epistéme) é a dialética. Consiste na contraposição de uma opinião com a crítica que dela podemos fazer, ou seja, na afirmação de uma tese qualquer seguida de uma discussão e negação desta tese, com o objetivo de purificá-la dos erros e equívocos. Método Cartesiano ou Dúvida Metódica - O ponto de partida é a busca de uma verdade primeira que não possa ser posta em dúvida. Por isso converte a dúvida em método. Começa duvidando de tudo, das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, do testemunho dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade do seu próprio corpo. O racionalismo é o sistema que consiste em limitar o homem ao âmbito da própria razão. 1.4. Principais Períodos Filosóficos na Dimensão Gnoseológica e Política • Filosofia Antiga (do séc. VI a.C. ao século VI d.C.) A Filosofia Antiga nasceu na Grécia, no século VI a.C., com os filósofos pré-socráticos indo até o período helenístico, que é o predomínio da cultura grega nos três grandes reinos (da Macedônia, Síria e Egito). A reflexão filosófica que se iniciou nesta época continuou convivendo com a consciência mítica e religiosa que dominava até então, assim como acontece em nossos dias, guardadas as devidas proporções. Os filósofos pré-socráticos tinham como ponto central de suas reflexões a busca do princípio ou fundamento das coisas, a arché. Os primeiros filósofos gregos são também chamados “filósofos da natureza”, porque suas reflexões estavam centradas na natureza e nos processos naturais. Queriam entender os fenômenos naturais através da observação, sem ter que recorrer aos mitos e aos deuses. Fizeram a Filosofia se libertar da Religião, deram os primeiros passos na direção de uma forma científica de pensar. A Filosofia nesta época englobava a indagação filosófica propriamente dita e o conhecimento “científico”, como o chamamos hoje. As respostas às indagações que faziam sobre o princípio das coisas foram variadas e divergentes, uns afirmavam que era a água, outros já diziam que era o ar, ou o fogo, ou os quatro elementos (terra, ar, fogo e água). Embora a atitude não fosse mais mítica, os elementos naturais ainda eram considerados quase que como divindades. “A atitude filosófica rejeita as interferências dos deuses, do sobrenatural, buscando a coerência interna, definição dos conceitos, o debate e a discussão” (ARANHA e MARTINS, 1993: 67). Sócrates (470-399 a.C.), “personagem mais enigmática de toda a história da Filosofia, não escreveu uma única linha e está entre os que mais influência exerceram sobre o pensamento europeu” (GAARDER, 1996: 78). Ele criou o método socrático, que consistia na busca do rigor através da discussão e do diálogo, através do qual o homem é encarado para ser compreendido e analisado. Com Sócrates, surge o interesse pelo ser humano e suas virtudes, as quais são identificadas como: bondade, justiça, temperança, coragem, etc. Para Sócrates, o homem não podia ser definido, pois depende de sua consciência, não é como a natureza que possui propriedades objetivas. Sócrates, com suas perguntas, destruía o saber constituído através do senso comum e dos preconceitos, para construir outro a partir de um raciocínio coerente e rigoroso. Platão era discípulo de Sócrates quando este morreu condenado a beber cicuta, aos 29 anos, por sua atividade como filósofo. Conhecemos a vida de Sócrates através de Platão, que foi também um dos maiores filósofos da história. Platão interessava-se pela relação entre aquilo que é eterno e imutável na natureza, na moral, na sociedade e aquilo que “flui”. Para Platão, a verdadeira realidade se encontra no mundo das idéias, lugar da essência imutável de todas as coisas, dos verdadeiros modelos ou arquétipos. Todos os seres, inclusive o homem, são apenas cópias imperfeitas de tais realidades eternas e se aperfeiçoam à medida que se aproximam do modelo ideal. Depois de Platão vem Aristóteles, que também foi um dos grandes filósofos gregos e que durante 20 anos foi aluno da Academia de Platão, para onde foi quando este tinha 61 anos. “Platão estava tão mergulhado no mundo das ‘idéias’ que quase não registrou as mudanças da natureza. Aristóteles, ao contrário, interessava-se justamente pelas mudanças naturais” (GAARDER, op. cit.: 121). Para Aristóteles, o ser é constituído de matéria e forma em potência a serem atualizadas, tem uma natureza essencial que se realiza aos poucos até alcançar um pleno desenvolvimento. Para ambos, a plenitude humana dependia do aperfeiçoamento da razão. Após a morte de Aristóteles (322 a.C.), a Filosofia Helênica continuou a investigar os problemas levantados por Sócrates, Platão e Aristóteles, tendo como ponto comum entre eles a preocupação em saber qual seria a melhor maneira de o homem viver e morrer. A partir do ano 50 a.C., Roma passou a assumir o poderio militar na região antes dominada pelos gregos, mas a cultura e a filosofia continuaram sendo helênicas até muito tempo depois. • Filosofia Patrística (do séc. I ao séc. VII) É a filosofia dos primeiros Padres da Igreja, por isso recebe esse nome. Inicia-se com as epístolas de São Paulo, que se converteu ao Cristianismo pouco depois da morte de Jesus e começou a viajar como missionário através de todo o mundo greco-romano, transformando o cristianismo numa religião universal. O Cristianismo começa a se infiltrar no mundo greco-romano como algo completamente diferente da Filosofia Helênica, mas Paulo encontrava apoio nesta filosofia ao afirmar que a busca por Deus está dentro de todos os homens, o que para os gregos não era novidade. O que Paulo pregava de novo é que esse Deus não era “filosófico”, ao qual as pessoas pudessem chegar apenas pela razão, mas que ele tinha se revelado aos homens. Paulo conseguiu, com sua tarefa missionária, expandir o Cristianismo para as cidades gregas e romanas mais importantes: Atenas, Roma, Alexandria, Éfeso, Corinto e nos três ou quatro séculos seguintes todo o mundo greco-romano estava cristianizado. Procurou-se conciliar a cultura greco-romana com o Cristianismo. “Mas o Cristianismo não era a única religião nova daquela época, o Helenismo era marcado por um sincretismo religioso, por isso a Igreja precisava definir claramente a doutrina cristã, a fim de estabelecer seus limites em relação às demais religiões e evitar uma cisão dentro da própria Igreja cristã” (Ibidem: 179). 19 20 Para definir claramente a doutrina cristã, surgem os “dogmas” cristãos mais importantes que vão servir de base para a Filosofia Patrística. Um desses “dogmas” foi que Jesus havia sido Deus e homem ao mesmo tempo e que através do milagre de Deus poderíamos ressuscitar para a vida eterna. Um grande representante desse período, já no seu final, foi Santo Agostinho (354 a 430). Foi influenciado pelo neoplatonismo do final da Antiguidade, mas se converteu ao Cristianismo. Com ele, a Filosofia Patrística deu novo rumo à pedagogia da época, colocando a disciplina cristã como auxiliar para resolver as situações aflitivas do homem. Segundo Santo Agostinho, a fé revela verdades ao homem de forma direta e intuitiva. A razão é posterior a fé. “Sua filosofia tem como preocupação central a relação entre a fé e a razão, mostrando que sem a fé a razão é incapaz de promover a salvação do homem e trazer-lhe a felicidade” (JAPIASSU e MARCONDES, 1995: 15). Filosofia Medieval (do séc. VIII ao séc. XIV) A Idade Média recebeu esse nome por ser intermediária entre duas outras épocas, a Antiguidade e o Renascimento. É considerada pelo homem renascentista como a longa “noite de mil anos” por ser vista como um período de decadência, mas, para outros, foi considerada o período de “mil anos de crescimento” pois foi aí que se iniciou o sistema escolar, por exemplo. Já no princípio desse período, surgiram nos conventos as primeiras escolas que, no século XII, também foram criadas à volta das catedrais. Por volta de 1200, começaram a ser fundadas as primeiras universidades. “Os primeiros cem anos depois de 400 d.C. foram realmente de declínio cultural. A era romana fora uma época de “cultura elevada”, com grandes cidades que dispunham de sistemas de esgotos, banhos e bibliotecas públicas. Isto para não falar da imponente arquitetura” (GAARDER, op. cit.: 190). Teodósio, o último imperador romano, dividiu o Império em Ocidental e Oriental em 395 e essa data marca o fim da Antiguidade e o começo da Idade Média. Cresceu muito o poder da Igreja nesta época, em fins do século IV, quando Roma perdeu seu poder político, o bispo de Roma se tornou o chefe de toda a Igreja católica romana e recebeu o nome de “papa” = “pai” e passou a ser considerado o representante de Jesus na terra. No ano de 529, a Academia de Platão, em Atenas, foi fechada e no mesmo ano foi fundada a Ordem dos Beneditinos, a primeira grande ordem religiosa. Nesse momento, a Igreja católica se impõe e afasta a Filosofia grega, transformando os mosteiros em grandes centros monopolizadores da educação, reflexão e meditação. A Filosofia Medieval passou a ser ensinada nas escolas a partir do século XII, por isso recebeu o nome de Escolástica. Apesar de a Igreja ter fechado a Academia de Platão, os filósofos gregos não foram esquecidos, Platão e Aristóteles continuaram influenciando neste período, “embora o Platão que os medievais conhecessem fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de Plotino, do século VI d.C.), e o Aristóteles que conhecessem fosse aquele conservado e traduzido pelos árabes, particularmente Avicena e Averróis” (CHAUÍ, 1995: 45). De certa forma, a cultura da Antiguidade conseguiu sobreviver a toda a Idade Média, vindo a ressurgir no Renascimento. O maior e mais importante filósofo da Idade Média foi são Tomás de Aquino (1225 a 1274), que era um teólogo. Naquela época, não havia nítida distinção entre Filosofia e Teologia. Ele tentou conciliar a Filosofia de Aristóteles e o Cristianismo. São Tomás de Aquino quis mostrar que existe apenas uma verdade. Uma parte dela reconhecemos através da razão e da observação e outra parte através da Bíblia. Ele acreditava poder provar a existência de Deus com base na Filosofia de Aristóteles (através da razão). Filosofia da Renascença (do séc. XIV ao séc. XVI) “É marcada pela descoberta de obras de Platão desconhecidas na Idade Média, de novas obras de Aristóteles, bem como pela recuperação das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos” (Ibidem: 46). As quatro grandes linhas de pensamento que dominavam o pensamento da Renascença eram: • A idéia de que a natureza é um grande ser vivo e de que o homem faz parte dessa natureza como um microcosmo (como espelho do Universo inteiro), podendo agir sobre ela através da alquimia, da magia natural e da astrologia. Essa idéia é proveniente de Platão, do neoplatonismo e da descoberta de livros de Hermetismo. • A idéia que valorizava a vida ativa, a política e defendia os ideais republicanos das cidades contra o poder hierárquico da Igreja, o império eclesiástico, o poderio dos papas e dos imperadores. Os pensadores dessa época foram buscar, nos antigos juristas e historiadores, essas idéias republicanas e propuseram a “imitação dos antigos”. • A idéia que defendia o ideal do homem como artífice de seu próprio destino, através dos conhecimentos como astrologia, magia e alquimia, assim como através da política, das técnicas (medicina, arquitetura, engenharia, navegação) e das artes (pintura, escultura, literatura e teatro). • A certeza de que era possível constituir um conhecimento novo, científico, baseado na indução e não mais na dedução ou na autoridade, experimental, diferente da filosofia, dissociado da teologia, e que possibilitaria uma nova cosmovisão. Foi a época das grandes descobertas marítimas, da Inquisição e das críticas profundas à Igreja, que desembocaram na Reforma Protestante e na Contra-Reforma da Igreja. Entre os nomes mais importantes desse período estão: a) Representante da Filosofia da Natureza: – Kepler b) Representantes da Metafísica: – Nicolau de Cusa (docta ignorantia) – Giordano Bruno (sistema panteísta) c) Representantes da Filosofia Política: – Maquiavel (O príncipe) – Tomás Morus (Utopia) d) Representante da Reforma da Ciência: – Luis Vives (De tradendis disciplinis, De anima et vita) Filosofia Moderna – (do séc. XVII a meados do séc. XVIII) É a época do Grande Racionalismo Clássico, marcado por três grandes mudanças intelectuais: • A Filosofia muda o foco de suas indagações para o intelecto do homem ao invés de começar a indagar sobre a Natureza e Deus. Começa a questionar sobre a capacidade de conhecer e, depois, como o intelecto pode conhecer o que é diferente dele. • Tudo o que pode ser conhecido pode ser transformado num conceito ou idéia clara e distinta formulada pelo intelecto. A Natureza, a Sociedade e a Política podem ser inteiramente conhecidas pelos sujeitos porque são passíveis de serem transformadas em conceitos. • “A realidade é concebida como um sistema racional de mecanismos físico-matemáticos, cuja estrutura profunda é matemática. O ‘livro do mundo’, diz Galileu, está escrito em caracteres matemáticos” (Ibidem: 47). Essa grande mudança intelectual deu origem à mecânica, à ciência clássica, por meio da qual são explicados todos os fatos da realidade: astronomia, física, química, psicologia, política e artes, estudadas de forma mecânica. Nasce a idéia de conquista científica e técnica da realidade, a partir da explicação mecânica e matemática do Universo e da invenção das máquinas. Havia uma grande confiança na razão para definir qual o melhor sistema político, qual a origem, as causas e os efeitos das paixões humanas, além da possibilidade de transformá-los, tornando a vida ética perfeitamente racional. Os principais pensadores dessa época e suas principais obras: Representantes da Reforma da Ciência: – Francis Bacon (Novum Organum – método indutivo) – Descartes (Discurso do Método) – Tomas Hobbes (Leviatã – teoria do Estado) – Espinosa (A ética demonstrada segundo o método geométrico) – Leibniz (político, científico e filosófo – solução pluralista) Filosofia da Ilustração – (meados do séc. XVIII ao começo do séc. XIX) Esse período também enfatiza a primazia da razão. O nome Iluminismo vem de luzes (nome dado à razão). Segundo Chauí (op. cit.: 48), o Iluminismo pregava: • “Que, pela razão, o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade social e política (a Filosofia da Ilustração foi decisiva para as idéias da Revolução Francesa de 1789). • Que a razão é capaz de evolução e progresso, e o homem é um ser perfectível. A perfectibilidade consiste em liberar-se dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em libertar-se da superstição e do medo, graças ao conhecimento, às ciências, às artes e à moral. 21 22 • Que o aperfeiçoamento da razão se realiza pelo progresso das civilizações, que vão das mais atrasadas (também chamadas de ‘primitivas’ ou ‘selvagens’) às mais adiantadas e perfeitas (as da Europa ocidental). • Que há diferença entre Natureza e civilização, isto é, a Natureza é o reino das relações necessárias de causa e efeito ou das leis naturais universais e imutáveis, enquanto a civilização é o reino da liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos próprios homens, em seu aperfeiçoamento moral, técnico e político.” Nesse período, houve grande interesse pela biologia, pela economia e pelas artes, que são consideradas símbolo do grau de progresso de uma civilização. Os principais pensadores dessa época e suas obras mais representativas: a) John Locke (“Ensaio sobre o entendimento Humano” e “Pensamentos sobre a educação”) b) Boyle (química) e Newton (Teoria da gravitação) c) David Hume (“Tratado da Natureza Humana”) d) Franceses (progressiva emancipação): Voltaire, Diderot, Condillac, D’Alembert e Rousseau Os temas rousseaunianos mais importantes são: • O naturalismo: o homem é originalmente bom, a natureza humana é boa, o mal existe no mundo; • O individualismo: toda ação socializadora é nefasta e funesta pois perverte a natureza humana – essa é a maior contradição da pedagogia de Rousseau, pois de acordo com ele se está educando um ser anti-social. • O sentido da pedagogia – que está em sua obra O Emílio – a educação é preparação para a vida adulta – depois na vida adulta, a ação política contribui para a socialização que se dará espontaneamente. • O subjetivismo – cada ser humano é único – a importância da educação para a autenticidade. • Kant e o idealismo alemão (com ele se inicia a corrente mais importante da filosofia contemporânea) – investiga sobre o sujeito para encontrar as condições subjetivas que fazem possível a objetividade. Como representante da ilustração, propunha uma emancipação do homem frente a tutelas auto-impostas com o uso da razão. • Schelling (período de filosofia negativa: predomínio do estético; período de filosofia positiva: predomínio do religioso). • Hegel (1770-1831 – culminação do idealismo. “Fenomenologia do Espírito”, “Ciência da Lógica”). Filosofia Contemporânea – (meados do séc. XIX até nossos dias) Por se tratar de um período que está sendo vivido por nós, fica difícil proceder à classificação por não podermos manter a necessária distância para analisar com mais objetividade, mas pode-se citar as diferentes correntes, com os seus nomes mais expressivos, que servirá de base para futuras investigações, segundo Aranha e Martins (1989): – Crítica da Ciência – Henri Poincaré (1854-1912) – Fazemos a ciência com fatos, como fazemos uma casa com pedras; mas a acumulação de fatos não é ciência, assim como um monte de pedras não é uma casa; – Positivismo – Augusto Comte (1798-1857) “fundador do positivismo, corrente filosófica segundo a qual a humanidade teria passado por estágios sucessivos (teológico e metafísico) até chegar ao ponto superior do processo, caracterizado pelo conhecimento positivo, ou científico” (Ibidem: 100). – Neopositivismo e Filosofia Analítica – Bertrand Russell (1872-1970 Principia Mathematica, Los problemas de la Filosofia); – Pragmatismo – John Dewey (1859-1952). – Filosofia da Existência • Karl Jaspers (1883-1969) – existência, transcendência, Deus; sobre a verdade. • Martin Heidegger (1889-1976) – “O ser e o tempo”, “Que é metafísica? – sentido do ser”. – Fenomenologia – fundada por Edmund Husserl (1859-1938), cujos seguidores são: Heidegger, Karl Jaspers e Merleau-Ponty. – Existencialismo • Jean-Paul Sartre (1905-1980) – O ser e o nada. O existencialismo é um humanismo. Para Sartre só as coisas e os animais são “em si”. O homem, sendo consciente, é um “ser-para-si”, aberto à possibilidade de construir ele próprio sua existência. O homem não é mais que o que ele faz. Não se pode falar numa natureza humana encontrada igualmente em todos os homens. • Karl Popper (1902) – filósofo austríaco – segundo ele, o que distingue essencialmente um governo democrático de um não-democrático é que apenas no primeiro os cidadãos podem livrar-se de seus governantes sem derramamento de sangue. – Marxismo • Karl Marx (1818-1883) – Rejeita explicitamente a concepção de uma natureza humana universal. Os homens são seres práticos que se definem pelo trabalho, o que explica que não há uma essência separada da existência. Marx, assim como Freud, mostra que a razão pode ser deturpadora e pervertida, pode estar a serviço da mentira e do poder. Esse tipo de racionalidade deve ser contestado pela atividade crítica da razão mais completa e mais rica. Marx se posicionou contra a moral kantiana, fundada na razão universal, abstrata, e tenta encontrar o homem concreto da ação moral. A doutrina marxista é chamada de filosofia da práxis porque é a união dialética da teoria e da prática. • Gramsci (1891-1937) – filósofo italiano, “teórico do marxismo, que recusara o dogmatismo do marxismo oficial, enfatiza a necessidade de formação do intelectual orgânico, ligado a sua classe e capaz de elaborar coerente e criticamente a experiência proletária” (ARANHA e MARTINS, 1993: 265). • Louis Althusser (1918) – filósofo francês que analisa a violência simbólica exercida pela classe dominante através dos Aparelhos Ideológicos do Estado (escola, família, meios de comunicação de massa, instituições de cultura, partidos políticos) onde é repassada a ideologia dominante. • Theodor Adorno (1903-1969) – levantou o problema da alienação promovida pela arte de massa. • Max Horkheimer (1895-1973) – junto com Adorno, afirmava que os produtos da indústria cultural levavam inevitavelmente à alienação. – Estruturalismo • Michel Foucault (1926-1984) – prefere examinar a questão do poder não como manifestação do Estado, mas como uma rede de micropoderes que se estende por todo o corpo social. – Filósofos Independentes (sem escola) – Henri Bergson (1859-1941), Teillard de Chardin (1881-1955), Vladimir Jankélévitch (1903-1985). – Escola de Madri – Ortega y Gasset, Julian Marias e Xavier Zubini. Principais Períodos da Filosofia ÉPOCA FILOSOFIA CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS REPRESENTANTES do séc. VI a.C. ao séc. VI d.C. ANTIGA - engloba a indagação filosófica e o conhecimento científico; - faz indagações sobre a natureza. Sócrates Platão Aristóteles do séc. I ao séc. VII PATRÍSTICA do séc. VIII ao séc. XIV MEDIEVAL do séc. XIV ao séc. XVI RENASCENÇA - acredita que a natureza é um grande ser vivo, da qual o homem faz parte; - valorização da política; - idéia do homem como artífice do seu próprio destino. Dante Nicolau de Cusa Giordano Bruno Maquiavel Tomas Morus Kepler Luis Vives do séc. XVII a meados do séc. XVIII MODERNA - reforma da ciência; - grande racionalismo clássico; - o foco passa a ser o intelecto do homem. Francis Bacon Galileu Descartes, Espinosa, Tomas Hobbes, Leibniz de meados do séc. XVIII ao começo do séc. XIX ILUSTRAÇÃO de meados do séc. XIX até nossos dias CONTEMPORÂNEA - filosofia dos Padres da Igreja; - imposição das idéias cristãs. - passou a ser ensinada na escola, no séc. XII, como nome de Escolástica; - surge a Teologia; - faz indagações sobre Deus. - enfatiza a primazia da razão; - o homem é um ser perfectível, liberta-se dos preconceitos religiosos, sociais e morais. - crítica da ciência; positivismo; neopositivismo; pragmatismo; racionalismo; fenomenologia; marxismo; estruturalismo. São Paulo, São João, Santo Agostinho, outros padres e santos São Tomás de Aquino Platão Aristóteles John Locke, Voltaire Boyle, Newton Rousseau, Kant, Diderot, Schelling Hegel, Hume Henri Poincaré Augusto Comte John Dewey Bertrand Russell Edmund Husserl Heidegger, Jaspers Merleau-Pounty Althusser Michel Foucault 23 24 Exercícios de Auto-Avaliação Responda às questões: 1. Qual a importância do mito antigamente? 