UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS DOUTORADO EM EDUCAÇÃO CLAUDIO LUIS DE ALVARENGA BARBOSA A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NITERÓI 2005 CLAUDIO LUIS DE ALVARENGA BARBOSA A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Tese apresentada ao Curso de PósGraduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de concentração: Cotidiano Escolar. Orientadora: Profª Drª MARY RANGEL Niterói 2005 B239 Barbosa, Claudio Luis de Alvarenga. A filosofia no ensino médio e suas representações sociais / Claudio Luis de Alvarenga Barbosa. – 2005. 181 f. Orientador: Mary Rangel. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, 2005. Bibliografia: f. 166-178. 1. Filosofia (Ensino médio). 2. Representação (Filosofia). 3. Educação - Filosofia. I. Rangel, Mary. II. Universidade Federal Fluminense. III. Título. CDD 107 CLAUDIO LUIS DE ALVARENGA BARBOSA A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Tese apresentada ao Curso de PósGraduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de concentração: Cotidiano Escolar. Aprovada em ___ /___ / ______ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________ Profª Drª Mary Rangel – Orientadora Universidade Federal Fluminense _____________________________________________________ Profº Drº Andre Bessadas Penna-Firme Universidade Federal do Rio de Janeiro _____________________________________________________ Profº Drº Antonio Mauro Muanis de Castro Universidade Gama Filho _____________________________________________________ Profª Drª Ilma Passos Alencastro Veiga Universidade de Brasília _____________________________________________________ Profº Drº Reuber Gerbassi Scofano Universidade Federal do Rio de Janeiro Niterói 2005 AGRADECIMENTOS À professora Mary Rangel – minha orientadora –, que com tanta dedicação, acreditou em meu potencial muito mais do que eu próprio acreditava, levando-me a superar minhas próprias limitações; Aos professores André Penna-Firme, Reuber Scofano, Ilma Veiga, Sebastião Votre e Sheila Neiva pelas importantes contribuições que deram a esta pesquisa; À minha companheira Deleide e aos meus pais Antonio e Lenira, antes de qualquer coisa pelo amor que têm por mim, e pela compreensão que tiveram ao perceberem o tempo que deixei de dedicar a eles durante a execução deste trabalho; Aos meus irmãos André e Fernando, amigos de todas as horas, pelo constante estímulo ao meu crescimento como ser humano; Aos amigos da ETESC (FAETEC), Antonio Mauro Muanis de Castro, Telma Maria Rego, Flavia Machado, Regina V. Moreira, Jufar Esteves, Carlos Evandro Viana e Marcelo Costa, com os quais tive oportunidade de debater importantes questões relativas ao cotidiano escolar; Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF, por tudo que fizeram, direta ou indiretamente, para que este curso fosse concluído com sucesso. “Até então não é possível aprender qualquer filosofia; pois onde esta se encontra, quem a possui e segundo quais características se pode reconhecê-la? Só é possível aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razão, fazendo-a seguir os seus princípios universais em certas tentativas filosóficas já existentes” (KANT, 1980, p. 407). SUMÁRIO AGRADECIMENTOS 2 EPÍGRAFE 3 RESUMO EM VERNÁCULO 6 ABSTRACT 7 1 INTRODUÇÃO 8 2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DO ENSINO DE FILOSOFIA 22 2.1 ENSINO DE FILOSOFIA NO BRASIL: DOS JESUÍTAS AOS MILITARES 22 2.2 A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 33 3 ELEMENTOS PARA UMA DISCUSSÃO SOBRE A FILOSOFIA E SEU ENSINO 42 3.1 UM OLHAR SOBRE A FILOSOFIA E A QUESTÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR 44 3.2 DIDÁTICA DA FILOSOFIA: UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO 60 4 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL COMO PERSPECTIVA DE ESTUDO 83 4.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL NA PESQUISA EDUCACIONAL 4.2 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS (TRS) 5 METODOLOGIA DA PESQUISA EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 5.1 PROCEDIMENTOS PARA LEVANTAMENTO DOS DADOS 83 95 109 110 5.2 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DOS DADOS 6 AS DIMENSÕES NA REPRESENTAÇÃO DA FILOSOFIA 119 126 6.1 O DISCURSO DOS PROFESSORES E COORDENADORES PEDAGÓGICOS 127 6.2 O DISCURSO DOS ALUNOS 135 6.3 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA FILOSOFIA 140 7 UM SENTIDO PARA A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO A PARTIR DE SUAS REPRESENTAÇÕES: CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS 149 BIBLIOGRAFIA 166 ANEXO 1 (COLETA DE DADOS – ALUNO) 179 ANEXO 2 (COLETA DE DADOS – PROFESSOR) 180 ANEXO 3 (COLETA DE DADOS – COORDENADOR PEDAGÓGICO) 181 RESUMO Partindo de algumas constatações empíricas iniciais, tivemos oportunidade de perceber que o professor que leciona filosofia no ensino médio tem dificuldade para conseguir despertar em seus alunos o interesse pelo estudo desta disciplina. Apesar de geralmente ocorrer em apenas uma série deste nível de ensino, a filosofia consegue, nesse curto espaço de tempo, gerar um certo desconforto entre o corpo discente que freqüenta as aulas. A partir desta constatação, intuímos que o que parece estar em jogo é a elaboração de representações sociais da filosofia no ensino médio. Dessa forma, ao nos propormos estudar a filosofia no ensino médio utilizando aportes da Teoria de Representação Social (MOSCOVICI, 2003, 2001, 1978), pretendemos identificar conceitos e imagens formadas por alunos, professores do ensino médio e os coordenadores pedagógicos enquanto sujeitos que podem nos oferecer suas percepções. Ao procurarmos obter, através dos sujeitos do processo, representações sociais, nosso interesse é pensar sobre o ensino de filosofia e seus sentidos educacionais, discutindo qual o tipo de filosofia que se pretende trabalhar no ensino médio e para quê fazê-lo. Com os resultados da pesquisa, acreditamos trazer contribuições a professores que se ocupam da filosofia no ensino médio, no interesse de que se consiga compreender a importância dessa disciplina como fator essencial à formação do aluno. Assim, podemos também, demonstrar a importância da presença da filosofia no currículo escolar ABSTRACT Leaving of some verifications empiric initials, we had opportunity to notice that the teacher that teaches philosophy in the medium teaching has difficulty to get to wake up in their students the interest for the study of that discipline. In spite of usually to happen in just a series of that teaching level, the philosophy gets, in that I tan space of time, to generate a certain discomfort among the student body that frequents those classes. Starting from that verification, we sensed that the one that seems be in question it is the elaboration of social representations of the philosophy in the medium teaching. In that way, to inquire into the philosophy in the medium teaching using contributions of the Theory of Social Representation (MOSCOVICI, 2003, 2001, 1978), we intended to identify concepts and images formed by students and teachers of the medium teaching, and their pedagogic coordinators, while subjects that can offer their perceptions. To the we try to obtain, through the subject of the process, those social representations, our interest is to think about philosophy teaching and their education senses, discussing which kind of the philosophy that we intend to teach in the medium teaching and for something to do it. With those data, we believed to bring contributions for teachers that are in charge of of the philosophy in the medium teaching, in the interest that discipline get to understand the importance of that discipline as essential factor to the student's formation. By the way, we can, also, to demonstrate the importance of the presence of that discipline in the school curriculum. 1 INTRODUÇÃO Do ponto de vista oficial, conforme determinado na Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96), o “domínio dos conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania” (BRASIL, 1996, art. 36, § 1º, III) deverá ser uma das aquisições demonstradas pelo aluno ao final do ensino médio. Seguindo essa determinação, na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias do Ensino Médio, foram desenvolvidos “textos específicos de História, Geografia, Sociologia e Filosofia, habitualmente formalizados em disciplinas escolares” (BRASIL, 1999, p.10). Nesse contexto, percebemos que houve por parte do legislador, uma preocupação em se reservar um lugar para os “conhecimentos de filosofia” no mesmo nível de valorização dos conhecimentos de história, geografia ou sociologia. No entanto, o fato de a filosofia ser destacada pelo discurso oficial por si só não é garantia de que os professores que ministram a disciplina no ensino médio consigam justificar a existência dessa área de conhecimento na forma de uma disciplina do currículo escolar. Até porque, apesar de a LDB/96, de certa forma, reconhecer a importância da atividade filosófica na formação do educando, não sustenta que a competência para desenvolver essa atividade seja exclusividade de uma disciplina chamada filosofia; pelo contrário, encarrega a todas as disciplinas do currículo a responsabilidade de fazer com que o educando, ao final do ensino médio, demonstre conhecimentos de filosofia. Em decorrência desse fato, presenciamos um certo descaso em relação à estruturação da filosofia e seu ensino no nível médio. O descaso fica evidente quando, por exemplo, constatamos que existe um número considerável de escolas particulares que não incluem essa disciplina na grade curricular. Em contrapartida, encontramos escolas particulares que oferecem a disciplina filosofia, mas a mesma é ministrada por professores não habilitados, o que contraria a indicação legal de que a formação de docentes de filosofia para atuar na educação básica deva ser feita em nível superior, em curso de licenciatura plena em filosofia (BRASIL, 2002, 1996). Toda essa situação pode tornar-se mais grave pela ausência, mesmo nas escolas que mantêm a disciplina na grade curricular, de um debate permanente sobre a filosofia e suas reais possibilidades de contribuir para o “aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (BRASIL, 1996, art. 35, III), conforme sugerido pela LDB/96. No entanto, mesmo se superássemos os impasses apontados anteriormente, teríamos ainda um outro desafio pela frente: fazer com que o aluno do ensino médio reconhecesse a importância que a filosofia pode ter em sua formação escolar. São bem conhecidas, pelo professor de filosofia, perguntas como: “para que serve a Filosofia?”, “é mesmo necessária esta disciplina ou ela é apenas para mostrar que este colégio tem mais disciplinas do que os outros?”, ou ainda “se filosofia não cai no vestibular, por que temos que estudá-la?” (BRASIL, 1999, p. 87). Ao levantarmos essa problemática, estamos cientes de que alguns professores atuam em escolas cujos alunos aceitam melhor as chamadas 9 “humanidades1”, ou por provir de um meio que valorize essa cultura, ou por ter projetos futuros voltados para a necessidade de dominar esse padrão de cultura. Um exemplo desse interesse, apesar de acreditarmos não ser muito comum no corpo discente do ensino médio, aparece na fala da professora Íris Rodrigues, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, que até 1994 atuava como professora de filosofia no ensino médio. Ao referir-se a essa época, Rodrigues (apud SIQUEIRA, 2003, p. 8) afirma que nunca fez uma prova objetiva para perguntar algo, e que seus alunos “liam trechos da ‘Crítica da Razão Pura’ [de Immanuel Kant] no que dizia respeito às instâncias da sensibilidade e da formação do juízo, e achavam importante2”. No entanto, o bom senso nos induz a tomar o exemplo dado mais como um caso isolado do que como um procedimento habitual. Segundo as estatísticas oficiais do Ministério da Educação (BRASIL, 2004), a maioria dos alunos do ensino médio está matriculado em escolas públicas (87,1% e 87,5% do total de matrículas, em todo o Brasil, em 2002 e 2003, respectivamente), freqüentemente carentes de recursos físicos e humanos. E estes alunos, provavelmente, têm outros interesses ligados a necessidades mais imediatas e, geralmente, não querem “perder tempo” com a chamada cultura erudita, mas querem “saberes práticos”, que os ajude a situar-se no seu mundo real, no mundo do trabalho. Assim, qual o sentido que adquire, ou pode adquirir, o ensino de filosofia para esses alunos? Em vários momentos de nossa prática docente no ensino médio tivemos oportunidade de observar que perguntas relativas à necessidade da filosofia comumente surgem logo nos primeiros contatos que os alunos têm com a 1 “Nome genérico que engloba as línguas e culturas clássicas, [...] a filosofia, a história e as belas artes” (BRASIL, 1999, P. 13). 2 Grifo nosso. 10 disciplina. Assim, a partir de algumas verificações empíricas iniciais — nesse momento ainda baseadas na experiência comum e não metódica — tivemos a oportunidade de perceber que o ensino de filosofia, apesar de geralmente ocorrer em apenas uma série do ensino médio, consegue, nesse curto espaço de tempo, gerar um certo desconforto entre o corpo discente e, em alguns casos, um sentimento de repulsa em relação à disciplina. Não é difícil percebermos, em conversas cotidianas de ambientes sociais diversos (principalmente dentro da escola), reclamações acerca do ensino de filosofia oriundas de pessoas que tiveram contato com a disciplina no ensino médio. Freqüentemente, as reclamações recaem no discurso docente, elaborado em um nível muito complexo — em termos de vocabulário e encadeamento de juízos ou pensamentos — incompatível com o patrimônio cultural já adquirido pelo aluno ao longo de sua escolarização. Algumas vezes, através de longas exposições sobre a vida de filósofos ilustres, o professor relata minúcias que só interessariam a um especialista. Nesse modelo de aula, o aluno é levado a desligar-se de seu mundo real. Nesses casos, o professor procura transmitir o máximo de informações relativas à história de filósofos ilustres e seus grandes sistemas de pensamento sem a preocupação de tornar esses conteúdos compreensíveis e transformá-los em vivência pessoal para os alunos (MORENTE, 1980). Essa perspectiva de ensino da filosofia, conhecida como “abordagem histórica”, ou ainda modelo cronológico eurocentrista (BURGUIÈRE, 1993), parece ser dominante em nossas escolas. Nessa abordagem, que adota o relato como principal metodologia de ensino e fundamenta-se prioritariamente em documentos escritos (de preferência em grego ou alemão), entende-se que a filosofia “parte” da Grécia antiga e “vai”, na maioria das vezes, até a Alemanha 11 ou França do século XX. É interessante observar que, oriundo dos estados europeus mais fortemente centralizados, esse modelo estende-se ao mundo inteiro, mas só trata da filosofia de outros povos quando sua história se cruza com a da Europa. Outros professores, na tentativa de “criarem” uma alternativa para a abordagem histórica e contornarem os problemas que lhe são próprios, acabam adotando uma “abordagem temática” para seu curso de filosofia no ensino médio. Contudo, ao selecionarem os temas que serão trabalhados durante as aulas, prendem-se a questões filosóficas muito específicas, que costumavam ser discutidas em seu próprio curso de graduação em filosofia. Nessa perspectiva, o professor supõe que a filosofia seja uma atividade obscura, colocando o saber filosófico em uma redoma de vidro. Com isso, como já observamos, o professor acaba fazendo de suas aulas uma extensão do curso de graduação, incorrendo no problema de um vocabulário muito específico — de difícil compreensão ao iniciante — inviabilizando ao aluno o acompanhamento das aulas. Todavia, falta a esse tipo de professor o entendimento de que o rigor é essencial para a divulgação de suas idéias, mas rigor, não no sentido de dificultar a compreensão, mas, ao contrário, um rigor filosófico e, ao mesmo tempo didático, no sentido de tornar uma aula fluente (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2002). necessariamente, O ser conhecimento transformado filosófico para se formalizado tornar passível precisa, de ser ensinado/aprendido, ou seja, a obra e o pensamento do “filósofo” não são passíveis de comunicação direta aos alunos da educação básica, pois podem estar tratando de fenômenos que passam despercebidos no cotidiano das pessoas. Essa consideração implica repensar a idéia, que persiste na escola, exercendo forte influência no ensino das diversas disciplinas, de ver nos objetos desse ensino cópias fiéis dos objetos da ciência. 12 Nessas duas abordagens didáticas, o professor que leciona filosofia no ensino médio encontra dificuldades para conseguir despertar em seus alunos o interesse pela disciplina. Assim, caberia indagar: onde está o problema? Por que encontramos alunos que acusam a filosofia de ser uma disciplina inútil3? Onde está a necessidade da filosofia? Em um mundo dominado pela racionalidade científica e técnica, não encontramos alunos perguntando, por exemplo, “para quê matemática ou física?”. Entretanto, estes mesmos alunos consideram natural perguntar “para quê filosofia?” Diante desses empecilhos ao trabalho do professor de filosofia e se compreendermos a didática “como reflexão sistemática e busca de alternativas para os problemas da prática pedagógica” (CANDAU, 1984, p. 12), deveríamos indagar se existe uma didática para o ensino de filosofia. E se existe, quais são então, os problemas da prática pedagógica da filosofia? Talvez, um bom começo na tentativa de responder à questão anterior seria lembrarmos que Immanuel Kant (1724-1804), um dos filósofos que mais profundamente influenciaram a formação da filosofia contemporânea, já afirmava, no século XVIII, que só se ensina de fato a filosofia quando se ensina a filosofar. Para este filósofo, “não é possível aprender qualquer filosofia [...]. Só é possível aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razão, fazendoa seguir os seus princípios universais” (KANT, 1980, p. 407). Além disso, quem leciona filosofia a iniciantes deveria observar que é inexeqüível e ineficaz discutir os vinte e seis séculos de produção filosófica ocidental em apenas um 3 Na verdade a filosofia se compraz em autoproclamar-se conhecimento inútil, tendo em vista que é essa característica que lhe dá liberdade para questionar qualquer tipo de conhecimento ou prática que fragmente o homem. Assim, na luta contra a exacerbação da racionalidade científica e técnica “a sabedoria inútil (a filosofia) recomenda que não se pode ignorar o desenvolvimento técnico, mas a mesma sabedoria deverá ditar as normas de sua utilização, a fim de que a técnica não seja geradora de monstros irreconhecíveis no mundo humano” (CASTRO, 1999, p. 35). 13 encontro semanal durante um ano letivo. No século XX, o filósofo alemão Karl Jaspers (1883-1969), ao acreditar que “tão logo se filosofa, entra-se em contato com os grandes temas da filosofia” (JASPERS, 1965, p. 11), parece corroborar com a concepção kantiana. Mas em que momento, e por qual razão, aqueles que se dedicam ao magistério de filosofia se desviam da atitude kantiana? Segundo Murcho (2002a, p.13) “ensinar filosofia é ensinar a pensar criticamente sobre os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia”. Entretanto, por que encontramos professores que pretendem ensinar apenas tal ou qual sistema filosófico ao aluno, ao invés de também “ensinar-lhe a filosofar” por si mesmo, para que ele saiba pensar com mais clareza, traçar distinções, detectar e evitar erros de raciocínio, avaliar opiniões opostas e, por fim, tomar decisões informadas e refletidas? Segundo Rubens Alves (1982, p. 80): por deformação que lhe é imposta pela vida acadêmica, o filósofo tende a se tornar um profissional do conceito. Ele trabalha dentro de um esquema rígido de divisão de trabalho, na qual a única matéria-prima de que dispõe são idéias [...]