Rocha et al. Insuficiência Cardíaca e Tratamento com VMNI Relato de Caso Rev Bras Cardiol. 2012;25(6):501-503 novembro/dezembro Insuficiência Cardíaca Agudamente Descompensada e o Tratamento com Ventilação Mecânica Não Invasiva Acutely Decompensated Heart Failure and Treatment With Non-Invasive Ventilation Relato de Caso 3 Silvia dos Santos Rocha, Laíne Caroline Vicenzi, Ilmar Kolher, Luis Cláudio Danzmann Resumo Abstract A insuficiência cardíaca (IC) é a via comum da maioria das cardiopatias. A oxigenioterapia por ventilação mecânica não invasiva (VMNI) é baseada em evidências. Este relato de caso descreve um caso de IC e a aplicação da técnica de VMNI no seu tratamento. Paciente com dispneia intensa, taquipneia e alteração dos sinais vitais. Constatou-se quadro de edema agudo de pulmão (EAP) secundário à IC descompensada. Foi instituída terapia medicamentosa e VMNI. O paciente recebeu alta hospitalar 36 horas após. Os trabalhos analisados concluíram que a VMNI é boa opção no tratamento da IC descompensada. Heart failure (HF) is the common pathway of most heart diseases. Oxygen therapy for mechanical non-invasive ventilation (MNIV) is based on evidence. This case report describes a case of HF and application of the MNIV technique for its treatment. A patient with severe dyspnea, tachypnea and alteration of vital signs presented acute edema of the lung secondary to decompensated HF. After drug therapy and MNIV, the patient was discharged after 36 hours. The studies reviewed concluded that MNIV is good option for the treatment of decompensated HF. Palavras-chave: Insuficiência cardíaca; Respiração artificial/métodos; Edema pulmonar; Dispnéia Keywords: Heart failure; Respiration, artificial/methods; Pulmonary edema; Dyspnea Introdução O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil, que é vinculado à Plataforma Brasil, tendo o paciente assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A IC é a via comum da maioria das cardiopatias, é uma síndrome clínica complexa que pode resultar de qualquer distúrbio cardíaco estrutural ou funcional 1. Constitui grave problema de saúde pública, com alta prevalência e grande impacto na morbimortalidade2. A oxigenioterapia por VMNI para o tratamento de pacientes com insuficiência respiratória (IR) é uma ferramenta útil e baseada em evidências, porém se observa sua subutilização no meio médico3-6. Este relato de caso tem o objetivo de descrever um caso de insuficiência cardíaca agudamente descompensada (ICA) e a aplicação da técnica de VMNI no seu tratamento. Relato do Caso Paciente masculino, 68 anos, hipertenso, sem história de cardiopatia, internado em hospital do sul do Brasil, com quadro de dispneia intensa, sudorese profusa, taquipneia, hiperpneia, ansiedade e agitação psicomotora. Apresentava pressão arterial sistêmica (PA) = 190x100mmHg, frequência cardíaca (FC) = 120bpm, saturação de oxigênio Universidade Luterana do Brasil - Faculdade de Medicina - Canoas, RS - Brasil Correspondência: Silvia dos Santos Rocha E-mail: [email protected] Rua Dezessete de Junho, 934 ap. 508 - Menino Deus - 90110-170 - Porto Alegre, RS - Brasil Recebido em: 21/08/2012 | Aceito em: 10/10/2012 501 Rev Bras Cardiol. 2012;25(6):501-503 novembro/dezembro tecidual (SatO 2) = 82% e frequência respiratória ( F R ) =34irpm, ausculta respiratória e exame cardiovascular sugestivos de congestão. O paciente foi levado à UTI e manejado inicialmente com oxigênio com 3l/min por cateter nasal, furosemida 40mg intravenosa, dinitrato de isossorbida 5mg sublingual e infusão intravenosa contínua de nitroprussiato de sódio 0,3µg/kg/min, sendo aumentada gradativamente até 1µg/kg/min. Radiografia do tórax (Figura 1) revelava congestão intersticial e o eletrocardiograma sinais de sobrecarga das câmaras esquerdas. Após 30min o paciente ainda apresentava intensa dispneia associada à fadiga da musculatura respiratória e piora da SatO2. Foi então instituída a VMNI com a estratégia de duplo-nível de pressão positiva (BIPAP). Nos 30min seguintes observou-se redução quase que total da sensação de dispneia, melhora da SatO2, sendo a FC e a FR normalizadas. Após duas horas da instituição do tratamento, já não havia mais necessidade da infusão de nitroprussiato de sódio e da VMNI, permanecendo o paciente somente com oxigênio por cateter nasal. Rocha et al. Insuficiência Cardíaca e Tratamento com