2. Como pode-se diminuir a influência ou eliminar o mito? 3. Cite e explique um fenômeno humano como mito, ritual e magia. 4. Quais as funções do mito atualmente? 5. Cite alguns filósofos do início do pensamento racional e diga qual era a idéia filosófica de cada um. 6. O que significa Logos? 7. Qual a idéia central da Filosofia na Idade Média? 8. Quais são as tendências filosóficas? Destaque seus precursores e os filósofos antigos que exerceram influência sobre eles. 9. Qual a idéia central da filosofia moderna que acabou provocando a dessacralização da consciência, isto é, a consciência humana deixou de ser sagrada? 10 - O que é Filosofia? Pesquise também no texto de Luckesi (1990: 22-23) e em Russell (1957, 1. p.XI), constantes da bibliografia indicada, e escreva outros conceitos também. 11 - Qual a relação da ciência com a Filosofia? 12 - Quais são as principais características do pensamento filosófico? 13 - Qual a diferença entre Teologia e Ciência, segundo o texto de Bertrand Russell, no livro História da Filosofia Ocidental. Trad. Brenno Silveira. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1957. 1. p. XI.? 14 - O que se entende por transcendência? Leitura Complementar Leia o texto abaixo e desenvolva uma crítica filosófica, procurando atender às exigências afirmadas por Demerval Saviani (radical, rigorosa e de conjunto). A FILOSOFIA NO MUNDO Seja a filosofia o que for, está presente em nosso mundo e a ele necessariamente se refere. Certo é que ela rompe os quadros do mundo para lançar-se ao infinito. Mas retorna ao finito para aí encontrar seu fundamento histórico sempre original. Certo é que tende aos horizontes mais remotos, a horizontes situados para além do mundo, a fim de ali conseguir, no eterno, a experiência do presente. Contudo, nem mesmo a mais profunda meditação terá sentido se não se relacionar à existência do homem, aqui e agora. A filosofia entrevê os critérios últimos, a abóbada celeste das possibilidades e procura, à luz do aparentemente impossível, a via pela qual o homem poderá enobrecer-se em sua existência empírica. A filosofia se dirige ao indivíduo. Dá lugar à livre comunidade dos que, movidos pelo desejo de verdade, confiam uns nos outros. Quem se dedica a filosofar gostaria de ser admitido nessa comunidade. Ela está sempre neste mundo, mas não poderia fazer-se instituição sob pena de sacrificar a liberdade de sua verdade. O filósofo não pode saber se integrar à comunidade. Não há instância que decida admiti-lo ou recusá-lo. E o filósofo deseja, pelo pensamento, viver de forma tal que a aceitação seja, em princípio, possível. Mas como se põe o mundo em relação com a filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades. Atualmente representam uma posição embaraçosa. Por força da tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática. É nomeada em público, mas existirá realmente? Sua existência se prova, quando menos, pelas medidas de defesa a que dá lugar. A oposição se traduz em fórmulas como: a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através de trabalho consciencioso, num capítulo qualquer de atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter "opiniões" e contentar-se com elas. A polêmica torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente. E surgem os detratores, que desejam substituir a obsoleta filosofia por algo de novo e totalmente diverso. Ela é desprezada como produto final e mendaz de uma teologia falida. A insensatez das proposições dos filósofos é ironizada. E a filosofia vê-se denunciada como instrumento servil de poderes políticos e outros. Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são fáceis de manipular quando não pensam, mas tão-somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensinem, menos estarão os homens arriscados a se deixar tocar pela luz da filosofia. Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência dessa condição. A autocomplacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologia, a aspiração a um nome literário – tudo isso proclama a antifilosofia. E os homens não os percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. E permanecem inconscientes de que a antifilosofia é uma filosofia, embora pervertida, que, se aprofundada, engendraria sua própria aniquilação. O problema crucial é o seguinte: a filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser-verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito. No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva esse conflito ao extremo, porém o despe de violência. Em suas relações com tudo quanto existe, o filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com outros pensadores e ao processo que o torna transparente a si mesmo. Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejo de partilhar, com seus concidadãos, do destino comum da humanidade. Eis por que a filosofia não se transforma em credo. Está em contínua pugna consigo mesma. JASPERS, Karl. Introdução ao Pensamento Filósofo. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 138. Relacione o texto abaixo com a situação do Brasil hoje e procure na literatura de mitologia existente o mito de Hermes, fazendo comparações. ATUALIDADE DA MITOLOGIA Leandro Konder Um dos deuses mais curiosos da mitologia grega era Hermes, que os romanos, mais tarde, chamariam de Mercúrio. Hermes era filho de Zeus, o deus dos deuses, um marido inveteradamente infiel, que aprovava qualquer descuido na vigilância de sua ciumentíssima esposa, a deusa Hera, para envolver-se em aventuras 25 26 extraconjugais. Zeus teve um tórrido romance com a mais jovem das Plêiades, a adolescente Maia, e desse romance nasceu Hermes. Desde criança, Hermes se revelou um gênio da malandragem. Roubou 50 vacas de seu irmão Apolo, o deus do Sol. Apolo, indignado, acusou o garoto perante o tribunal do Olimpo. Zeus interrogou o réu e ficou impressionado com a cara-de-pau dele; apesar das provas que o incriminavam, o menino negou tudo, com firmeza. O conflito só foi resolvido quando Hermes mostrou a Apolo dois instrumentos musicais que havia inventado: a lira e a flauta. Em troca dos dois instrumentos, Apolo concordou em dar ao irmãozinho safado não só todo o seu rebanho como também o seu cajado de ouro. Hermes adorava afanar coisas dos outros. Tinha a volúpia da apropriação indébita. Furtou a espada de Ares, o deus da guerra (aquele que os romanos chamariam de Marte). Furtou o tridente de Poseidon, o deus das águas (aquele que os romanos chamariam de Netuno). E furtou o cinto de Afrodite, a deusa da beleza (aquela que depois dos romanos passaria a ser a das camisinhas). Como era um campeão da simpatia, Hermes acabava sempre sendo perdoado por suas vítimas e ficava impune. A belíssima Afrodite, aliás, não só o desculpou como dormiu com ele e engravidou. Hermes era ambíguo demais para se comprometer seriamente com alguém, por isso não permaneceu ligado à deusa da beleza (que, diga-se de passagem, também era uma criatura de uma enorme ambigüidade: Efestos, Ares e Adonis que o digam ...). O filho do casal ambíguo nasceu, recebeu o nome de Hermafrodito e acabou tendo, ambiguamente, os dois sexos reunidos na sua mesma pessoa. Hermes gostava de se envolver em situações escusas, fazia trapaças, zombava dos trouxas. Agia, geralmente, à noite. Tinha notáveis habilidades de mágico e prestidigitador. Freqüentemente, infringia as leis. Como no Olimpo o encarregado de aplicar as leis era Zeus, Hermes tratou de prestar serviços ao pai. Zeus teve uma ligação extraconjugal com Sêmele, a moça pariu um filho, Dionísio, e Hera resolveu matar o bebê. Coube a Hermes, a pedido do "juiz" prevaricador, salvar a vida do futuro deus do vinho (garantindo com isso a gratidão do genitor e a cobertura do tribunal para suas falcatruas). Zeus, retribuindo o favor, nomeou Hermes mensageiro dos deuses, encarregado da mediação entre o Olimpo e o mundo dos homens. Usando sandálias com asas, o menino se deslocava constantemente, com incrível velocidade, num movimento de ida e volta, entre os dois pólos. E aproveitava para aplicar em cada um deles as coisas que aprendia no outro. A experiência adquirida nesse intercâmbio tornou-o o deus do comércio, o influente protetor de todas as malandragens mercantis. E, além disso, lhe permitiu desenvolver uma habilidade especial, um talento que antes dele nenhum deus jamais tivera: a arte de embromar. Hermes aperfeiçoou recursos eficientíssimos de retórica, criou um novo estilo de expressão. Temperava seu discurso com malícia, com ironia, fazia insinuações graciosas, misturava verdades com mentiras. Os deuses, a princípio, estranharam a novidade, acharam-na demasiado humana; pouco a pouco, entretanto, aderiram à moda e trocaram a fala direta e sincera pelas construções hábeis e sinuosas. Em vez de expor idéias para um cotejo limpo com o pensamento alheio, passou-se a recorrer cada vez mais, na linguagem, aos artifícios da sedução e ao brilho do engodo. O objetivo do lucro mercantil suplantou qualquer preocupação com a justiça. O Olimpo não resistiu ao descrédito provocado por essa mudança. Os deuses perderam a pouca credibilidade que lhes restava e sumiram. O próprio Hermes desapareceu, nunca mais foi visto. Consta, porém, que ele está vivo. E há mesmo quem diga que está morando no Brasil e ocupa cargos importantes no aparelho de Estado. KONDER, Leandro. A atualidade da mitologia. In. O Globo. Opinião 7, domingo, 7 de julho de 1996. 1 - Leia o capítulo I do livro Educação e Qualidade, de Pedro Demo, indicado na bibliografia, e reúna-se com um ou mais colegas de seu curso para juntos responderem a estas perguntas: a) Para onde vai a educação brasileira? b) Que tipo de homem estamos formando? c) Qual é a apreciação que vocês podem fazer sobre os textos apresentados? Escreva as conclusões do grupo. d) Leia no livro: A História da Educação, de M.G. Rosa: a) O texto de Aristóteles - p. 50-56; b) O texto de Santo Agostinho - p. 103-106; c) O texto de São Tomás de Aquino - p. 108-112; d) O texto de Maquiavel - p. 119-122; e) O texto de Descartes - p. 161-171; f) O texto de Rousseau - p. 198-214; g) O texto de Dewey - p. 298-306. 2 - Após a leitura desses textos, que representam cada época da Filosofia, trace um paralelo entre eles, destacando semelhanças e diferenças. Caso seja possível, reúna-se com colegas e escrevam uma conclusão em equipe. 3 - Explique duas diferenças entre o período medieval e o renascentista. 4 - Cite as três grandes mudanças intelectuais que caracterizaram o Grande Racionalismo Clássico. 5 - Que corrente filosófica afirma que "pela razão o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade social e política"? 6 - Leia o capítulo sobre Hegel no livro O mundo de Sofia, de Gaarder. Descubra qual foi a sua contribuição para a Filosofia da Ilustração. Sugestão de Leitura GAARDER, Jostein. O Dia do Curinga. Tradução João Azenha Jr. São Paulo: Cia. Das Letras, 1996. NEEDLEMAN, Jacob. O Coração da Filosofia. Tradução Júlio Fischer, São Paulo: Palas Athena, 1991. Atividades Complementares Leia O Mito da Caverna, de Platão, abaixo e responda às perguntas apresentadas no final do texto. O MITO DA CAVERNA Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para a frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semiobscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros – no exterior, portanto – há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. 27 28 Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na caverna. Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria. Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda a sua vida, não vira senão sombras de imagens (as sombras das estátuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. Que aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matálo. Mas, quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à realidade. Responda com base na filosofia de Platão que se refere ao Mundo das Idéias: 1. O que é a caverna? 2. Que são as sombras das estatuetas? 3. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? 4. O que é a luz exterior do sol? 5. O que é o mundo exterior? 6. Qual o instrumento que liberta o o prisioneiro que saiu da caverna e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? 7. O que é a visão do mundo real iluminado? 8. Por que os prisioneiros zombam, espacam e matam aquele que saiu da caverna? Questão para refletir e responder de acordo com suas vivências: De que forma você poderia interpretar na sua vida a Alegoria da Caverna? - Procure assistir, caso tenha acesso, a pelo menos um dos filmes a seguir relacionados: • O Pato Donald no Mundo da Matemática - de Walt Disney • Em nome de Deus (História do filósofo Abelardo e Heloísa) • O nome da Rosa (baseado no livro de Humberto Eco) • Sonhos - de Akira Kurosawa (ver especialmente o último sonho) • As Bruxas de Salém (final da Idade Média) Em cada um procure uma relação com esse tópico estudado, discuta as conclusões com outras pessoas e escreva para o tutor do curso. - Leia no livro O Ponto de Mutação, de F. Capra, os textos: A máquina do mundo newtoniana (p. 49); A concepção mecanicista da vida (p. 95). Qual a contribuição de Descartes e de Newton para a visão de mundo atual? Envie para o seu tutor avaliar. 29 30 UNIDADE II AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS DO HOMEM A reflexão filosófica brota da realidade histórica e cultural, da situação concreta em que vivemos e nesta deve repercutir contribuindo, assim, juntamente com outras “ferramentas”, para a transformação da realidade, no sentido de propiciar mediante um postura crítica, as intervenções necessárias, graças à dialética reflexão/ação sem a qual o pensamento é estéril e a ação, cega. 2.1. O que é o Homem: Sua Hominização A civilização do conhecimento, da ciência e da tecnologia agoniza, pede socorro diante do cenário de violência e barbárie que se instala nos corações dos homens. Este é o grande paradoxo. Esses mesmos homens capazes de desenvolvimento científico e tecnológico surpreendentes, mergulhados no individualismo exacerbado, caminham cegamente para a morte. Acreditando-se superior aos demais seres do planeta, devido a sua capacidade de raciocínio, o homem transforma, deforma, constrói, destrói, impregnando marcas no mundo que acredita comandar. No entanto, esse ser que levado pela racionalidade tecnicista esquece que é parte integrante da natureza e não o seu dono, vêse diante de um mundo destituído dos valores éticos que sustentam o humano. Levados pela ambição e poder desmedidos, o homem ignora os sinais de alerta que a natureza – planeta Gaia – vem proporcionando como “respostas” aos seus desmandos e irresponsabilidades. Filósofos e estudiosos como Morin, entre outros protagonistas da transição dos séculos XX e XXI, têm buscado em literatura dos grandes clássicos os embasamentos para suas teorias, clamando pela urgência, pela complexidade, pela interdependência homem/ natureza/ciência/vida, num grito ao mesmo tempo de denúncia e de esperança. 2.2. A Essência do Fenômeno Humano Teorias Dualistas IDEALISMO No sentido gnosiológico (ou epistemológico) o termo foi empregado pela primeira vez por Wollf: “Denominam-se idealistas, diz ele, aqueles que admitem que os corpos têm somente uma existência ideal, em nossos ânimos, e por isso negam a existência real dos próprios corpos e do mundo” (ABBAGNAMO, 1970: 498). PLATÔNICO – PLATÃO (428-347 a.C.) “Doutrina das idéias segundo a qual são objetos do conhecimento científico entidades ou valores que têm um status diverso do das coisas naturais e caracterizado pela unidade e pela imutabilidade. Com base nesta doutrina, o conhecimento sensível, que tem por objeto as coisas na sua multiplicidade e mutabilidade, não tem o mínimo valor de verdade e pode somente obstacular à aquisição do conhecimento autêntico” (Ibidem: 734). “O verdadeiro conhecimento, a epistéme (ciência), é aquele pelo qual a razão ultrapassa o mundo sensível e atinge o mundo das idéias, lugar das essências imutáveis de todas as coisas, dos verdadeiros modelos (arquétipos)” (ARANHA e MARTINS, 1993: 136). AGOSTINIANO – SANTO AGOSTINHO (354-430) Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona. Em sua obra “A Cidade de Deus”, o filósofo afirma a coexistência dos dois planos de existência: “a Cidade de Deus” e a “Cidade Terrestre”. “Para Santo Agostinho, a relação entre as duas dimensões é de ligação e não de oposição, mas a repercussão do seu pensamento, à revelia do autor, desemboca na doutrina chamada Agostinismo político, que marca toda a Idade Média e significa o confronto entre o poder do Estado e o da Igreja, considerando a superioridade do poder espiritual sobre o temporal” (Ibidem: 200). CARTESIANO – DESCARTES (1596-1650) “O ponto de partida é a busca de uma verdade primeira que não possa ser posta em dúvida. Por isso, converte a dúvida em método. Começa duvidando de tudo, das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, do testemunho dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo reciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade do seu próprio corpo [...]. O racionalismo é o sistema que consiste em limitar o homem ao âmbito da própria razão [...]. O racionalismo exclue a experiência sensível, mas esta é apenas a ocasião do conhecimento e está sujeita a enganos. A verdadeira ciência se perfaz no espírito” (Ibidem: 104). Uma das conseqüências do racionalismo cartesiano “é o dualismo psicofísico (ou a dicotomia corpoconsciência), segundo o qual o homem é um ser duplo, composto de uma substância pensante e uma substância extensa” (Ibidem: 105). REALISMO “A palavra começou a ser usada por volta do fim do século XV para indicar a orientação mais antiga da Escolástica em oposição à orientação chamada “moderna” dos nominalistas ou terminalistas.