. Daí a sua tentação idealista: pensar que a realidade se constrói de cima para baixo, pensamento primeiro, ação depois. Seguindo esta linha de raciocínio, apontada por Rubens Alves, a divisão social do trabalho, entre trabalho intelectual e trabalho manual, e a divisão da sociedade em “classes” criam as condições para a subordinação das formas da consciência social aos interesses de uma determinada classe. Dessa forma, temos nas sociedades modernas de formação econômica capitalista, como é o caso do Brasil, que 14 a organização social tem por base a presença de classes sociais antagônicas, com duas classes proeminentes, a burguesia e o proletariado, sem prejuízo da existência de outros segmentos sociais intermediários com atuação significativa, mas que não chegam a constituir uma classe no sentido estrito (SEVERINO, 1986, p. 52). Procede-se, desse modo, a uma verdadeira inversão das percepções, já explicadas por Karl Marx, quando afirma não ser a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, sua consciência é determinada pelo seu ser social. É nesse nível ideológico — que compreende as idéias filosóficas, sociais, morais, religiosas, políticas em uma formação social historicamente determinada — que se pode ocasionar uma inversão dos fatos da realidade e um desvio dos fatos concretos da vida e suas contradições. Para Marx (1986, p. 37), se “em toda ideologia os homens e suas relações aparecem invertidos como numa câmara escura, tal fenômeno decorre de seu processo histórico de vida [...]. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. O nível ideológico vai estar presente em todas as atividades humanas como elemento de coesão dos indivíduos em suas relações sociais e produtivas. Partindo desse princípio, as teorias de inspiração marxista que tomaram a educação como objeto de suas reflexões mostram a estreita vinculação entre as condições históricas de produção e intercâmbio dos bens materiais da sociedade e a educação. Em consonância com essa perspectiva marxista (embora reconhecendo-se as fragilidades e as relativizações necessárias), observa-se que a educação não acontece de forma espontânea no contexto social; ela é regulamentada e deve acontecer de acordo com um conjunto de regras definidas e impostas pelo Estado. Ou seja, “o processo educacional desenvolve-se na sociedade supostamente de acordo com normas jurídicas, dispositivos legais elaborados e 15 impostos pelo poder político-burocrático encarnado pelo Estado” (SEVERINO, 1986, p. 54). Se a própria escola, enquanto instituição, tem sua prática regulamentada pelo poder oficial, a disciplina filosofia aparece nesse contexto como um dos elementos componentes da estrutura social e seus condicionantes ideológicos. Segundo Severino (ibid., p. 55) “a legislação é um veículo adequado à transmissão da ideologia, enquanto concepção do mundo, para as instituições e práticas educacionais. Ela serve de ponte entre as concepções ideológicas dominantes e o aparelho escolar”. Sendo assim, mesmo sem inferir de forma definitiva que alguns dos objetivos presentes na legislação educacional podem estar a serviço da legitimação de ideologias, percebemos sinais dessa intenção em diretrizes impostas pelo Estado para a organização dos cursos de licenciatura, de um modo geral, e os de filosofia, especificamente. Aproveitando vários estudos já realizados na área de formação de professores (SOUZA; FERREIRA, 2001; ALVES, 1996; MOREIRA, 1994; PICONEZ, 1991; CARVALHO, 1988), constatamos que os cursos de licenciatura enfrentam problemas crônicos no equacionamento entre formação específica (bacharelado) versus módulo pedagógico (licenciatura). Diante desta constatação, podemos inferir que muitos dos professores de filosofia que atuam no ensino médio são formados em um número considerável de cursos de graduação nos quais há um predomínio, no currículo, de disciplinas do bacharelado. Esses cursos priorizam o aspecto “técnico”, enfatizando o ensino das disciplinas específicas (filosofia da natureza, metafísica, ética, filosofia da história, fenomenologia e outras), geralmente relegando a segundo plano, na formação do professor, o ensino das disciplinas que fazem parte do campo das 16 ciências humanas4 e pedagógicas (psicologia, sociologia da educação, economia, antropologia, didática e outras). A organização do curso de graduação em filosofia, de um modo geral, oferece as opções de formar bacharéis ou licenciados, reforçando uma dicotomia entre ensino e pesquisa, na qual cabe ao bacharel a realização de pesquisas, e ao licenciado a incumbência do ensino de filosofia no nível médio (BRASIL, 2002). Segundo Gallo e Kohan (2001, p.181) em nossas universidades, geralmente se estimula a formação do “alunopesquisador”, considerando-se que as mentes mais “lúcidas” devem estar a serviço da pesquisa e produção filosóficas. [...] Aos que não podem ser “pesquisadores filosóficos” se aconselha que sejam professores de filosofia. Nesse modelo de formação do professor (cristalizado por uma regulamentação oficial), percebemos um certo descaso por parte de alunos e professores do curso de filosofia em relação ao módulo de licenciatura. A dicotomia entre ensino e pesquisa, citada anteriormente, não só pode dificultar aos egressos do curso perceber a relação existente entre filosofia e educação, como também pode gerar uma compreensão equivocada do sentido que pode ser dado à educação, de forma integral e integradora, dentro da sociedade (LUCKESI, 1994). Nessa perspectiva, deixando brechas na formação de indivíduos críticos, autônomos e conscientes de seus atos — objetivos que, acreditamos, deveríamos buscar atingir — a filosofia no ensino médio também parece não conseguir obter resultados, na tentativa de aprimorar ou aproveitar as potencialidades 4 . “Embora seja evidente que toda e qualquer ciência é humana, porque resulta da atividade humana de conhecimento, a expressão ciências humanas refere-se àquelas ciências que têm o próprio ser humano como objeto” (CHAUÍ, 1995, p. 271). 17 intelectuais de seus alunos, possibilitando-lhes um despertar para os problemas filosóficos da vida real. Nas palavras de Almeida e Costa (2004, p. 11), um dos principais objetivos da filosofia, [...] que de resto constitui a melhor justificação para a sua inclusão no plano curricular dos alunos —, é precisamente, o de desenvolver o espírito crítico dos jovens, ajudando-os a pensar por si mesmos e a fazê-lo de forma conseqüente. Com essas últimas considerações, não estamos defendendo a exclusividade da disciplina filosofia como responsável pelo despertar para os problemas filosóficos, pois sabemos que este despertar pode acontecer durante o estudo de qualquer disciplina, ou em função da própria experiência de cada um. Há alguns autores que até mesmo subestimam totalmente o papel da filosofia, como é o caso de Barros (1997, p. 104), ao afirmar que historicamente, a existência ou não da filosofia no currículo do curso secundário não parece ter sido fator preponderante na qualidade deste: parecenos que não decorre da ausência do ensino filosófico o “embotamento do raciocínio” ou a “ausência de espírito crítico” que se detecta provavelmente na maioria de nossos colegiais. Mais maleável que Barros (1997) em sua afirmação, Castanho (1989, p. 24) admite que “ser crítico interessa a qualquer ser humano e não apenas a quem tem aulas de filosofia”; entretanto, reconhece que “tais aulas constituem um momento privilegiado que não pode ser desperdiçado”. Mas, apesar da perplexidade diante do fato de a filosofia — que deveria “ser uma das disciplinas que contribuem para o desenvolvimento do espírito crítico dos alunos” (ALMEIDA; COSTA, 2004, p. 11) — aparentar não estar atendendo plenamente seu provável objetivo, não é esse o único determinante de nosso engajamento com o tema desta pesquisa. Percebemos que o que está em 18 jogo é a elaboração de conhecimentos relativos à filosofia e seu ensino, em nível do senso comum. Nossa apreensão intuitiva desse fenômeno nos levou à construção de um objeto de pesquisa, com que trabalhamos com a categoria geral, entre outras, de representação social. Freqüentemente, as pesquisas em representações sociais têm como um de seus objetivos básicos estudar a produção de conhecimentos em nível do senso comum, sobre problemas contemporâneos decisivos para as relações interpessoais e intergrupais, observando sua influência sobre a conduta social. “Todas as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações. Na realidade é isso que as caracteriza” (MOSCOVICI, 2003, p. 40). Assim, como explicar determinadas posturas referentes à filosofia no ensino médio por parte dos sujeitos envolvidos nesse contexto, sem levar em consideração as relações coletivas que se estabelecem no interior da escola? Nessa perspectiva, “pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação e da cooperação. Representações, obviamente, não são criadas por um indivíduo isoladamente” (ibid., p. 41). Por isso, acreditamos que a conduta social em relação à filosofia na escola possa ser marcada pelos fenômenos de representação social, que são caracteristicamente construídos nos universos consensuais do pensamento (SÁ, 1998). Entretanto, os fenômenos de representação social, por natureza, difusos e multifacetados, ao serem reconstruídos pela pesquisa científica, podem submeter-se a categorias de análise, que os simplificam, ao mesmo tempo em que os insere no universo “reificado” da ciência. Por isso, “há uma simplificação quando passamos do fenômeno [de representação social] ao objeto de pesquisa” (SÁ, 1998, p. 22). 19 Acreditamos portanto, que “a formação e uso das representações sociais nos universos consensuais só são proveitosamente estudadas através de sua construção como objeto de pesquisa no universo reificado da prática científica” (ibid., p. 17), podemos realizar uma simplificação, quando passamos do fenômeno ao objeto de pesquisa. Cientes desse possível limite, mas confiantes na pesquisa de representações, vamos discutir a filosofia no ensino médio através da representação social dos sujeitos que a realizam: professores e alunos. Assim, a filosofia no ensino médio poderá tornar-se mais compreensível em seus elementos de processo. Nesse sentido, não podemos deixar também de levar em consideração que “a pesquisa das representações sociais deve produzir um outro tipo de conhecimento sobre esses fenômenos de saber social” (ibid., p. 22), diferente dos conhecimentos adquiridos em nossa participação involuntária do universo consensual como indivíduos comuns, participantes desse universo. Se tomarmos a acepção mais simples de pesquisa e aceitarmos que pesquisar é responder a perguntas, poderíamos dizer que os fenômenos que balizaram nossa pesquisa encontram-se sintetizados nos seguintes questionamentos iniciais relativos ao ensino da disciplina filosofia na escola de ensino médio: • Professores e alunos têm dificuldades no ensino-aprendizado de filosofia? Em caso positivo, quais? • Existe uma didática para o ensino de filosofia no nível médio? • Se existe uma didática para o ensino de filosofia, qual é, ou deveria ser o seu foco? Diante dessas perguntas, ao nos propormos a estudar a filosofia no ensino médio utilizando aportes da Teoria de Representação Social, pretendemos identificar conceitos e imagens formados por coordenadores pedagógicos, professores e alunos do ensino médio, enquanto sujeitos que podem nos oferecer 20 suas percepções. Nas percepções encontraremos o conteúdo e a estrutura da representação social. Ao procurarmos obter, através dos sujeitos do processo, representações sociais da filosofia no ensino médio, partimos também do princípio de que um grupo que se reúna no interior de uma escola, ao menos uma vez por semana durante um ano letivo, deve elaborar representações. Afinal, sempre há necessidade de estarmos informados sobre o mundo à nossa volta. Além de nos ajustar a ele, precisamos saber como nos comportar, dominá-lo fisicamente ou intelectualmente, identificar e resolver os problemas que se apresentam: é por isso que criamos representações (JODELET, 2001, p. 17). Em suma, nosso interesse é pensar sobre o ensino de filosofia e seus sentidos educacionais, discutindo qual o tipo de filosofia que se pretende trabalhar no ensino médio e para quê fazê-lo. Com esta pesquisa, acreditamos trazer contribuições a professores que se ocupam da filosofia no ensino médio, no interesse de que se consiga compreender a importância dessa disciplina como fator essencial à formação do aluno. Assim, poderemos, também, demonstrar a importância da presença dessa disciplina no currículo escolar. 21 2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DO ENSINO DE FILOSOFIA Neste capítulo, abordaremos alguns pressupostos que podem intervir nos objetivos atribuídos ao ensino de filosofia e na elaboração de justificativas para incluí-la como componente curricular no ensino médio. No que diz respeito ao tema central deste capítulo é importante deixarmos claro que não podemos separar a história do ensino da filosofia da história das idéias filosóficas no Brasil, já que o estudo da primeira pode ser esclarecido ao mesmo tempo em que ajuda a esclarecer a segunda. Dividiremos o capítulo em duas partes. Na primeira parte, faremos uma breve abordagem histórica sobre a filosofia no Brasil e seu ensino, abrangendo o período compreendido entre a chegada dos jesuítas – em 1549, e os anos que antecedem o estabelecimento do regime autoritário imposto pelo golpe militar de 1964 (item 2.1). E encerrando o capítulo, na segunda parte, estudaremos a situação do ensino de filosofia no período que se estende desde a Ditadura Militar no Brasil, passando pela abertura política (com o retorno gradativo de direitos políticos e democráticos) no governo de João Batista Figueiredo e a promulgação da Constituição de 1988, até os dias de hoje (item 2.2). 2.1 ENSINO DE FILOSOFIA NO BRASIL: DOS JESUÍTAS AOS MILITARES Apesar de os jesuítas não terem sido os únicos a exercerem atividades educativas no Brasil colonial — já que após 1580 tivemos presente entre nós educadores beneditinos, franciscanos e carmelitas (BARROS, 1997) — foram eles que exerceram o principal papel pedagógico, especialmente nos domínios da filosofia. Durante quase dois séculos de atividades no Brasil, foram os principais cultores do ensino de filosofia. Herdeiros da tradição escolástica, que se caracterizava principalmente pela tentativa de conciliar os dogmas da fé cristã e as verdades reveladas nas Sagradas Escrituras com as doutrinas filosóficas clássicas, os jesuítas tinham em São Tomás de Aquino seu modelo filosófico, fato que se acentua ainda mais a partir de 1639, com uma determinação superior da Companhia de Jesus, que tornava obrigatório para os jesuítas seguirem a doutrina tomista5. À medida que se fixavam em diversas regiões da colônia, foram fundando colégios, onde se lecionava o latim, a filosofia e a teologia. A organização dos estudos pautava-se pelo Ratio Studiorum, conjunto de regras didáticas para os professores da ordem, elaboradas entre 1560 e 1599, que visavam transportar o estudante para um ambiente distinto daquele em que nascera, imergindo-o, inclusive pelo uso sistemático do latim, em uma cultura da Antigüidade clássica devidamente depurada, de modo a moldar o “bom cristão”, preparando-o simultaneamente para a vida em sociedade e para o sacerdócio (VAINFAS, 2000, p. 327). Dessa forma, temos no Ratio não apenas um “conjunto de regras didáticas”, mas as próprias diretrizes e objetivos do ensino de filosofia. Segundo Campos (1998, p. 32), referindo-se ao Ratio, “o ensino da filosofia é estabelecido, em todos os seus ramos, compreendendo a física, metafísica e moral, assim como a matemática”, no entanto, todas essas disciplinas orientavam-se “ao estudo da teologia, ‘mais condizente ao fim peculiar da Companhia de Jesus’, assim como da sagrada escritura e do direito canônico”. 5 “Tomismo – sistema filosófico de São Tomás de Aquino e de seus seguidores, sobretudo sua proposta de conciliar os dogmas do cristianismo com a filosofia de Aristóteles” (JAPIASSU, 1996, p. 261). 23 Inicialmente, quando se fez presente no Brasil colônia, o ensino de filosofia no Brasil se ministrou num nível que poderíamos chamar de secundário (semelhante ao ensino médio atual), já que nos colégios jesuítas situava-se o ensino de três anos de filosofia entre o “ensino de humanidades” (cinco séries) e o de teologia (quatro séries). No que diz respeito à continuidade dos estudos cabe lembrar que somente no Império passamos a ter “escolas superiores” e apenas no século XX conhecemos as universidades. O currículo humanista (ensino de humanidades) formado essencialmente pelo estudo da gramática, humanidades e retórica, tinha no latim e no grego as disciplinas dominantes. O objetivo deste currículo era “levar o aluno a expressar-se perfeitamente, quer por escrito, quer oralmente” (RIBEIRO, 1977, p. 226). O curso de filosofia se desenvolvia em três anos, e seu início se dava após a conclusão do currículo humanista. O currículo filosófico era composto por lógica e introdução às ciências no 1º ano; no 2º ano o aluno estudava cosmologia, psicologia, física e matemática. E no 3º ano estudava-se psicologia, metafísica e filosofia moral. Dentre as regras consignadas no Ratio, comuns a todos os professores das Faculdades Superiores e, sobretudo, na parte referente às regras do professor de filosofia, exigia-se que esse professor tivesse concluído o curso de teologia, a fim de que a doutrina ensinada fosse mais útil e mais segura à própria teologia. Somente após a conclusão do currículo filosófico, ingressava o aluno no currículo teológico, que representava a coroação dos estudos. Esse currículo abrangia quatro anos, e durante esse tempo o aluno estudava teologia escolástica, teologia moral, sagrada escritura e hebreu. 24 No que diz respeito à metodologia de ensino, entendida como os processos didáticos adotados para a transmissão de conhecimentos e os estímulos pedagógicos usados para garantir o êxito do esforço educativo, destacam-se dois aspectos que caracterizam a metodologia jesuíta. Ao organizar o ensino nos cursos vistos acima — humanidades, filosofia e teologia, o Ratio determinava que a preleção do professor deveria ser o centro de gravidade do sistema didático. O segundo aspecto enfatizado era o exercício da memória, onde a competição era incentivada com o intuito de hierarquização da classe e a premiação ocupava lugar de destaque. Aliados a esses dois aspectos, o ensino e a vivência da religião deviam ser o corolário de todo esse processo (RIBEIRO, 1977). Não podemos seguir adiante sem destacar, ainda em relação ao ensino jesuítico no Brasil, sobretudo no que se refere ao ensino de filosofia, que esse ensino, voltado para a lógica formal e para a teologia, se apresentava como um corpo estranho numa sociedade colonial constituída de senhores e escravos. Segundo Ribeiro (1977, p. 233), o ensino de filosofia, limitado à análise e interpretação de textos na sua maioria de Aristóteles e São Tomás e ao levantamento de questões a partir desses textos, não poderia senão desenvolver uma consciência ingênua, em nada contribuindo para formar homens críticos e ligados aos problemas do país. A ênfase nesse currículo se tornava possível porque não perturbava a estrutura vigente. E tinha como uma segunda conseqüência, o distanciamento cada vez maior entre a juventude que se formava nesses colégios e as classes dirigidas. Os egressos dos colégios jesuítas freqüentemente continuavam seus estudos na Europa, voltando mais tarde para constituir a elite intelectual da colônia. Assim, o ensino no Brasil colônia, ministrado pelos jesuítas, assegurava ao governo português a educação de súditos com “uma formação dentro dos 25 moldes de uma obediência política e fidelidade religiosa, com todas as conseqüências” (ibid., p. 235). Com a expulsão dos jesuítas dos domínios de Portugal, decretada em 03 de setembro de 1759 pelo Marquês de Pombal (1699-1782), desfaz-se o monopólio jesuítico sobre o sistema educacional. Mas mesmo após a expulsão dos jesuítas, perdurou no Império e na República o ensino da filosofia aristotélico-tomista, e a educação permaneceu elitista, livresca e desfocada da realidade brasileira. A partir de Pombal, o ensino da filosofia em Portugal e, por conseguinte, no Brasil, ensaiava assumir outros rumos, pautados pelos novos ideais da ilustração. Conquanto, o Iluminismo português, à semelhança do italiano, era basicamente “cristão e católico” (BARROS, 1997). Mas apesar de o acanhado movimento ilustrado lusitano ter uma conotação italiana, antes que inglesa ou francesa, não podemos deixar de assinalar a crescente influência francesa no plano das idéias filosóficas, que conseqüentemente se fez sentir também no ensino da filosofia. Esse ensino — no que diz respeito à sua propagação no final do século XVIII e início do XIX — além das aulas régias, ministradas somente no Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, encontra lugar em diferentes instituições confessionais. Segundo Barros (1997, p. 86), “o conteúdo do ensino filosófico, excetuada a eventual influência mal assimilada do kantismo [...], era dominantemente empirista, com toques ecléticos”, numa clara tendência a combinar pensadores diversos. Ainda no que diz respeito ao ensino filosófico, ao lado desse ecletismo, que subordinava o empirismo a um certo grau de espiritualismo, florescia no 26 então Reino-Unido (1815-1822) e posteriormente nos anos iniciais do nosso Império, o sensualismo de Condillac (1715-1780), doutrina segundo a qual a mente é uma tábula rasa, sendo as nossas sensações a origem de todos os nossos conhecimentos e faculdades. Assim, a filosofia ensinada nas escolas brasileiras, em grande parte era a das “sensações”, pois dentro do pensamento condillaciano “todas as faculdades superiores da mente, incluindo a abstração, nada mais seriam do que transformações das sensações originárias” (JAPIASSU, 1996, p. 50). Como em todo país recém independente, os políticos do Primeiro Império voltaram suas primeiras preocupações pedagógicas para o ensino superior. Afinal, era necessário organizar o Brasil independente, garantindo-lhe uma estrutura jurídica e um mínimo de condições para resolução dos problemas da área de saúde. Como conseqüência dessas preocupações, tivemos a criação das Faculdades de Direito (Olinda e São Paulo) e das Faculdades de Medicina (Rio de Janeiro e Bahia). Segundo Aranha (1998a, p. 3), com a criação dos cursos jurídicos no Brasil, na década de 1820, a filosofia torna-se um preceito no ensino médio, “como pré-requisito para o ingresso ao curso superior, reforçando o caráter propedêutico que sempre marcou o secundário”. No que diz respeito não apenas ao ensino secundário de filosofia, mas também ao ensino secundário como um todo, a criação do Colégio de Pedro II (1837) foi um marco fundamental na educação do Império. Apesar de o ensino secundário do Pedro II ter sido concebido como via de ingresso ao ensino superior, servindo de modelo para colégios ou para a organização dos preparatórios e exames parcelados, foi “na Corte, o único estabelecimento desse gênero supervisionado pelo Ministério do Império, a quem competia zelar pelos interesses da instrução pública na Corte e nas Províncias” (HAIDAR apud BARROS, 1997, p. 90). 