o papel do estado no processo de desenvolvimento na obra

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O PAPEL DO ESTADO NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO NA OBRA DE
CELSO FURTADO: REFLEXÕES SOBRE O CASO BRASILEIRO
Fabio Akira Shishito (Ciências Sociais – UEL)1
Palavras-chave: Subdesenvolvimento; Desenvolvimento; Planejamento estatal.
A compreensão do pensamento de Celso Furtado exige breve retorno às suas
indagações iniciais, ao contexto em que isso se deu e, conseqüentemente, ao modo com que
ele enfrentou os problemas que surgiam à sua frente. Em resumo, é possível afirmar que a
questão chave que deu início à sua obra dizia respeito à compreensão das razões do
“atraso” brasileiro2. Isso porque durante boa parte da década de 1940 ele passou estudando
a economia brasileira e constatou que o Brasil indicava atraso relativo inclusive dentro do
continente americano. Em vista das potencialidades que o país apresentava, o autor irá
buscar na história as possíveis razões de sua indagação inicial. “Essa visão global derivada
da história, ao apoiar-se no conceito de sistemas de forças produtivas, produziu o enfoque
que viria a ser chamado de ‘estruturalista’.” (FURTADO, 2002: 72).
“O nosso estruturalismo”, explica Celso Furtado, “empenhou-se em destacar a
importância dos parâmetros não-econômicos dos modelos macroeconômicos.” (2002: 72).
Sabendo, pois, que as variáveis econômicas se comportam dependendo desses parâmetros,
que por sua vez, estão em constantes mudanças de acordo com o contexto histórico, o autor
via a necessidade de estudar os fenômenos econômicos considerando tal contexto. Dessa
visão resulta em que o estudo do “atraso” brasileiro levou-o a pensar na especificidade do
subdesenvolvimento (FURTADO, 2002). Este é, segundo ele, “um processo histórico
autônomo, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que
já alcançaram grau superior de desenvolvimento.” (FURTADO, 1963: 180). Para o autor o
1
O presente texto é parte de um estudo realizado junto ao projeto de pesquisa coordenado pela professora
Maria José de Rezende sob o título: “Raymundo Faoro e a mudança social no Brasil: modernização e
modernidade como dois processos distintos”.
2
“Para Furtado, ‘atraso’ é muito diferente de ‘subdesenvolvimento’. O simples atraso implica apenas uma
economia basicamente agrícola. O subdesenvolvimento, entretanto, implica a existência de uma economia
dualista, ou dualismo estrutural.” (GOLDTHORPE, 1977: 220). As principais características dessa estrutural
dual serão delineadas no decorrer do presente trabalho.
2
subdesenvolvimento é, portanto, resultado de um desequilíbrio na difusão do progresso
técnico que, por sua vez, é responsável por dar configuração ao sistema “centro-periferia”
na medida em que exterioriza os “parâmetros” da civilização industrial. Tal exteriorização,
explica Furtado, “é antes de tudo a difusão de uma civilização que instila nas populações
padrões de comportamento em transformação permanente. Trata-se de difusão de valores
que tendem a universalizar-se.” (FURTADO, 1992: 40).
Ao assumir tal postura metodológica o autor dialogava, implícita ou explicitamente,
com grande parte do pensamento sociológico da época que fundamentavam suas teorias nas
perspectivas diretivas da história. “Grosso modo, pode-se dizer que as análises de Celso
Furtado em muitos momentos criticavam as discussões desenvolvimentistas que supunham
que todas as sociedades passavam pelas mesmas etapas.” (REZENDE, 2004: 18)3
Contra a tendência, o autor irá se valer, então, do método histórico para investigar o
fenômeno do subdesenvolvimento e elaborar proposições a fim de superá-lo. Tal maneira
de analisar o mundo social tem seus princípios no pensamento de Hegel, quem, segundo
Furtado, “instituiu o princípio de que o mundo não está constituído por coisas acabadas, e
sim por um conjunto de processos e de que somente uma lógica do desenvolvimento nos
poderá capacitar para compreender esses processos denominando a essa lógica de
dialética.” (1964: 13 – itálicos do autor).
É, desse modo, baseado na idéia de que o desenvolvimento de cada região deve ser
observado a partir das peculiaridades que são ali encontradas e às quais têm significativo
impacto sobre o modo como se processará o curso histórico, que Furtado irá traçar os
principais aspectos do fenômeno denominado subdesenvolvimento.