[...] No sentido mais geral e moderno, o Realismo tem sido qualificado e definido das maneiras mais diferentes: e quase sempre, as doutrinas que o adotaram como lema qualificaram também como realistas as doutrinas do passado que coincidiam com seus pontos de vista (ABBAGNAMO, op. cit.: 802). “Concepção filosófica segundo a qual existe uma realidade exterior, determinada, autônoma, independente do conhecimento que se pode ter sobre ela. O conhecimento verdadeiro, na perspectiva realista, seria então a coincidência ou correspondência entre nossos juízos e essa realidade” (JAPIASSU e MARCONDES, op. cit.: 210). ARISTOTÉLICO – ARISTÓTELES (384-322 a.C.) “Afirma que é possível conhecer o que é o real concreto e mutável por meio das definições e conceitos que permanecem inalterados. Basta que para isso seja estabelecido previamente o que importa ser conhecido acerca do ser, distinguindo-o daquilo que pode ser deixado de lado por ser meramente ocasional, factual ou acidental. Para Aristóteles, a filosofia implica o abandono do senso comum e o despertar da consciência crítica que tem uma função libertadora para o homem. O abandono do senso comum se dá em virtude do espanto (pathos), e este é a origem do filosofar” (REZENDE, 1998: 58). MARXISMO - KARL MARX (1818-1883) “Marx e Engels formularam seu pensamento a partir da realidade social por eles observadas: de um lado, o avanço técnico, o aumento do poder do homem sobre a natureza, o enriquecimento e o progresso; de outro, e contrariamente, a escravidão crescente da classe operária, cada vez mais empobrecida. Para a elaboração de sua doutrina, partiram da leitura dos economistas ingleses (Adam Smith e David Ricardo), da filosofia de Hegel (o conceito de dialética e uma nova concepção de história) e dos filósofos do socialismo utópico. A teoria marxista compõe-se de uma teoria científica, o materialismo histórico, e de uma filosofia, o materialismo dialético.O materialismo dialético parte da consideração de que os fenômenos materiais são processos. O mundo não é uma realidade estática, não é um relógio, um mecanismo regulado pelo “divino relojoeiro”, mas é uma realidade dinâmica, é um complexo de processos. Por isso, a abordagem da realidade só pode ser feita de maneira dialética, que considera as coisas na sua dependência recíproca, e não linear” (ARANHA e MARTINS, 1989: 240). Teorias Unicistas A visão unicista parte da conceituação centrada na totalidade – ou Cosmos –, constitui nitidamente o embrião de uma nova abordagem de ciência. Para tanto, ela fundamenta-se, de um lado, na crítica e no estudo sistemático dos conceitos de ciência que a antecederam, de outro lado, no retorno às tradições espirituais como requisito necessário à aquisição de uma abordagem holística do real. O extremo sentimento de mal-estar que muitas pessoas sentem diante dos complexos e trágicos problemas da atualidade tem levado a uma busca de um diálogo entre os vários núcleos do saber e da atividade humana. Por exemplo, temos a ONU e a Unesco como grandes organizações internacionais que buscam uma maneira conjunta de solucionar muitos dos atuais problemas humanos, sem falar nos movimentos de encontro interdisciplinares e a busca pela ação cooperativa em todos os âmbitos, a medicina psicossomática e homeopática e a abordagem holística em psicoterapia, etc. É a essa busca de uma visão de conjunto, uma visão do TODO – que possui características próprias independentes das características de suas partes constituintes, como o todo humano possui características próprias da de seus órgãos e tecidos –, que se dá o nome de holismo. FENOMENOLOGIA – EDMUND HUSSERL (1859-1938) “A fenomenologia é o método e a filosofia fornece os conceitos básicos para a reflexão existencialista [...]. O postulado básico da fenomenologia é a noção de intencionalidade, pela qual se considera que toda consciência é intencional, tende para algo fora de si” (Idem, 1993: 304). “A fenomenologia propõe a superação da dicotomia, afirmando que toda consciência é intencional. Isso significa que não há pura consciência, separada do mundo, mas toda consciência tende para o mundo. Da mesma forma, não há objeto em si, independente de 31 32 uma consciência que o perceba. Portanto, o objeto é um fenômeno, ou seja, etimologicamente, ‘algo que aparece’ para uma consciência” (Idem, 1989: 123). Pelo engajamento, a liberdade deixa de ser apenas imaginária e passa a estar situada e comprometida na ação. EXISTENCIALISMO – SARTRE (1905-1980) – HEIDEGGER (1889-1976) O existencialismo é uma moral da ação, porque considera que a única coisa que define o homem é o seu ato. Ato livre por excelência, mesmo que o homem sempre esteja situado num determinado tempo ou lugar. Não importa o que as circunstâncias fazem do homem, ‘mas o que ele faz do que fizeram dele’” (Ibidem: 305-06). “Segundo o existencialismo, a noção de engajamento significa a necessidade de um determinado pensador estar voltado para a análise da situação concreta em que vive, tornando-se solidário nos acontecimentos sociais e políticos de seu tempo. 2.3. A Complexidade Humana Morin, em seu livro, Cabeça Bem-Feita (2001: 14), afirma que “ [...] a inteligência que só sabe separar, fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo.” Esse pensamento moriniano procura levantar uma crítica ao reducionismo das ciências advindo do racionalismo cartesiano e reforçado pelo positivismo comteano. Possibilita um repensar da história do homem que, impedido de compreender a si próprio pela luz do paradigma cientificista, vê-se mergulhado na angústia e na impotência. O Ser do Homem deixa de ser o objetivo e o fim tornando-se o meio, e a técnica predomina sobre o Ser. Descrevendo em seu livro, A barbárie interior, ensaio sobre o i-mundo moderno, Jean François Mattei (2002), filósofo e político, expõe idéias que podem ser ilustradas por muitos dos acontecimentos dos dias atuais: A civilização, portanto, distrair-se-á novamente, à imagem do homem carrasco de si mesmo de Baudelaire, no retorno incansável de seu próprio tormento, para renascer em seguida de suas cinzas e recomeçar ad nauseam, sendo a civilização e a barbárie as duas máscaras, adversárias e cúmplices, de uma única e mesma humanidade (MATTÉI, 2002: 47). Esse pessimismo a que se refere Mattéi, diz respeito às inquietudes de Schiller e Goethe, Victor Hugo e Flaubert, Baudelaire e Poe, quando refletem com olhares críticos o seu tempo, o século XIX. Hoje é preciso manter-se firme, agarrado à caixinha de Pandora, para não se deixar levar pela desesperança, em virtude dos acontecimentos que denunciam que o homem está vivendo a barbárie da modernidade. 2.4. Corporeidade do Pensamento Filosófico Merleau-Ponty (1994: 122) afirma que “o corpo é o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente neles”. A visão pontyana entende o homem na unicidade, vendo nessa totalidade um caminho claro do espírito para a visão holística. A análise do comportamento e conduta motora deixa claro que os envolvimentos do ser humano e seu corpo formam uma mesma realidade e não se pode fragmentá-los em partes distintas, senão correse o risco de não dar conta das significações que envolvem o ser humano e sua vivência. MerleauPonty afirma, em seu livro Fenomenologia da Percepção (1994), que a corporeidade inaugura o serno-mundo e incorpora o mundo no ser. Tanto os platônicos como os aristotélicos sustentam que a alma seja mais perfeita que o corpo e que exerça sobre ele uma atividade causal. Logicamente, concentram suas atenções sobretudo na alma. O método de investigação do Corpo: A aplicação da distinção entre método científico e método “experencial” para o estudo do corpo deu origem a duas considerações diferentes do fenômeno corporeidade. • A consideração científica, a qual estuda o corpocoisa, o corpo objeto, o corpo situado no mundo, o corpo como se manifesta aos outros; • A consideração fenomenológica, que estuda o próprio corpo como é sentido, vivido. Funções da Corporeidade • “Função Mundanizante – é por obra do corpo que o homem faz parte do mundo; ele se reconhece constituído dos mesmos elementos do mundo, sujeito às mesmas sortes e às leis, por causa do seu corpo. Graças aos estudos dos existencialistas Heidegger, Sartre, MerleauPonty, o corpo adquiriu nova clareza e profundidade. • Função Epistemológica – a somacidade é, antes de tudo, instrumento necessário para uma autoconsciência. Devido à sua subjetividade e à sua objetividade inseparáveis, meu corpo é mediador entre o meu “ Eu” e o mundo das coisas, lugar de encontro entre minha consciência e o universo dos objetos. Como é preciso esquecer o corpo, segundo Descartes, para poder repelir o mundo, assim basta reconhecer a experiência vivida pelo corpo para superar o dualismo sujeito-objeto e todos os impasses do idealismo. • Função Econômica – apenas aquilo com que posso entrar em contacto por meio do meu corpo pode ser por mim reclamado como meu. Órgão específico da função econômica como também mundanizante é a mão: é com ela que nós tomamos posse das coisas, e é também com a mão que nós moldamos e transformamos as coisas. • Função Ascética – nosso corpo é diretamente envolvido, seja nas suas boas ações como nas más, seja nos vícios como nas virtudes” (MONDIN, 1980: passim 27-42). Exercícios de Auto-Avaliação 1 - Quais as maiores dificuldades de compreender a natureza humana atualmente? 2 - Quais as influências das concepções dualistas e unicistas diante da compreensão do Homem? 3 - Quais são as principais características das visões dualista e unicista? Leitura Complementar TRECHO DO TEXTO: O CORPO E AS PALAVRAS (Rubem Alves) Continuei então as minhas reflexões e me pus a perguntar sobre os mundos e os corpos que se escondem neste discurso que fala sobre a educação física... Que melodias esta prática arranca deste órgão mágico que se chama corpo? Que valores se celebram? Que visões de amor? Ah! É certo que ela está cheia de "sinais astrais" e de sonhos... Há atos de bruxedo a serem realizados e corpos que precisam ser transformados: que eles deixem de ser o que seriam para serem coisas diferentes. Senão esta palavra educação não teria sentido algum. Confesso que tenho medo de dizer qualquer coisa porque não pude ainda nem ler os textos sagrados desta religião e nem examinar os seus catecismos, aqueles lugares em que os seus sinais astrais e os seus sonhos são ditos com todas as letras. Conheço apenas os seus grandes momentos de celebração pública e de entusiasmo coletivo em que os corpos, os melhores, aqueles que atingiram os mais altos graus de excelência, se apresentam para os rituais supremos e para a admiração pública. Será isto? Será que, por acaso, a verdade da educação física se revelará, em toda a sua força e fascínio, nestes eventos litúrgicos? Litúrgicos? É. Porque qualquer um que deles já participou ou que simplesmente os contemplou conhece das emoções, dos risos e das lágrimas, e aqueles que sobem no pódium bem que se sentem muito próximos dos deuses... E como são invejados e admirados... Pensei nas Olimpíadas, festival supremo de uma educação implacável do corpo, que chegou à inacreditável sofisticação de medir as diferenças por centésimos de segundo. E aí, olhando para o relógio, começamos a compreender algo que pertence a estes sonhos (ou serão pesadelos?): o corpo que luta contra o tempo... 33 34 As que mais me impressionavam eram as nadadoras, não sei explicar porque: aqueles corpos sobre-humanos, repetições sem fim dos mesmos movimentos, milhares de horas de disciplina e de abstenções, nervos, fibras, músculos, tudo num único propósito, aquele centésimo de segundo que faria toda a diferença deste mundo, cérebros esquecidos de tudo o mais, concentração total, como se o mundo tivesse apagado, e ao disparo da arma os corpos também seriam disparados. Afinal de contas para aquele momento que tinham sido armados através de anos, quanto mais depressa melhor. E corpos contra as águas: luta contra o tempo, os números que corriam depressa demais para que os olhos pudessem perceber a diferença. E me pus então a perguntar sobre a razão de tudo aquilo, que é que se podia fazer com um centésimo de segundo. Me lembrei daquele estranho vendedor de pílulas contra a sede, do pequeno príncipe. Vendia pílulas que acabavam com a sede e assim as pessoas podiam economizar todo o tempo que gastavam, cada dia, indo ao filtro. Todos os minutos somados, ao fim do mês chegariam a uma hora. E mostrava as estatísticas. E foi então que o Princepezinho meditou que, se tivesse uma hora à disposição, para fazer dela o que quisesse, poria as mãos no bolso e iria tranqüilamente até a fonte, beber água... Pois é, o vendedor não me parece agora tão tolo porque, afinal de contas, há alguma coisa que se pode fazer neste tempo que se economiza: ir até a fonte... Mas continuo sem saber o que se pode fazer com um centésimo de segundo. Para um beijo não chega, e nem para um gole de vinho. Também não é suficiente para se cheirar uma flor, e nem mesmo para se dizer "amor". Mas é certo que deve haver algo que se possa fazer com ele. Se não, não se compreenderia tanto esforço, e a alegria daquela que conquista o tal centésimo de segundo, e a tristeza de todas as outras, que o deixaram escapar. Quem diria que, num centésimo de segundo está toda a diferença deste mundo... Diziam que ali se encontravam as melhores nadadoras do mundo e me pus a perguntar-me se nadar era aquilo que eu estava vendo, luta contra a água... Tão diferente das crianças que vejo sempre, brincando com a água, ali, diante dos meus olhos, no vídeo da TV, oferecida à admiração do mundo inteiro, uma luta olímpica. A água era a inimiga que precisava ser vencida. Cada movimento de corpo era um gesto de lutador, cujo único objetivo era conquistar a resistência da massa líquida. E era só por isto que todas estavam tão sérias, ninguém brincava em serviço, o gostoso não estava na travessia, no evento mesmo de nadar. Era preciso chegar ao fim, olhar primeiro para os números eletrônicos, somente eles dariam a permissão para o riso. Pode rir quem ficou menos com a água, quem a derrotou mais depressa. E era só pra isto que servia o tal centésimo... É, tão diferente das crianças, pra quem a água é parceira num jogo de amor, e nadar é ficar com ela o maior tempo possível... Para as nadadoras cada braçada era um meio apenas para se atingir um fim, que se encontra ao final... Já para as crianças cada braçada é um abraço, experiência de prazer, um fim em si mesmo. Não, a água não é resistência a ser vencida, é companheira de traquinagens... E as nadadoras sérias e as crianças brincantes de repente se transformaram em parábola, porque percebi que é isto mesmo que fazemos com a escola. Também a escola vive sob a tirania do relógio: todos os "adágios" devem ser trocados "pretíssimo". É melhor se ouvir o disco de 33 rotações em 78: economiza-se tempo. E existe sempre a leitura dinâmica para se vencer a poesia. Se se pode almoçar em 5 minutos, por que gastar uma hora? Se se pode ter um orgasmo em um minuto por que gastar a noite? Há outras coisas a se fazer... Depois foi aquela corredora, ao fim da maratona, o público num delírio de excitação, o corpo todo contorcido, já não mais se reconhecendo a si mesmo, incapaz de obedecer às ordens que vinham do cérebro (se é que o cérebro, num corpo tão torturado, ainda era capaz de pensar), prefiro pensar em feitiço, corpo enfeitiçado por anos de treinamento, educação física, os locutores louvando aquele exemplo de espírito desportivo, sonâmbulos incapazes de ver o horror/terror daquilo que acontecia bem diante dos seus olhos, expressão suprema de espírito militar, o corpo deve esquecer de si mesmo e não é só isto: lá estava um corpo torturado que pedia misericórdia, que pedia o fim, o descanso. Mas não, ele fora educado para se ultrapassar. E, silenciosamente, dentro das carnes daquela corredora, antigas lições eram repetidas: "O corpo precisa ser ultrapassado, o corpo precisa ser ultrapassado. O que importa é fazer com que o corpo obedeça..." A voz do corpo: silenciada. Não mais ouvida. Transformado de texto, com uma sabedoria, em simples meio para se atingir um fim. Um centésimo de segundo. Um centímetro a mais. Educação física: morte do corpo? Fiquei pensando que aquela moça, na véspera, havia tido sonhos sobre sua entrada no estádio. Talvez ela não sonhasse com o primeiro lugar. Mas teria sonhado, pelo menos, com a beleza, o prazer do entusiasmo religioso, a elegância de gazela. E ela se teria visto, nos seus sonhos, e teria sorrido de prazer pensando que, talvez, haveria de contar isto aos seus filhos. Mas lá estava ela: o corpo que não era mais corpo, um amontoado de nervos e músculos contorcidos, como se estivessem saindo de uma câmara de tortura. E imagino o que ela teria sentido, quando, talvez no dia seguinte, tivesse visto a repetição daquela cena, nos vídeos de televisão. É certo que deve ter chorado amargamente e desejado morrer... E as outras coisas? Quanto a mim, valorizo o sono tranqüilo, coisa que nunca se celebrou em Olimpíadas mas que deveria ser um dos direitos universais dos seres humanos. Poucas pessoas, neste mundo, irão jamais correr os cem metros rasos, mas todos temos de dormir... Mas não me consta que as coisas relativas ao dormir bem se encontrem nos currículos de educação física. Talvez porque não se considere que o corpo dormindo seja corpo. A capacidade para o ócio e a preguiça, como os gatos... Mas numa sociedade toda ela voltada para a competição e a produção, é certo que o fazer nada deve ser banido do rol das virtudes a serem cultivadas. Ele não é bom para a economia. O brinquedo, a alegria da travessia... Porque parece que, nos catecismos da educação física, tais como aparecem nas celebrações Olímpicas, a travessia não vale nada, só vale mesmo a chegada. O prazer não está na ação. O que vale, mesmo, é quando se chega ao pódium. Também nunca vi nada que se relacione, ainda que de longe, à educação para o amor. E haverá coisa mais importante? Amar é coisa que tem a ver com o corpo, corpo que sabe se entregar, que sabe ser brinquedo, que sabe brincar. Mas parece que isto, que tem a ver com a nossa felicidade, ainda não foi elevado à dignidade de coisa a merecer um lugar em nossa educação do corpo. O que será, talvez, providencial. Porque no dia em que o amor se transformar em objeto de práticas educativas é bem possível que comece a haver olimpíadas de amor, e é possível que os amantes fiquem parecidos com aquelas nadadoras e aquela corredora: ganha quem terminar primeiro... Há também a educação dos sentidos. Lembro-me de que uma das críticas que Marx fazia ao capitalismo tinha a ver justamente com isto. O capitalismo é uma educação do corpo: o corpo que é ensinado a esquecer todos os seus sentidos eróticos e que se transforma no local de um sentido apenas: o sentido de posse. Saber ver, saber ouvir, saber sentir cheiros, saber sentir gostos, saber sentir na pele: mas onde se encontra, em nossos currículos de educação física, o despertamento dos nossos sentidos eróticos? O que está em jogo são duas maneiras diferentes de ver o corpo: num caso, corpo que é simples meio e que é treinado para se transformar num instrumento de luta contra o tempo e contra o espaço. Uma corrida é luta contra o tempo. Já um salto é luta contra o espaço. Num outro, o corpo é reconciliado com o espaço e o tempo, e que não deseja vencê-los mas apenas usufruí-los. Quem não está em paz com o tempo e o espaço não pode dormir bem... Tenho medo das Olimpíadas. Não por elas mesmas, mas pelos sonhos que elas lançam sobre todos aqueles que se movem no mundo da "educação física". Seu fascínio é grande. Seu poder de feitiço é imenso. E sua aura divina quase irresistível... Gostaria que houvesse outros festivais em que a luta contra o tempo e contra o espaço fossem substituídas pelo prazer da travessia. É, gostaria de acreditar que a educação física está em paz com o corpo, que ela não deseja transformá-lo em puro meio para fins olímpicos (por pequenos que sejam), mas que tratasse de cuidar dele como coisa bela que deseja reaprender a esquecida arte de brincar (e de ser feliz)... BRUHNS, H. T. (org.). Conversando sobre o corpo. 5 ed. Campinas: Papirus, 1984. (pp. 17-42) http://www.unb.br/fef/downloads/ronaldo/trecho_corpo_e_as_palavras.doc. Acesso em 07/01/2006 às 22:29 Após a leitura desse texto procure desenvolver uma análise crítica, procurando relacionar as idéias do conteúdo programático e o texto de Rubem Alves. Em seguida envie ao seu tutor. Leia o texto apresentado abaixo e faça uma análise sobre a questão de quem é o homem. JUSTOS E SOLITÁRIOS: A ÉTICA DO NOVO MILÊNIO Dom Paulo Evaristo Arns* Milhões de desempregados tecnológicos, grupos indígenas e imensas massas de camponeses sem-terra procuram organizar-se para que sua dramática situação ganhe destaque na mídia. Sabem que se não despontarem na televisão não existirão, para seu governo e para seus irmãos de raça e cultura. 