27 Em sua história de “escola padrão”, o Colégio Pedro II passa por várias reformas estatutárias. Em seu primeiro regulamento (1838) estabeleceu-se além de duas séries elementares, mais seis séries, onde a filosofia aparecia nas duas últimas, com dez aulas semanais em cada uma. Com a reforma de 1841, a filosofia perde importância, pois apesar do acréscimo de um ano aos seis já existentes, ela continuou a ser ensinada nas duas últimas séries, mas com apenas cinco aulas semanais em cada. Essa situação melhora quando, pelo regulamento de 1855, a filosofia passa a ser ensinada nos três últimos anos, tendo como conteúdo programático “filosofia racional e moral”, “sistemas comparados” e “história da filosofia”. Na reforma de 1862, a filosofia reduz-se novamente a dois anos, passando para um ano com a reforma de 1876. Em 1883, Sílvio Romero (1851-1914) nos legou uma importante contribuição com a publicação de um texto no qual critica o programa de filosofia no ensino secundário, que era o programa do Colégio Pedro II. Nesse trabalho, que tem por justo título “A filosofia e o ensino secundário”, Silvio Romero protesta contra a inclusão da ontologia, da teodicéia, da moral e de outras matérias num curso de filosofia elementar. Em contrapartida, defende que a filosofia no curso secundário deveria reduzir-se ao que chamava de “lógica formal e real”, visando dotar o aluno do “conhecimento prático das leis e regras do raciocínio, a posse dos métodos, e da sua aplicação aos diferentes ramos das ciências” (ROMERO apud BARROS, 1997, p. 95). Ao nos aproximarmos do período republicano, constatamos que a história oficial do ensino secundário público no Império reduziu-se à história do Colégio Pedro II, e no que diz respeito à filosofia, vemos que a mesma foi marcada pelo “espiritualismo eclético, que representava, na época, o pensamento oficial 28 hegemônico, suporte ideológico do governo monárquico de Pedro II” (REZENDE, 1998, p. 234). Um fato marcante na República foi a inclusão da filosofia na lista de disciplinas relacionadas para os exames gerais de preparatórios, realizados em agosto de 1890. Entretanto, em novembro do mesmo ano, um decreto reorganiza o Ginásio Nacional — nova designação dada pelos primeiros republicanos ao Colégio Pedro II — excluindo “do enciclopédico currículo, distribuído por sete anos, o ensino da filosofia” (BARROS, 1997, p. 97). Apesar de a filosofia não constar nesse currículo, temos a presença de algumas disciplinas que formam o eixo da filosofia oficial dos republicanos, ou seja, o positivismo de Augusto Comte (1798-1857). Após alguns anos de ausência da filosofia no currículo, uma nova reformulação do regulamento do Ginásio Nacional, realizada em março de 1898, reintroduz a disciplina sob a forma de história da filosofia, a ser ministrada no 7º ano do curso clássico. Mas já no ano seguinte, em 1899, durante o governo de Campos Salles, nos aproximamos muito das idéias defendidas por Silvio Romero em seu trabalho de 1883, quando pelo Decreto nº 3251 de 08 de abril de 1899, impõe-se outro regulamento ao Ginásio Nacional, reduzindo o curso de sete para seis anos, ao mesmo tempo em que substituía a história da filosofia pela lógica. O que percebemos no decorrer desse longo período — da expulsão dos jesuítas (1759) ao final do século XIX — é que mesmo quando o ensino se desvencilhava da influência religiosa, continuava atrelado ao gosto pelo verbalismo e memorização. O ensino geral e o de filosofia continuavam “estimulados pelo ideal de enciclopedismo e erudição e pela valorização do pensamento europeu” (ARANHA, 1998a, p. 3). 29 No início do século XX, o “golpe de misericórdia” na filosofia foi dado por Rivadavia Correia, com a reforma de 1911. Além de ter como ideal a “desoficialização do ensino”, Rivadavia fez com que a filosofia desaparecesse do currículo do Pedro II e do ensino oficial, sendo substituída pela instrução cívica e noções gerais de direito. Em 1915, o ministro Carlos Maximiliano aparece como novo “reformador” ao procurar conter os abusos “desoficializadores” da reforma Rivadavia. Com a reforma de Maximiliano, apesar de reduzir para cinco anos a duração dos estudos do Pedro II, temos uma pequena melhoria em relação ao ensino de filosofia. Pois a filosofia volta ao currículo, mas na qualidade de disciplina optativa. Mas será somente com a reforma João Luiz Alves, realizada em 1925, que a filosofia ganhará um papel de maior relevo. O ensino secundário volta a ser de seis anos, obrigatoriamente seriado, com o estudo da filosofia sendo ministrado no 5º ano (filosofia) e no 6º ano (história da filosofia). Além disso, o ensino secundário é encarado como uma preparação fundamental e geral para a própria vida, qualquer que seja a carreira profissional a ser seguida pelo indivíduo (BARROS, 1997). Com o impacto da Revolução de 1930 e a conseqüente queda da República Velha, as relações de poder entre governo federal e os estados transformaram-se radicalmente, dando início a um período marcado pela progressiva centralização política. Segundo Moraes (1999, p. 197), “a estrutura de ensino, vigente no Brasil até 1930, nunca estivera organizada e integrada em um sistema nacional, isto é, inexistia uma política nacional de educação que subordinasse os sistemas estaduais”. 30 A primeira iniciativa dessa “Revolução” no campo educacional foi a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, que abriu a Francisco Campos as portas para a vida pública na esfera federal como primeiro ministro da Educação e Saúde Pública. À frente desse Ministério, Campos anuncia reformas por meio de uma série de decretos, e pela primeira vez, na história do país, uma reforma atingia ao mesmo tempo os vários níveis de ensino e era imposta a todo o território nacional. Com essa reforma divide-se o curso secundário em dois ciclos, ampliando-o para sete anos. Mas apesar da ampliação do tempo de escolaridade, a filosofia tornava-se ausente tanto no primeiro ciclo, ou fundamental — que passaria a ter cinco anos de duração —, quanto no segundo ciclo, ou complementar, que nada mais era do que um “préuniversitário” de dois anos. Mas em 1942, uma nova reforma realizada sob os cuidados do ministro Gustavo Capanema reduzia o primeiro ciclo do ensino secundário (então denominado ginásio) para quatro anos, e em relação ao segundo ciclo, substituía o “pré-universitário” pelo “colégio” com duração de três anos, subdividido em curso científico (com ênfase em ciências) e curso clássico (com ênfase em humanidades). Com essa reforma, a filosofia reintegra-se de forma obrigatória ao ensino secundário, sendo ministrada na 3ª série do científico (com 4 aulas semanais), e nas 2ª e 3ª séries do clássico (com 3 aulas semanais em cada). Infelizmente, o programa de ensino era inexeqüível, devido ao seu caráter enciclopédico. Além disso, por não ser cobrado na maior parte dos vestibulares, a maioria dos alunos, principalmente nos cursos científicos, geralmente não tinha interesse em estudar filosofia, pois preferiam estudar assuntos que eram cobrados no vestibular (BARROS, 1997). 31 Nesse constante movimento oscilatório, a filosofia voltaria a perder sua obrigatoriedade curricular com a promulgação da Lei 4024/61 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB). Com esta lei, o ensino de filosofia perdia a obrigatoriedade, tornando-se disciplina complementar, ou seja, incorporada mediante indicação de cada Conselho Estadual de Educação. Apesar de poder figurar como disciplina optativa, tanto no ginasial, quanto no colegial, a filosofia, ainda ausente dos vestibulares, praticamente desapareceu do ensino em detrimento de uma ênfase às disciplinas que eram cobradas nos vestibulares. Não resta dúvida de que a possibilidade dada aos estados e aos estabelecimentos de anexarem disciplinas optativas ao currículo mínimo estabelecido pelo Conselho Federal de Educação representou um progresso em matéria de legislação. Mas na prática, “as escolas acabaram compondo o seu currículo de acordo com os recursos materiais e humanos de que já dispunham, ou seja, continuaram mantendo o mesmo currículo de antes” (ROMANELLI, 1978, p. 181). A política educacional desse momento nada mais fez do que continuar enfatizando os princípios liberal-democráticos estabelecidos na Constituição de 1946. Nessa Constituição, estabeleceu-se no artigo 167 que “o ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre a iniciativa privada, respeitadas as leis que o regulem” (apud ROMANELLI, 1978, p. 178). Assim, a iniciativa privada tinha direitos assegurados pela própria Constituição. E foi com base nessa Constituição que se deu a grande discussão, durante treze anos, que culminou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961. Em termos de estrutura organizacional a estrutura tradicional do ensino foi mantida. Com isso, o sistema organizou-se da seguinte forma: 32 1. Ensino pré-primário, composto de escolas maternais e jardins de infância; 2. Ensino primário, de 4 a 6 anos de duração; 3. Ensino médio, subdividido em dois ciclos: o ginasial, com 4 anos de duração e o colegial, com 3 anos de duração. Ambos por sua vez compreendiam o ensino secundário e o ensino técnico (industrial, agrícola, comercial e formação de professores); 4. Ensino superior. Como já foi dito, a filosofia continuava como disciplina complementar do currículo do ciclo colegial no ensino médio. Assim como na Reforma Capanema de 1942, também agora, na LDB 4024/61, a filosofia perdia o seu caráter de obrigatoriedade. Mais tarde, sem qualquer intuito de modificar a situação do ensino de filosofia, a reforma consubstanciada pelo governo militar, na Lei nº 5692/71, veio apenas ratificar o descaso para com essa disciplina. 2.2 A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Com o golpe militar de 64, restringiu-se mais o campo do ensino de filosofia. Através da Lei 5692/71, o governo militar faz a “reforma do ensino” e cria a obrigatoriedade do 2º grau profissionalizante: “O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania”. Posteriormente a Lei 7044/82 retirou o termo “qualificação”, colocando em seu lugar a “preparação” para o trabalho. A reforma de 1971, modificando a estrutura organizacional da Lei 4024/61, unificou o antigo curso primário (de quatro a seis anos) e o antigo 33 ginásio (de quatro anos) num único curso de 1º grau, com duração de oito anos. Esse curso não mais ofereceria formação profissional, como o extinto ginásio, ficando essa formação a cargo do ensino de 2º grau, nova denominação dada ao antigo colegial (de três anos). Apesar de essa lei aumentar o número de matérias obrigatórias, a situação da filosofia não melhorou em relação à lei anterior (4024/61). Como conseqüência da imposição de um núcleo comum e de matérias obrigatórias abrangendo dez conteúdos específicos — um de comunicação e expressão (língua portuguesa); três de estudos sociais (geografia, história e organização social e política do Brasil); dois de ciências (matemática e ciências físicas e biológicas); e ainda as atividades exigidas no art. 7º da Lei 5692/71 (educação física, educação artística, educação moral e cívica e programas de saúde) —, a liberdade dos sistemas de ensino e estabelecimentos de introduzirem outras matérias ficou prejudicada (Resolução nº 08 de 01/12/1971). Disciplinas mais favoráveis a ações reflexivas e propensas à discussão crítica, como filosofia, sociologia e psicologia, na prática, desapareceram dos currículos do 2º grau. A fragmentação do conhecimento científico, a descaracterização das ciências humanas, a substituição de história e geografia por “estudos sociais”, a criação da licenciatura curta, e ainda a potencial supressão do ensino de filosofia, que ocorreu de fato com o seu banimento do chamado “núcleo comum” dos currículos do 2º grau, foram algumas das principais conseqüências da Lei 5692/71. Retira-se a filosofia, mas consolida-se a inclusão da “educação moral e cívica” e “organização social e política do Brasil”, duas disciplinas de caráter obrigatório que serviram de sustentáculo ideológico do regime militar instaurado em 1964, pois que, entre outras finalidades, faziam propaganda do regime de exceção. Tinham por objetivo transmitir uma ideologia da submissão e da obediência cega às leis: o que interessava era a segurança do Estado. 34 Ausente do núcleo comum, e não contemplada entre as atividades exigidas no art. 7º da Lei 5692/71 (parte mínima e obrigatória dos currículos), a filosofia não fazia parte do conjunto de matérias que deveriam imprimir no currículo o caráter de unidade nacional. Em 1976, com a promulgação da Portaria nº 790, de 22 de outubro, a filosofia sofre mais um golpe. Enquanto a Portaria nº 341/656, em seu art. 1º, dispõe que aos licenciados em filosofia será concedido “registro em Filosofia e Psicologia, Sociologia ou Estudos Sociais e História, se cada uma dessas matérias figurar no currículo” (inciso 1), a Portaria 790/76 restringe ainda mais as chances de ingresso no mercado de trabalho dos licenciados em filosofia, quando determina que aos licenciados em filosofia seria efetuado Registro de Professor apenas em “Filosofia no 2º grau”, revogando as disposições em contrário. Além de um núcleo comum obrigatório e das atividades prescritas no art. 7º, a Lei 5692/71 determinava que os currículos do ensino de 1º e 2º graus deveriam ter também uma “parte diversificada” para atendimento às peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos (art. 4º). Cada estabelecimento de ensino poderia escolher livremente, para formar a parte diversificada de seu currículo, algumas das matérias da vasta relação sugerida pelo respectivo Conselho Estadual de Educação. Ou, mediante aprovação do competente Conselho de Educação de sua jurisdição, no caso de o estabelecimento de ensino querer incluir estudos não decorrentes de matérias relacionadas. Além disso, as matérias destinadas às habilitações profissionais obrigatórias do 2º grau eram também definidas como parte diversificada. 6 Vigorava apenas para os licenciados em ciências sociais, história, geografia e filosofia que tinham concluído o curso ou viessem a concluí-lo até o final de 1976. 35 Com uma grade curricular tão “inchada”, não havia por parte dos estabelecimentos de ensino — principalmente os de 2º grau, por conta da profissionalização obrigatória — interesse em incluir a filosofia como matéria da parte diversificada do currículo. Assim, excluída dos currículos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, e tendo seu campo de atuação profissional reduzido a uma disciplina relegada ao ostracismo, fica nítida a intenção do governo militar tentar imobilizar o alcance político do ensino de filosofia. Pois esse alcance político se articula no nível de um confronto mais amplo, no embate entre a tentativa de instrumentalização da sociedade em função de um determinado projeto econômico e político (desenvolvimento e modernização associados a uma gestão tecnocrática da sociedade avalizada pelas forças armadas) e, de outro lado, o desejo [...] de ativação do tecido social e de criação de uma consciência de cidadania” (CARDOSO, 1986, p. 70). Com o início da chamada “abertura”, não obstante ter se caracterizado por ser lenta e gradual, por volta de fins da década de 70, o quadro político do país começou a mudar. Em 1978, constitui-se o Comitê Brasileiro pela Anistia, cujo objetivo era trazer de volta os que foram desterrados pelo regime militar. Em apoio a esse movimento, várias entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Comissão de Justiça e Paz da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), entre outras, manifestaram-se em prol da anistia e da volta ao estado de direito no país. No início dos anos 80, parecia haver um esgotamento do autoritarismo militar no Brasil. A partir de 1983, por força da Lei 7044, de 18 de outubro de 1982, os estabelecimentos de ensino ficaram liberados da obrigatoriedade de oferecer a habilitação profissional imposta pela Lei 5692/71. 