“O subdesenvolvimento deve ser entendido, em primeiro lugar, como um problema
que se coloca em termos de estrutura social.” (FURTADO, 1964: 79). Não podemos
concebê-lo como um fenômeno da estrutura econômica desvinculado das outras esferas da
sociedade, é preciso compreender as inter-relações que se estabelecem entre elas. “O fato
de que sejam os seus aspectos econômicos os mais estudados e conhecidos”, explica o
3
O diálogo dava-se, principalmente, com autores da antropologia e sociologia americanas. Entre outros
encontravam-se, Leslie White, J. Steward, Marshall Sahlins, Talcot Parsons (REZENDE, 2004: 11-24).
3
autor, “é simples confirmação da tese geral de que, no processo de desenvolvimento social,
aos fatores econômicos cabe, quase sempre, papel predominante.” (FURTADO, 1964: 79).
Sendo assim, a despeito das peculiaridades, os países subdesenvolvidos são, na
grande maioria, países em que a economia agrícola tem papel preponderante e nos quais se
introduz elementos de economia capitalista, como por exemplo, assalariamento,
industrialização ou inovações tecnológicas, sem que a economia preexistente deixe de
existir ou perca necessariamente sua força, principalmente a força política exercida pelos
grupos ligados a ela. Ademais, o fato de que a maior parte da população seja formada por
trabalhadores da área rural colabora somente para a perpetuação do subdesenvolvimento.
Isso porque o predomínio de grandes latifúndios, como foi o caso do Brasil, pelo menos até
a década de 1930, faz com que a população se apresente de forma dispersa no território.
Configura-se assim uma estrutura social em que a maioria da população poucas condições
tem de se organizar visando questionar uma minoria privilegiada. A participação da
população nas instâncias de decisão políticas é critério importante na constituição do
desenvolvimento (FURTADO, 1963, 1964).
O que conceituamos como subdesenvolvimento é, entretanto, menos a
existência de uma economia fundamentalmente agrária – teríamos neste
caso tão somente uma economia atrasada – do que a ocorrência de um
dualismo estrutural. Este tem origem quando numa economia agrícola
atrasada determinadas condições históricas propiciam a introdução de
uma cunha de economia capitalista, criando-se um desequilíbrio ao nível
dos fatores (...) com reflexos em toda (...) a estrutura social. As condições
criadas pelo dualismo estrutural dificilmente podem explicar-se em
termos de um modelo de equilíbrio estável. (Furtado, 1964: 81).
No Brasil, o terceiro decênio do século XX mostrará mais claramente as
características desse dualismo estrutural. É a partir dessa época que se inicia um período de
transição: esgota-se a economia extensiva característica do período colonial, baseada em
“ocupação de novas terras ou exploração de recursos naturais esgotáveis, por um lado, e por
outro, em importação de mão-de-obra da África e da Europa.” (FURTADO, 1964: 101).
Conseqüentemente tem início o processo de deslocamento do centro dinâmico, ou seja, em
linhas gerais, é a ascensão de um setor industrial interno capaz de fazer frente ao até então
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hegemônico setor exportador de matéria-prima. Tal deslocamento é fator primordial para o
desencadeamento do processo de desenvolvimento (FURTADO, 1962, 1964, 2007).
No livro “A pré-revolução brasileira”, entretanto, a visão de Celso Furtado (1962)
diante das possibilidades de avanço no desenvolvimento brasileiro e do processo em
andamento até então deixa transparecer ora reflexos de otimismo ora de pessimismo.
Otimismo porque observava através dos estudos já realizados sobre a formação da
economia brasileira desde os tempos da colonização e das condições apresentadas à época,
possibilidades reais de desenvolvimento: crescente industrialização e urbanização,
fortalecimento de mercado interno, etc. Pessimismo porque tinha consciência do custo
social pago por grande parte da população brasileira durante o processo de
desenvolvimento que ganhou força após os anos 40 e 50, ou seja, além da não melhoria nas
condições de vida de grande parte da população, nos diz o autor que o processo de
desenvolvimento brasileiro foi marcado por uma atuação vertical do Estado, relativamente
forte, em detrimento da formação e fortalecimento das instituições democráticas.
“Sabemos que o desenvolvimento de que tanto nos orgulhamos, nos últimos
decênios, em nada modificou as condições de vida de três-quartas partes da população do
país.” (FURTADO, 1962: 14). Ao contrário, o desenvolvimento brasileiro tem se
caracterizado por uma “crescente concentração social e geográfica da renda.” (FURTADO,
1962: 14).