35 36 Durante o processo de globalização econômica, podemos falar em democratização do emprego? A revolução tecnológica excluirá os trabalhadores, salvando apenas os políticos? Trabalhadores, sindicalistas e aposentados se perguntam se valerá a pena participar do Nafta, do Mercosul, se o preço a pagar por esta inserção for a miséria de milhões e o fracasso da pequena propriedade agrícola e do trabalho local. Outros se perguntam se podemos ficar à margem deste processo. Quem produzirá o pão-nosso-de-cada-dia, se a solidariedade for trocada por competitividade? Quem pode chamar a Deus de Pai, se não partilhar com quem está a seu lado como irmão? Como ser justos e solidários na política e na vida cotidiana? Quem olhará nossos índios e crianças? Vozes do poder econômico propõem "desregulamentação", "flexibilização", propugnando o fim dos sindicatos e dos direitos sociais pela criação de "aposentadorias privatizadas". A questão política do emprego de milhões de latino-americanos é hoje crucial. Ela é a pedra-de-toque da justiça social. Esta é a questão real que desmascara discursos e ideologias. O Brasil precisa sair urgentemente da onda neoliberal e entrar na era da liberdade e do respeito à pessoa humana. Jovens vivem a questão estratégica do emprego como o futuro de suas vidas e esta, não resolvida, torna-se porta aberta para as gangues, drogas e violência urbana crescente. Os com mais de 40 anos, quer trabalhadores de alta, quer trabalhadores de baixa qualificação profissional, permanecem invisíveis às estatísticas oficiais, mas despontam como a questão explosiva para os próximos anos. Haverá ou não emprego para as maiorias? Tecnologia e democracia podem rimar? Planos econômicos devem estar sujeitos a que critérios éticos e sociais? O dilema brasileiro, hoje, reside no binômio subdesenvolvimento e injustiça, mas funda-se na falta de projetos amplos e democráticos para construir uma nação solidária, justa e participante. Projetos que incluam a todos e que responsabilizem grupos, empresas e governos. Miséria se resolve com trabalho e justiça. Mas um país se constrói com cidadania, educação e saúde co-participadas. Na cartilha neoliberal o que importa é a mercadoria. Querem que fiquemos de joelhos diante das "leis invisíveis da economia" que se tornou divina. O ajuste monetário é apresentado como fonte de imortalidade do modelo. As condições de saúde e educação ainda não estão no centro das políticas públicas. A mercadoria tem se subjetivado e o homem vai sendo coisificado. Vozes democráticas têm bradado aos céus e procurado desmascarar esta ideologia mortífera. É preciso construir uma economia com coração, alma e corpos sadios. É preciso que a ordem econômica seja decidida pelos que trabalham e também pelos excluídos do trabalho. Venceremos a injustiça se não nos submetermos às leis "invisíveis" do mercado e de suas bolsas de valores. Outros são os valores que nos norteiam e podem gerar um novo país. Antes de pensar em reeleições, nossos governantes deveriam resolver urgências estruturais, tais como: a escravidão da mão-de-obra de milhares de pessoas da América Latina, particularmente no campo e nas minas do Brasil. Em 1995 foram descobertas 26.047 pessoas em regime de escravidão no Brasil. O índice, segundo a Comissão Pastoral da Terra, em 1994, era de 25.193 pessoas. Portanto, cada ano o número aumenta. Vale lembrar que a maioria são crianças, ainda lutando para ser gente. A fome e a exclusão que atingem atualmente milhões de pessoas vêm sendo reforçadas pelo arrocho salarial e pelo desemprego tecnológico. Enquanto a produtividade no Brasil cresceu, em um ano, 15,7%, a renda cresceu somente 1,85%. Isto é mau sinal. A garantia de condições de vida digna para os desempregados é crucial, pois já afirmara o presidente Franklin D. Roosevelt: "Homens necessitados não são homens livres". Em cada pessoa humana deste imenso e rico país, vemos a imagem única de Deus e um sujeito construtor da democracia. Esta pessoa exige não só justiça, mas solidariedade e respeito aos seus valores e suas potencialidades. Crer no brasileiro, ouvi-lo e promovê-lo, eis a tarefa desta virada de milênio. Crendo nos homens e mulheres poderemos viver um novo tempo. Neste final de milênio, precisamos democratizar trabalho, ética e justiça. Mas voltando os sonhos de uma pátria de irmãos dispostos a construí-la em mutirão. (In. Jornal do Brasil, 1º Caderno, 07/01/97, p.9) *Cardeal-arcebispo de São Paulo Sugestão de Leitura MONDIN, Battista. O Homem, quem é ele? elementos de antropologia filosófica. São Paulo: Paulus, 1980. pp. 27 - 42. MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 3 ed. Tradução Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. MORIN, E. O enigma do homem: uma nova antropologia. 2 ed. São Paulo: Zahar, 1979. Após essas leituras, construa um texto próprio procurando definir a dimensão filosófica do homem, podendo inclusive utilizar citações dessas obras. Isso permitir-lhe-á o crescimento intelectual, o domínio da linguagem científico-acadêmica e a autonomia necessária ao estudante. Sugestão de Filme – O Ovo da Serpente (1977). Direção Ingmar Bergman. Reconstrói a Alemanha dos anos 30, tendo como pano de fundo a ascensão do nazismo. Enfoca sobretudo a desumanização do homem. – O Discreto Charme da Burguesia (1972). Direção Luis Buñuel. Crítica inteligente às classes do mundo contemporâneo. – A Ilha (2005). Direção Michael Bay. A história sobre clones humanos criada pelos roteiristas parece estar reciclando diversas ficções científicas. Atividades Complementares A receita transcrita abaixo foi uma das atividades de alunos do curso de Pós-graduação em Psicopedagogia. A partir de sua leitura analítica, procure você construir uma poesia e descubra a dimensão poética que tem todo ser humano. Sucesso!!! RECEITA DE HOMEM Fernanda Carvalho da Silva (Aluna do curso de Psicopedagogia da Associação Educacional Dom Bosco) • INGREDIENTES 3 xícaras de evolução (e espécie de macaco, ou seja, um mamífero de luxo, de cérebro diferenciado (com movimento de pinça, etc.); 2 colheres de desenvolvimento da linguagem; 3 colheres bem cheias de desejo; 3 copos de razão; 2 porções de liberdade; 1 pitada de maldade; 3 xícaras de vida. • MODO DE PREPARO Misture 3 xícaras de evolução, 2 colheres com o desenvolvimento da linguagem. Bata bem. Acrescente na massa 3 colheres bem cheias de desejo e misture com 3 copos de razão. Acrescente 2 porções de liberdade bem picadas. Salpique uma pitada de maldade (esta faz a diferença em toda a massa). Observação: É preciso ter cuidado com a pitada de maldade porque pode fermentar toda a massa. Pode gerar todo tipo de violência (guerra, contendas, ambição, ódio). Misture 3 xícaras de vida e bata bem. Deixe descansar durante milhões de anos até alterar a forma e a cor. Pré aqueça em locais diferentes, para obter diferenças de raças e etnias (até chegar ao homem homo sapiens). Leve ao forno do tempo. 37 38 • RECHEIO – INGREDIENTES 2 colheres da própria massa; 3 xícaras de desejo de aprender e transformar; Amor (a gosto); 3 copos de alegria; 2 porções de amizade; 4 colheres de felicidade; 10 gotas de carinho; Floquinhos de encantamento. • MODO DE PREPARO Reserve 2 colheres da própria massa e acrescente 3 xícaras de desejo de aprender e de transformar. Acrescente Amor o tanto que desejar, 3 copos de Alegria bem cheios, misture bem até obter uma massa homogênea, reserve. Numa tigela separada, bata a amizade até ficar esbranquiçada com a cor da paz. Misture com toda a massa e acrescente 4 colheres de felicidade até chegar ao ponto da solidariedade. Acrescente 10 gotas de carinho e misture com floquinhos de encantamento, leve ao fogo do coração até obter o ponto da esperança. • COBERTURA (PÓS-MODERNA) 2 copos cheios de linguagem e direitos humanos. Acrescente 2 gotas de discernimento, misture com 2 xícaras de globalização e bata bem. Misture toda a massa com 1 colher de café de capitalismo e mais 4 colheres de criatividade. Ponha um relógio para modificar e acelerar o ponto do tempo que marcará a massa com pressa e stresse. Acrescente gotas de entretenimento e leve ao fogo superaquecido da sociedade do conhecimento. A cobertura altera o sabor de toda a massa. • OBSERVAÇÕES TÉCNICAS Todos os ingredientes foram fornecidos por DEUS CRIADOR. Esta receita tem prazo de validade (desde que nasce até ± 80 anos). Ela tem um sabor diferente todos os dias. Resende, julho de 2006. Pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia Disciplina de Filosofia da Educação Profa. Liliana Lúcia da Silveira Barbosa UNIDADE III 39 REFLETINDO SOBRE OS VALORES: AXIOLOGIA Os valores existem na ordem da afetividade, ou seja, não ficamos indiferentes diante de alguma coisa ou pessoa, pois somos afetados por elas de alguma forma. Valorar é uma experiência humana que se encontra no centro de toda escolha de vida. Portanto, diante daquilo que é, a experiência dos valores orienta para o que deva ser. Segundo Sampaio (2004), a revolução científica trouxe junto com o próprio desenvolvimento tecnológico e científico a outra faceta obscura da sociedade, a substituição de determinados valores que impulsionam o Ser Humano para sua hominização. Destacando a razão como valor fundamental e desvinculando a ciência da religião, da tradição, da filosofia, da ética, da arte, trouxeram-nos imensos benefícios através da conquista da terra e dos seus recursos, do progresso científico e tecnológico. Mas só agora, quando iniciamos um novo milênio, é que pudemos ver o que aconteceu. Ao nos voltarmos apenas para a racionalidade e objetividade, perdemos a visão global da vida e das relações. Desenvolvemos uma unilateralidade de visão, a “especialização”, que gerou a alienação e fragmentação do conhecimento, conduzindo à perda da dimensão valorativa do sentimento, da emoção, da espiritualidade e da qualidade de vida. Essa crise global (familiar, educacional e social) é reforçada pela passagem do autoritarismo que incutia o medo e a repressão, onde os valores morais para o estabelecimento da ordem e da disciplina eram rígidos, para essa outra fase liberal em que nos encontramos: da indiferença ou indecisão no tocante às leis, normas e valores de garantia do convívio social. Saber lidar com a liberdade e autonomia e, ao mesmo tempo, com a disciplina, ordem e respeito é o grande desafio dos novos tempos. Essa forma ilusória de ver o mundo em partes isoladas e fragmentadas tem separado os homens uns dos outros e levado a uma visão desconexa para um cruel sistema competitivo. Todos os fragmentos estão hoje em oposição. O ser humano luta contra ser humano, contra a natureza; uma empresa luta contra a outra empresa; um partido político contra outro partido político; uma nação luta contra outra nação. Tem levado também a teorias fechadas, em que cada visão diferente se sente ameaçada pela outra, impedindo a expansividade do pensamento, dos sentimentos e das relações, apesar do fenômeno da globalização e da universalização dos meios de comunicação humana. A contemporaneidade nos revela muito das conseqüências de nossos atos anteriores. Estamos vivendo uma crise global profunda, onde o vazio existencial e afetivo, provocado pela manipulação e desmandos, favorece a miséria, a violência, a corrupção, o medo, a insegurança, resultado da fragilidade das relações e dos valores humanos. Os pais e a escola sentem-se inseguros sobre como agir, oscilando entre o autoritarismo e a permissividade, sem saber quais qualidades éticas a empregar na educação e os limites necessários, tudo isso influenciado pelos meios de comunicação, principalmente a televisão, que divulgam o sensacionalismo, a violência, a agressividade e a degradação dos valores e costumes. A família, a escola e os líderes não estão se constituindo referências para as crianças e jovens. A perda dessa dimensão valorativa e da autoridade tem gerado o descompromisso com as questões éticas, indicando um sombrio quadro institucional. É notório o fato de que o mundo está passando por mudanças profundas e rápidas. A nossa cultura, em seu movimento próprio e constante de renovação, mostra vários aspectos agonizantes de nossa civilização e um desses é a educação, a qual não tem atendido aos interesses das crianças, dos jovens e adultos e nem cumprido a função que lhe cabe. SAMPAIO, Dulce Moreira. A pedagogia do ser: educação dos sentimentos e dos valores humanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, passim 29-31. 3.1. Noções Preliminares de Axiologia De onde parte o valor? Da vida, da existência do ser do homem, como um ente em permanente estado de carência, privação ou vacuidade. • Valor O que caracteriza a pessoa é o fato de ela ser um ente que valora. 40 O homem é o único Ser que faz sua vida desenrolarse, essencialmente, no mundo da cultura, que é, em última análise, o próprio mundo dos valores. Atribuir um valor a alguma coisa é não ficar indiferente a ela. Portanto a não-indiferença é a principal característica do valor. • Axiologia Do grego axios: digno de ser estimado, e logos: ciência, teoria. Designa a filosofia dos valores. • Deontologia É a ciência do que é justo e conveniente que o homem faça, do valor a que visa e do dever ou norma que dirige o comportamento humano. Portanto a Deontologia coincide com a ciência da moralidade ou com a ética da ação humana. “Esse termo foi criado por Benthan em 1834 para designar sua moral utilitarista, mas que passou a significar, posteriormente, o código moral das regras e procedimentos próprios a determinada categoria profissional” (JAPIASSU e MARCONDES, op. cit.: 67). • Origem e procedência do Valor Mitológico - Lenda grega, de Zeus e Prometeu. Quando este roubou uma centelha do fogo sagrado e deu aos homens, que assim foram dotados de inteligência, Zeus enviou Hermes e este distribuiu duas qualidades aos homens: respeito e justiça – critérios ou os princípios éticos para a fundamentação de uma moralidade social. Medieval - O valor vai continuar, ainda que implicitamente, associado à idéia de Deus no qual todos os outros valores se encontram ou se amarram, como, entre todos os demais, a verdade, a beleza, etc. Moderno - O bem passa a ser o valor, e não mais uma idéia, pois esta começou a ser relacionada com a instância ou com a teoria do conhecimento do Ser, e de próprio valor. • Corte de paradigma – I. Kant (1724 -1804) Kant - Crítica da Razão Prática. Separa a moral da religião e gera uma cosmovisão antropocêntrica. O homem é um ser determinado, dominado de maneira imperativa e categórica por uma lei, que é a lei moral, inexplicável pela Física ou pela Matemática. Gira em torno dos postulados da imortalidade, da liberdade e da existência de Deus. Kant concorda com Pascal e Rousseau quando afirma que acima da lógica da mente está o sentimento do coração; e o primeiro sentenciou que o coração tem razões que a razão nunca poderá compreender, ou que a própria razão desconhece. Para Kant, se o homem é um ser moral, a ação do homem no mundo é que vai criar uma espécie de "sobremundo", como sendo uma outra realidade. Por esse motivo, o homem não vive inserido no mundo da natureza e sim nesse outro mundo ou "sobremundo", que é criado a partir da ação do próprio homem, que é, em última análise, o mundo da cultura. Antigo - Sócrates = valor, justiça (princípio ético, de que é preferível ser injustiçado, do que se cometer uma injustiça; e no caso de se cometer uma injustiça, devia-se assumir a responsabilidade por este ato). Esse outro mundo, o da cultura, que é criado a partir do fazer, ou da ação, ou ainda do agir do homem, é que vai resultar esse aspecto da moralidade do próprio homem. São exatamente os valores, correspondentes às carências humanas que vão manifestar-se na cultura humana, isto é, no modo pelo qual o homem enfrenta os obstáculos que a natureza lhe impõe. Platão apresenta o bem como idéia e não como valor, ou seja, o bem como uma idéia que o homem pode alcançar ou conhecê-lo pela razão. O conhecimento da verdade levava à virtude, ou que a ignorância da verdade levava ao erro. Portanto a natureza oferece, ou impõe ao homem, uma série de obstáculos, ou problemas, e o homem vai tentar resolvê-los; e ao fazer isso, passa a transformar o mundo da natureza num mundo humanizado. 3.2. O Agir Comunicativo e a Educação Para a Consciência Moral O problema da ação e a questão dos valores encontram-se indissoluvelmente ligados. Agir pressupõe sempre uma opção, uma tomada de posição, uma valorização, implícita ou explícita. O valor é uma realidade, mas não é um fato. Ele situa-se num plano distinto da realidade dada, das árvores, dos rios ou dos teoremas da matemática. Apesar de implicar uma tomada de posição de um sujeito, o valor não é puramente subjetivo; no que respeita, por exemplo, aos valores morais, ao bem e ao mal, ao justo e injusto. Ele ultrapassa largamente o plano da subjetividade, para se impor ao nosso espírito com uma força muitas vezes mais determinante que a dos próprios objetos. O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) afirmava que o homem é "animal político" por instinto e que a experiência do convívio social favorece o desenvolvimento das potencialidades humanas. A tese aristotélica alimentou e ainda alimenta comentários, críticas e considerações de toda espécie. Apesar das polêmicas quanto ao caráter instintivo da sociabilidade humana, não há genericamente discordância quanto à importância da experiência social do homem. • Obrigatoriedade Moral – O comportamento moral é um comportamento obrigatório e devido; – A obrigatoriedade moral inclui a liberdade de escolha e de ação do sujeito, e este deve aceitar como fundamentada e justificada a mesma obrigatoriedade. • Necessidade, Coação e Obrigatoriedade – O comportamento moral como um comportamento livre e obrigatório; – Não há comportamento moral sem certa liberdade, mas concilia-se com a necessidade, em vez de excluí-la; – Um comportamento que não pode ser de outra forma, isto é, não há opção, não tem um verdadeiro sentido moral; Nesse caso, não há obrigatoriedade moral, pois existe esse "ver-se obrigado, isto é, foi determinado num sentido em que não há opção; – O sujeito pode ficar livre da obrigação moral, quando circunstâncias externas exercem uma influência decisiva – como uma coação externa – não deixando possibilidade nenhuma de o sujeito agir de acordo com a sua obrigação moral; – Impondo ao agente uma forma de comportamento não querida ou não escolhida livremente, a coação externa entra em conflito com a obrigação moral e acaba por substituí-la; – A obrigatoriedade moral perde também a sua razão de ser quando o agente opera sob uma coação interna, ou seja, sob a ação de um impulso, desejo ou paixão irresistível que forçam ou anulam por completo a sua vontade. • Obrigação Moral e Liberdade – Nem toda liberdade de escolha possui uma significação moral e traz consigo, por si só, uma obrigatoriedade moral; – Só existe obrigação moral a partir do momento em que exista uma promessa que possa ser cumprida, pois temos a possibilidade de escolher entre uma e outra alternativa; – Limitando minha escolha, sou eu quem escolhe limitá-la e com isso afirmo a liberdade indispensável para que se possa imputar-se uma obrigação moral. Se essa limitação for imposta de fora (coação externa) não haverá obrigação moral; Sou eu quem escolhe, ainda que por dever, isto é, como sujeito moral. • Caráter Social da Obrigação Moral – A obrigação moral possui um caráter social; – Somente pode haver obrigação para um indivíduo quando as suas decisões e os seus atos afetam os outros ou a sociedade; – A obrigatoriedade moral tem um caráter social, porque se a norma deve ser aceita intimamente pelo indivíduo e este deve agir de acordo com a sua livre escolha ou a sua consciência do dever, a decisão pessoal não será operada num vácuo social. O obrigatório e o não-obrigatório não são algo que ele inventa, mas que encontra estabelecido numa sociedade determinada; – O indivíduo certamente opera de acordo com o ditame de sua consciência moral, mas esta, por sua vez, dita somente aquilo que concorda com os princípios, valores e normas de uma moral efetiva e vigente. • A Consciência Moral – O termo "consciência" pode ser usado em dois sentidos: um geral, o de consciência propriamente dita, e outro específico, o de consciência moral. Ex.: "Pedro perdeu a consciência.", "a minha consciência me diz."; – A consciência moral somente pode existir sobre a base da consciência no sentido e como uma forma específica desta; – O conceito de consciência está estritamente relacionado com o de obrigatoriedade; – É a consciência moral que, neste caso, informandose da situação e com a ajuda das normas estabelecidas, que se interiorizam às nossas, toma as decisões. 