VMNI Relato de Caso Discussão A ICA com PA elevada, como a apresentada pelo paciente, é mais comum no primeiro episódio de EAP, com os sintomas como dispneia e hipoxemia aparecendo de forma rápida. A elevação da PA determina aumento da pós-carga do ventrículo esquerdo, levando à descompensação clínica congestiva1. Com a formação do edema intersticial pulmonar, a troca de gases é bastante comprometida, com hipoxemia grave e muitas vezes, hipocapnia. O desconforto e o trabalho de respiração aumentados estabelecem uma carga adicional ao coração e a função cardíaca se torna deprimida também pela hipóxia miocárdica6,7. No caso relatado, foi observado IR e descompensação cardíaca grave; ciclos assim, se não interrompidos, podem determinar complicações fatais6,7. O quadro de IR apresentado na ICA, muitas vezes, torna necessária a intubação orotraqueal e ventilação mecânica invasiva (VMI), aumentando ainda mais a morbidade desses pacientes, devido as complicações associadas ao uso dessa técnica8. Barros et al.6 observaram melhora da FR e da SatO2 devido ao aumento do volume e da complacência pulmonar, gerando redistribuição do líquido alveolar, favorecendo a troca gasosa, aumentando a reserva de oxigênio arterial e diminuindo significativamente o trabalho respiratório, com queda da resistência inspiratória e aumento da pressão média das vias aéreas7. Figura 1 Radiografia do tórax do paciente relatado, revelando congestão intersticial. Iniciou-se então, por via oral, maleato de enalapril 10mg 2x/dia, dinitrato de isossorbida 40mg 3x/dia, furosemida 40mg 2x/dia, hidralazina 50mg 3x/dia, com estabilização do quadro. O paciente teve alta hospitalar 36 horas após, estabilizado, encaminhado para investigação cardíaca adicional e manejo ambulatorial na mesma cidade. 502 Gray et al.8 descrevem que a VMNI induz à melhora mais rápida do desconforto respiratório e do distúrbio metabólico, comparada ao uso isolado de oxigenioterapia, além de produzir maior redução da FR, da angústia e da dispneia 5. Estudo recente observou a segurança da técnica, resolução do desconforto respiratório e da dispneia e redução do pH e hipercapnia5. Murray et al.9 descreveram recentemente que a VMNI alivia a dispneia e melhora as medidas fisiológicas na congestão pulmonar, recomendando o seu uso em pacientes com EAP e IR ou que não respondem à terapia farmacológica padrão isolada, porém relatam que esta não reduz as taxas de mortalidade quando comparada com a terapia medicamentosa padrão9. Rocha et al. Insuficiência Cardíaca e Tratamento com VMNI Relato de Caso A melhor oxigenação, a redução do trabalho respiratório e a melhora do desempenho cardíaco são as metas principais do uso da VMNI no EAP, servindo como parâmetros, juntamente, com as respostas hemodinâmicas para avaliação e predição do tempo de uso da VMNI. A necessidade de incremento da fração inspirada de oxigênio, a piora da FR e da acidose respiratória, deterioração do estado mental, instabilidade hemodinâmica, aparecimento de algum dos critérios de contraindicação e ainda intolerância à técnica traduzem falha da terapia com VMNI, devendo esta ser descontinuada e a intubação orotraqueal considerada. A maioria dos trabalhos analisados concluiu pela recomendação do uso da VMNI, que deve ser considerada como terapia adjuvante em pacientes com infarto agudo do miocárdio grave, ICA, na presença de IR grave ou quando não há melhora dos sintomas com o uso individual da terapia farmacológica padrão6,7. É possível concluir que a VMNI é uma boa forma de se proceder no manejo da ICA, fazendo com que haja reversão dos quadros de IR, hipoxemia e das alterações metabólicas, diminuindo as taxas de intubação e o uso de VMI, considerando-se que não reduz as taxas de mortalidade5-7,9. Apesar das comprovações e resultados positivos, a VMNI ainda é subutilizada, fato que pode ser explicado pela falta de conhecimento da técnica, maior dificuldade na aplicação da mesma e devido à necessidade de monitorização constante para o seu sucesso. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica Este artigo representa parte do Trabalho de Conclusão do Curso em Medicina de Silvia dos Santos Rocha pela Universidade Luterana do Brasil (RS). Rev Bras Cardiol. 2012;25(6):501-503 novembro/dezembro Referências 1. Libby P, Bonow RO, Mann DL, Zipes DP, eds. 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