36 Apesar de evidentes conquistas políticas desse período — reforma partidária (1979); eleições diretas para governadores (1982); eleições para deputados e senadores (1986) —, será a partir da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, em fevereiro de 1987, que assistimos a intensos debates no campo educacional. Depois de quase dois anos de trabalho da Assembléia, presidida pelo Deputado Ulysses Guimarães, foi promulgada a nova Constituição brasileira, em 05 de outubro de 1988. Ela trouxe o reconhecimento do direito de voto aos analfabetos, do direito de greve, a oficialização do fim da censura e tornou a tortura crime inafiançável, entre outras mudanças. Em relação à educação, incluiu parcialmente os princípios propostos pelo Fórum da Educação na Constituinte. Princípios que sem dúvida, representam avanços em relação aos textos constitucionais anteriores. Com a promulgação de uma nova Constituição Federal, tornou-se necessário uma nova lei geral da educação, que compatibilizasse a Educação com a Carta Magna. Já em 1988 surgiu o primeiro projeto completo de uma nova LDB: o Projeto de Lei nº 1258/88. A redação desse projeto, que data de 1993, determinava em seu Art. 48 que a filosofia e a sociologia seriam incluídas como disciplinas obrigatórias do currículo do ensino médio — nova designação que substitui o antigo 2º grau. Assim, “o currículo do ensino médio observará [...] as seguintes diretrizes: [...] IV – serão incluídas a filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatórias” (PL 1258/88 apud BRZEZINSKI, 1998, p. 253). Mas como nesse período a citada obrigatoriedade estava ainda em forma de projeto, a única possibilidade concreta de inclusão da filosofia no currículo de 2º grau continuava vinculada à parte diversificada permitida pela Lei 5692/71, ainda em vigor naquele momento. Numa espécie de compensação 37 pelos anos de dilapidação oficial, a Portaria nº 399, de 28 de junho de 1989, amplia o campo de atuação dos professores dessa disciplina. Por esta portaria, aos licenciados em filosofia seria concedido registro de professor de “filosofia no 2º grau, psicologia e sociologia no 2º grau e história no 1º e 2º graus”. Durante seis anos, um laborioso processo de elaboração de uma Lei de Diretrizes e Bases para a Educação mobilizou literalmente segmentos amplos e numerosos da sociedade brasileira. Muitas emendas foram apresentadas ao texto inicial do Projeto de Lei nº 1258/88, até que desse processo resultou o projeto final que foi enviado pela Câmara ao Senado em 1994. Mas em 1995 presenciamos o anúncio da relatoria do Senador Darcy Ribeiro de um outro projeto, gestado no MEC, com um eixo orientador diferente do projeto vindo da Câmara. O Senador Darcy Ribeiro havia apresentado um projeto próprio, em maio de 1992, que vinha tramitando de forma paralela e independente ao da Câmara. Tendo sua aprovação final no Senado, em fevereiro de 1996 — mediante um conjunto de manobras regimentais — o projeto do Senador transformou-se finalmente na nova Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional (LDB) — Lei nº 9394/96, sancionada pelo Presidente da República em 20 de dezembro de 1996. Nessa nova LDB (Lei nº 9394/96) — ao contrário do projeto inicial (PL nº 1258/88) — a filosofia não aparece como obrigatória, e nem mesmo como disciplina, mas apenas como domínio do conhecimento, necessário ao exercício da cidadania para os egressos do ensino médio. Com a promulgação da LDB 9394/96, temos algumas referências, que de alguma forma, dizem respeito à filosofia. Ao lermos o art. 22 desta lei, vemos que a “educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania” (BRASIL, 1996). Logo em 38 seguida, temos que os conteúdos curriculares para a educação básica observarão, entre outras, a seguinte diretriz: “I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática” (BRASIL, 1996, art. 27), bem como recomenda no art. 35, que o ensino médio terá como finalidade “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (BRASIL, 1996). Após lermos essas citações, não é difícil percebermos que se esses objetivos deveriam ser visados por qualquer disciplina, com maior razão, a filosofia teria condições de abordá-los explicitamente; tomando-os como conteúdo de seu programa. Como vimos anteriormente, apesar de não aparecer recomendada como uma disciplina, temos uma referência explícita à filosofia, quando no art. 36, § 1º, recomenda-se que “os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: [...] III – domínio dos conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania” (BRASIL, 1996). Numa tímida tentativa de regulamentar a situação da filosofia no cenário educacional do país, no ano de 2000, o Deputado Federal Roque Zimmermann (PR) apresentou o Projeto de Lei nº 9/2000, que tornaria obrigatório o ensino da filosofia no ensino médio, complementando o texto da LDB (art. 36), que apenas sugere o desenvolvimento de conteúdos filosóficos. Tal projeto tramitou no Senado Federal até ser vetado integralmente pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, através do despacho nº 1073, de 08 de outubro de 2001. Segundo esse despacho, o projeto de inclusão da Filosofia e da Sociologia como disciplinas obrigatórias no currículo do ensino médio implicará na constituição de ônus para os Estados 39 e o Distrito Federal, pressupondo a necessidade da criação de cargos para a contratação de professores de tais disciplinas, com a agravante de que, segundo informações da Secretaria de Educação Média e Tecnológica, não há no país formação suficiente de tais profissionais para atender a demanda que advirá caso fosse sancionado o projeto, situações que por si só recomendam que seja vetado na sua totalidade por ser contrário ao interesse público (BRASIL, 2001, p. 6). Utilizando-se de uma tática semelhante à utilizada pelos presidentes militares (1964-1984), o Presidente Fernando Henrique, no mesmo ano em que veta a obrigatoriedade da filosofia, sanciona a Lei nº 103287, de 12 de dezembro de 2001, que transforma a educação física em componente curricular “obrigatório” da educação básica. É interessante notar que a alegação de implicação de ônus para os sistemas de ensino é válida para a filosofia, que pleiteava ser obrigatória no ensino médio, mas o mesmo argumento não vale para a educação física, que se torna obrigatória não apenas para o ensino médio, mas para toda a educação básica. Para o governo militar pós-64, a educação física tinha por principais objetivos desviar a atenção da população dos problemas sociais, políticos e econômicos do país, e ainda desmobilizar os grupos estudantis que tentassem resistir ao ideal governamental8. Nessa época, provavelmente por terem como motivação principal de suas aulas a contínua busca pela verdade, o desvelamento das ideologias e a superação do senso comum, os professores de filosofia foram afastados das salas de aula. Assim como os militares de outrora, nossos atuais líderes políticos — desde a posse do primeiro presidente civil, em 1985, após 21 anos de governos militares — parecem ter consciência de que o 7 Introduz a palavra “obrigatório” após a expressão “curricular”, constante do § 3º do art. 26 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 8 Não estamos aqui fazendo uma crítica sem fundamento à educação física. Mas nossa observação pauta-se em resultados de uma pesquisa realizada sobre representações sociais da educação física escolar (Cf. BARBOSA, 2001). 40 saber e a formação fundamentados na filosofia são mais aptos a introduzir os estudantes no exercício de um pensamento crítico e reflexivo. 41 3 ELEMENTOS PARA UMA DISCUSSÃO SOBRE A FILOSOFIA E SEU ENSINO Após termos visto a trajetória do ensino de filosofia no Brasil, desde a chegada dos jesuítas, em 1549, percebemos que o papel atribuído à filosofia e seu ensino variaram ao sabor dos textos legais. Essa constatação é, no mínimo, motivo de perplexidade, pois antes de ser um assunto a ser tratado no campo legislativo, o papel da educação filosófica deveria ser tratado pela própria filosofia, por conta de seu imanente caráter pedagógico. Não podemos separar o ato de filosofar do compromisso pedagógico da filosofia: “posto que a filosofia é a ciência que nos ensina a viver e que a infância como as outras idades dela pode tirar ensinamentos, por que motivo não lha comunicaremos?” (MONTAIGNE, 1980, p. 83). Por esse prisma, apesar de termos mais de quatro séculos de história da educação brasileira, parece não termos avançado muito no que diz respeito ao pensar filosoficamente o ensino de filosofia. Aliado a este fato, temos a falta de consenso em torno da própria definição de filosofia: se perguntarmos a dez filósofos “o que é filosofia”, ouso dizer que três ficarão em silêncio, três darão respostas pela tangente, e as respostas dos outros quatro vão ser tão desencontradas que só outro filósofo para entender que o silêncio de uns e as respostas dos outros são todas abordagens possíveis à questão proposta. (IGLÉSIAS, 1998, p. 12). Mas isso se dá pelo fato de que perguntar “o que é filosofia?” já é uma questão filosófica. Segundo Morente (1980, p. 23) “só se sabe o que é filosofia quando se é realmente filósofo [...]. Necessitamos ter dela uma vivência”. Quando nos propomos realizar um estudo sobre representações sociais da filosofia no ensino médio, sentimos a necessidade de nos posicionarmos sobre dois pontos fundamentais: de que filosofia estamos falando, e de qual a melhor forma de iniciação à filosofia, para aquele que se propõe, ou se vê obrigado, a estudá-la. Certamente, que ao iniciarmos um estudo como este, já tínhamos em mente uma determinada maneira de entender a filosofia e seu possível ensino, que certamente não coincide com o modelo que criticamos e apresentamos como a situação problema desta pesquisa. Se a busca pela melhor forma de colocar um aluno em contato com a filosofia, por si só já é um grande desafio, muito mais complexa é a tentativa de defini-la. Mas para que pudéssemos encaminhar nossa pesquisa com a segurança necessária a sua realização, discutimos neste capítulo, algumas maneiras de conceber a filosofia e seu ensino — que surgiram ao longo de sua história — na tentativa de justificar o que nós próprios entendemos por filosofia. Ou seja, em relação à filosofia, nos posicionaremos sobre o sentido que aplicamos ao termo quando apreciamos desfavoravelmente uma postura, em detrimento de outra que acreditamos mais adequada. Portanto, cientes da complexidade de conceituar a filosofia, e que não se pode defini-la antes de fazê-la, discutimos neste capítulo um esboço de definição da filosofia (item 3.1) e seu ensino (item 3.2), para que fique clara a matiz seguida em nossa pesquisa. 43 3.1 UM OLHAR SOBRE A FILOSOFIA E A QUESTÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR A palavra filosofia vem do grego philosophía significando “amor à sabedoria” (de phílos: amigo, sophia: sabedoria). Acredita-se que o termo foi cunhado pelo pensador grego Pitágoras, no século VI a.C. Apesar de não ser historicamente segura, essa informação parece ser verdadeira, pois o termo certamente foi criado por alguém com forte inclinação religiosa, como era o caso de Pitágoras9. Ele acreditava que somente aos deuses era possível a posse certa e total do verdadeiro, de uma sofia (sabedoria). Aos homens caberia apenas uma contínua aproximação ao verdadeiro, indicando um amor pelo saber nunca saciado integralmente. Sendo assim, de acordo com sua origem, a filosofia não é sofia em si mesma, mas somente o desejo de possuí-la, a procura por ela: a filosofia representa a procura pela verdade, não sua posse. Desde sua origem, a filosofia se apresenta com algumas características que a diferencia de outras formas de conhecimento, como a ciência e a religião, por exemplo. Dentre essas características podemos notar, no que se refere a seu conteúdo, que a filosofia pretende explicar de forma prioritariamente racional o princípio ou princípios de toda a realidade, ou seja, procura a explicação da totalidade do real no nível do logos10. Segundo Hessen (2000, p. 5), a essência da filosofia se caracterizaria pelas seguintes marcas: “1. a atitude em relação à 9 Pouco se conhece sobre a vida de Pitágoras. Além de não ter deixado documentos escritos, sua vida desde cedo foi envolvida por lendas, ficando difícil separar o que é histórico do que é fantasia. O pouco que se sabe foi relatado por outros pensadores, já que seus ensinamentos eram transmitidos oralmente a seus discípulos que também nada escreveram. Nascido em Samos (ilha grega situada próxima à costa da Turquia) por volta do ano 580 a.C., deixou sua pátria em aproximadamente 540 a.C. e em Crotona (colônia grega do sul da Itália) fundou uma espécie de associação de caráter mais religioso que filosófico. Sua morte deve ter acontecido em torno de 497 a.C. (KUHNEN, 1978). 10 Do grego, significando palavra, estudo, tratado. Em filosofia, geralmente significa o princípio de inteligibilidade; a razão (FERREIRA, 1999; CUNHA, 1986). 44 totalidade dos objetos; 2. o caráter racional, cognoscitivo dessa atitude”. Outra característica essencial da filosofia é a radicalidade, que faz com que a reflexão filosófica apresente-se como indagação sobre a possibilidade do próprio pensamento, organizando-se em torno de um eixo composto por três perguntas: Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que fazemos? No momento em que decidimos lançar um olhar sobre a filosofia e a questão curricular, nos propomos a refletir acerca destas questões. No entanto, o que significa exatamente refletir sobre algo? Poderíamos começar nossa resposta observando que a palavra reflexão vem do verbo latino reflectere, que significa “voltar atrás”. No momento em que o pensar é posto em evidência, tornando-se objeto de reflexão, surgem as condições para a filosofia propriamente dita. Assim, reflexão é um pensamento consciente de si mesmo, capaz de interrogarse a si próprio, e por isso, quase sempre associamos reflexão à reflexão filosófica. Mas o que leva o homem a filosofar? Para Aristóteles (1979, p. 14), “foi, com efeito, pela admiração que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a filosofar, sendo primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredindo em seguida pouco a pouco até resolverem problemas maiores”. Dessa forma, poderíamos dizer que são os problemas que levam o homem a filosofar. Mas não qualquer tipo de problema. O problema filosófico não é apenas uma questão do tipo: qual seu esporte preferido? Também não se caracteriza apenas pelo desconhecimento de algo, como por exemplo, o fato de alguém não saber montar o motor de um automóvel. E por fim, os problemas filosóficos não são apenas obstáculos ou dificuldades, como por exemplo o problema de um professor que pretende exibir um documentário sobre a guerra, mas sua escola não tem um vídeo, nem televisão. Então o que caracteriza o 45 problema filosófico? A necessidade. Ou seja, uma questão cuja resposta se desconhece, mas temos a necessidade de conhecer. Assim, muitos professores de filosofia desconhecem as finalidades sociopolíticas da educação11, por exemplo. No entanto, para um correto entendimento do papel a ser desempenhado pelo ensino de filosofia, o conhecimento das finalidades sociopolíticas da educação não pode ser desconsiderado. A não-percepção da relação entre educação e seu contexto sociopolítico aparece então, como um possível problema filosófico. Levando-se em consideração o que foi discutido até o momento, partimos do princípio de que refletir sobre o ensino de filosofia pressupõe a tentativa de abarcar esse fenômeno de uma só vez, relacionando-o à totalidade da dinâmica social, sem nos limitarmos a explicar partes isoladas desta realidade educacional, ou seja, “relacionando-se o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido” (SAVIANI, 1980, p. 25). Mas o que verificamos na prática cotidiana? Alguns professores tentam entender e interferir nos rumos da filosofia no ensino médio, seguindo os padrões das ciências naturais, que em linhas gerais isolam o aspecto estudado de seu contexto e o analisam separadamente, ou seja, tomam por objeto apenas uma parte da realidade. Assim, discutem sobre o desinteresse demonstrado pelos alunos em relação à filosofia, estudando esse fenômeno de forma isolada, buscando suas causas e efeitos nos próprios alunos, por exemplo. Dentro dessa perspectiva, esses professores encontram várias justificativas para o desinteresse do aluno pela filosofia, tais como: são desinteressados pois não tiveram acesso a um ensino fundamental de qualidade; não têm as condições cognitivas necessárias para uma aprendizagem adequada; possuem alguma deficiência cultural; tiveram professores mal formados etc (SOARES, 1996). 11 Cf. LUCKESI, Cipriano. Filosofia da educação. São Paulo; Cortez, 1994. 46 Não é difícil encontrarmos professores de filosofia que buscam e “apostam” em soluções para os problemas educacionais apresentadas na forma de projetos e/ou determinações oficiais, tais como o FUNDEF, o Bolsa-escola, o programa de renda mínima etc, ou ainda, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), sem inseri-los numa realidade mais ampla, que passaria pela observância da própria forma como os homens se relacionam na produção dos bens materiais. O que esses exemplos têm em comum é o fato de limitarem seus estudos a setores, não adotando assim uma postura condizente com a filosofia, que embora se dirigindo, às vezes, apenas a uma parcela da realidade, não deixa de inseri-la no contexto, examinando a questão em função do conjunto. Portanto, “o conhecimento filosófico, dirigido à totalidade das coisas, é essencialmente distinto do conhecimento das ciências particulares, que vai ao encontro de domínios parciais da realidade” (HESSEN, 2000, p. 10). Não estamos querendo fazer um julgamento apressado desses projetos citados anteriormente, mas queremos apenas deixar claro que numa perspectiva filosófica eles estão atacando apenas efeitos isolados. O fato de uma escola acatar e recomendar que seus professores de filosofia adotem os PCN de “Ciências Humanas e suas Tecnologias”, por exemplo, por si só não é garantia de que se está combatendo os problemas relacionados ao ensino de filosofia. Adotar os PCN é um fenômeno isolado, que ataca um efeito específico de uma causa parcial. Para a filosofia não interessa essa causa parcial, mas a causa primeira que gera esse próprio modelo de sociedade, por exemplo. É difícil resistir à “força” dos discursos apologéticos, repletos de belas palavras de cunho progressista, que às vezes caracterizam os projetos e determinações oficiais. Por essa razão, esses discursos conseguem convencer uma considerável parcela dos professores de filosofia, que por conta de uma 47 possível formação acadêmica deficiente — no que diz respeito à dicotomia entre formação do bacharel versus formação do licenciado, conforme vimos na introdução deste trabalho — se deixam seduzir por esses discursos. E é essa possível deficiência que impede que ocorra no professor a consolidação de uma postura filosófica diante dos fenômenos educacionais que parta de uma análise crítica das realidades sociais. Como já assinalamos anteriormente, ao pretendermos buscar as bases para a reflexão filosófica, não podemos concentrar toda nossa atenção apenas no isolamento de um aspecto da questão de nosso interesse. Mas se em determinadas situações selecionamos um aspecto da realidade para estudo, não podemos deixar de inseri-lo no contexto, examinando o problema numa perspectiva de conjunto. Ou seja, a reflexão filosófica pressupõe a reflexão sobre a totalidade, ver a questão de nosso interesse toda de uma vez, em toda sua complexidade. Segundo Morin (2000, p. 38) a complexidade existe quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo — como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico —, e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. A complexidade faz parte do universo, sendo uma das características mais visíveis da realidade em que estamos inseridos: “tudo está em relação com tudo. Nada está isolado, existindo solitário, de si e para si” (BOFF, 2000, p. 72). Dessa forma, qualquer conhecimento pertinente que se queira produzir deve enfrentar a complexidade. Ao intentarmos assumir uma postura filosófica diante dos fenômenos educacionais (entre os quais os engendrados pelo ensino de filosofia), não se 48 trata apenas de pensar sobre os conteúdos que compõem as disciplinas escolares, por exemplo, mas de refletir sobre a existência das próprias disciplinas e sua relação com a escola e a organização da sociedade. Para essa complexidade própria aos fenômenos educacionais é preciso estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo. Na verdade, “os desenvolvimentos próprios a nossa era planetária nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutável com os desafios da complexidade” (MORIN, 2000, p. 38). Dentro de uma postura condizente com esse contexto, como se daria então a reflexão filosófica relativa à educação em geral, e ao ensino de filosofia especificamente? Em primeiro lugar, “não há pensamento solitário. Certamente, podemos visar à totalidade, ao absoluto, mas o fazemos sempre a partir de certezas estabelecidas no meio ao qual pertencemos” (GUSDORF, 1980, p. 286). Sendo assim, comecemos nossa reflexão levando em consideração que numa formação social como a nossa, ocorre simultaneamente a constituição de várias culturas diferentes, que correspondem aos vários grupos ou classes sociais. Podemos afirmar que uma dessas culturas se impõe às demais — por ser a cultura da classe dominante — transformando-se na cultura dominante. A imposição dessa cultura dominante — que no modo de produção capitalista corresponde à cultura da classe burguesa, classe dos proprietários dos meios de produção social — procura “sufocar” e emudecer as demais culturas através de instituições criadas com essa finalidade, e que, por isso, possuem características apropriadas a cada campo de atuação específico, tais como: político, religioso, educacional etc. Enquanto uma dessas “instituições”, a educação escolar é responsável por uma ação pedagógica que atua num campo específico, ação essa que, em princípio, é a imposição arbitrária da cultura burguesa às demais classes sociais. Sendo assim, num contexto social complexo, como é o caso das sociedades 49 capitalistas contemporâneas, especificamente a brasileira, a educação escolar, e conseqüentemente a filosofia, está intimamente ligada à política cultural, responsável pela legitimação da ação pedagógica da escola (enquanto materialização da educação), que por esta razão tem autoridade para exercer uma inculcação de princípios e valores (ou conteúdos culturais), considerados válidos do ponto de vista da classe burguesa. Mas esses conteúdos culturais “arbitrários” correspondem, na realidade, aos interesses da burguesia. Sendo assim, não podemos, em hipótese alguma, pensar que o currículo — vulgarmente entendido como “o que um professor ensina a seus alunos em determinada disciplina” (BASTOS, 1980, p. 9) — é um conjunto neutro de conhecimentos, que aparece nos textos didáticos e salas de aula do país. Pois na verdade, “ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento” (APPLE, 1994, p. 59). Seguindo o mesmo raciocínio, Moreira e Silva (1994, p. 29) nos apresentam, de forma bem clara, um resumo desse contexto quando afirmam que “o currículo, enquanto definição ‘oficial’ daquilo que conta como conhecimento válido e importante, expressa os interesses dos grupos e classes colocados em vantagem em relações de poder”. Ao analisarmos a história da educação institucionalizada, constatamos que o objetivo de reproduzir a qualificação da força de trabalho, ou como diriam os capitalistas: o objetivo de produzir (novos) cidadãos “acabou sempre implicando em novas e talvez mais sutis formas de regulação e padrões de controle e governo” (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 34). Essas formas de regulação e controle ficam claras para Apple (1994) quando se fala em adoção de um currículo e de um sistema de avaliação nacionais, como está ocorrendo no Brasil 50 (PCN, Saeb, Enem e Provão)12, onde devemos entender que por trás das justificativas educacionais para tal adoção, pode existir uma sutil investida ideológica de um Estado comprometido com a ordem econômica neoliberal. Ora, em tempos de construção de um Estado mínimo13, onde o dinheiro público deve ser prioritariamente desviado para interesses privados, onde o Estado deve reduzir drasticamente os investimentos em gastos sociais, a adoção de um “conjunto padronizado de diretrizes e metas curriculares nacionais é indispensável para ‘elevar o nível’ e fazer com que as escolas sejam responsabilizadas pelo sucesso ou fracasso de seus alunos” (APPLE, 1994, p. 63). Parafraseando Chauí (1993, p. 19) — em sua análise que trata do caso específico da universidade —, os critérios de “produção” educacional não podem ser os mesmos da produção industrial, “pois os seus objetivos de trabalho são diferentes e regidos por lógicas, práticas e finalidades diferentes”. Ou seja, a educação tem um ritmo próprio que a impede de ficar totalmente atrelada à lógica do mercado. Na verdade, a discussão sobre currículo é muito mais complexa do que possa nos parecer a uma primeira avaliação mais superficial do problema. Mesmo que o professor adquira uma consciência crítica e entenda o currículo como uma tradição seletiva e “a escola como mediação entre o individual e o social, exercendo aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno concreto, inserido num contexto de relações sociais” (LUCKESI, 1994, p. 64), ainda assim poderá estar cometendo 12 Saeb = exame aplicado a cada 2 anos da 4ª à 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio tanto de escolas públicas quanto de particulares; Enem = destinado a alunos que concluíram o ensino médio, não sendo obrigatório; Provão = o Exame Nacional de Curso avalia anualmente escolas e formandos de cursos universitários e tem caráter obrigatório. 