41 42 3.3. A Construção de Valores e a Responsabilidade de Cidadania O convívio social estabelece uma vasta gama de relações. Miguel Reale (1994), por exemplo, entende que as relações sociais que pressupõem a criação de normas de organização e conduta no seio de uma sociedade são as quatro seguintes: coordenação, subordinação, integração e delimitação. • As relações de coordenação são as que ocorrem entre as partes que tratam de igual para igual, por exemplo, o princípio contraditório, que observa a igualdade das partes no processo; • As relações de subordinação são as relações de mando por partes que tratam de igual para igual, por exemplo, a cobrança de impostos ou a obrigatoriedade do serviço militar; • As relações de integração são as que agrupam as relações de massa, de comunidade vital e de pessoa comum, ou seja, nas relações de integração surge a noção de coletividade ou um 'nós' coletivo; • As relações de delimitação dão origem ao aparecimento de um 'eu' responsável que se relaciona com os outros de forma positiva (amizade, por exemplo) ou de forma negativa (conflitos de interesse) ou de forma mista (troca, contrato, acordo etc.). Qualquer que seja a teoria sobre a sociabilidade humana que se construa, o certo é que os homens se encontram em estado convivencial e, nesse estado, interferem e recebem interferência de outros homens. Essas interferências podem, em maior ou menor grau, causar perturbações. Para conter ou limitar tais perturbações, é mister que se estabeleçam normas jurídicas. Surge, então, o Direito. A humanidade sofre diante de um ambiente onde a ética não mais fundamenta o humano, mas a produção desenfreada, o sucesso econômico, a competitividade cega e destruidora. Os últimos cataclismas do fim do século passado e início do atual têm dado provas desses desequilíbrios. Boff (2003: 13) afirma que "a sustentabilidade do planeta, urdida em bilhões de anos de trabalho cósmico, poderá desfazer-se. A terra buscará um novo equilíbrio que, seguramente, acarretará uma devastação fantástica de vidas". 3.4. A Ética Como Espaço de Revolução Global A visão mecanicista do homem ocidental provocou "nossa tendência para dividir o mundo que percebemos em coisas individuais e isoladas, e para experimentar a nós mesmos como egos isolados neste mundo" (CAPRA, 1995: 26). Essa percepção impediunos de enxergar uma outra visão da realidade, pautada na noção de que todos os fenômenos são interconectados, como redes interligadas e que o homem é parte integrante de um todo. Na tentativa de buscar um melhor entendimento do homem, reportamos a Ortega y Gasset, quando procura conceituar o homem como ser humano-massa, que atua diretamente por pressões materiais. Essa atitude, tornao vítima do egocentrismo e de fácil manipulação pelo poder. Aliena-se à medida que se afasta de sua origem, de sua autoconsciência. Do ponto de vista históricopolítico, o ser humano-massa acabará por reagir, aprendendo através de seus sofrimentos. Sampaio (2004) enfatiza a necessidade de uma educação dos sentimentos e dos valores humanos capazes de encontrar a chegada. Segundo a autora, é o mundo dos sentimentos, da criatividade, da sabedoria, da intuição que expande a consciência e nos faz perceber a grande lei natural que nos impulsiona a sairmos do estágio individual, egoísta que tem nos fragmentado e causado tantos males e atingirmos a fase do homem que despertou para uma consciência mais global, abrangente, que nos une e integra, levando-nos a pensar e agir em benefício de todos" (SAMPAIO, 2004: 42). Faz-se mister assumirmos um compromisso com a cultura de paz, a não-violência, o respeito, a justiça e a solidariedade. No entanto, fica claro que esses princípios devem nortear toda a conduta e comportamento motor do indivíduo, seja em qualquer espaço de sua vida social, política, familiar ou profissional. Devemos ultrapassar o discurso vazio, a fala calorosa, mas sem sentido prático e nos envolver definitivamente na cotidianidade de um processo de reconstrução do humano e num entendimento claro da necessidade de elevarmos nossa reflexão para uma consciência cósmica. Sendo assim, no caminho da ética e da solidariedade se encontra a chegada do humano, de onde ele nunca deveria ter saído. Mas foi necessária toda essa jornada, a história demonstra que a vida humana é um aprendizado. Exercícios de Auto-Avaliação 1. Explique com suas palavras: "A civilização científico-técnica confrontou todos os povos, nações, culturas com suas tradições morais, culturais e grupais, com suas respectivas especificidades. Pela primeira vez na história da humanidade, os homens estão diante da tarefa prática de assumir a responsabilidade solidária pelas conseqüências de suas ações, seguindo parâmetros de dimensões planetárias." (K. O. Apel) - entregue ao tutor. 2. Explique com suas palavras. "Nós vos pedimos com insistência: nunca digam “Isso é natural!”. Diante dos acontecimentos de cada dia. Numa época em que reina a confusão, em que corre o sangue, em que o arbitrário tem força de lei, em que a humanidade se desumaniza ... Não digam nunca: - Isso é natural! A fim de que nada possa ser imutável!"(Berthold Brecht) - entregue ao tutor. 3. Responda às questões abaixo e entregue ao tutor. a) Pascal e Rousseau que afirmaram que acima da lógica da mente está o sentimento do coração; e o primeiro sentenciou que o coração tem razões que a razão nunca poderá compreender, ou que a própria razão desconhece. Você concorda com eles? Justifique. b) Que tipo de valores você percebe no mundo que o cerca? E quais as implicações desses valores? c) Explique com suas palavras o imperativo categórico de Kant: "Age de tal modo que a máxima de tua ação possa sempre valer como princípio universal de conduta." Atividades Complementares Leia o texto abaixo e faça uma reflexão sobre a questão ética atualmente. UMA PESCARIA INESQUECÍVEL Ele tinha onze anos e, a cada oportunidade que surgia, ia pescar no cais próximo ao chalé da família, numa ilha que ficava em meio a um lago. A temporada de pesca só começaria no dia seguinte, mas pai e filho saíram no fim da tarde para pegar apenas peixes cuja captura estava liberada. O menino amarrou uma isca e começou a praticar arremessos, provocando ondulações coloridas na água. Logo, elas se tornaram prateadas pelo efeito da lua nascendo sobre o lago. Quando o caniço vergou, ele soube que havia algo enorme do outro lado da linha. O pai olhava com admiração, enquanto o garoto habilmente, e, com muito cuidado, erguia o peixe exausto da água. Era o maior que já tinham visto, porém sua pesca só era permitida na temporada. O garoto e o pai olharam para o peixe, tão bonito, as guelras para trás e para frente. O pai, então, acendeu um fósforo e olhou o relógio. Eram dez da noite – faltavam apenas duas horas para a abertura da temporada. Em seguida, olhou para o peixe e depois para o menino, dizendo: - Você deve devolvê-lo, filho! - Mas, papai, reclamou o menino. - Vai aparecer outro, insistiu o pai. - Não tão grande quanto este, choramingou a criança. O garoto olhou à volta do lago. Não havia outros pescadores ou embarcações à vista. Voltou novamente o olhar para o pai. Mesmo sem ninguém por perto, sabia, pela firmeza em sua voz, que a decisão era inegociável. Devagar, tirou o anzol da boca do enorme peixe e o devolveu à água escura. A criatura movimentou rapidamente o corpo e desapareceu. E, naquele momento, o menino teve a certeza de que jamais veria um peixe tão grande quanto aquele. Isso aconteceu há trinta e quatro anos. Hoje, o garoto é um arquiteto bem-sucedido. O chalé continua lá, na ilha em meio ao lago, e ele leva seus filhos para pescar no mesmo cais. Sua intuição estava correta. Nunca 43 44 mais conseguiu pescar um peixe tão maravilhoso como o daquela noite. Porém, sempre vê o mesmo peixe – repetidamente – todas as vezes que depara com uma questão ética. Porque, como o pai lhe ensinou, a ética é simplesmente uma questão de certo e errado. Colocá-la em prática é que é difícil. Agir corretamente, quando se está sendo observado, é uma coisa. A ética, porém, está em agir da mesma forma quando ninguém está nos vendo. Essa conduta reta só é possível quando, desde criança, aprendeu-se a devolver o peixe à água. A história valoriza não como se consegue ludibriar as regras, mas como, dentro delas, é possível fazer a coisa certa. A boa educação é como uma moeda de ouro: tem valor em toda parte. Fonte: Autor: James P. Lenfestey. Colaboração Lísia Freitas Carvalho - REDE AGÊNCIAS. Leia o livro de Leonardo Boff, intitulado Ecologia, Mundialização Espiritualidade; faça um fichamento das idéias principais da primeira parte do livro e depois uma análise dessas idéias e envie ao seu tutor. UNIDADE IV 45 AS TENDÊNCIAS FILOSÓFICAS CONTEMPORÂNEAS E SUAS INFLUÊNCIAS NA COTIDIANIDADE Em geral, os grandes pensadores contemporâneos reagem decididamente contra o materialismo e o positivismo do século XIX. Os problemas ontológicos tomam o passo, na importância que se lhes dedica, ao estudo puramente crítico do conhecimento, tão preferido há decênios. Há, sobretudo, um grande esforço de pôr a Filosofia mais em contato com a realidade integral do homem, da ação e da vida. Procura-se enriquecer o puro pensamento abstrato e deduzido com os tesouros da intuição e da experiência vital. Uma escola alemã de Filosofia, a Escola de Frankfurt, elaborou uma concepção conhecida como Teoria Crítica, na qual distingue duas formas da razão: O século XIX é, na Filosofia, o grande século da descoberta da história ou da historicidade do homem, da sociedade, das ciências e das artes. A razão crítica é aquela que analisa e interpreta os limites e os perigos do pensamento instrumental e afirma que as mudanças sociais, políticas e culturais só realizar-se-ão verdadeiramente se tiverem como finalidade a emancipação do gênero humano e não as idéias de controle e domínio técnico-científico sobre a Natureza, a sociedade e a cultura. No entanto, no século XX, a Filosofia passou a desconfiar do otimismo científico-tecnológico do século anterior em virtude de vários acontecimentos. • Razão instrumental A razão técnico-científica, que faz das ciências e das técnicas não um meio de liberação dos seres humanos, mas um meio de intimidação, medo, terror e desespero. • Razão crítica 4.1. Positivismo August Comte (1798-1857). O termo positivismo foi adotado por Comte para designar toda diretriz filosófica marcada pelo culto da ciência e pela sacralização do método científico. O positivismo expressa um tom geral de confiança nos benefícios da industrialização, bem como um otimismo em relação ao progresso capitalista, guiado pela técnica e pela ciência. Manifestando-se de modo variado em diversos países ocidentais, a partir da segunda metade do século XIX, o positivismo reflete, no plano filosófico, o entusiasmo burguês pelo progresso capitalista e pelo desenvolvimento técnico-industrial. Embora muito criticado no plano teórico, é uma doutrina extremamente influente no plano prático. Ainda hoje continua bem viva e atuante em nossa sociedade. O positivismo admite, como fonte única de conhecimento e critério de verdade, a experiência, os fatos positivos, os dados sensíveis. Nenhuma metafísica, portanto, como interpretação, justificação transcendente ou imanente da experiência. A Filosofia é reduzida à metodologia e à sistematização das ciências. A lei única e suprema, que domina o mundo concebido positivamente, é a evolução necessária de uma indefectível energia naturalista, a qual resulta das ciências naturais. O positivismo surgiu com o desenvolvimento filosófico do Iluminismo, ao qual se associou a afirmação social das ciências experimentais. Propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia ou a metafísica. Assim, o positivismo – em sua versão comtiana, pelo menos – associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte. Um dos temas centrais da obra filosófica de Comte é a necessidade de uma organização completa da sociedade. Nessa tarefa, ele próprio pretendeu desempenhar o papel de um reformador universal "encarregado de instituir a ordem de maneira soberana". Mas essa reconstrução da sociedade consistia, para Comte, na regeneração das opiniões (idéias) e dos costumes (ações) dos homens. Tratava-se, portanto, de uma reestruturação intelectual das pessoas e não de uma revolução das instituições sociais, como propunham filósofos socialistas de sua época, como Saint-Simon, Fourier e Proudhon. Na obra de Comte, destacam-se três partes fundamentais: a lei dos três estados, a classificação das ciências e a reforma intelectual da sociedade. 46 A lei dos três estados: Estágio do Conhecimento Humano Teológico Monoteísmo (um único Deus, é o senhor do universo) Politeísmo (vários deuses atuam na natureza) Fetichismo (o espírito é compartilhado tanto pelo homem como pelos demais seres – animismo) Princípio de Produção dos Fenômenos (motor da história) Instância determinante na formulação das teorias Deus único Diversos deuses Imaginação de agentes sobrenaturais Diversos objetos (personificação) Metafísico Entes ontológicos, abstratos (natureza – o mais íntimo dos seres) Imaginação de entidades abstratas e absolutas mais razão (argumentos) Positivo Sociologia, Biologia, Química, Física e Astronomia Leis universais Observação dos fatos concretos mais razão COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 4.2. Marxismo Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) Materialismo Dialético – O método. Consiste na necessidade de considerarmos a realidade socioeconômica de determinada época como um todo articulado, atravessado por contradições específicas, entre as quais a luta de classe. Materialismo Histórico – a aplicação dos princípios do materialismo dialético no campo da história. É a explicação da história por fatores materiais, ou seja, econômicos e técnicos. “Para Marx, a sociedade se estrutura em dois níveis: Infra-estrutura (base econômica) – engloba as relações do homem com a natureza, no esforço de produzir a própria existência, e as relações dos homens entre si. Ou seja, as relações entre os proprietários e não-proprietários e os não-proprietários e os meios e objetos do trabalho. Superestrutura político-ideológica: a literatura, a filosofia, a ciência, a arte etc. Também nesse caso ocorre a sujeição ideológica da classe dominada, cuja cultura e modo de vida reflete as idéias e os valores da classe dominante. Marx chama de práxis a ação humana de transformar a realidade. Nesse sentido, o conceito de práxis não se identifica propriamente com a prática, mas significa a união dialética da teoria e da prática. Isto é, ao mesmo tempo em que a consciência é determinada pelo modo como os homens produzem a sua existência, também a ação humana é projetada, refletida, consciente. Por isso a filosofia marxista é também conhecida como filosofia da práxis. Para Karl Marx, o que fundamentalmente caracteriza o homem é a forma pela qual reproduz suas condições de existência. Marx inverte o processo do senso comum que pretende explicar a história pela ação dos ‘grandes homens’, ou, às vezes, até pela intervenção divina. Para o marxismo, no lugar das idéias, estão os fatos materiais; no lugar dos heróis, a luta de classes. Estrutura jurídico-política – representada pelo Estado e pelo direito: segundo Marx, a relação de exploração de classe no nível econômico repercute na relação de dominação política, estando o Estado a serviço da classe dominante. • Modo de Produção – maneira pela qual as forças produtivas se organizam em determinadas relações de produção num dado momento histórico. Estrutura ideológica – referente às formas da consciência social, tais como a religião, as leis, a educação, • Relações de Produção e Força Produtiva – revelam a maneira pela qual os homens, a partir das condições naturais, usam as técnicas e se organizam por meio da divisão do trabalho social. As relações de produção correspondem a um certo estágio das forças produtivas, que consistem no conjunto formado pelo clima, água, solo, matérias-primas, máquinas, mão-deobra e instrumentos de trabalho. • Modo de Produção Patriarcal - surge quando o homem inicia a domesticação de animais, desenvolve a agricultura graças ao uso dos instrumentos de metal e fabrica vasilhas de barro, o que possibilita fazer reservas. Alteram-se as relações de produção e o modo de produção: aparece uma forma específica de propriedade (propriedade da família); diferenciam-se funções de classe (autoridade do patriarca); há alteração do direito hereditário, estabelecendo-se a filiação paterna (Sociedades Primitivas). • Modo de Produção Escravista – é decorrente do aumento da produção além do necessário à subsistência e exige recurso e novas forças de trabalho, conseguidas geralmente entre prisioneiros de guerra, transformados em escravos. Com isso, surge a propriedade privada dos meios de produção, e a primeira forma de exploração do homem pelo homem com a conseqüente contradição entre os senhores e escravos. Dá-se então a separação entre o trabalho intelectual e trabalho manual. A ociosidade passa a ser considerada a perfeição do homem livre, enquanto o trabalho manual, considerado servil, é desprezado (Antigüidade Grega e Romana). • Modo de Produção Feudal – a base econômica é a propriedade dos meios de produção pelo senhor feudal. O servo trabalha um tempo para si e outro para o senhor, o qual, além de se apropriar de uma parte da produção daquele, ainda lhe cobra impostos pelo uso comum do moinho, do lagar, etc. A contradição dos interesses das duas classes leva a conflitos que farão aparecer, paulatinamente, uma nova figura: o burguês (Sociedades Feudais). • Modo de Produção Capitalista – é a nova síntese que surge das ruínas do sistema feudal, ou seja, da contradição entre a tese (senhor feudal) e a antítese (servo). O que vimos até agora é que o movimento dialético pelo qual a história se faz tem um motor: a luta de classes (Capitalismo). • Luta de Classes – confronto entre duas classes antagônicas quando lutam por seus interesses. No modo de produção capitalista, a relação antitética se faz entre o burguês, que é o detentor do capital, e o proletário, que nada possui, e só vive porque vende sua força de trabalho. Método dialético na história TESE ANTÍTESE SÍNTESE Afirmação Negação Negação da Negação Modo de Produção Escravista Escravo Sistema Escravista Modo de Produção Feudal Servo Sistema Feudal Modo de Produção Capitalista Proletário Sistema Capitalista Mais-valia - o valor que o operário cria além do valor de sua força de trabalho, e que é apropriado pelo capitalista. A parte do trabalho excedente não é paga ao operário, e serve para aumentar cada vez mais o capital. Esse intercâmbio entre o capital e o trabalho é o que serve de base à produção capitalista, ou ao sistema do salariado, e tem de conduzir, sem cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como capitalista. Alienação - com a descrição da mais-valia, Marx configura o caráter de exploração do sistema capitalista. De imediato o operário não é capaz de reverter o quadro porque se encontra alienado. Segundo Marx, a alienação tem origem na vida econômica: quando o operário vende no mercado a força de trabalho, o produto que resulta do seu esforço não mais lhe pertence e adquire a existência independente 47 48 dele. A perda do produto significa outras perdas para o operário: ele não mais projeta ou concebe aquilo que vai executar (dá-se a dicotomia concepção-execução do trabalho, a separação entre o pensar e o agir); com o aceleramento da produção, provocado pela crescente mecanização do trabalho (linha de montagem), o operário executa cada vez mais apenas uma parte do produto (trabalho parcelado ou trabalho ‘em migalhas’). O ritmo do trabalho é dado exteriormente e não obedece ao próprio ritmo natural do seu corpo. O produto do trabalho do operário subtrai-se, portanto, à sua vontade, à sua consciência e ao seu controle, e o produtor não se reconhece no que produz. O produto surge como um poder separado do produtor, como realidade soberana e tirânica que o domina e ameaça. A esse processo Marx chama fetichismo da mercadoria. Produz-se então a grande inversão em que a reificação do homem (res: ‘coisa’) é o contraponto do fetichismo da mercadoria. Quando a mercadoria se ‘anima’, se ‘humaniza’, obriga o homem a sucumbir às forças das leis do mercado que o arrastam ao enfrentamento de crises, guerras e desemprego. A conseqüência é a desumanização do homem, sua reificação. Ideologia - as idéias, condutas e valores que permeiam a concepção de mundo de uma determinada sociedade, e que representam os interesses da classe dominante, ao serem generalizadas às classes dominadas, ajudam a manter a dominação. A ideologia impede que o proletariado tenha consciência da própria submissão, porque camufla a luta de classes quando faz a representação ilusória da sociedade mostrando-a como uma e harmônica. Mas ainda a ideologia esconde que o Estado, longe de representar o bem comum, é a expressão dos interesses da classe dominante. Estado e Sociedade - para Marx , o Estado não supera as contradições da sociedade civil, mas é o reflexo delas, e está aí para perpetuá-las. Por isso só aparentemente visa o bem comum, estando de fato a serviço da classe dominante. Portanto o Estado é um mal que deve ser extirpado. Ao lutar contra o poder da burguesia, o proletariado deve destruir o poder estatal, o que não será feito por meios pacíficos, mas pela revolução. Marx não considera viável a passagem brusca da sociedade sem Estado, havendo a necessidade de um período de transição. A classe operária, organizando-se num partido revolucionário, deve destruir o Estado burguês e criar um novo Estado capaz de suprimir a propriedade privada dos meios de produção. A esse novo Estado dá-se o nome de ditadura do proletariado, uma vez que, segundo Marx, o fortalecimento contínuo da classe operária é indispensável enquanto a burguesia não tiver sido liquidada como classe no mundo inteiro. Utopia Comunista - a primeira fase de vigência da ditadura do proletariado corresponde ao socialismo, que supõe a existência do aparelho estatal, da burocracia, do aparelho repressivo e do aparelho jurídico. Nessa fase, persiste a luta contra a antiga classe dominante, a fim de evitar a contra-revolução. O princípio do socialismo é: ‘De cada um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo seu trabalho’. A segunda fase, chamada comunismo, tem como princípio: ‘De cada um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo suas necessidades’. O comunismo se define pela supressão da luta de classes e, conseqüentemente, pelo desaparecimento do Estado. A ‘anarquia feliz’, o desenvolvimento prodigioso das forças produtivas, levaria à ‘era da abundância’, à supressão da divisão do trabalho em tarefas subordinadas (materiais) e tarefas superiores (intelectuais), à ausência de contraste entre cidade e campo e entre indústria e agricultura. Se a passagem para o comunismo significa o desaparecimento das classes, como fica a afirmação feita por Marx, de que a luta de classes é o motor da história? O movimento da história continuaria, pois ela é um processo; só que a luta não mais seria entre a classe dominante e a dominada, mas entre a vanguarda e os elementos que impedem as mudanças por comodismo ou incompreensão. A luta seria entre o progresso e as forças conservadoras, entre o novo e o velho” (ARANHA e MARTINS, 1993: passim 240-245). 