O desenvolvimento, para Celso Furtado, portanto, não se caracteriza exclusivamente
pelo crescimento da força produtiva e pelo “progresso” da economia, nesse caso teríamos
um processo de modernização. Faz-se necessário que se combata as disparidades sociais
encontradas no interior da sociedade.
E não somente no que respeita à concentração de renda o
desenvolvimento vem apresentando aspectos sociais extremamente
negativos. (...) Por outro lado, na ausência de uma política consciente que
preservasse à ação do Estado o caráter social, improvisou-se, em nome do
desenvolvimento, uma estrutura de subsídios que muitas vezes premiou de
preferência os investimentos supérfluos, ou aqueles que vinham permitir,
dada a sua tendência monopolística, uma concentração ainda maior da
riqueza em mão de grupos privilegiados. (FURTADO, 1962: 14-15).
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No que diz respeito ao planejamento estatal, isto é, quanto à possibilidade de que o
Estado exerça uma política de desenvolvimento abarcando elementos econômicos, políticos
e sociais, foram encontrados entraves vindos de variados lados, mas, as principais barreiras
eram criadas quando se viam confrontados os interesses públicos e interesses dos grupos
privados privilegiados, “parasitas” do Estado.
Na fase de transição que se inicia em 1930, as classes que dirigem o país
são, no essencial, as mesmas do período anterior. Passarão muitos anos
antes que se tenha consciência das modificações na estrutura econômica e
de que uma política visando a consolidar a industrialização se torne
imprescindível. (FURTADO, 1964: 117).
A falta de tal consciência não significou, entretanto, falta de ação. Ao contrário, o
que se assistiu nesse período que se inicia em 1930, foi uma ação voltada para implantação
do sistema industrial. Entretanto, essa ação desencadeada a partir do primeiro governo de
Getúlio Vargas esteve pautada no “oportunismo político dos novos dirigentes” e numa
visível ausência de planejamento que visasse dar encaminhamento a um desenvolvimento
impulsionado internamente (FURTADO, 1964: 117). Tal industrialização “desorganizada”
segue até 1950, período em que as decisões eram orientadas primordialmente em face do
setor exterior. Nesta fase, pode-se dizer que a industrialização surge como uma decorrência
e não como resultado de um objetivo previamente planejado. (LESSA, 1975: 6).
É só na segunda metade do século XX que tem inicio no Brasil uma política de
desenvolvimento. “No início do decênio dos anos 50, com a mudança processada nos
comandos políticos”, explica Carlos Lessa, “observa-se uma sucessão de medidas de
política econômica visando à modificação da estrutura econômica nacional que (...)
consubstanciam uma formulação inicial da política de desenvolvimento.” (1975: 10). A
década seguinte também representa marco importante na historia do desenvolvimento
brasileiro.
A transformação estrutural da economia, o deslocamento de seus centros
de gravidade, a crescente complexidade de sua vida cotidiana e a nova
problemática de que se reveste sua dinâmica conferiram um sentido de
urgência à redefinição do papel do Estado e ao problema instrumental
inédito na história do país. (LESSA, 1975: 7).
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Furtado enfatiza que nos anos 60 o país já havia tomado consciência do problema
do subdesenvolvimento, ou seja, já havia se tornado claro que o não desenvolvimento
econômico do país era resultado de fatores históricos, “que a pobreza relativa da grande
maioria da população brasileira não deve ser aceita como fato de ordem natural”, que a
postura econômica do laissez-faire não contribuía para diminuir o “atraso” relativo do país.
(FURTADO, 1962: 72).
Nesse processo de tomada de consciência da questão fundamental que
cabe à nossa geração enfrentar – de diagnóstico e equacionamento de
nossos vícios estruturais, de definição de diretrizes, de elaboração de
instrumentos hábeis para transformar diretrizes em ação, enfim, de esforço
para transformar a realidade social – deve conjugar-se a ação de
especialistas dos diversos ramos das ciências sociais. (FURTADO, 1962:
72-73).
Uma vez que se torna central a questão do desenvolvimento em que o objetivo
último é a melhoria das condições de vida da população como um todo, tornou-se
fundamental repensar e reorganizar as funções do Estado. Diz o autor que, se se admite que
cabe ao Estado atuar como agente na promoção de melhores padrões “de bem-estar social,
cabe-nos estabelecer em que condições e sob que forma compatível com outros ideais de
convivência social postulado poderá o Estado, em um país subdesenvolvido, alcançar
aquele objetivo.” (FURTADO, 1962: 73).