13 Um Estado mínimo é o Estado ideal para o neoliberalismo: “sem nenhuma interferência na estrutura econômica, na esfera da produção, e sem nenhuma função reguladora” (SODRÉ, 1995, p. 26). 51 um considerável equívoco se essa “transmissão dos conteúdos” estiver atrelada prioritariamente ao conteúdo curricular oficial. O equívoco está justamente no fato de ele tentar relativizar o conteúdo curricular oficial, pois com isso, parte-se de pressupostos não comprovados de que as disciplinas que compõem o que chamamos de currículo são as mais importantes áreas de conhecimento, e por isso, devem ser aprendidas por todos. Para Moreira e Silva (1994, p. 32), a desconstrução da organização curricular existente deve passar necessariamente pelo movimento de “reconhecer a disciplinaridade da presente estrutura curricular não como a tradução lógica e racional de campos de conhecimento, mas como a inscrição e recontextualização desses campos em um contexto em que processos de regulação moral e controle tornam-se centrais”. Karl Popper (1902-1994), um dos mais influentes filósofos da ciência contemporânea, em um pronunciamento sobre a natureza dos problemas filosóficos, elucida muito bem essa questão curricular ao afirmar que a idéia de que a física, a biologia e a arqueologia existem por si mesmas, como campos de estudo ou “disciplinas” distinguíveis entre si pela matéria que investigam, parece-me resíduo da época em que se acreditava que qualquer teoria precisava partir de uma definição do seu próprio conteúdo. Na verdade não é possível distinguir disciplinas em função da matéria de que tratam; elas se distinguem umas das outras em parte por razões históricas e de conveniência administrativa — como a organização do ensino e do corpo docente —, em parte as teorias que formulamos para solucionar nossos problemas têm a tendência de se desenvolver sob a forma de sistemas unificados (POPPER, 1980, p. 96). Portanto, apesar de entender o conteúdo curricular como uma tradição seletiva, muitos professores não percebem que a obrigatoriedade ou não de se ensinar determinadas disciplinas em detrimento de outras em si já parte de uma idéia preconcebida: a necessidade de organizar o conhecimento escolar através 52 de disciplinas. A discussão sobre uma disciplina ser ou não obrigatória se dá a partir da existência da disciplina como uma verdade pré-estabelecida. Diante de toda a cultura universal acumulada, “quem” garante que português, matemática, educação física, história etc. representam o que se tem de mais importante para aprendermos na escola? “Quem montou” esse currículo, e a serviço de quem? Será que estamos esquecendo a lição dos chamados “críticos-reprodutivistas”14, para os quais, do ponto de vista oficial, o papel da escola é garantir sempre o “saber fazer” e o “saber comportar-se”? Segundo Morin (2000, p. 14), “a supremacia do conhecimento fragmentado de acordo com as disciplinas impede freqüentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade, e deve ser substituído por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto”. Com o exposto até o momento, verificamos a estreita relação entre escola e Estado, implícita na discussão sobre a questão curricular. Portanto, se queremos ir à raiz dessa questão — assumindo uma autêntica postura filosófica diante dos fenômenos educacionais —, não devemos restringir nossa discussão à defesa de um “Estado de bem estar social”, que se contraponha a um “Estado mínimo”, ou um Estado Socialista em oposição a um Estado Capitalista. Mas um autêntico filosofar nos conduz primeiramente à reflexão sobre a necessidade ou não do Estado. A própria teoria de Marx tinha como meta final exatamente “a extinção do Estado, que sempre é cooptado pelas classes dominantes. A função da ditadura do proletariado era acabar com o Estado burguês, e pavimentar o caminho para o comunismo, um sistema em que não haveria Estado” (AVENA, 1999, p. 16). Mas como pensar sobre a necessidade ou não do Estado, sem pensar sobre sua origem? É como tentar entender o homem, esquecendo-se que um dia ele foi 14 Cf. LUCKESI, Cipriano. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994. 53 criança. Na verdade, numerosas e variadas teorias (teoria da supremacia de classe, teorias teológico-religiosas, teorias racionalistas) tentam explicar a origem do Estado, cometendo algumas contradições em suas premissas e/ou conclusões, pois a ciência não dispõe de elementos seguros para reconstituir a história das primeiras associações humanas. Por isso, afirmar que o Estado se origina necessariamente, por exemplo, da violência imposta por um grupo humano sobre outro não é recomendável. “Inegável que o Estado pode, muitas vezes, nascer da dominação imposta pela força, mas isso será sempre contingente, poderá ou não ocorrer. O que o cientista poderia afirmar com justiça, sem laborar em erro, seria que um dos modos15 de formação do Estado é a violência, a guerra” (ACQUAVIVA, 1994, p. 12). No entanto, apesar da recomendação anterior, entre as teorias que buscam esclarecer a formação do Estado destaca-se a de Marx e Engels. Segundo Engels (1991, p. 199), “a força de coesão da sociedade civilizada é o Estado, que, em todos os períodos típicos, é exclusivamente o Estado da classe dominante e, de qualquer modo, essencialmente uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada”. Para esses autores, o Estado, assim como o poder político, são frutos da dominação econômica do homem pelo homem. Serve de instrumento de dominação de uma classe sobre outra, atuando como uma ordem coercitiva. De acordo com essa perspectiva, a produção do excedente trouxe consigo a propriedade privada: alguns elementos do grupo, apropriando-se do excedente comunal, puderam também controlar o intercâmbio comercial e, aos poucos, acumular uma riqueza que lhes permitiu imporem-se aos demais membros da comunidade como dirigentes. [...] A propriedade privada engendrou as desigualdades sociais, ou seja, surgiram as classes sociais e um poder, teoricamente colocado acima 15 Grifo nosso. 54 delas, como árbitro dos antagonismos e contradições latentes, mas que, na verdade, defendia a propriedade privada e mantinha o status quo social — esse poder era o Estado (AQUINO, 1980, p. 72). Assim, em relação à questão sobre a necessidade do Estado, podemos afirmar que “o Estado não tem existido eternamente. Houve sociedades que se organizaram sem ele, não tiveram a menor noção do Estado ou de seu poder” (ENGELS, 1991, p. 195). Vejamos: partimos da origem da filosofia, passamos pela filosofia enquanto disciplina curricular e chegamos à questão sobre a origem do Estado. Sabemos que essa discussão ainda é um campo vasto. Mas através do modelo de organização do pensamento filosófico que adotamos para entender a filosofia e a questão curricular, tentamos ilustrar que uma reflexão filosófica, para merecer essa designação, deve ter criticidade, radicalidade e totalidade. Muitas vezes “nos pretendemos” filósofos, mas não vamos à raiz dos problemas, e com isso partimos de determinado pressuposto sem questionar a própria legitimidade desse pressuposto. Segundo Soares (1990, p. 20), “reflexão filosófica é como a raiz de uma planta que busca a origem na profundidade”. Por isso, o conhecimento que não é radical, que não vai à raiz, à origem é a manifestação de uma consciência ingênua. No caso do tema desta parte do trabalho, nosso esforço é no sentido de deixar evidente que o ensino de filosofia não é um fato isolado, e por mais que ele fosse estudado assim (como fato destacado do seu contexto) não se chegaria a uma compreensão (visão total) do problema. Para haver essa compreensão é necessário incluir a filosofia no todo (contexto) do qual ela faz parte. E este todo é o próprio Estado e a organização econômica que o sustenta. 55 A própria dialética, enquanto o “modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação” (KONDER, 1995, p. 8), tem como um de seus princípios que tudo se relaciona, assim, qualquer fenômeno, seja natural ou social, não pode ser explicado isoladamente, sem que levemos em conta sua gênese e causa, inserindo-o numa estrutura mais ampla de fatos que o abrange. Essa forma de perceber a realidade, em permanente transformação onde o conhecimento se dá na interdependência entre as partes e o todo, e vice-versa, onde tudo se relaciona, e onde nada se explica isoladamente, nos dá a própria noção de movimento. Em seu sentido mais geral, o movimento “concebido como forma de existência, como atributo inerente à matéria, compreende todas as transformações e processos que se produzem no Universo, desde as simples mudanças de lugar até a elaboração do pensamento” (ENGELS, 1976, p. 41). Dessa forma, toda a realidade que nos é acessível constitui um sistema, um conjunto de corpos que só pode ser adequadamente compreendida em sua complexidade. Neste sentido, falar sobre possíveis soluções para a tão mencionada “crise no sistema educacional brasileiro”, amparando-se em propostas aparentemente de “última geração” ou em discursos progressistas (como o construtivismo, os PCN, o FUNDEF, o bolsa-escola, a informática na educação, escola de tempo integral, projetos esportivos, educação para o trabalho e tantos outros discursos “modernistas”), em suma, mudando-se os discursos, mas não se questionando nossas concepções sobre o “para quê a educação escolar?”, atende apenas a interesses reformatórios da sociedade capitalista. 56 Na verdade, os professores progressistas16 com seus discursos revolucionários, componentes que são das camadas médias, não querem abrir mão de suas conquistas materiais, conseguidas com seu “esforço pessoal” (no máximo, o que se admite é uma melhoria para “todos” desde que não percam seus próprios privilégios já conquistados). Cabe ressaltar que a identificação dos professores com a classe média parece ser uma inferência coerente, já que a identificação do professorado com o operariado é mais metafórica do que real. Enquanto os operários perderam o controle sobre sua prática produtiva, [...] os professores continuam tendo [...] uma importante fatia de controle sobre o seu trabalho, o que exigiria deles uma postura consciente e conseqüente a respeito dos efeitos nos alunos do ensino que ministram, coisa que o operário não pode fazer com relação ao seu trabalho... (CUNHA, 1992, p. 16). Se uma casa está repleta de rachaduras e vazamentos, não adianta ficarmos fazendo pequenos consertos “aqui e ali”, pois esses remendos serão apenas paliativos. É necessário que se derrube a casa velha, e em seu lugar se construa outra, com uma nova estrutura. Portanto, como acreditar na construção de uma sociedade diferente da que temos, utilizando velhas estruturas? É possível acreditar na construção de uma filosofia que colabore com uma revolução social sem questionar as raízes mais profundas da própria educação escolar? Mas essa constatação em relação ao professorado não é nenhuma novidade, pois Marx já havia nos alertado que as camadas médias combatem a burguesia para salvar da ruína sua própria existência como camadas médias. Não são portanto revolucionárias, mas conservadoras. Mais ainda, são reacionárias, pois procuram fazer retroceder a roda da história. Quando se tornam revolucionárias, é em conseqüência de sua iminente 16 “O termo ‘progressista’ [...] é usado aqui para designar as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação” (LUCKESI, 1994, p. 63). 57 passagem para o proletariado; defendem então seus interesses futuros, não seus interesses presentes, abandonando seu próprio ponto de vista pelo do proletariado (MARX; ENGELS, 1993, p. 76). Seguindo em sentido inverso ao proposto pela reflexão filosófica, tanto a teoria como a prática desses professores que se acham progressistas são incoerentes com um discurso que vise a construção de uma nova sociedade, pautada numa “ética universal”17, contrária às “éticas condicionadas” pelos diversos grupos que se intercalam, ao longo da história do homem, na categoria de exploradores. Observamos que a prática desses professores não é radical ao ponto de romper com suas mais arraigadas certezas; não vai à raiz da origem de seus valores e fundamentos, e com isso, não têm condições de realmente mudar o statu quo burguês, questionar a organização da economia, a existência do Estado, e até mesmo, a necessidade da escola...! Mesmo após tudo o que falamos até agora, não foi nossa pretensão elaborarmos respostas definitivas às questões levantadas ao longo deste texto, mas tivemos como principal objetivo levantarmos dúvidas onde até então havia muitas certezas, abalarmos estruturas mentais que se apresentavam como “verdades naturais”, mas principalmente, deixar claro o que entendemos por filosofia e saber filosófico para fins deste trabalho. Com isso, procuramos incentivar o “pensar” de forma radical, a reflexão, a fim de desmistificarmos a crença de que o Estado é neutro, de que o Estado é um “mal necessário”, de que a escola é redentora e/ou essencial para a vida em sociedade, de que as 17 Apesar de a ética fundar-se metafisicamente em um conjunto de regras de condutas consideradas como universalmente válidas, mesmo correndo o risco de sermos redundantes, queremos designar por ética universal — a única capaz de romper com o utilitarismo burguês —, aquela que se funda em princípios tais como: “o que não desejas para ti não o faças para os outros” (Confúcio); “tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles” (Jesus); “age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (Kant). Nesta perspectiva ética, não restringimos essas sentenças morais ao 58 disciplinas do currículo representam o que se tem de mais importante para aprendermos na escola, ou ainda, de que sem educadores profissionais voltaríamos à barbárie...! Na verdade, tentamos induzir o leitor a um certo grau de ceticismo. Não a um ceticismo radical, imobilizador, que se contradiz ao se afirmar, pois para concluir que toda verdade é impossível e a verdade é inacessível, já se está apresentando uma certeza com valor de verdade. Mas um ceticismo “saudável”, que se aproxima da própria etimologia do termo em questão. O vocábulo grego skeptikós significa “que observa”, “que considera”, sendo assim, o cético é aquele que de tanto observar e considerar, conclui, ou pela impossibilidade do conhecimento (nos casos mais radicais), ou pela suspensão provisória de qualquer juízo (nas tendências moderadas). E é nesse segundo sentido que se encaminha uma pequena dose de ceticismo, latente em nosso trabalho, um ceticismo que mesmo reconhecendo os limites para a apreensão da verdade, ou sabendo ser impossível encontrarmos a certeza, não abandona a busca por proposições cada vez mais verossímeis. “Na história da filosofia, [...] o ceticismo mantém desperto o sentimento do problema. Crava o aguilhão da dúvida no peito do filósofo, fazendo que este não se aquiete diante das soluções já dadas a um problema, mas continue lutando por soluções novas e mais profundas” (HESSEN, 2000, p. 36). Ao refletirmos sobre a filosofia e seu ensino numa economia capitalista, não poderíamos deixar de fazer referência a Karl Jaspers (1965), para quem a autocomplacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, ilimitado desejo de poder, a interior de um grupo apenas (a classe dominante ou a classe trabalhadora), pois elas só têm um efeito realmente social na medida em que ultrapassem os “limites” das classes e dos partidos. 59 bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário – tudo isto proclama a antifilosofia (p. 139). Em contrapartida, “a filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser verdadeiro [...]. Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única” (ibid., p. 140), ou seja, a filosofia é a constante busca da verdade, não a sua posse definitiva. Fazer filosofia é um constante caminhar, onde as perguntas são mais importantes que as respostas, pois cada resposta abre espaço para uma nova pergunta. 3.2 DIDÁTICA DA FILOSOFIA: UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO Na busca pela fidelidade ao discurso filosófico somos conduzidos à necessidade de ensinar a filosofia. Já no início do Livro VII de A República, Platão (1996) deixa transparecer que a educação é um tema essencial para a reforma da Cidade. Nesse diálogo platônico, Sócrates, antes de relatar a alegoria da caverna, chama a atenção de Glauco para o tema a ser tratado, da seguinte forma: “imagina a nossa natureza, relativamente à educação ou à sua falta de acordo com a seguinte experiência...” (p. 317). E logo adiante, admite a responsabilidade pedagógica do filósofo ao justificar que não causaremos prejuízo aos filósofos que tiverem aparecido entre nós, mas teremos boas razões para lhes apresentar, por os forçarmos a cuidar dos outros e a guardá-los [...]