4.3. Fenomenologia e Existencialismo O existencialismo é uma filosofia de protesto, seus partidários não estão muito preocupados com a metodologia e a exposição sistemática. Alguns filósofos, porém, entendem que a fenomenologia proporciona uma metodologia rigorosa para descrever a experiência de vida que a hermenêutica proporciona: um enfoque interpretativo à experiência individual. Jean-Paul Sartre (1905 - 1980). De todos os filósofos existencialistas importantes, provavelmente o mais conhecido talvez seja Jean-Paul-Sartre. Nascido na França, ele cresceu em uma casa onde foi incentivado a desenvolver suas qualidades intelectuais. Começou a escrever muito cedo, enfatizando o sofrimento da condição humana. Sartre desejava tornar-se professor de Filosofia. Completou a sua educação na França, mudou-se para a Alemanha, mais tarde se fixou-se em Paris, onde se tornou professor de Filosofia. Perseguia suas ambições literárias, escrevendo diversos romances e peças que se tornaram best-sellers na Europa. Na Segunda Guerra Mundial, foi capturado pelos alemães no princípio da guerra. Foi permitido que retornasse a Paris em liberdade condicional e lá juntouse à resistência francesa. Sartre via a condição humana em termos do indivíduo solitário em um mundo absurdo. Ele percebia a existência humana como algo principalmente sem sentido, pois somos jogados em um mundo totalmente sem sentido, e qualquer significado que encontrarmos no mundo deve ser construído por nós mesmos. O desenvolvimento do significado é uma questão individual e, como o mundo e o indivíduo não têm significado, não temos justificativa para existirmos. Não há um Deus para conferir em significado à existência (Sartre era ateu) nem existe nenhum domínio de idéias ou realidade física independente com significado imutável, independente e próprio. A humanidade, individual e coletivamente, existe sem qualquer significado ou justificativa, exceto por aquilo que nós mesmos construímos. O ponto de vista de Sartre é muito austero, no mínimo, se comparado com, digamos, o idealismo ou o realismo. Sartre afirmava que a existência precede a essência. Sartre via a ciência como uma criação humana, nem pior ou melhor em si do que qualquer outra criação. A humanidade é absolutamente livre, como Sartre colocou em sua terminologia característica: "O homem está condenado a ser livre". Se somos livres, somos criadores de nossos próprios males e podemos criar um estilo de vida mais humano e melhor. A decisão é nossa. Tudo que devemos fazer é tomar as nossas decisões e agir de forma adequada. Todavia essas escolhas e decisões não são fáceis. Sartre não ignorava a sociedade e os costumes existentes. • Filósofos Fenomenológicos e Seu Pensamento Edmund Husserl (1859-1938). Nasceu na Moravia, na Tchecoslováquia. O termo fenomenologia já havia sido usado anteriormente por Kant e Hegel, porém o seu uso para designar um método filosófico particular é atribuído a Husserl. Husserl entendia seu trabalho como sendo radicalmente diferente e similar à exigência de René Descartes, de que a Filosofia fosse baseada em critérios além da possibilidade de dúvida. Pensava que, se o método fenomenológico fosse rigorosamente aplicado e executado, isso tornaria científica a Filosofia, mas de uma forma diferente das ciências tradicionais. Heidegger (1889 - 1976). Heidegger trabalhou por um tempo como assistente de Husserl e aceitou a noção da fenomenologia como método e como ciência dos fenômenos da consciência. Para Heidegger, a tarefa não era simplesmente um esforço para descrever fenômenos, mas para chegar ao que está por trás deles, seu ser. Assim, para ele, a fenomenologia era a ciência do ser – a ontologia. Maurice Merleau-Ponty (1908 - 1961). Maurice sustentava que não poderia haver nenhuma negação do mundo e, portanto, nenhum agrupamento completo. Merleau-Ponty entendia a percepção como sendo sempre uma parte do mundo. A percepção está no mundo e vem do mundo. A única maneira de vê-la com alguma exatidão é aceitar essa base terrena no estudo filosófico. Para Merleau-Ponty, não podemos escapar de nossa "faticidade", de nossa existência terrena. Devemos reconhecer que a própria consciência humana é um projeto do mundo, um mundo que ela não tem nem aceita, mas que sem o qual não pode existir. A consciência está perpetuamente direcionada para o mundo das coisas, das idéias, dos eventos, das pessoas ou da experiência. A percepção é primordial. Pensar, pensamento e objetos de pensamentos não são concretos, mas abstratos. 4.4. As Tendências Emergentes do Final do Século XX e Início do XXI A holopráxis é um retorno às raízes do Ser como imerso no cósmico, parte integrante de um fundamento transdisciplinar. O holismo é uma tendência que sintetiza unidades em totalidades organizadas, na qual o homem é um todo indivisível, não podendo ser explicado pelos seus distintos componentes (físico, psicológico ou psíquico), considerados separadamente. Tudo é interdependente. Tudo se interliga e se inter-relaciona de forma global. A visão holística procura romper com toda espécie de reducionismo: o científico, o somático, o religioso, 49 50 o niilista, o materialista ou substancialista, o racionalista, o mecanicista e o antropocêntrico, entre outros. ciência moderna que melhor pode demonstrar esta relação parte/todo em simbiose íntima (GUIMARÃES, 2001: 8). Uma parte não está somente dentro de um todo. O todo está também dentro da parte; o indivíduo não está somente dentro da sociedade, a sociedade enquanto todo está também no indivíduo. Desde a infância aprendemos a distinguir o limpo do sujo, o bom do mau; nós aprendemos a linguagem, nós aprendemos a cultura que se introduz como um todo em cada um de nós e nos permite tornarmos nós mesmos (PETRAGLIA, 2000: 83). Pierre Weil, psicólogo francês, vice-presidente da Universidade Holística Internacional e principal mentor do movimento holístico no Brasil, define a abordagem holística da realidade como a tendência para se lançar pontes sobre todas as fronteiras de reducionismos humanos, estabelecendo dois distintos e complementares fundamentos: a holologia e a holopráxis. Estamos começando a antever e a construir um modelo científico que se baseia no conceito de relação, que é muito mais amplo que o de análise, como o usado pela ciência normal. Já não são somente as partes constituintes de um corpo ou de um objeto que são de fundamental importância para a compreensão da natureza desse objeto, mas o modo como se expressa todo esse objeto, e como ele se insere em seu meio. As partes que constituem um sistema têm um notável conjunto de características que se vêem no âmbito das partes, mas o sistema inteiro, o todo – o holos –, freqüentemente possui uma característica que vai bem além que a mera soma das características de suas partes. Por exemplo, sabemos que tanto o hidrogênio quanto o oxigênio são constituintes fundamentais no processo de combustão. Mas se juntamos esses elementos e formarmos a água, nós os usaremos para combater a combustão. O Todo não elimina as características das partes, mas estas, quando em relações íntimas, dão o substrato a uma nova forma, cujas características transcendem às das partes constituintes. A Ecologia é a A holologia refere-se ao enfoque especulativo e experimental da Holística, destinada a adquirir o saber, através da análise e do conhecimento racional resultante da atuação ativa do hemisfério cerebral esquerdo, da racionalidade, da lógica e da abstração. A holologia desenvolve as funções psíquicas do pensamento e sensação. A holopráxis abrange o conjunto dos métodos e experiências de vivência direta do real pelo ser humano, além de qualquer conceito, representando o caminho vivencial para a experiência holística, de natureza transpessoal. “Para que o saber se torne sabedoria é necessária a via experencial, sintética, intuitiva e de mergulho na essência, para o desvelar do Ser. A holopráxis desenvolve as funções psíquicas do sentimento e da intuição” (BARBOSA, 2006: 52). Exercícios de Auto-Avaliação 1) Responda às questões: a) O que Comte propôs para estudar a sociedade? b) Qual foi a contribuição do marxismo? 2) O positivismo provocou um crescente desenvolvimento do conhecimento científico e conseqüentemente o mito do especialista. Explique essa afirmação. Envie ao tutor. 3) Explique o que seriam as ciências positivas, segundo Comte. 4) Explique com suas palavras as poesias abaixo dentro da visão marxista. Entregue ao tutor. O Homem e o Lobo Um Homem disse a um Lobo: – Se tu não fosses tão arrogante e prepotente, ganharias a vida honestamente e terias a minha proteção. – Prefiro a liberdade a ter patrão. – O Lobo retrucou. – De resto, se eu fosse bom e me tornasse honesto, me tratarias como um cão. A Lesma Exausta, a pobre Lesma da vanglória, ao atingir o cume do obelisco, disse, olhando da própria baba o risco: – Meu rastro ficará também na história! A focinheira – Sabe que sou fiel e afeiçoado. – Dizia o Cão ao Homem, disposto a tudo, mesmo a ser sacrificado cumprindo as suas ordens. – Isto posto, quero falar, agora, com franqueza: a focinheira põe-me deprimido; por que não dá-la ao Gato, que é fingido, apático e traidor por natureza? O Homem responde: – Mas a focinheira lembra sempre a existência de um patrão que te protege e, de qualquer maneira, é quem te ampara e te garante o pão. – Já que assim é, o dito por não dito! – corrige o Cão. – Desculpe-me a besteira. E, desde aí, com ar convicto, passou a falar bem da focinheira ... Exercícios Complementares 1 - Leia o capítulo I do livro O Ponto de Mutação, de Capra, e destaque os valores que estão em crise na sociedade atual e como o autor se posiciona em relação a esses valores. 2- Leia o artigo apresentado abaixo. Destaque as idéias principais de cada item e desenvolva uma análise crítica. ATREVA-SE A PENSAR COM LIBERDADE Jutta Burggraf Introdução "Os pensamentos são livres", diz uma canção popular alemã. Compreende-se que tenha sido proibido cantála no terceiro Reich. Mas a ordem de "esquecê-la", própria de um regime totalitário, somente teve o efeito de fazer com que fosse cantada com mais entusiasmo na clandestinidade, ou ao menos por dentro, no coração de cada um, isto é, naquele lugar íntimo aonde as ordens não chegam e onde "os outros" não podem entrar. Somos livres para pensar por nossa própria conta. Mas temos a coragem de fazê-lo de verdade? Ou será que estamos, em vez disso, acostumados a repetir o que dizem os jornais e revistas, a televisão, o rádio, ou o que lemos na Internet, ou o que acaba de afirmar alguma pessoa mais ou menos interessante com quem cruzamos pela rua? Hoje, em muitos países, a autoridade que fiscaliza os pensamentos – a censura – parece ter desaparecido. Mas isso não é verdade: apenas mudou de modo de agir; já não se vale da coerção, mas apenas de uma branda persuasão. Tornou-se invisível, anônima, e disfarça-se de "normalidade", "bom senso" e "opinião pública". Pede-nos apenas que façamos o que todos fazem. 51 52 Somos capazes de resistir ao bombardeio constante desse "inimigo invisível"? Aprendemos já a exercitar todas as nossas faculdades para discorrer e discernir? Pensar é, sem dúvida, uma grande coisa; mas, antes de mais nada, é uma exigência da natureza humana: não devemos fechar voluntariamente os olhos à luz. Estamos dispostos, no fim das contas, a ser ou chegar a ser "filósofos", a nos entusiasmarmos com a realidade, e buscar o sentido último da nossa vida? O Papa João Paulo II faz uma afirmação que, à primeira vista, parece atrevida: "Todo homem é, de certo modo, filósofo, e possui concepções filosóficas com as quais orienta a sua vida"(1). Que quer dizer isso? Um professor de Química, uma dona de casa, um taxista, uma ministra, um camponês, uma artista, um jogador de futebol – todos filósofos? A FILOSOFIA INICIOU-SE COM A HUMANIDADE É comum exigir a presença de um especialista sempre que se quer tratar de temas de Medicina, Física, Arquitetura ou Engenharia. Ninguém pode considerar-se capaz de responder com competência às perguntas que surgem nestes campos se não tiver ao menos uma formação elementar nessas matérias. E nem sequer tenta falar destes temas durante um churrasco ou uma excursão. Mas esse é precisamente o caso da Filosofia: todo o mundo se atreve a falar de temas filosóficos. Até em alguns bares – quando o barulho o permite... – escutam-se conversas profundas sobre o mundo, sobre o sentido da vida, ou sobre como é estranho que o tempo passe tão rápido sem que possamos conservar o momento presente. De fato, quantos dentre os que tiveram de ficar esperando numa estação de trem ou metrô, diante de um relógio, não se converteram em filósofos?! É verdadeiramente impressionante: se olharmos uns instantes para o relógio, observando como o ponteiro dos minutos e o dos segundos se movem, perguntamo-nos quase sem reparar: "O que é o instante? O que significa o presente? Eu mesmo já me movo no futuro? Ou ainda estou no passado?" "Hoje será o ontem de amanhã", diz o povo; e também: "Ao agora... logo me referirei com as palavras há pouco". E Santo Agostinho afirmou: "Eu sei o que é o tempo, desde que não me perguntes". É possível conversar sobre essa e sobre muitas outras questões quase em qualquer situação, de preferência na natureza, nos montes ou nas praias. Por princípio, todo homem está capacitado para refletir sobre as dimensões mais profundas da vida. Será que isso significa que todos nós, os homens, somos filósofos no sentido estrito da palavra? Ou que não é necessário dispor de uma formação especial para exercer essa ciência? Nada disso. Significa que a Filosofia é diferente do resto das ciências, e que todo homem capaz de raciocinar pode agir como filósofo. Todo ser humano, cedo ou tarde, questiona-se sobre o "porquê" e o "para quê" da sua existência, perguntase de onde vem e para onde vai, quem é, o que poderia fazer da sua vida. Nisto distingue-se dos animais. O animal vive de um dia para o outro: come, bebe, dorme, cresce, corre de um lado para o outro, reproduz-se e morre. Uma vida assim é boa e normal para um animal, mas não para uma pessoa. Os filósofos da Antigüidade chegaram a dizer – talvez de maneira um tanto rude – que se uma pessoa não se preocupa com as perguntas fundamentais da vida, e somente vive de um dia para o outro (de uma refeição para a outra, de um jornal da televisão para o outro), terá "fracassado" na sua existência. No mais profundo do seu ser, não terá chegado a se encontrar a si mesmo; não se terá "convertido num homem". Dito da maneira tradicional: a sua existência não terá sido digna de um homem. Quando se inicia a Filosofia? Segundo alguns peritos, com Tales de Mileto, no século VI antes de Cristo; segundo outros, nasce com Homero no século IX antes de Cristo; e há também alguns, mais radicais, que afirmam que, antes dos gregos, os povos orientais de alguma maneira já filosofavam… No entanto, se é verdade que cada homem é filósofo, a Filosofia deve começar com a Humanidade. Nas bibliotecas alemãs, não é difícil encontrar uma obra antiquada e coberta de pó, de vários tomos, escrita no século XVIII e intitulada História da Filosofia – desde o começo do mundo até a nossa época. A capa do primeiro tomo mostra uma paisagem selvagem, com um grande urso, e tem por título: "A Filosofia antediluviana"(2)... No entanto, é um traço característico do nosso tempo o fato de não serem poucas as pessoas que parecem carecer de inquietações intelectuais. Até se mostram "alegres" com um certo niilismo prático que não se preocupa com o porquê da vida nem se formula a simples pergunta pelo sentido da existência. Encontramo-nos perante o perigo de não viver a vida, mas de apenas "nos deixarmos levar". Às vezes, não dispomos da suficiente calma interior para considerar os acontecimentos com uma certa objetividade, nem para tomar consciência da nossa situação existencial. Não refletimos sobre o sentido e os objetivos da nossa própria atuação; em última análise, não agimos como filósofos, prescindindo assim de uma dimensão essencial da vida humana. Durante a Segunda Guerra Mundial, um jovem alemão, membro da resistência, que se encontrava na Rússia, escreveu no seu diário um diálogo fictício com um dos seus chefes: "O homem nasceu para pensar…, para pensar, querido funcionário! Essa palavra se dirige diretamente contra você, contra você e contra todo o sistema que vocês montaram. Isso o surpreende porque, segundo você mesmo diz, você é uma pessoa que exalta o espírito. Mas é a um espírito perverso que você está servindo nesta hora de desespero... Você reflete sobre o aperfeiçoamento da metralhadora, mas a pergunta mais rudimentar, mais fundamental e importante, você a silenciou na sua juventude; é a pergunta: Por quê? e Para quê?"