Um ponto importante a esse respeito é que o modo como o Estado exercerá o papel
de agente no processo de desenvolvimento difere conforme se trate de uma economia
desenvolvida ou subdesenvolvida. Além disso, deve-se lembrar que a política a ser
elaborada varia também de acordo com o modo como o economista, ou os outros
profissionais responsáveis, apreendem teoricamente a realidade. “Na medida em que a
forma de pensar dos economistas esteve presa pelos conceitos de equilíbrio geral, de
automatismos autocorretores, de volta ao equilíbrio, foi mais ou menos evidente sua
inaptidão para captar os problemas do desenvolvimento.” (FURTADO, 1962: 35). Essa
forma de captar a realidade decorre da tendência entre os economistas de pensar em função
de modelos, ou seja, de construtos abstratos que supõem certo padrão, certa regularidade.
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Desse modo, tratando-se, por exemplo, de uma análise de uma economia nacional, ao se
observar a existência de reais problemas, deduz-se, automaticamente, um afastamento do
modelo ou do padrão estabelecido. “A política econômica formulada com base em modelos
tem sido qualificada de política quantitativa.” (FURTADO, 1962: 36).
Para o presente texto, porém, importa ressaltar que em ambos os casos, o Estado
assume papel importante no processo de desenvolvimento, seja nos casos de economias
desenvolvidas em que o regime laissez-faire se apresente preponderantemente e nesse caso
a atuação estatal se dá mais indiretamente no sentido de “manter um nível relativamente
alto de ocupação dos fatores de produção”, seja nos casos de economias subdesenvolvidas,
nas quais não “sendo possível pensar em estabilidade em termos de pleno emprego de
fatores (...) somos levados a pensar em estabilidade em termos de nível de preços”4
(FURTADO, 1962: 75).
No segundo caso, porém, para que o Estado possa efetivamente agir no processo de
desenvolvimento é indispensável que haja um conhecimento aprofundado das
potencialidades do país, ou seja, uma visão de conjunto do processo econômico para que
seja elaborado um planejamento. Para tanto afirma o autor:
Cumpre que se realize um esforço em comum – especialistas em ciência
política, em administração e em economia – para que o problema das
funções do Estado em um país de economia subdesenvolvida seja
compreendido à luz dos autênticos ideais da sociedade democrática
(FURTADO, 1962: 77.)
Um dos requisitos, pois, para que o Estado possa cumprir as funções que lhe são
atribuídas é seu aparelhamento. As políticas de desenvolvimento não avançam se
executadas de forma improvisada. Dessa maneira, o planejamento passa pela criação de
órgãos responsáveis pelos diversos setores do processo (política fiscal, cambial, de
assistência à agricultura, etc.). Nesse ponto talvez caiba lembrar a observação de Lessa no
que diz respeito às diferenças entre os conceitos de instrumento de política econômica e de
instituição; ainda que tal delimitação seja imprecisa. Segundo o autor, sociologicamente,
4
Segundo Celso Furtado tal impossibilidade é explicada “pelo simples fato de que uma economia
subdesenvolvida padece de um desequilíbrio estrutural ao nível dos fatores” (1962: 75).
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instituição é um “complexo de formas sociais que se cristalizam ou se tornam mais estáveis
e tradicionais, e que, tendo uma função social específica (...) se destina a assegurar a
unidade e continuidade da sociedade.” (1975: 8). Sendo assim, são modificações
institucionais que podem, efetivamente, acarretar mudanças na estrutura social.
Já em 1962, ano de lançamento de “A pré-revolução brasileira”, Furtado afirma
nessa obra a necessidade das reformas de base5 para conceder maior elasticidade às
estruturas. É preciso “caminhar com audácia para modificações constitucionais que
permitam realizar a reforma agrária e modificar pela base a maquinaria administrativa
estatal, o sistema fiscal e a estrutura bancária.” (1962: 31). A ação do Estado, no entanto,
deve ser subordinada à transparência dos objetivos de desenvolvimento econômico e social.