. Nós vos formamos, para vosso bem e do resto da cidade, para serdes como os chefes e os reis nos enxames de abelhas, depois de vos termos dado uma educação melhor e mais completa do que a deles [filósofos de outros Estados], e de vos termos tornado mais capazes de tomar parte em ambas as atividades — a política e a filosofia (ibid., p. 325-326). Nessa perspectiva, com nossa reflexão sobre a filosofia e seu ensino, procuramos apenas estimular a busca por novas respostas a velhos 60 questionamentos. Apesar de um certo consenso sobre a importância do ensino de filosofia no ensino médio, “continuamos a nos indagar sobre o que ensinar, como ensinar e por que o jovem aluno desprestigia esse saber juntamente, muitas vezes, com os professores de outras disciplinas” (TOMAZETTI, 2002, p. 69). Pensar sobre essas questões remete ao campo da didática, que enquanto direcionamento da prática do ensino e da aprendizagem serve de elemento articulador entre as proposições teóricas e a prática escolar propriamente dita. Dessa forma, se existe um elemento que articula o saber filosófico e seu ensino na escola, ou ainda, se a filosofia pode ser ensinada, é porque existe uma didática para ela. Segundo Ghiraldelli Júnior (2002, p. 32), feitas as modificações necessárias, o problema da didática para o ensino da filosofia é o mesmo que o da didática geral, ou seja, “ estabelecer o limite entre o que está sendo organizado de maneira a ser melhor aprendido pelo estudante, e o assunto propriamente dito, como ele aparece classicamente na história do conhecimento”. Mas um assunto tão complexo como o saber filosófico gera algumas dificuldades para o professor de filosofia no momento em que ele pretende organizar esse saber para que o mesmo seja adequadamente assimilado pelo aluno. Essas dificuldades giram em torno de dúvidas que poderiam se materializar nas seguintes questões: O que ensinar? Como ensinar? Por que ensinar filosofia? E por fim, pode-se ensinar a filosofia ou apenas se ensina a filosofar? Sabemos ser inviável dar respostas satisfatórias a todas essas perguntas dentro dos limites desta pesquisa. Mas isso não nos impede de dialogar com outros trabalhos produzidos nessa área, ou em áreas afins, na tentativa de 61 elaborar uma visão de conjunto sobre as questões levantadas anteriormente. Apesar da aparente autonomia de cada uma das questões relativas ao ensino de filosofia, elas se complementam e só podem ser entendidas adequadamente nessa interdependência. Segundo Candau (1984, p. 107), “a didática tem por objeto o como fazer a prática pedagógica, mas este só tem sentido quando articulado ao para que fazer e ao por que fazer”. Dessa forma, ao discutimos as questões propostas, estaremos, possivelmente, travando uma discussão no campo da didática — didática da filosofia para ser mais específico. Em relação às duas primeiras questões levantadas sobre a filosofia — “o que ensinar” e “como ensinar” —, poderíamos começar nossa discussão retomando dois filósofos já citados neste trabalho: Kant e Popper. Segundo este último, a função do cientista e do filósofo é solucionar problemas científicos ou filosóficos e não falar sobre o que ele e outros filósofos estão fazendo ou deveriam fazer. Qualquer tentativa honesta e dedicada de resolver um problema científico ou filosófico, mesmo que não tenha bons resultados, parece-me mais importante do que um debate sobre problema como a natureza da ciência ou da filosofia (POPPER, 1980, p. 95). Se partirmos do princípio de que “todos que quiseram separar a Filosofia do ensino da Filosofia não fizeram nem uma coisa nem outra” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2002, p. 34), poderíamos tomar o que foi dito por Popper, em relação ao filósofo, como algo válido também para o professor de filosofia. Sendo assim, quando Popper afirma que a função do filósofo não é falar sobre o que ele e outros filósofos estão fazendo ou deveriam fazer, podemos estender isso ao próprio professor de filosofia, para que este não se preocupe prioritariamente em colocar seus alunos em contato com os clássicos da filosofia, por exemplo. O 62 conteúdo das aulas de filosofia não deve ser restringido à história da filosofia. No entanto, também não se deve limitar aos grandes temas filosóficos se isso não levar o próprio aluno a tentar resolver problemas filosóficos. Nesta perspectiva, não faz sentido trabalhar com os clássicos da filosofia ou com grandes temas — apoiados ou não na história da filosofia — se isso servir apenas de pretexto para falar o que outros filósofos fizeram, fazem ou deveriam fazer. A preocupação em não confundir “filosofia” com “história da filosofia” já estava presente em Kant, no século XVIII, em conhecida passagem em que afirma que não se pode ensinar filosofia, mas apenas ensinar a filosofar. Para Kant (1980, p. 407) “dentre todas as ciências racionais, portanto, só é possível aprender matemática, mas jamais filosofia; no que tange à razão, o máximo que se pode é aprender a filosofar”. O grande mérito dessa passagem é o fato de Kant ter chamado a atenção sobre a diferença entre “ensinar conteúdos filosóficos” e “ensinar a filosofar”. Ao diferenciar filosofia de história da filosofia, o que lhe interessa é a oposição “entre uma ciência constituída como um conjunto de verdades e uma atividade da razão. Como a filosofia não é a primeira, mas prioritariamente a segunda, não há aqui o que ensinar no sentido de uma transmissão de conteúdos” (PORTA, 2002, p. 21). Na verdade, guardadas as devidas particularidades, tanto Kant, quanto Popper, estão preocupados com a forte tentação que acomete os professores de transformar a filosofia em história da filosofia. Muitos professores de filosofia ao invés de discutirem com seus alunos os grandes problemas filosóficos narram a história dessa discussão e mantêm-se estrategicamente afastados da discussão. Questões do tipo “o que ensinar” e “como ensinar”, por exemplo, são a manifestação de uma desorientação e incompreensão de base relativa à natureza da própria filosofia. Afinal, o que devemos estudar e ensinar aos nossos alunos? 63 Para alguns autores (ALMEIDA; COSTA, 2004; MURCHO, 2002a, 2002b), ao contrário do que acontece com outras disciplinas, em sua aparência, a filosofia nos dá a sensação de não ter um corpo imenso de conhecimentos a serem adquiridos. “Na História, há acontecimentos que têm de ser compreendidos; na Física, leis e fórmulas; na Matemática, teoremas, axiomas e regras. E na Filosofia? Há as opiniões opostas dos filósofos, que nunca parecem chegar a um consenso mínimo” (MURCHO, 2002a, p. 14). Apesar de reconhecer que essa visão pode estar sutilmente equivocada, Murcho (2002a, p. 15) parte do princípio de que a filosofia não tem conteúdos, e por isso acredita que devemos “estudar e ensinar a discutir os problemas da Filosofia, começando pelos mais acessíveis e avançando para os mais difíceis”. Para o autor é pela compreensão gradual de um determinado problema filosófico que devemos começar o estudo da filosofia. Por um lado, encontramos professores que ao tomarem a história da filosofia como centro (fazendo da história da filosofia o próprio conteúdo da filosofia), muitas vezes apresentam essa história de forma linear e seqüencial, produzindo nos alunos a imagem de uma grande lista de homens ilustres. Mas por outro, também encontramos aqueles que defendem que o uso da história da filosofia como referencial pelo professor, se feito da maneira adequada, pode servir de apoio para ilustrar temas que se deseja abordar, pois “os temas são tratados independentemente dos sistemas ou autores, que são levados em conta apenas na medida em que propiciam os indispensáveis referenciais para discussão” (SILVA, 1986, p. 159). Essa segunda postura garante ao professor pelo menos duas vantagens: a primeira é a liberdade de escolha, já que não se prende a nenhuma ordem, cronologia ou linhagem estabelecida; e a segunda é o fato de os temas poderem 64 ser escolhidos em função do interesse e da atualidade. Isso demonstra que “o recurso ao passado filosófico auxilia a compreensão do presente, quando este recurso é utilizado em função do presente” (ibid., p. 160). Essa alusão à história da filosofia como referencial de modo algum refuta a idéia de Murcho (2002a) de que o estudo da filosofia deve começar pela compreensão dos problemas filosóficos, ensinando aos alunos a pensarem criticamente, assim como sobre as teorias e argumentos filosóficos. Na verdade, Murcho (2002a) não descarta totalmente a história da filosofia, como podemos perceber no trecho a seguir, onde ele procura mostrar a importância dos problemas, das teorias e dos argumentos no ensino de filosofia: uma forma de tentar compreender um problema é saber o que alguns dos grandes filósofos, clássicos e contemporâneos, pensaram sobre esse problema18 [...]. Contrastando as formas como diferentes filósofos formularam um problema com a nossa própria compreensão do problema, enriquecemos a nossa compreensão, traçamos distinções e corrigimos confusões. Como é evidente, os problemas existem para ser resolvidos, e os filósofos oferecem as suas soluções, as suas teorias, para resolver esses problemas [...]. As teorias filosóficas apóiam-se quase exclusivamente em argumentos filosóficos (p. 16). Reforçando essa posição de um uso equilibrado do recurso à história da filosofia, Gallo e Kohan (2000, p. 194) admitem que “não se pensa filosoficamente sem o recurso a uma história de mais de dois mil e quinhentos anos”. No entanto, advertem que a remissão à História da Filosofia não pode significar um retorno ao mesmo: essa remissão deve ser essencialmente crítica e criativa [...]. retomar um conceito é problematizá-lo, recriá-lo, transformá-lo de acordo com nossas necessidades, torná-lo outro (ibid., p. 71). 18 Grifo nosso. 65 Em contrapartida, na tentativa de fugir a qualquer referência à história da filosofia — seja como conteúdo, seja como referência para o estudo de temas — alguns professores delegam aos próprios alunos a responsabilidade pela escolha de temas a serem estudados. Assim, ao se trabalhar com temas escolhidos pelos alunos — tais como sexo, drogas, amor etc — sem um preparo adequado do professor, acaba por ocorrer o desvirtuamento e banalização da filosofia. Segundo Tomazetti (2002, p. 72), “tratar filosoficamente determinados temas, articulando-os com questões filosóficas, pode ser muito difícil para um professor que não tome para si mesmo a filosofia como um exercício de reflexão constante”. Muitas vezes, para esconder sua própria incompetência — por não dominar o conteúdo da filosofia, desconhecer as metodologias de ensino, ou ainda, por não ter compromisso político com seu trabalho docente —, esse professor acaba se tornando um “especialista em relações humanas”, acreditando que se “ausentar [nos pseudodebates em sala de aula] é a melhor forma de respeito e aceitação plena do aluno” (LUCKESI, 1994, p. 60). Justifica sua “ausência” alegando que “toda intervenção é ameaçadora, inibidora da aprendizagem” (ibid., p. 60). Para esse professor o resultado de uma boa aula é muito parecido ao de uma boa terapia de grupo: boa aula é aquela que permite ao aluno uma verdadeira catarse. Por todo o exposto até o momento, na tentativa de encontrar soluções para os desafios relativos ao ensino de filosofia, podemos reunir as respostas dadas por diferentes autores, em três grandes grupos, ou tendências no ensino de filosofia. Apesar dessa classificação pretender dar conta da compreensão e da orientação da filosofia e seu ensino, estamos cientes de que ela não contempla todas as manifestações pedagógicas da filosofia, até porque essas manifestações não são puras, nem mutuamente exclusivas, aliás, essa é a limitação principal de 66 qualquer tentativa de classificação. Entretanto, acreditamos que essa classificação, apesar de seu caráter provisório, poderá funcionar como um instrumento de análise na avaliação da prática pedagógica do professor de filosofia no ensino médio. Nessa tentativa de classificação, encontramos algumas características que nos permitem falar em três tendências predominantes no ensino de filosofia. Inicialmente, o critério adotado para essa classificação em tendências toma por referência a questão “o que ensinar” — que diz respeito ao conteúdo das aulas de filosofia — e a questão “como ensinar” — que diz respeito à metodologia de ensino. Dessa forma, inspirados no trabalho de Silva (1986), utilizamos uma classificação composta pelos seguintes grupos ou tendências do ensino de filosofia: 1) história da filosofia como referencial, 2) temas banalizados e 3) história da filosofia como centro. A primeira tendência, representada pelos professores que organizam o processo ensino-aprendizagem tomando a história da filosofia como referencial, já foi discutida nos parágrafos anteriores. Já em relação ao que chamamos de temas banalizados — que também vimos anteriormente — percebemos que são trabalhados por professores que na maioria das vezes são marcados por algum tempo de prática docente permeada de desafios, de ansiedade, de dificuldades de auto-afirmação no espaço escolar [...]. Por isso, a decisão de trabalhar com temas isolados, mais atrativos aos alunos e ligados a questões do cotidiano, sem uma referência à tradição filosófica, dentro de uma pedagogia da facilitação (TOMAZETTI, 2002, p. 74). Não menos prejudicial ao ensino de filosofia que a tendência anterior é a postura do professor cuja prática pedagógica se enquadra na tendência que chamamos de história da filosofia como centro. Esse professor acaba por fazer 67 da história da filosofia o próprio conteúdo das aulas de filosofia. Dessa forma, focalizam “os sistemas e autores na ordem histórica de seu desenvolvimento, visando familiarizar os alunos com os problemas e as formas de encaminhamento das soluções” (SILVA, 1986, p. 156). Um primeiro problema surge por conta do tempo que é reservado à disciplina filosofia na estrutura curricular do ensino médio. Como o tempo destinado a essa disciplina é reduzido19, e por conta de uma “ordem cronológica” na distribuição dos conteúdos, geralmente o professor não consegue chegar à filosofia moderna ou contemporânea, por exemplo. Por conta dessa situação, quando chegam ao ensino superior em alguma aula de Filosofia, os alunos indagados sobre o que pensam e/ou estudaram sobre Filosofia no ensino médio são unânimes em afirmar que estudaram Sócrates, Platão e Aristóteles, que a Filosofia é o estudo “daqueles homens” e/ou também, é o estudo do SER (TOMAZETTI, 2002, p. 71). Nessa perspectiva de ensino, o aluno não tem um espaço para discussão de idéias na medida em que é impedido de aprender “a discutir idéias filosóficas, a rever as suas posições, a ter em consideração contra-argumentos e contraexemplos, [...] a ver alternativas” e sentirá “a dificuldade de defender as suas idéias” (MURCHO, 2002a, p. 17). A situação de um professor que limita a filosofia à história da filosofia poderia ser comparada à situação de um professor de física que limita o conteúdo de suas aulas à história da física, ou um professor de matemática que ensinasse apenas história da matemática. Na verdade, essa proposta de classificação relativa ao ensino de filosofia — que como toda classificação visa a facilitar nosso entendimento da realidade — não representa nenhuma novidade. Guardada as devidas particularidades, ela 19 O que vemos na maioria das escolas — senão na totalidade — são turmas que têm somente dois tempos geminados de aula de filosofia por semana, apenas em uma das séries do ensino médio. 68 pode ser relacionada a outras classificações, inspiradas em pedagogias críticas, que realizam análises sócio-estruturais da educação, partindo do âmbito do fenômeno da marginalização e da concepção de sociedade que as principais teorias da educação trazem em seu corpo (SAVIANI, 1991a, 1991b, 1985; LIBÂNEO, 1994, 1986; LUCKESI, 1994). Não é difícil percebermos que a postura docente que toma a história da filosofia como centro, identifica-se com o conjunto de características pedagógicas que dominaram o período educacional iniciado pelos jesuítas, ao qual normalmente denominamos pedagogia tradicional. Para essa pedagogia, a didática — tanto a geral, quanto a específica da filosofia — é compreendida como um conjunto de regras técnicas, sendo a atividade docente totalmente dissociada das questões políticas. Conforme vimos no capítulo dois deste trabalho, essa característica instrumental da didática iniciou-se no Brasil com os jesuítas. Herdeiro dessa tradição jesuítica, o ensino de filosofia ao trabalhar exclusivamente a análise e interpretação de textos clássicos de filosofia — tomando, portanto, a história da filosofia como centro — acaba por desenvolver nos alunos uma consciência ingênua que em nada contribui para a formação de indivíduos críticos e engajados aos problemas do país (RIBEIRO, 1977). Segundo Ghiraldelli Júnior (1994, p. 20), mesmo “um século depois da expulsão dos jesuítas do Brasil, ainda permanecia, incrustado nas cabeças dos professores, um regrário didático com origem no Ratio” que se baseava na unidade de matéria, unidade de método e unidade de professor. Nessa perspectiva, a escola tem por finalidade preparar moral e intelectualmente os alunos para assumirem seus respectivos papéis dentro da sociedade. Segundo Libâneo (1994, p. 61), 69 a Pedagogia Tradicional, em suas várias correntes, caracteriza as concepções de educação onde prepondera a ação de agentes externos na formação do aluno, o primado do objeto de conhecimento, a transmissão do saber constituído na tradição e nas grandes verdades acumuladas pela humanidade e uma concepção de ensino como impressão de imagens propiciadas ora pela palavra do professor ora pela observação sensorial. O que pode existir de mais tradicional do que a própria filosofia, quando só aceita como legítima a filosofia dos “filósofos ilustres”, que fazem parte de um seleto grupo de “iluminados”? Na perspectiva da pedagogia tradicional o ensino de filosofia limita-se à adoção de uma abordagem que tem a história da filosofia como centro. O aluno é considerado um receptáculo vazio que deve ser preenchido com os conhecimentos filosóficos acumulados pelas gerações adultas e repassadas a ele como verdades inquestionáveis. Dessa forma, “os conteúdos são separados da experiência do aluno e das realidades sociais, valendo pelo valor intelectual, razão pela qual a pedagogia tradicional é criticada como intelectualista e, às vezes, como enciclopedista” (LUCKESI, 1994, p. 56). Os preceitos dessa pedagogia mantiveram-se hegemônicos no pensamento pedagógico brasileiro até a segunda década do século XX. Mas com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), documento elaborado por um grupo de intelectuais brasileiros fortemente influenciados pelas teorias dos norteamericanos Dewey (1859-1952) e Rogers (1902-1987), busca-se a reconstrução da escola na sociedade urbana e industrial. Nessa reconstrução, critica-se a pedagogia tradicional e se propõe que em seu lugar seja adotada uma pedagogia ativa, uma pedagogia renovada (ou escolanovista). A proposta dessa pedagogia é desenvolver uma educação centrada no aluno, uma educação que lhe permita ser 70 o que realmente é, onde o professor deve “ausentar-se” para abrir espaço ao livre crescimento pessoal do educando. A característica principal desse período dominado pelo escolanovismo é a excessiva valorização da criança como centro das preocupações metodológicas, e a conseqüente crença na solução dos problemas educacionais sem considerar a realidade extra-escolar. Nessa perspectiva, entende-se a Didática como um conjunto de idéias e métodos, fundamentados em pressupostos psicológicos, psicopedagógicos e experimentais, cientificamente validados e constituídos em teoria, ignorando o contexto sócio-político-econômico. Apesar da mudança de enfoque da pedagogia tradicional para a pedagogia nova “deslocar o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; [...] do professor para o aluno; [...] da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não diretivismo” e “...da quantidade para a qualidade” (SAVIANI, 1991a, p. 20), não houve mudanças qualitativas que pudessem beneficiar o ensino de filosofia, tendo em vista que tanto uma quanto a outra tendência não levavam em consideração os condicionantes sócio-políticos da educação. No que diz respeito ao ensino de filosofia especificamente, o escolanovismo propiciou as condições necessárias para o surgimento dos temas banalizados, enquanto postura docente. Como já fizemos referência anteriormente, nessa perspectiva, o professor tem a oportunidade de “camuflar” sua deficiência profissional, escondendo-se atrás de “pseudodebates” dos alunos, alegando que sua intervenção poderia castrar o desenvolvimento intelectual dos alunos. Outros, por sua vez, assumem uma postura não-diretiva, delegando aos alunos a responsabilidade pela escolha dos temas a serem discutidos nas aulas de filosofia. mas esquecem-se que 71 a não-diretividade abandona os alunos a seus próprios desejos, como se eles tivessem uma tendência espontânea a alcançar os objetivos esperados da educação. [...] As tendências espontâneas e naturais não são “naturais”, antes são tributárias das condições de vida e do meio (LUCKESI, 1994, p. 71-72). Com o respaldo de uma série de determinações legais — no período compreendido entre 1931 e 1961 —, conforme vimos no capítulo sobre a perspectiva histórica do ensino de filosofia, o escolanovismo foi amplamente difundido. O ideário escolanovista penetrou nas cabeças dos educadores que, no entanto, continuavam a trabalhar nas amplas redes escolares oficiais que se organizavam na forma tradicional. A conseqüência dessa contradição foi “o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos”, que acabou por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares as quais muito freqüentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida, a “Escola Nova” aprimorou o ensino destinado às elites (SAVIANI, 1991a, p. 22). Segundo Ghiraldelli Júnior (1994), por apresentar-se na forma de um pensamento educacional completo (composto por uma política educacional, uma teoria da educação e uma organização escolar e metodologia próprias), tendo neste fator a sua principal característica, foi facultado à pedagogia nova compor um regrário que orientou as reformas educacionais estaduais e que não só combateu a Pedagogia Tradicional como também colaborou para sufocar as possíveis transformações que estavam sendo definidas pela Pedagogia Libertária20 associada às classes populares 20 Estando associada às primeiras organizações do proletariado urbano no Brasil, a Pedagogia Libertária desenvolveu-se no sentido da transformação da ordem econômica capitalista (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1994). 