(3). Com efeito, simplesmente levantar essas perguntas é já um primeiro sinal de que uma pessoa se rebela contra a perspectiva de viver como um animal. Via de regra, só é possível filosofar, é claro, quando as necessidades básicas da vida estão ao menos minimamente cobertas. Mas mesmo que esse seja o caso, observamos uma certa "apatia", uma certa "abstenção de pensar", justamente nas sociedades ocidentais consumistas. INFLUÊNCIAS NEGATIVAS SOBRE A CAPACIDADE FILOSÓFICA A nossa vida se converteu, em muitos sentidos, numa agitação contínua. Muitas pessoas sofrem as conseqüências do stress ou do cansaço crônico. A dureza da vida profissional, e também as exigências exageradas da indústria do ócio, trazem consigo umas obrigações excessivas, de forma que o único que se deseja à noite é descansar, distrair-se dos problemas cotidianos, e não se esforçar com mais nada. Tudo isso pode levar a uma certa "alienação espiritual", à superficialidade de uma pessoa que vive só no momento, para as coisas imediatas. Na nossa sociedade do bem-estar, tão saciada, é com freqüência muito difícil pararmos para refletir. Ao mesmo tempo, podemos observar que freqüentemente as pessoas decaem no instintivo, no puramente sensual. Muitos filmes, revistas, talk-shows e até não poucas páginas da web falam claramente essa linguagem. Mas uma pessoa que se deixa absorver pelo materialismo e pelo sensualismo fica embotada e cega para o espiritual. Podemos nos acostumar a quase tudo, também a não usar o entendimento para fazer as críticas mais elementares e necessárias. Um excesso de informação também pode ser um impedimento. Vivemos na era dos meios de comunicação de massa. Recebemos uma imensa quantidade de informação. Quem tenta ter acesso simultâneo a toda a informação dos cinco continentes, quem não perde nenhum programa de televisão e nenhum comentário político, ou costuma ver um filme atrás do outro, pode se converter numa pessoa muito superficial. Com freqüência, não temos nem tempo nem forças suficientes para assimilar toda a informação recebida; além do mais, absorvemos inconscientemente milhões de dados, por exemplo, quando damos um simples passeio pelo centro de uma cidade... Isso me faz lembrar de um pequeno episódio que se conta da escritora alemã Ida Friederike Görres. Certa vez, nos anos cinqüenta do século XX, perguntaram-lhe o que fazia para ter sempre idéias tão originais e julgar com tanta clareza a situação da sociedade. Ela respondeu: "Não leio nenhum jornal. Assim posso concentrar as minhas forças. O que for importante, acabarei por sabê-lo de um modo ou de outro". Naturalmente, essa atitude é discutível e, na minha opinião, não deve ser imitada. Mas pode ser, sim, um convite para refletirmos. Hoje, várias décadas depois, multiplicou-se enormemente o volume de informação que recebemos diariamente, ao mesmo tempo que essa informação se especializou. Será difícil para uma pessoa converter-se em filósofo sem uma certa "atitude de distanciamento" diante dos meios de informação. O escritor russo Dostoievski afirma: "Estar sozinho de vez em quando é mais necessário para uma pessoa normal do que comer e beber"(4). Ao longo da história, houve grandes pensadores que se separaram voluntariamente do burburinho da sociedade. Não queriam distrair-se com banalidades. Um exemplo famoso da Antigüidade é Diógenes, que morava feliz dentro de um barril e não se deixava incomodar por ninguém, segundo conta a tradição. E um exemplo do nosso tempo é o filósofo austríaco Wittgenstein, filho de um industrial, que deu de presente aos seus irmãos os milhões que tinha herdado. Preferia a austeridade às riquezas. Durante longo tempo não comeu outra coisa além de pão e queijo; quando lhe perguntaram pela razão, respondeu simplesmente: "Para mim, tanto faz o que como; o que importa é que seja sempre o mesmo"(5). Quando morreu, em 1951, suas últimas palavras foram: "Diga-lhes que tive uma vida maravilhosa" (6). 53 54 ATITUDES BÁSICAS PARA SE FAZER FILOSOFIA Como se vê, essa capacidade básica que cada homem tem de se perguntar pelo sentido do mundo e da sua própria existência pode desenvolver-se ao longo da vida ou pode corromper-se. Vamos considerar as atitudes básicas que se exigem para que uma pessoa se converta num filósofo. – Desprender-se do mundo diário Segundo o filósofo alemão Josef Pieper, "filosofar é um ato que transcende o mundo do trabalho"(7). O mundo do trabalho é aqui sinônimo de mundo no qual se tem de "funcionar", render, competir. De vez em quando, convém distanciar-se de tudo isso: não dar atenção unicamente ao imediato (e afobar-se com ele), mas sim olhar "em outra direção". Afastar-se do mundo do trabalho é muito relaxante. Assim se pode descansar e cobrar novas forças para a vida diária. Não se consegue somente quando se exerce a Filosofia. Também o poeta transcende a cotidianidade; é capaz de esquecer-se de tudo, e de cometer loucuras. Quem ama também faz isso: o seu amor o impele a deixar para trás todo o cálculo e a não se deixar comprometer por um mundo utilitário. Ou seja: o filósofo se parece com um amante e com um poeta. Ele também ama: ama a verdade, anseia por ela. Platão fala do "eros filosófico": afirma que a Filosofia se assemelha à loucura porque tira o homem do seu mundinho e o conduz às estrelas. Todo aquele que sofre alguma comoção é convidado a transcender o seu mundo cotidiano. É o que acontece quando alguém se encontra numa "situação-limite": quando se enfrenta a morte, por exemplo, surge freqüentemente um ato filosófico – ou religioso. A Filosofia, a arte, a religião e também o amor estão de certa forma relacionados. Opõem-se ao utilitarismo do mundo do trabalho. Não se deixam "comercializar" ou utilizar para determinados objetivos. Se o fizessem, a Filosofia e a Religião se transformariam em ideologias, e o amor numa indústria do sexo. Em certo sentido é verdade que o filosofar "não serve para nada". É, por assim dizer, inútil. E agora a frase forte: nem pode, nem deve servir para nada!, precisamente porque deve e quer superar o pensar utilitário. Martin Heidegger diz: "É completamente correto, e assim deve ser: a Filosofia é inútil"(8). Com a Filosofia – tal como ocorre com a poesia – transcendemos o cotidiano. Isso às vezes é necessário para "sobreviver" num mundo difícil: é um modo de manter a serenidade, se o dia-a-dia for insuportável. Nietzsche diz que Sócrates se refugiou na Filosofia porque tinha uma mulher insuportável, a famosa Xantipa, que ralhava com ele sem parar. A tradição conta que, certa vez, Xantipa despejou um balde de água suja pela janela, bem sobre Sócrates, que se encontrava em baixo com os amigos conversando sobre temas filosóficos. Os amigos zangaram-se, mas Sócrates permaneceu impassível: "Na minha casa chove quando há tormenta". E os amigos concluíram: "Se Sócrates sabe lidar com Xantipa, sabe lidar com qualquer outra pessoa"(9). Quando uma pessoa transcende o mundo cotidiano, nega a "exigência totalitária" do mundo do trabalho: afirma que a profissão, por mais importante que seja, não deve absorver completamente as faculdades humanas nem pode satisfazer todos os desejos do coração humano: há algo mais a que nos queremos dedicar. Nisto estiveram de acordo todos os filósofos, poetas e apaixonados de todos os tempos. O filósofo tem, pois, muito mais em comum com um poeta, por exemplo, do que com um empresário; o que não quer dizer que um empresário não possa nem deva também exercer a Filosofia. – Fomentar a admiração O filósofo medieval Tomás de Aquino afirma: "A razão pela qual o filósofo se compara com o poeta é esta: ambos são capazes de se admirar"(10). Uma pessoa que filosofa, reconhece e admite a sua própria falta de conhecimentos; abre-se a uma verdade maior e deixa-se fascinar por ela. A admiração é, segundo os antigos, o começo da Filosofia. Conta-se que alguns grandes filósofos eram capazes de tal admiração que, literalmente, esqueciam o que se passava à sua volta. Tales de Mileto, por exemplo, mesmo no meio de uma batalha, ficou parado de repente ao lhe ocorrer uma idéia, e não viu que o inimigo se aproximava... E Tomás de Aquino foi o único que esteve calado durante um solene banquete ao qual o rei da França o havia convidado, enquanto todos os outros estavam entretidos em conversas cultas; de súbito deu um soco na mesa e exclamou: "É isso!" Tinha encontrado um argumento contra os maniqueus(11). A Filosofia tem um caráter essencialmente não-burguês, pois admirar-se não é de "burgueses": não é de aburguesados insensíveis, que dão tudo por sabido. Só são capazes de admirar-se quando ocorre algo muito extraordinário, como um escândalo. Por isso, a indústria recreativa se torna cada vez mais agressiva. Se uma pessoa necessita de fatos sensacionais para conseguir admirar-se ou comover-se, isso é sinal certo de que não age como filósofo. O admirar-se não é princípio da Filosofia somente no sentido de initium, de passagem preliminar ou começo. É o principium: origem interior do filosofar. A admiração não se põe entre parênteses, nem se deixa de lado, por mais avançado que esteja o filósofo. Sempre que uma pessoa filosofa, admira-se; e na medida em que crescem os seus conhecimentos, deve crescer a sua capacidade de admiração. Tomás de Aquino define a admiração como desiderium sciendi, o anelo e desejo de saber cada vez mais. A pessoa que se admira é aquela que começa a andar, que deseja saber mais e mais, e tenta chegar ao fundo de todas as coisas. Por isso, Goethe, o grande escritor alemão, afirma: "O máximo que um homem pode alcançar é a admiração"(12). O filósofo admira-se. Descobre, naquilo que é cotidiano e comum, o que há de realmente extraordinário e insólito. Sabe entusiasmar-se com uma brisa ou com um dente de leão, tal e como o faria um poeta, um apaixonado ou um menino. Tomás de Aquino disse que não podíamos captar nem a essência de uma mosca; ou seja, que é possível até admirar-se infinitamente diante de um mosquito. (Um filósofo também é capaz de meditar profundamente sobre situações familiares e sociais, sobre problemas humanos de qualquer tipo...). – Despir-se de preconceitos Filosofar significa abrir horizontes, dirigir o olhar para a totalidade do mundo; o nosso espírito é, de alguma maneira, uma "força para obter o infinito"(13). Deve-se então falar sempre de tudo ao filosofar? Claro que não! Isso não é possível; além disso, o resultado só poderia ser um caos! Mas uma pessoa tem que estar disposta a falar de tudo! Nunca deve perder de vista "Deus e o mundo". Não deve deixar nada de lado arbitrariamente se quiser chegar ao fundo das coisas. O filósofo como tal tem que estar disposto a enfrentar "tudo", a prestar atenção a "tudo". Isso não significa, é claro, que se ocupe de infinitas minúcias. Como acabamos de ver, um excesso de informação pode impedir a atitude filosófica. Mas é preciso estar disposto a não deixar de lado nada que a princípio possa ser essencial. Ter uma atitude crítica significa para o filósofo: "ter a preocupação de nada deixar conscientemente de lado"(14). Como é evidente, a "totalidade" da realidade não é idêntica a um resultado obtido por uma soma que inclua tudo e um pouco mais. Aquele que entenda muito de Biologia, de Literatura, de receitas de cozinha, de futebol, de política internacional e da vida particular de todos os artistas e príncipes, não é por isso um filósofo. A Filosofia trata do todo, de uma compreensão "estruturada" do mundo, e que possui uma hierarquia: o essencial se reconhece como essencial, o não essencial como não essencial. Um filósofo autêntico trata simplesmente de não excluir ou omitir nada intencionalmente. Tem amplos horizontes: com ele se pode falar de tudo! Para ele não existem tabus nem sistematizações precipitadas que ignoram tudo aquilo que não concorde com o seu sistema, barrando qualquer nova conversa sobre o assunto. A Filosofia não aceita limitações arbitrárias, pois se o fizesse perderia a sua própria identidade, convertendo-se em ideologia. Neste sentido, Goethe julga muito negativamente alguns filósofos do seu tempo, que pretendem "dominar Deus e o espírito humano" e "encaixotam todo o Universo dentro de diferentes sistemas"(15). Esse "enfrentar-se com tudo" tem mais a ver com a profundidade do que com a extensão. O filósofo não somente olha além, não somente ergue a vista acima da vida cotidiana, transcendendo o mundo, mas também sabe dirigir a sua atenção para as coisas que o cercam, vendo-as com exatidão. Pergunta pelas razões últimas. Não lhe interessa saber, por exemplo, qual a forma mais rápida de ganhar dinheiro, mas o que é em si o poder da riqueza, e o que ela significa para o Homem. Quem quiser ter uma visão da "totalidade do real" logo perceberá que isso é quase impossível. O mundo é muito maior do que a nossa capacidade de compreensão. O ato filosófico não consiste, antes de mais nada, em "pensar muito", mas em contemplar a realidade, escutar com atenção, em calar: "escutar tão plenamente que esse silêncio atento não seja perturbado nem interrompido por nada, nem sequer por uma pergunta"(16). (A natureza da pergunta encerra uma determinada orientação da resposta, e isso significa uma limitação). Pieper fala da "franqueza ilimitada" com a qual se deve escutar o mundo. O filósofo considera o mundo "sob qualquer aspecto concebível", e não só sob alguns aspectos concretos, como o fazem as ciências particulares"(17). 55 56 Subentende-se que esse silêncio não guarda nenhuma relação com uma passividade neutra; pelo contrário: pressupõe um compromisso máximo. Pois do que se trata é de não querer deixar nada de lado, de considerar todos os aspectos, sem se deixar cegar por preconceitos. (Numa disputa, deve-se escutar todos os participantes com igual atenção). Para um autêntico filósofo, não existem nem temas que se devam excluir, nem "temas sensacionais", nem "pessoas etiquetadas". Pieper diz que estar aberto ao mundo é como que a "característica distintiva" do verdadeiro filósofo"(18). – Adquirir certa independência para julgar e refletir Uma pessoa que queira pensar por conta própria há de estar disposta ao inconformismo. Filosofar significa distanciar-se, não apenas (ou nem sempre) do cotidiano, mas das interpretações comuns, da opinião pública ou publicada, da "intimidação" que os meios de comunicação às vezes podem causar. Os autênticos filósofos sempre foram contra a corrente. São os que vêem o que todos vêem, mas se atrevem a pensar o que talvez ninguém à sua volta pensa. Os que agiram assim, às vezes até sofreram a morte por isso (como Sócrates), mas não deixaram de se opor a todo tipo de regime totalitário. A Filosofia exige independência. Tem de poder desenvolver-se sem que nenhuma normativa oficial a impeça. Pieper exige para cada comunidade humana um espaço livre em que seja possível o debate sem restrições sobre qualquer questão que ocupe as mentes (19). Se isso não é possível, é sinal de que essa sociedade tem vestígios totalitários. No entanto, mais importante ainda que a liberdade exterior é a liberdade interior. Significa querer incondicionalmente a verdade e não se deixar hipnotizar nem manipular por nada. As situações podem ser favoráveis ou contrárias à liberdade, podem ser a razão de que ela aumente ou diminua, mas não intervêm essencialmente no ato livre. Assim, uma pessoa está de certo modo condicionada pelo país, pela sociedade, pela família na qual nasceu; está condicionada pela educação e pela cultura recebidas, pelo próprio corpo, pelo seu código genético, pelo seu sistema nervoso, pelos seus talentos e limites, e por todas as frustrações que teve. Mas mesmo assim, apesar de tudo isso, é livre: é livre para opinar sobre todas essas condições. Um homem pode ser livre até numa prisão, como o demonstraram Boécio, São Thomas More, Bonhoeffer e muitos outros. "Há algo dentro de você que não podem atingir, que não lhe podem tirar: é seu!": isto, um preso o diz a outro num diálogo impressionante do filme “Um sonho de liberdade”. Um homem pode ser livre também num sistema totalitário, embora as ameaças e o medo reduzam a liberdade. Pode manter uma fé, um desejo ou um amor no interior da alma, embora externamente se decrete a sua abolição absoluta. Assim, Sakharov foi grande não só como físico, mas sobretudo como homem, como apaixonado lutador pela liberdade de cada pessoa humana. Pagou por isso o preço do sofrimento que lhe foi imposto pelo regime comunista, cuja mendacidade e desumanidade revelou aos olhos do mundo. Outro dissidente famoso confessou publicamente: "Bendita prisão, que me faz refletir, que me faz homem!" (Alexander Solchenitsin). – Humildade intelectual Apesar de tudo isso, não devemos superestimar-nos. Por mais que uma pessoa tenha uma experiência sumamente rica e uma compreensão profunda da vida humana, não deve perder o sentido da realidade: o filósofo não é "o sábio por antonomásia", mas aquele que ama a verdade, aquele que sente ânsias por compreender os últimos porquês do mundo, aquele que se esforça por ver relações. Filosofia significa amor à sabedoria, procura da sabedoria, de uma sabedoria que nunca se chega a possuir plenamente. A pessoa que se admira é consciente de não saber nada. É célebre a frase de Sócrates, que admite: "Só sei que nada sei". Em certa medida, aplica-se a qualquer cientista. Hoje estamos muito sensibilizados quanto ao fato de nenhuma pessoa poder "saber tudo", nem sequer numa subdisciplina delimitada. Começa-se por estudar algo, mas não se chega ao fim; constantemente se descobrem mais e mais campos de pesquisa. A especialização avançou muito: um Psiquiatra não sabe quase nada de Oftalmologia; um Historiador que conhece a fundo o século XVI mal tem idéia do XVII. Biólogos escrevem teses sobre o bico do pintassilgo, mas não conhecem a sua cauda. Tudo isso não tem importância, pois temos uma mente limitada. Só que hoje voltamos a ser conscientes disso, ou pelo menos muito mais conscientes do que durante as últimas décadas de fé cega na Ciência. Sócrates é tão atual! Não disse apenas: "Só sei que nada sei", coisa que podemos compreender muito bem nos nossos dias; também afirmou: "Jamais fui mestre de ninguém", querendo indicar com isso que não é possível dividir a Humanidade em duas "classes": "os que sabem" e "os que não sabem", os "sábios" e os "néscios". Todos estamos buscando a verdade, ninguém a possui por completo. Cada um pode aprender com os outros. Hoje temos uma sensibilidade especial para essas relações. Quem pretendesse mostrar que sabe tudo logo cairia no ridículo. Esse tipo de atitude já não impressiona ninguém. Tornamo-nos céticos diante das construções sistemáticas. Vimos ruir, da noite para o dia, sistemas ideológicos gigantescos, e ao mesmo tempo presenciamos como cambaleiam um sem-número de tradições fundamentais da cultura ocidental. Não há porque ficarmos deprimidos perante essa situação. Sofrer de vez em quando algumas comoções fortes pode ser até benéfico para uma pessoa e para toda uma sociedade. Uma crise não é uma catástrofe. Pode servir para que voltemos a tomar consciência dos nossos próprios fundamentos. É uma oportunidade para nos transformarmos mais conscientemente em alguém que busca, que adota a atitude filosófica. É provável que assim reconheçamos, cada vez mais claramente, quão necessário é mudar a forma de pensar em determinados âmbitos. DESAFIOS E LIBERDADE Filosofar significa de certo modo, como dissemos, afastar-se do mundo do trabalho. Esse passo transcendente não está condicionado somente pela origem, mas sobretudo pela meta, que consiste em adquirir, na maior medida possível, conhecimentos sobre o sentido do nosso mundo. Baseia-se na convicção de que a autêntica riqueza do Homem não está em saciar as suas necessidades cotidianas, "mas em saber ver aquilo que existe"(20). Neste sentido, a Filosofia não está reservada aos especialistas. Poder-se-ia dizer que é um dom e uma tarefa para todas as pessoas. Por conseguinte, teria que ser a coisa mais normal do mundo começar conversas filosóficas, não só na Universidade, mas também nas ruas e em pleno centro da cidade. Mas então reparamos em algo curioso que, é claro, se pode observar em todas as épocas e em todas as sociedades: os filósofos, com muita freqüência, são uns marginalizados! Neste mundo do dinheiro e do êxito, pode ocorrer até que inspirem aos outros um sentimento de pena ou de incompreensão. Vimos que a Filosofia, por natureza, não é "comercializável"; opõe-se ao mundo do trabalho. Por isso, muitas vezes, traz o estigma do esquisito, de um mero luxo intelectual que talvez se possa tolerar, mas que também é ridicularizado. Com freqüência, o filósofo "não tem os pés no chão". Se admira o céu estrelado, o dente de leão e o mosquito, às vezes o faz por necessidade, por não poder suportar o mundo do cotidiano. Xantipa fazia com que o seu lar não fosse acolhedor, e então Sócrates subiu ao telhado da casa, pois olhar o céu estrelado era mais atrativo... Mas de tanto olhar para o céu pode-se chegar a estar no mundo da Lua: essa é, por assim dizer, a "doença profissional" do filósofo. Existe, realmente, uma certa problemática: o filósofo, com alguma freqüência, não vê o mundo cotidiano. Olha para o céu; mas ninguém pode viver assim constantemente! Não somos espíritos puros. Temos um corpo, e temos que comer, beber e dormir. Precisamos de um teto e de uma segurança social. Com outras palavras, não nos basta só o "céu estrelado", mas também precisamos de um espaço protegido, um lar. Também nos faz falta um ambiente familiar, o concreto, a sensação de que somos acolhidos e acompanhados. Se todo mundo se dedicasse a fitar o céu estrelado