Segundo Furtado, o governo deve dispor de meios para tornar as políticas efetivadas,
realmente transparentes, isto é, “meios para conhecer a origem de todos os recursos
aplicados nos órgãos que orientam a opinião pública.” Ademais, é fundamental que os
planejamentos do desenvolvimento sejam condizentes com os anseios da população
(FURTADO, 1962: 31-32).
Sendo assim, se a questão que nos propomos a tentar responder diz respeito ao papel
do Estado no processo de desenvolvimento é evidente que, para Celso Furtado, a este cabe
papel fundamental, mas, ao que parece a questão imediatamente subseqüente: como deve
agir o Estado? Esta parece não encontrar uma única resposta.
Os estudos realizados sobre a história brasileira, principalmente o texto “A
formação econômica do Brasil” (1964), mostraram-lhe a configuração de uma organização
sócio-política em que a um determinado momento coexistiam elementos de uma economia
colonial - agrária e extensiva - com os de uma economia industrial. Ocorre que as forças
políticas que mantinham a economia anterior permaneceram as mesmas mesmo após a
mudança do centro dinâmico, processo que se iniciou a partir de 1930. Tal especificidade
não pode ser ignorada.
5
No que diz respeito às reformas de base, Furtado explica que trata-se “de reivindicações ou recomendações
que traduzem uma tomada de consciência de problemas estruturais, portanto de natureza essencialmente
qualitativa.” (1962: 39).
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Nos anos 40 e início dos 50, o debate no Brasil era para se esclarecer se se
devia, ou não, privilegiar a política de industrialização do país.
Traduzindo em termos atuais: qual seria a melhor forma de promover o
desenvolvimento? Adotar um política industrial ou tudo confiar no
mercado? A resposta a essa questão, tanto no época como hoje, não é
independente de se estabelecer quais as forças sociais que comandam as
decisões econômicas estratégicas.” (FURTADO, 2002: 73).
O estudo realizado por Celso Furtado, então, no que diz respeito ao papel do Estado
no processo de desenvolvimento brasileiro remete a dois problemas distintos. O primeiro
diz respeito à estrutura estatal, ou seja, para que o Estado cumpra função de agente no
processo de desenvolvimento ele deve estar devidamente aparelhado. O segundo problema,
diz respeito às ações políticas, e aqui entram em ação as citadas forças sociais – visíveis no
período de transição iniciado em 1930 - entre as quais outras forças como ciência e
ideologia atuam de forma a tornar ainda mais complexa a resolução do problema. Entendo
que esses são alguns dos parâmetros não-econômicos de que fala o autor que influenciam
em alguma medida as relações propriamente econômicas. Poderíamos citar ainda a
dimensão social do problema, ou seja, de que maneira as alterações na estrutura social do
país – urbanização, surgimento de uma classe assalariada, entre outras – se relacionam com
as camadas políticas que tomam as decisões.
Apesar de distintos os dois problemas se inter-relacionam e o processo de
desenvolvimento no Brasil, no espaço de tempo de 1930 até 1964, momento em que
ocorrem alterações importantes na estrutura política do país e que foi o período recortado
para esta breve análise, não pôde prescindir da resolução de apenas um deles. É nesse
sentido que pode ser pensado, tendo como referência as idéias de Celso Furtado, a
participação estatal no processo de desenvolvimento. O caso brasileiro mostrou que até
então grande parte dos entraves giravam em torno da resolução do primeiro problema:
superar os vícios de um Estado “rudimentar”.
“O regime federativo, que prevaleceu nas várias constituições promulgadas ou
outorgadas entre 1934 e 1966, permitiu sempre que o controle do Parlamento permanecesse
em mãos de grupos oligárquicos.” (FURTADO in FURTADO, 1979: 10). Só a partir daí é
que haveria a possibilidade de colocar na agenda as discussões sobre um possível projeto de
nação.
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REFERÊNCIAS
FURTADO, Celso. A pré-revolução brasileira. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1962.
______. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1963.
______. Dialética do Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1964.
______.(org.). Brasil: Tempos Modernos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.
______. Brasil: a construção interrompida. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
______. Em busca de um novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. São Paulo,
Paz e Terra, 2002.
______. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
GOLDTHORPE, J.E. Sociologia do Terceiro Mundo: disparidade e envolvimento. Rio de
Janeiro, Zahar, 1977.
LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. São Paulo, Brasiliense, 1975.
REZENDE, Maria José de. As contribuições de Celso Furtado para a teoria da mudança
social no Brasil. Plural, São Paulo, n.11: 9-41, 2º sem. 2004.
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