72 Após o término do Estado Novo, marcado por um equilíbrio entre as influências “tradicionais” e “novas” no campo educacional, temos a partir de 1945 o ensino da didática na formação do professor, inspirado no liberalismo e no pragmatismo. Acentua-se assim, a predominância dos processos metodológicos em detrimento da própria aquisição do conhecimento. Após visíveis sinais de exaustão das tendências tradicional e nova apontando para o risco da perda da hegemonia burguesa, articula-se uma nova teoria educacional, chamada por Saviani (1991a) de pedagogia tecnicista. A pedagogia tecnicista revelou especial atenção aos estudos desenvolvidos pela ciência do comportamento humano e pelo desenvolvimento de aparelhos destinados ao trabalho pedagógico. Essa pedagogia, assim como a pedagogia nova, baseava-se predominantemente na psicologia, mas com uma diferença essencial: enquanto na pedagogia nova são os professores e alunos que decidem se utilizam ou não determinados meios, bem como quando e como o farão, na pedagogia tecnicista dir-se-ia que é o processo que define o que professores e alunos devem fazer, e assim também quando e como o farão (SAVIANI, 1991a, p. 25). No período pós-64, com o acordo MEC/USAID, segue-se uma série de reformas que se dão no ensino superior e posteriormente no ensino de 1º e 2º graus (atual ensino fundamental e médio). Instala-se na escola a divisão do trabalho sob a justificativa da produtividade, caracterizando a chamada pedagogia tecnicista. A partir dos pressupostos desta pedagogia, o enfoque do papel da didática situa-se no âmbito da tecnologia educacional, tendo como preocupação básica a eficácia e a eficiência do processo de ensino, como uma alternativa não psicológica. Nesse contexto, a didática assume uma postura 73 ingênua de crença na neutralidade científica, como se a ciência pudesse ser adequadamente compreendida, sem levar-se em conta o contexto histórico da produção científica e suas implicações. Sob este enfoque, os conteúdos dos cursos de didática assumem um caráter meramente instrumental, onde o processo educacional torna-se responsável pela definição do que professores e alunos devem fazer, quando e como o farão. Segundo Candau (1996), a Didática nesta perspectiva instrumental, é concebida como um conjunto de conhecimentos técnicos sobre o “como fazer” pedagógico, conhecimentos estes apresentados de forma universal e, conseqüentemente, desvinculados dos problemas relativos ao sentido e aos fins da educação, dos conteúdos específicos, assim como do contexto sócio-cultural concreto em que foram gerados (p. 14). Sob a égide dessa pedagogia tecnicista, se o professor não “enche a cabeça” do aluno com conteúdos da história da filosofia, muito menos o aluno escolhe os “temas filosóficos” que quer discutir, pois nessa pedagogia o que importa é o uso adequado das técnicas de ensino. Nesse período, em que vigorava a ditadura militar, o ensino de filosofia é totalmente relegado ao ostracismo: não há vez nem para a “história da filosofia como centro” e nem para “temas banalizados”. Como já vimos neste trabalho, com a promulgação da Lei 5692/71, a filosofia além de não compor o núcleo comum e de não ser contemplada entre as atividades exigidas como parte mínima e obrigatória do currículo, também não era incluída como matéria da parte diversificada do currículo. Entretanto, a partir de 1974, época em que tem início a abertura gradual do regime ditatorial instalado pelo governo militar pós-64, surgiram estudos 74 empenhados em fazer a crítica da educação dominante, mostrando sua verdadeira face reprodutivista. Ao longo a década de 80, instala-se definitivamente a crítica às tendências tradicional, nova e tecnicista, e a partir daí busca-se novos rumos para a educação brasileira, e conseqüentemente para o ensino de filosofia. Esboçam-se os primeiros estudos em busca de alternativas para a didática, de um modo geral, e para a didática da filosofia especificamente, a partir dos pressupostos da pedagogia crítica. Essas “divisões” das principais características educacionais de cada momento histórico, em “tendências”, só têm por objetivo facilitar o entendimento de cada momento. Pois na prática essas tendências não existiram de forma estanque, independentes umas das outras, mas uma tendência mais em voga em determinada época coexiste na prática escolar com as características das tendências anteriores. “A Didática passa por um momento da revisão crítica. Tem-se a consciência da necessidade de superar uma visão meramente instrumental e pretensamente neutra do seu conteúdo” (CANDAU, 1996, p. 14). Neste sentido, uma didática crítica — chamada por Candau (1996) de Didática Fundamental — busca superar o intelectualismo do enfoque tradicional, o espontaneísmo escolanovista e a orientação desmobilizadora do tecnicismo, procurando compreender a realidade social onde se insere a escola, para poder agir em seu interior e contribuir na transformação da sociedade. Conforme os pressupostos da “tendência progressista crítico-social dos conteúdos”, versão mais difundida da pedagogia crítica (LUCKESI, 1994; LIBÂNEO, 1994, 1986), a difusão de conteúdos é a tarefa primordial da escola. “Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das realidades sociais” (LUCKESI, 1994, p. 69). É nesse contexto que começam a 75 surgir professores que tomam a “história da filosofia como referencial”. O aluno não deixa de ter acesso aos conteúdos da história da filosofia incorporados pela humanidade, mas esses conteúdos são permanentemente reavaliados em face das realidades sociais. Nessa perspectiva, a história da filosofia serve para ilustrar temas que se desejam abordar, mas sendo levada em conta apenas na medida em que forneçam referenciais para o melhor entendimento do aluno. Assim, parafraseando Libâneo (1986), não basta que os conteúdos filosóficos sejam apenas bem ensinados, mas é preciso que estejam ligados de forma indissociável à sua significação humana e social. Concebendo-se dessa maneira os conteúdos do saber filosófico, não se estabelece de forma necessária uma oposição entre cultura erudita e cultura popular, ou espontânea, mas uma relação de continuidade em que, progressivamente, se passa da experiência imediata e desorganizada ao conhecimento sistematizado. Não que a primeira forma de elaboração da realidade seja errada, mas é necessária a ascensão a uma forma de elaboração superior, conseguida pelo próprio aluno, com a intervenção do professor (LUCKESI, 1994, p. 70). Tanto na abordagem didática, que toma a história da filosofia como centro, quanto na que trabalha com temas banalizados, corre-se o risco de tomar o silenciamento político como pressuposto comum, assentado na afirmação da neutralidade técnica. Ou seja, nas duas abordagens, a prática pedagógica é vista apenas em função dos condicionantes internos do processo de ensinoapredizagem, sem levar em consideração o contexto social em que este processo ocorre. Sendo assim, devido a este distanciamento da prática pedagógica real, a didática da filosofia acaba sendo vista pelos professores como algo meramente formal e sem importância. 76 Será apenas a partir da segunda metade da década de 70 que veremos surgir, de maneira consistente e sistemática, críticas à concepção da didática dominada pelo silenciamento político. Surgem no cenário educacional, denúncias da falsa neutralidade da dimensão técnica, além da constatação da impossibilidade de uma prática pedagógica que não seja social e politicamente orientada, de maneira implícita e explícita. Todavia, juntamente com essas denúncias, surgiram autores mais radicais, que chegaram a negar a possibilidade da existência de qualquer aspecto da dimensão técnica na prática docente. Para esses “radicais” a exaltação da dimensão política da prática pedagógica vem associada à execração da dimensão técnica, onde esta é vista como necessariamente vinculada a uma perspectiva tecnicista, do uso da técnica pela técnica. Nesta perspectiva, competência técnica e política se contrapõem, onde a afirmação de uma dimensão do processo de ensino-aprendizagem leva à negação das demais. Contudo, não podemos deixar de entender que apesar da crítica ao tecnicismo acusá-lo de partir de uma visão unilateral, valorizando apenas a dimensão técnica, essa dimensão é um aspecto que não pode ser ignorado para uma apropriada compreensão e execução do processo de ensino-aprendizagem. Na verdade, “competência técnica e competência política não são aspectos contrapostos. A prática pedagógica, exatamente por ser política, exige competência técnica” (CANDAU, 1984, p. 21). Somente a partir de uma visão contextualizada da educação, onde sejam levados em consideração todos os seus condicionantes sociais, políticos e econômicos, é que podemos repensar a didática da filosofia de forma que ela assuma a articulação das três dimensões (técnica, humana e política) do processo 77 de ensino-aprendizagem, associando-se a uma perspectiva de transformação social. Primeiramente, é preciso ter claro que o objeto de estudo da didática é o processo de ensino-aprendizagem, onde toda proposta didática está impregnada, implícita ou explicitamente, de uma concepção deste processo. Portanto, para que este processo de ensino-aprendizagem seja adequadamente compreendido, é necessário que o analisemos de tal forma que as dimensões humana, técnica e político-social estejam articuladas. Para uma abordagem que priorize a dimensão humana, que tem como centro do processo ensino-aprendizagem a relação interpessoal, mais do que um problema de técnica, a didática deve centrar-se no processo de aquisição de atitudes, referentes ao campo da afetividade. Quanto à dimensão técnica, ela se refere ao processo de ensino-aprendizagem como uma ação intencional e sistematizada que prioriza os aspectos operacionais, organizando estes aspectos com o intuito de propiciar as melhores condições para a aprendizagem. Diante de todo o exposto até o momento, podemos constatar que a didática, enquanto elemento direcionador do processo de ensino-aprendizagem, “servirá de elemento articulador entre as proposições teóricas e a prática escolar propriamente dita” (LUCKESI, 1994, p. 163). Atuando como mediadora entre o aluno e a sociedade, ou seja, entre as condições de origem do aluno e sua destinação social, cumpre seu papel na medida em que provê as condições e os meios que assegurarão o encontro do aluno com os conteúdos do saber filosófico. Tanto em sua fase de planejamento quanto em sua fase de execução a didática é a disciplina mediadora necessária para garantir a tradução da teoria 78 pedagógica em prática pedagógica. Para que essa ocorra da maneira mais eficaz possível, do ponto de vista que interessa às camadas populares, é fundamental observamos que o planejamento não é uma ação neutra, mas pelo contrário, é uma ação política, um processo de tomada de decisões para a ação, levando em consideração entendimentos filosófico-políticos do mundo e da realidade. Portanto, “não pode ser reduzido, como tem acontecido na maior parte das vezes na prática educacional, ao preenchimento de formulários no início de um semestre ou ano letivo” (LUCKESI, 1994, p. 168). Realizar o planejamento como se ele fosse neutro, e não um ato decisório político, é processá-lo segundo os moldes que são ditados pela “Didática Instrumental”, com prescrições de conteúdo e de metodologia de ensino que enfatizam a dimensão técnica do processo ensino-aprendizagem. Em contrapartida, uma “Didática Fundamental”, no contexto de uma pedagogia atenta à transformação, terá de ser forjada na prática, ou seja, a execução da ação planejada, o modo de ensinar não serão gratuitos, “mas formulados dentro das circunstâncias de trabalho com o auxílio de informações e princípios já estabelecidos e universalizados” (ibid., p. 171). A essa ação em execução ou já executada, cabe uma ação apreciativa, em decorrência de decisões prévias. A avaliação, enquanto forma de apreciação da ação, em si mesma, é um instrumento de dinamismo e progresso, desde que seu exercício seja a “normatização pela própria amplitude constitutiva desta ação [...], norteada por uma visão de totalidade sobre dados relevantes, na perspectiva de encaminhar a ação e não estagná-la pela classificação” (ibid., p. 173). Classificação essa que serve como arma de uma didática autoritária e conservadora. 79 Segundo Candau (1996), levando-se em consideração a perspectiva dada a esses pontos de referência do processo didático — planejamento, execução e avaliação —, coloca-se em questão a formação tradicional dos educadores, concebida fundamentalmente como desvinculada da situação político-social e cultural do país, visualizando o profissional de educação exclusivamente como um “especialista de conteúdo”, um “facilitador da aprendizagem”, um “organizador das condições de ensinoaprendizagem”, ou um “técnico da educação” (p. 44). A discussão em torno destas questões tem se refletido principalmente através do questionamento da atual estrutura da disciplina didática, orientada basicamente para a formação de “especialistas” com acentuado caráter técnico, nos cursos de licenciatura em geral. Além deste problema, podemos acrescentar “a dissociação entre a formação teórica e a prática educativa, a saturação do mercado de trabalho, a falta de uma formação cultural consistente, entre outros” (ibid, p. 44), o que dificulta ao professor encontrar o lugar do político naquele que por definição é o espaço do saber, ou seja, mesmo sendo verdadeiro que o problema da universidade — enquanto responsável pelos cursos de licenciatura — é eminentemente político, “negar a sua dimensão pedagógica significa desconhecer a essência de sua constitucionalidade, ignorando que a importância política da educação reside na sua função de socializar o conhecimento” (VIEIRA, 1989, p. 24). Por tudo isso, podemos afirmar que a formação de educadores em geral, e do professor de filosofia especificamente, deve assumir uma perspectiva multidimensional do processo de ensino-aprendizagem, onde a articulação das três dimensões — técnica, humana e política — seja colocada no centro configurador da didática. 80 Se há um sentido para a filosofia e para as demais áreas do saber na educação, esse sentido não se reduz à mera e simples apropriação de conteúdos. Uma postura semelhante a essa — de crítica dirigida à pedagogia tradicional — é adotada por Gaston Bachelard (1884-1962) em relação à ciência. Ao expor a noção de obstáculo epistemológico na procura pelas condições psicológicas do progresso da ciência, afirma que “a idéia de partir de zero para fundamentar e aumentar o próprio acervo só pode vingar em culturas de simples justaposição” (BACHELARD, 1996, p. 17). Referindo-se especificamente aos professores de ciências — o que não impede de generalizarmos sua afirmação aos professores de outras áreas — argumenta que na educação, à semelhança do que acontece na ciência, a noção de obstáculo pedagógico também é desconhecida. Para Bachelard (1996), os professores de ciência, por exemplo, imaginam que o espírito [científico] começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode fazer entender uma demonstração repetindo-a ponto por ponto. Não levam em conta que o adolescente entra na aula de física com conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana (p. 23) Neste ponto parece ficar mais evidente as possíveis semelhanças entre a concepção de Bachelard e a postura defendida pelo que conhecemos como pedagogia crítica. Não se trata apenas de transmitir os conteúdos escolares aos alunos, mas de articular num mesmo processo a aquisição das noções sistematizadas pela escola com os conhecimentos empíricos já constituídos pelo aluno. Como o próprio Bachelard (1996) admite, suas 81 observações podem, aliás, ser generalizadas: são mais visíveis no ensino de ciências, mas aplicam-se a qualquer esforço educativo. No decurso de minha longa e variada carreira, nunca vi um educador mudar de método pedagógico. O educador não tem o senso do fracasso justamente porque se acha um mestre. Quem ensina manda. Daí a torrente de instintos. [...] “Há indivíduos para quem todo conselho referente aos erros pedagógicos que cometem é absolutamente inútil, porque os ditos erros são a mera expressão de um comportamento instintivo”. [...] Educador e educando merecem uma psicanálise especial (p. 24). Assinalada essa dificuldade de reforma dos métodos pedagógicos ao invocar o peso do instinto nos educadores, acreditamos que no caso da condução de uma aula de filosofia, suscitar a reflexão é a forma que mais se aproxima da autêntica filosofia. Mas essa necessidade de reflexão não deve se incluir apenas no conjunto das “obrigações” do aluno. Deve fazer parte também da rotina pedagógica do professor. Segundo Kohan (2002a, p. 40), nós professores ainda “não pensamos que podemos pensar. Nesse sentido, não é possível ensinar a pensar sem aprender a pensar; [...] para aprendermos a pensar, nada como aprendermos a deixar que os outros pensem, aprendermos a deixar pensar”. Desde sua origem, a filosofia se caracterizou como atividade intelectual, como pensar, como reflexão e capacidade de argumentação. Dessa forma, nunca permitiu uma afirmação dogmática de sua própria definição. E é essa atitude não dogmática, de constante vigilância contra posturas dogmáticas, que deveria ser a atitude mais digna da escola, enquanto lugar privilegiado da formação de ser humano e do seu destino. Não podemos nos esquecer que filósofo é aquele que busca ardentemente a sabedoria, mesmo ciente de que consegue apenas aproximar-se do verdadeiro. 82 4 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL COMO PERSPECTIVA DE ESTUDO As representações, enquanto campo de pesquisa e reflexão, atravessaram a história das ciências sociais desde sua instituição disciplinar no século XIX (CARDOSO; MALERBA, 2000). Ao nos decidirmos pelo estudo das representações, focalizamos nossa atenção no modo como Serge Moscovici (2003, 2001, 1978) inaugura a discussão do conceito de representação social na perspectiva da psicologia social contemporânea (item 4.2). Essa noção tem ocupado um lugar de destaque no campo das ciências humanas, em geral, e da psicologia social, especificamente, tendo em vista o grande número de trabalhos que se reportam às representações (JODELET, 2001a). Com o objetivo de enriquecer o debate em torno da noção de representação social, a discussão a seu respeito foi precedida de uma breve retrospectiva dessa noção como perspectiva de pesquisa no campo da educação (item 4.1). 4.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL NA PESQUISA EDUCACIONAL Não seria exagero afirmarmos que o universo mental do homem contemporâneo tem suas raízes na chamada cultura ocidental clássica, ou seja, na cultura greco-romana. Isto significa “que nossa forma de observar o mundo, de raciocinar e de agir evolui a partir do que os pensadores gregos nos deixaram” (AQUINO, 1980, p. 161). No entanto, apesar de herdeiros das instituições do mundo greco-romano, as universidades foram adquirindo características próprias ao entrarem em contato com o contexto religioso do Oriente islâmico e do Ocidente cristão. Na época feudal existiram os chamados studia generalia, lugares freqüentados por estudantes que vinham de todas as partes, e formavam verdadeiras sociedades corporativas. Como a palavra universitas era comumente usada na Idade Média para designar qualquer assembléia corporativa, foi também aplicada às sociedades corporativas escolásticas e provavelmente no decorrer do século XIV, o termo passou a ser usado à parte, no sentido exclusivo de uma comunidade de professores e alunos, e cuja existência corporativa houvesse sido reconhecida e sancionada pela autoridade eclesiástica e civil (WANDERLEY, 1991, p. 16). Apesar de algumas pequenas divergências quanto a uma data exata de seu aparecimento, a universidade surgiu ligada a um longo passado cultural, que abarca desde o período em que a palavra designava uma comunidade de mestres e alunos que se reuniam para a transmissão do saber (meados do século XII), até adquirir a personalidade jurídica traduzida no espírito corporativo. No entanto, acredita-se que desde sua origem mais remota, esse tipo de instituição que hoje conhecemos como universidade teve por fim cultivar e transmitir o saber humano acumulado. Através dela “se pretendia alargar o saber a todos os homens que aspiravam ao universalismo de raiz latina e cristã da cultura” (SERRÃO, 1983, p. 15). A tônica medieval estava voltada para o saber como um fim em si mesmo: o saber desinteressado. 