a vida se tornaria inóspita. Quando me dói a cabeça, não quero que fiquem olhando para mim, sem fazer nada a não ser admirar-se ou filosofar sobre "o mal da doença": quero que me dêem um analgésico! Também é certo que, sem a base material que torna possível a existência física, ninguém pode filosofar. É difícil meditar sobre o mundo na sua totalidade quando se está construindo uma casa, ou se tem um pleito, ou se está estudando para uma prova importante; e muito mais quando se passa fome ou se sofrem os efeitos de uma enfermidade dolorosa. A admiração não fornece habilidades nem aumenta o senso prático: admirar-se significa "comover-se". Mas ninguém pode passar a vida toda na pura contemplação da verdade. Pois o homem não pode viver, a longo prazo, só de sentir-se comovido. De fato, ao encontrar a verdade, surge o desejo de transmiti-la: assim pode nascer a figura do professor de Filosofia ou do escritor-filósofo. Dos começos (conhecidos) da Filosofia Ocidental, foi-nos transmitida uma história bastante significativa: como Tales de Mileto, ao passear contemplando o céu, em certa ocasião caiu num poço. Uma criada que presenciou o fato, riu-se às gargalhadas. Platão comenta a respeito: "O filósofo costuma ser um motivo de 57 58 riso sempre renovado, não só para as criadas, mas para muita gente, porque ele, alheio às coisas do mundo, cai num poço e se mete em muitos outros apuros"(21). Esse é o dilema do filósofo: vive num mundo onde seus coetâneos se orientam por aspectos pragmáticos como o dinheiro e o êxito; ele, pelo contrário, se dedica a algo que se opõe diametralmente às ambições dessas pessoas, ou pelo menos se pode dizer que se dedica a algo que não é "útil", que não é "prático". O que não é "útil" não costuma ser levado a sério. Mas isso é somente um aspecto (o negativo) da impossibilidade de ser comercializado. O lado positivo é a liberdade que isso traz consigo. Por um lado, a Filosofia é inútil, no sentido de que não tem um uso ou uma aplicação diretos. Por outro, a Filosofia se opõe a ser utilizada: não está disponível para objetivos que estejam fora dela. A Filosofia não é "sabedoria de funcionário", mas – como disse John Henry Newman –, "sabedoria de cavalheiro (gentleman)"(22); não é sabedoria útil, mas sabedoria livre. Muitos riem do filósofo, mas ele é livre. É claro que tem consciência da sua situação, mas não se importa com ela, pois é independente do que os outros pensem dele. Platão, além do mais, vira a coisa do avesso: os outros ("os homens do dinheiro") também se expõem ao ridículo precisamente por perseguirem objetivos tão pouco nobres. E quando se trata de questões essenciais, não sabem o que dizer, e então é a vez de os filósofos rirem (23). O conceito de liberdade significa aqui, como vimos, a não-disponibilidade para objetivos concretos. O ato de filosofar é livre na mesma medida em que não remete a algo que esteja fora dele. É "um afazer pleno de sentido em si mesmo"(24). Vê-se, outra vez, que o filósofo é semelhante à pessoa que ama: também não é possível amar alguém para conseguir algo! Precisamos de médicos para diagnosticar doenças, precisamos de pedreiros para construir casas, mas não precisamos de filósofos para as nossas necessidades imediatas nem para justificar as nossas ações! Se um Estado precisa de filósofos para justificar a própria política, então a Filosofia será destruída. Pelo contrário: precisamos deles, sim, para que nos ajudem a nos compreender e a compreendermos os outros. Um filósofo, portanto, costuma viver como um inconformista, às vezes como um marginalizado, e pode ser considerado louco. É alguém que não se deixa bajular nem usar para objetivos estreitos, como por exemplo fornecer a ideologia adequada a um regime totalitário. Ao mesmo tempo, está cheio de anseios pela verdade. A sua meta é captar os fundamentos da existência, e sabe que só o conseguirá de maneira muito imperfeita, embora o seu esforço seja muito grande. Não é tanto uma pessoa que conseguiu elaborar com êxito um conceito do mundo bem arredondado; é antes alguém que está ocupado em conservar viva uma certa pergunta: aquela que se refere ao último porquê da totalidade do real (25). Não há dúvida de que é possível encontrar uma série de respostas provisórias a essa pergunta, mas nunca se poderá encontrar a resposta definitiva. É por isso que devemos estar dispostos a formulá-la constantemente e durante toda a vida. Dar-se por vencido, resignar-se, porque nunca se irá encontrar a verdade na sua totalidade; dar-se por satisfeito com qualquer solução que só pode ser provisória; desistir de continuar perguntando, é sinal de que a pessoa se converteu num aburguesado. Filosofar significa precisamente a experiência de que, embora a nossa vida cotidiana, condicionada por objetivos existenciais diretos, seja importante e necessária, não basta: pode e deve ser abalada de vez em quando pela a inquietante pergunta sobre o sentido do todo. UMA META QUE ABRE NOVOS HORIZONTES A capacidade de admirar-se faz parte das possibilidades máximas da nossa natureza. Ajuda-nos a perceber que o mundo é mais profundo, extenso, misterioso, belo e diferente do que parece à luz do entendimento cotidiano. Da admiração nasce a alegria (26), afirma Aristóteles. E a mesma coisa se exprime com o ditado "tomar algo com filosofia": não significa encarar as coisas com resignação, nem com gravidade, mas encarálas serenamente. Pieper fala da "intrínseca esperança contida na admiração"(27). A pessoa que se admira não fica encerrada no seu mundinho. Boécio escreveu na prisão, às vésperas da morte, o seu célebre livro sobre “A consolação da filosofia”. O enfoque interior da admiração mantém vivo o conhecimento de que a existência é incompreensível e misteriosa, mas também está repleta de sentido. E, na medida em que se descobre o sentido da própria existência, pode-se experimentar uma felicidade profunda. Quando alguém se dedica à Filosofia, vai-se aproximando de uma iluminação sobre a realidade. E, embora alcance a verdade sobre a existência, sobre o Homem e sobre o mundo, sempre poderá aprofundar mais, porque o saber fechado e a Filosofia são mutuamente exclusivos! (A Filosofia não produz "receitas de bolo"). Quanto mais profunda e extensa se torna a compreensão, mais esmagadora é a visão do imenso campo daquilo que ainda falta compreender. Por isso, o começo e o fim da Filosofia estão caracterizados pela escuta da realidade, pelo silêncio, pela "contemplação". O filósofo grego Anaxágoras respondeu, quando lhe perguntaram para que estava na Terra: "Estou na Terra para a contemplação do céu e da ordem do Universo"(28). Uma resposta que se pode considerar religiosa. Finalmente, a Filosofia prepara e liberta o Homem para a experiência de Deus. Torna-o capaz de "transcenderse" mais uma vez. Desemboca numa verdade maior, na Teologia. Aristóteles não duvidou em qualificar a Filosofia como "ciência divina"(29). E Wittgenstein, que tinha uma certa visão mística do sentido da vida, pôde afirmar: "O filósofo pergunta pelo sentido. Só se acreditarmos em Deus é que descobriremos que a vida de fato tem sentido"(30). Pode-se descobrir um mundo cada vez mais extenso e profundo. Mas nem mesmo então se encontram "soluções fáceis" ou "soluções prontas" para as grandes perguntas da vida, e menos ainda sistematizações. Quanto mais se conhece o mundo, mais se percebe o seu caráter misterioso. A Filosofia, pois, encontra-se a caminho de uma meta que nunca alcançará por seus próprios meios. "Sentimos que, ainda que todas as perguntas científicas tivessem sido respondidas, não teríamos nem começado a tocar os nossos problemas existenciais"(31), diz Wittgenstein. Comparada com a Teologia, a Filosofia só pode chegar a um conhecimento muito limitado. "Mas esse pouco que se ganha com ela, não obstante vale mais do que todo o resto que se conhece pelas ciências"(32), afirma Tomás de Aquino. Portanto, só se pode convidar todas as pessoas de boa vontade a serem, cada uma, um filósofo, mesmo correndo o perigo de serem consideradas pela nossa sociedade consumista como "estranhas", inconformistas ou "loucas". Para terminar, podem animar-nos as palavras de um autor contemporâneo: "Quem jamais teve um ataque filosófico, passa pela vida como se estivesse trancado numa prisão: trancado por preconceitos, pelas opiniões da sua época e da sua nação"(33). Quem não pensa por conta própria não é livre. http://www.quadrante.com.br/Pages/servicos02.asp?id=63&categoria=Filosofia, acesso em 15/07/2005. 2- Assista ao filme Matrix I e faça uma análise sobre o filme dentro de uma abordagem filosófica, enfocando a idéia passada pelo filme de que a humanidade está "adormecida" em sua ignorância e só conseguirá acordar ao buscar o conhecimento. 59 60 Se você: 1) 2) 3) 4) concluiu o estudo deste guia; participou dos encontros; fez contato com seu tutor; realizou as atividades previstas; Então, você está preparado para as avaliações. Parabéns! Glossário Corporeidade: Termo utilizado por Heidegger, "significando realidade humana, ente humano, a quem somente o ser pode abrir-se. [...]. Heidegger prefere utilizar a expressão ‘ser-aí’. [...] é o ser do existente humano enquanto existência singular e concreta" (JAPIASSU e MARCONDES, 1995: 64-5). Conhecimento Objetivo: Conhecimento objetivo é aquele fundado na observação imparcial, independente das preferências individuais. Conhecimento resultante da descentralização do sujeito que conhece, pelo confronto com outros pontos de vista. Conhecimento Subjetivo: Conhecimento subjetivo é aquele que depende do ponto de vista pessoal, individual, não fundado no objeto, mas condicionado somente por sentimentos ou afirmações arbitrárias ao sujeito. Cosmologia: Ciência que estuda o cosmos, sua origem, sua evolução e seu propósito. Imagem de mundo que uma sociedade produz para orientar-se nos conhecimentos e para situar o lugar do ser humano no conjunto dos seres. Ética: A palavra ética vem do grego ethos, que significa o modo de ser, o caráter das atitudes humanas. Os romanos traduziram o ethos grego, para o latim mos que significa costume, origem da palavra "moral". Ethos (caráter) e mos (costume) conceituam um comportamento propriamente humano que não é natural, porque o ser humano não nasce com ele como se fosse um instinto, mas, o vai adquirindo à maneira que segue vivendo. Existência: "O vocábulo existência, ponto básico da filosofia de Kierkegaard, é introduzido no léxico filosófico a partir do artigo de Gabriel Marcel, Existence et objectivité, publicado na Renue de méttaphysique et de morale, 1925, pág. 175. A partir do 'ser-aí', Heidegger mostra a especificidade do ser do homem, que é a existência. Se o homem é lançado no mundo de maneira passiva, pode tomar a iniciativa de descobrir o sentido da sua própria existência e orientar suas ações nas direções as mais diversas" (ARANHA e MARTINS, 1989: 325). Fenomenologia: O termo provém de duas palavras gregas, phainomenon e logos. Assim, seu sentido primeiro é ciência ou estudo dos fenômenos. A amplitude desse sentido permite identificar a fenomenologia com a própria investigação filosófica, uma vez que esta deve, necessariamente, partir disso que se apresenta, dos fenômenos, de modo a conferir-lhes uma unidade de sentido. Gnosiologia: Também chamada por vezes de gnoseologia, ou Filosofia do Conhecimento, estuda a capacidade humana de conhecer. A raiz filológica do termo vem das palavras gregas gnose (conhecimento) e logos (ciência, teoria). Ideologia: O termo se compõe de duas palavras gregas: (eidos = idéia ) + ( logia = estudo, investigação, ciência ). O termo foi criado por Destutt de Tracy (1754 - 1836), em 1796. Com essa palavra ele queria designar uma "nova" disciplina filosófica, cujo objetivo seria o estudo das idéias. Em pouco tempo, porém, o sentido específico pretendido por Tracy praticamente cai em desuso. Quando Tracy ainda era vivo, foi empregado para designar tanto o pensamento filosófico como a atividade intelectual em geral. Assim os pensadores, especialmente os pensadores franceses do século XVIII que exaltavam temas políticos, serão chamados também de ideólogos. Após a Revolução Francesa (1789 - 1799), o termo adquiriu um sentido diferente graças a Napoleão Bonaparte. O general francês, respondendo às críticas que lhes eram feitas por um grupo de intelectuais, chamou-os pejorativamente de "esses ideólogos", dando um caráter depreciativo à palavra. Napoleão pretendeu realçar o fato de que estes não sabiam o que diziam ou que falavam muito e nada faziam. Assim, no sentido napoleônico, ideologia significa um conjunto de idéias ocas que a nada leva e que não corresponde à realidade dos fatos. Esses sentidos predominam até Karl Marx (1818 - 1883) e Friedrich Engels (1820 - 1895). Os dois darão um sentido específico ao termo. A filosofia desenvolvida por esses dois filósofos é normalmente conhecida como marxismo. Do ponto de vista filosófico, a denominação dada ao marxismo é Materialismo Histórico-Dialético. 61 62 O marxismo é, sobretudo, uma filosofia quase voltada para o tratamento de questões ligadas às áreas social, econômica e política. Ele surgiu num ambiente que parecia pedir o aparecimento de um salvador para as classes menos favorecidas. Intencionalidade: “A intencionalidade é a característica definidora da consciência, enquanto necessariamente voltada para um objeto: ' Toda consciência é consciência de algo'. A consciência só é consciência a partir de sua relação com o objeto, isto é, com um mundo já constituído, que a precede. Por outro lado, esse mundo só adquire sentido enquanto objeto da consciência, visado por ela” (JAPIASSU e MARCONDES, op. cit.: 134). Ontognoseológico: “Termo derivado das palavras onto e gnose. "Onto vem de on (ente) e onta (entes), os quais vêm do substantivo to on: o Ser" ( CHAUÍ, 1995: 238); gnose em grego significa conhecimento e logos, teoria ou ciência. Teoria do conhecimento que tem por objetivo a origem, a natureza, o valor e os limites da faculdade de conhecer” (JAPIASSÚ e MARCONDES, op. cit.: 111). A partir dessas derivações, o termo gnoseológico é a ciência que procura conhecer o Ser. Percepção: "Do latim perceptio. Ato de perceber, ação de formar mentalmente representações sobre objetos externos a partir dos dados sensoriais" (JAPIASSU e MARCONDES, op. cit.: 192) Silogismo: Tipo de raciocínio dedutivo que, de uma proposição geral, conclui outra proposição geral ou particular. Aristóteles elaborou uma teoria do raciocínio como inferência. Inferir é tirar uma proposição como conclusão de uma outra, ou de várias outras proposições que a antecederam e são sua explicação ou causa. O raciocínio é uma operação do pensamento realizada por meio de juízos e enunciada lingüística e logicamente pelas proposições encadeadas formando um silogismo. Sofisma: Tipo de raciocínio incorreto, embora tenha a aparência de correto. É conhecido também como falácias e/ou paralogismo. Alguns estudiosos dão ao sofisma o sentido pejorativo decorrente da intenção de enganar o interlocutor, enquanto no paralogismo não haveria esta intenção. Totalitarismo: Sistema político no qual todas as atividades do ser humano estão submetidas ao estado. A crítica ao liberalismo e a concepção individualista de homem, a hostilidade aos princípios da democracia, a valorização das elites e do papel do mais forte levam à exaltação do estado. Gabarito UNIDADE I Página 24 1 - O mito era importante pois oferecia uma explicação do mundo e do homem através das fabulações. 2 - O mito enfraquece ou se extingue a partir da reflexão filosófica, pois acaba por desvelar o que está por trás do mito. 3 - O futebol pode ser considerado um mito, a partir do momento em que é interpretado como um fenômeno em que o telespectador se coloca na figura do jogador e se realiza como ser especial, possuidor de valores até então não alcançados por ele. Torna-se um ritual, pois costuma repetir determinadas ações e atitudes que inicialmente se deram pela aprovação ou sucesso do time e faz a associação. E é magia pois transmite todo um conteúdo mágico, sobrenatural do fenômeno. 4 - Conhecimento, acomodação e organização social. 5 - Anaxímenes sustentava que a fonte de todas as coisas seria o ar ou o vapor. Achava também que o fogo seria o ar refeito. Para Empédocles, a Natureza seria feita de quatro elementos básicos: terra, ar, fogo e água. Todas as coisas seriam uma mistura desses elementos, em proporções variadas. Demócrito achava que todas as coisas seriam feitas de partículas minúsculas e indivisíveis, chamadas átomos. Segundo Demócrito, haveria um grande número de diferentes tipos de átomos, cada qual com ganchos e engates, permitindo-lhes se encaixarem uns nos outros para formar todos os tipos de objetos diferentes encontrados no mundo. 6 - Significa o mundo ordenado pela razão. É o início da filosofia no mundo grego antigo. 7 - A idéia central consistia em buscar respostas às questões fundamentais do homem na idéia de Deus. 8 - As tendências filosóficas são a Patrística, destacando Santo Agostinho, influenciado pelas doutrinas platônicas (Platão); e Escolástica, destacando Santo Tomás de Aquino, influenciado pelas doutrinas aristotélicas (Aristóteles). 9 - A idéia central é a busca do conhecimento através da razão, a qual permitiu que muitas das questões humanas pudessem ser desvinculadas da fé religiosa. 10 - A Filosofia é um modo de pensar os acontecimentos além das aparências (os outros conceitos servirão para orientá-lo). 11 - No início da Filosofia, ela estava ligada à Ciência, mas, depois de Galileu, as duas se separaram. 12 - Radical, rigoroso e de conjunto. 13 - Resposta pessoal. 14 - É a superação da imanência do homem. UNIDADE I Página 27 1 - Envie o resultado deste trabalho para o tutor. 2 - Resposta Pessoal. 63 64 3 - O período medieval teve influências de Platão e Aristóteles; mas o Platão vindo do neoplatonismo (da Filosofia de Platino, do séc. VI d.C.) e o Aristóteles traduzido pelos árabes; o período renascentista descobre obras de Platão e Aristóteles desconhecidas na Idade Média e ainda recupera obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos. Durante o período medieval, surge a Filosofia cristã, que é a linguagem que tenta falar dos dogmas, da Teologia; no período renascentista, um dos pensamentos que dominavam era contra o poder hierárquico da Igreja. 4 - Mudança do foco de indagações para o intelecto do homem; Tudo que pode ser conhecido deve ser transformado em conceito; A realidade é concebida como um sistema racional de mecanismos físico-matemáticos. 5 - Iluminismo. 6 - Resposta pessoal. UNIDADE II 1 - O avanço científico e tecnológico provocado pela fragmentação do conhecimento levou a ascenção de uma visão dualista, provocando ora uma valorização exagerada do modo idealista, ora do realista, impedindo que o homem desse conta da complexidade humana e da inserção natural à unidade. 2 - As teorias dualistas fragmentaram a noção de homem, enquanto que a visão unicista procura compreender os vários aspectos que compõe o ser humano, seja os aspectos genótipos, sejam fenótipos, possibilitando a compreensão tanto da dimensão físico-biológica, quanto social, psicológica, econômica, política e planetário-cósmica. 3 - Visão dualista: fraciona os problemas, atrofia as possibilidades de compreensão, o Ser do Homem deixa de ser o objetivo e o fim tornando-se o meio, e a técnica predomina sobre o Ser. Visão unicista: centrada na totalidade, propõe a superação da dicotomia, o mundo é um mundo das incertezas, da complexidade. UNIDADE III Todas as questões devem ser encaminhadas ao tutor. UNIDADE IV 1a) Propôs que se fizesse um estudo científico da sociedade, considerando o homem como um ser social. b) Levou a compreender que os primeiros fatos humanos foram resultados da luta pela sobrevivência, evidenciando que o plano econômico comanda todos os outros planos da existência humana. 2 - Envie ao tutor. 3 - As ciências positivas, segundo Comte, seriam as ciências como a biologia, a química, a física, que partem da observação dos fatos concretos mais a razão, isto é, do método experimental. Nelas, ele inclui a Sociologia. 4 - Envie ao tutor. Referências Bibliográficas ABBAGNAMO, N. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi, São Paulo: Mestre Jou, 1970. ARANHA, M. L. de A. & MARTINS, M. H. P. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. _____. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1989. ARNS, Dom Paulo Evaristo. Justos e Solitários: a ética do novo milênio. In. 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