84 Pouco a pouco, sob o impacto de transformações históricas, e tendo que acompanhar as inovações que os homens iam elaborando em sua dinâmica social, surgiram novas exigências e a necessidade de ampliação de conhecimentos e produção de novos saberes. Como meio de atender a essas necessidades, a pesquisa foi assumindo paulatinamente um papel privilegiado dentro da universidade. Com a revolução industrial e “o influxo e a disseminação das idéias liberais, buscou-se a integração entre o ensino e a pesquisa” (WANDERLEY, 1991, p.18). Assim, o “saber desinteressado” da universidade medieval, baseado na “pesquisa pura” — que não tinha preocupação com os resultados ou com quem poderia se apropriar deles —, dá lugar a um novo saber, fruto de uma nova visão de pesquisa. Progressivamente a expansão das forças produtivas e a conseqüente necessidade de conhecimentos úteis fizeram com que a pesquisa fosse direcionada pela perspectiva de uma “pesquisa aplicada”, ou seja, pesquisas cuja motivação fundamental é a resolução de problemas concretos, mais ou menos imediatos (TOBAR; YALOUR, 2001). Observando a evolução dessa tendência, as universidades foram se adequando aos processos de desenvolvimento econômico e social conforme as características peculiares de cada nação. Segundo Wanderley (1991, p. 38), “das necessidades de cultivo e difusão, enfatizou-se o ensino como meta fundamental; das necessidades de ampliação e descoberta, enfatizou-se a pesquisa”. Nesse contexto, a universidade foi se dando conta da imperiosa necessidade de integração entre o ensino enriquecido pela pesquisa, dando-lhe novos subsídios na sua caracterização de trabalho acadêmico. Os apelos concretos da sociedade contribuíram no sentido de avançar nessa perspectiva de pesquisa, não apenas aplicada, mas também 85 contextualizada na sociedade. Dessa forma, a universidade começa a caracterizar-se pela busca da articulação entre ensino e pesquisa — enquanto um dos fatores responsáveis pelo avanço no domínio do conhecimento. Atualmente, o que existe é quase um consenso em relação à necessidade de integrar ensino e pesquisa. Mas apesar dessa integração, assumir contornos diferentes conforme a concepção que se tenha de ensino ou pesquisa, a idéia que vigora é aquela que entende que uma universidade sem pesquisa não deve, rigorosamente, ser chamada de universidade. No caso brasileiro, essa integração é definida por um ato legal, quando o art. 5º do Decreto nº 2.207, de 15 de Abril de 1997 (Regulamenta artigos da Lei nº 9.394 de 20/12/96) estabelece que “as universidades [...] se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, de pesquisa e de extensão...”. Como resultado da crescente pressão exercida sobre a universidade, em torno de uma obrigatoriedade de realização de pesquisas, esse termo acabou ganhando um outro sentido (mais abrangente) que extrapolou os limites da universidade, chegando, por vezes, a comprometer seu sentido mais específico de “investigação e estudo, minudentes e sistemáticos, com o fim de descobrir ou estabelecer fatos ou princípios relativos a um campo qualquer de conhecimento” (FERREIRA, 1999, p. 1556). Com o uso indistinto do termo pesquisa para identificar tendências eleitorais no campo do comportamento político (as “pesquisas eleitorais”), ou ainda, nomear atividades como consultar apenas uma obra, do tipo enciclopédia, recortar revistas e jornais, como ocorre na educação básica (as “pesquisas escolares”), perde-se a noção de que pesquisar é produzir conhecimento novo, relevante teórica e/ou socialmente, que deve ser referendado pela comunidade de pares do pesquisador (LUNA, 2003). 86 Nessa perspectiva, o termo pesquisa se refere, no âmbito da atividade científica, ao processo inquiridor de fenômenos com o propósito de compreendê-los e explicá-los. Ou seja, a utilização mais adequada da palavra pesquisa seria aquela que a entende como o estudo de um determinado problema que desperta o interesse do pesquisador, mas que ao mesmo tempo tem a capacidade de limitar sua atividade de pesquisa a uma determinada porção do saber, que ele se compromete a construir naquele momento. Segundo Luna (2003, p. 16-17), qualquer que seja o problema, o referencial teórico ou a metodologia empregada, caracterizamos uma pesquisa pelo preenchimento dos seguintes requisitos: 1) a formulação de um problema de pesquisa, isto é, de um conjunto de perguntas que se pretende responder, e cujas respostas mostrem-se novas e relevantes teóricas e/ou socialmente; 2) a determinação das informações necessárias para encaminhar as respostas às perguntas feitas; 3) a seleção das melhores fontes dessas informações; 4) a definição de um conjunto de ações que produzam essas informações; 5) a seleção de um sistema para tratamento dessas informações; 6) o uso de um sistema teórico para sua interpretação; 7) a produção de respostas às perguntas formuladas pelo problema; 8) a indicação do grau de confiabilidade das respostas obtidas [...]; 9) finalmente, a indicação da generalidade dos resultados, isto é, a extensão dos resultados obtidos. Na maioria dos casos, a pesquisa científica mostra-se para o grande público, como um conjunto de conhecimentos “puros” ou “aplicados”, produzidos por métodos rigorosos, comprovados e objetivos, onde a ciência aparece como um conhecimento independente dos sistemas sociais e econômicos. No entanto, tal situação é contestada por Japiassu (1975, p. 10-11), quando nos alerta que “as condições reais em que são produzidos os conhecimentos objetivos e racionalizados estão banhadas por uma inegável atmosfera sócio-político-cultural”. Para esse autor, “a produção científica se faz numa sociedade determinada que condiciona seus objetivos, seus agentes e seu modo de funcionamento”, de onde podemos inferir que não há pesquisa 87 científica “pura”, “autônoma” e “neutra”, como se pudesse existir desvinculada da cultura em que se insere. Dessa forma, dadas as condições sociais de produção e apropriação do conhecimento científico, somos levados a afirmar o caráter social da pesquisa. Afirmação esta que também se aplica às pesquisas realizadas no campo da educação. No entanto, situada entre as ciências humanas e as ciências sociais, a educação não poderia deixar de sofrer as mesmas injunções que acometem essas ciências. Por volta da segunda metade do século XX, devido à complexidade própria à educação — enquanto integrante do processo mais amplo de socialização (BRANDÃO, 1989) — cresceu a dificuldade para responder satisfatoriamente aos novos desafios impostos à pesquisa educacional — que até então se utilizava basicamente dos métodos das ciências naturais ou físicas. Do contraste entre essas dificuldades inerentes à pesquisa educacional e o prestígio e sucesso dos métodos das ciências naturais quando utilizados em seu próprio meio, transporta-se para o campo educacional uma indagação presente na área das ciências humanas desde o século XIX: a vida em sociedade pode ou deve ser investigada com os mesmos métodos das ciências naturais? (SANTOS FILHO, 1997). Na busca de possíveis respostas a essa pergunta, foram aparecendo novas propostas de abordagens e métodos de investigação, diferentes daqueles que eram empregados tradicionalmente. Na tentativa de superação das limitações sentidas nas pesquisas tradicionalmente realizadas em educação, surgiram as chamadas Abordagens qualitativas de pesquisa. 88 Para sermos mais preciso, esse “paradigma qualitativo” começou a ganhar força na década de 70, caracterizando-se principalmente pela sua oposição ao chamado “paradigma positivista”. O paradigma positivista, que se identificava prioritariamente pelo uso de técnicas quantitativas, sofreu severas críticas pautadas nas posições da Escola de Frankfurt, principalmente em sua teoria crítica da ideologia da sociedade contemporânea (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998). É interessante ressaltar que, embora as metodologias qualitativas já fossem bem conhecidas em áreas como a antropologia, sociologia e psicologia, foi nessa época que seu uso se intensificou e se expandiu a outras áreas, até então dominadas por abordagens quantitativas, como era o caso da educação. Atualmente, torna-se cada vez mais evidente o domínio do paradigma qualitativo no campo da pesquisa educacional. Mas, apesar desse crescente interesse por parte dos pesquisadores em relação às metodologias qualitativas, existem algumas divergências sobre o que realmente caracteriza esse tipo de pesquisa. Também não existe consenso em torno da discussão sobre a cientificidade da pesquisa qualitativa. Muitos equívocos em relação ao paradigma qualitativo devem-se a esse rótulo, que gera a ilusão de que existe homogeneidade no interior do paradigma. As pesquisas qualitativas, em suas manifestações nas diferentes áreas das ciências sociais, parece ter como um ponto em comum o fato de seguirem uma tradição compreensiva ou interpretativa. Segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998, p. 131), a essa tradição interpretativa aliam-se três outras características fundamentais para o entendimento adequado das pesquisas qualitativas: a visão holística, a abordagem indutiva e a investigação naturalística. Para os autores, 89 a visão holística parte do princípio de que a compreensão do significado de um comportamento ou evento só é possível em função da compreensão das interrelações que emergem de um dado contexto. A abordagem indutiva pode ser definida como aquela em que o pesquisador parte de observações mais livres, deixando que dimensões e categorias de interesse emerjam progressivamente durante os processos de coleta e análise de dados. Finalmente, investigação naturalística é aquela em que a intervenção do pesquisador no contexto observada é reduzida ao mínimo. Em seu trabalho sobre pesquisa em educação, Lüdke e André (1986) fazem um discussão mais detalhada sobre a abordagem qualitativa ao apresentarem cinco pontos básicos que devem caracterizar esse tipo de pesquisa: 1) “A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11). Pelo fato de não haver intervenção intencional do pesquisador, ao estudar os problemas no ambiente em que ocorrem naturalmente, dá-se o nome de “naturalístico” a esse tipo de estudo. 2) “Os dados são predominantemente descritivos” (ibid., p. 12). Assim, o pesquisador deve procurar captar o maior número possível de detalhes presentes no contexto estudado. 3) “A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto” (ibid., p. 12). Dessa forma, a preocupação com atividades, procedimentos e interações cotidianas onde possam manifestar-se o problema estudado, é constante no pesquisador. 4) “O ‘significado’ que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial do pesquisador” (ibid., p. 12). Pois há sempre, por parte do 90 pesquisador, a preocupação em colocar-se na posição dos participantes, na tentativa de captar suas perspectivas. 5) “A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo” (ibid., p. 13). Sendo assim, o pesquisador busca, através da observação de casos particulares, formular hipóteses que o ajudem a entender a situação estudada. Tomando por base essas características descritas anteriormente, podemos inferir que uma das tarefas centrais das abordagens qualitativas em pesquisa é a compreensão da realidade vivida socialmente. A adoção preferencial dessas abordagens no campo da pesquisa educacional, a partir da década de 1970, suscitou várias críticas ao paradigma quantitativo, entre os quais destaca-se o positivismo. A principal crítica imputada ao positivismo refere-se a sua postura de “restringir o conhecimento da realidade social ao que pode ser observado e quantificado e de transferir para a utilização do método a questão da objetividade” (MINAYO, 2002, p. 24). Os métodos quantitativos se mostram ineficazes para compreender as ações dos sujeitos em sua vida social, na medida em que intentam distanciar o pesquisador do contato direto e prolongado com o ambiente e a situação que está sendo investigada. Essa atitude levava à crença ingênua em uma “perfeita separação entre o sujeito da pesquisa, o pesquisador e seu objeto de estudo” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 4). Para alguns autores (SANTOS FILHO, 1997; GAMBOA, 1997a, 1997b; FRIGOTTO, 1997), a aparente contradição entre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa parece ser conseqüência do curto espaço de tempo destinado ao amadurecimento teórico e metodológico das ciências humanas, quando confrontadas com a maturidade já alcançada pelas ciências naturais. Em 91 contrapartida, na tradição dialética defendida por esses autores, demonstra-se que há uma unidade entre as abordagens quantitativa e qualitativa de pesquisa. Sem deixar de ser considerada uma importante manifestação da pesquisa qualitativa, na perspectiva dialética, estabelece-se uma relação entre as duas abordagens — qualitativa e quantitativa — afirmando a relação dinâmica entre o mundo e o sujeito na elaboração do conhecimento. Ao insistir na dinamicidade da relação entre o sujeito e o objeto no processo de conhecimento, a dialética não se detém [...] no vivido e nas significações subjetivas dos atores sociais. Valoriza a contradição dinâmica do fato observado e a atividade criadora do sujeito que observa, as oposições contraditórias entre o todo e a parte e os vínculos do saber e do agir com a vida social dos homens (CHIZZOTTI, 2000, p. 80). Por considerarem que o fenômeno ou processo social tem de ser entendido nas suas determinações e transformações dadas pelos sujeitos, as pesquisas que utilizam as representações sociais como perspectiva de estudo destacam-se entre as abordagens qualitativas por seu grande potencial dialético. Pois a dialética abarca “o sistema de relações que constrói, o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações sociais” (MINAYO, 2002, p. 24). A noção de representação social, que há mais de vinte anos vem ocupando lugar de destaque nos trabalhos e debates em psicologia social, é reconhecida e trabalhada em vários campos de estudo. Estando situada na interface do psicológico e do social, esta noção interessa a todas as ciências humanas: é encontrada em sociologia, antropologia e história, estudada em suas relações com a ideologia, os sistemas simbólicos e as atitudes sociais refletidas pelas mentalidades (JODELET, 2001b, p. 25). 92 Buscando entender as marcas “sociais” do cognitivo, ao mesmo tempo em que procura as condições cognitivas do funcionamento ideológico, a psicologia social de origem européia pensa as representações como um tipo de conhecimento prático. Dessa forma, a psicologia social busca entender o papel da representação social “na instituição de uma realidade consensual e sua função sócio-cognitiva de integração da novidade e de orientação das comunicações e das condutas” (SPINK, 1995a, p.86). Frisamos a procedência dessa vertente da psicologia social, pois segundo Sá (1996) parece haver diferenças na orientação teórico-metodológica da vertente européia em relação à vertente americana. Para o autor, entre os europeus “a tendência é para a utilização de metodologias mais diversificadas e combinadas entre si, das quais não se exclui o próprio método experimental” (SÁ, 1996, p. 18). Por essa razão, nota-se a preferência de alguns autores por essa vertente, pelo fato de ela parecer um campo mais fértil para o florescimento dos estudos das representações sociais (ibid.). É interessante notar que aproximadamente a partir do final da década de 1980, verificamos no Brasil uma multiplicação de pesquisas em educação que se utilizavam das representações sociais como perspectivas de estudo. Como normalmente acontece com tudo que é novidade, o florescimento de pesquisas educacionais pautadas nas representações sociais não deixou de vir acompanhado de algumas críticas, que muitas vezes subsumiam as próprias críticas mais gerais feitas às abordagens qualitativas de pesquisa (SPINK, 1995a). No entanto, para Santos Filho (1997), o debate sobre a contradição entre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa parece mais artificial do que real. 93 Segundo esse autor, identificam-se contradições epistemológicas, metodológicas e operacionais entre esses paradigmas, que são apenas aparentes na maioria dos casos, e portanto, superáveis na prática da pesquisa. A crença nessa superação fica evidente quando afirma que no atual estágio em que se encontra a discussão do “dilema abordagem quantitativa versus abordagem qualitativa, em pesquisa nas ciências humanas e da educação, entendemos que é epistemologicamente mais defensável a tese da unidade dos paradigmas” (SANTOS FILHO, 1997, p. 53). No desenvolvimento das pesquisas sobre representações sociais, mais do que a preocupação com a superação entre diferentes abordagens, vemos um espaço de pesquisa que se vem ampliando há vinte anos, com: uma multiplicação dos objetos de representação tomados como temas de pesquisa; abordagens metodológicas que se vão diversificando e fazem um recorte de setores de estudo específicos; problemáticas que visam a delimitar melhor certos aspectos dos fenômenos representativos; a emergência de teorias parciais que explicam estados e processos definidos; paradigmas que se propõem a elucidar, sob certos ângulos, a dinâmica representacional (JODELET, 2001b, p. 41). Justificando esse grande potencial para a emergência de trabalhos coerentes com instrumentos conceituais e empíricos sólidos, Jodelet (2001b, p. 41) afirma que “ao contrário do paradigma informático, que recobre todo o esforço científico sob a capa de uma mesma forma, o modelo das representações sociais impulsiona a diversidade e a invenção, traz o desafio da complexidade”. Essa verificação nos leva a compartilhar da idéia, já defendida por outros autores (MOSCOVICI, 2003; GILLY, 2001; TEVES; RANGEL, 1999; RANGEL, 1997), de que a noção de representação social nos oferece uma perspectiva inteiramente nova para explicar os mecanismos pelos quais fatores especificamente sociais agem sobre o processo educativo, influenciando seus 94 resultados. Dessa forma, discutimos no próximo item, os principais pontos dessa teoria que nortearam nosso trabalho. 4.2 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS (TRS) O termo representações sociais foi cunhado pelo psicólogo social francês Serge Moscovici para designar um conjunto de fenômenos e o conceito que os engloba, assim como a teoria construída para explicá-los. Através da obra A representação social da psicanálise (1978) — traduzida da segunda edição francesa, intitulada La psychanalyse – son image et son public (1976) — Moscovici apresenta um primeiro esboço do conceito e da teoria das representações sociais. Logo no prólogo desse trabalho inicial, Moscovici (1978, p. 14) deixa claro que sua intenção era “redefinir os problemas e os conceitos da psicologia social a partir desse fenômeno [da representação social], insistindo sobre sua função simbólica e seu poder de construção do real”. Mas apesar de acreditar que as representações sociais são entidades quase tangíveis, que se fazem fortemente presentes em nosso universo cotidiano, por meio da fala, do gesto ou de um encontro, admite que “se a realidade das representações sociais é fácil de apreender, não o é o conceito” (ibid., p. 41). Com o intuito de se afastar de uma vertente da psicologia social que se ocupava basicamente dos processos psicológicos que envolvem um indivíduo, considerando como foco “vagamente social” a influência que esse indivíduo possa sofrer de outro indivíduo, Moscovici busca uma primeira inspiração no conceito de “representação coletiva” da sociologia de Durkheim (SÁ, 1995). Mas, como o conceito de representações coletivas era utilizado por Durkheim 95 como elemento básico para elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico, Moscovici considerou essa noção muito abrangente, pois era capaz de referir-se a diferentes modos de organização social do pensamento, sem defini-los. Assim, para dar conta dos fenômenos que pretendia estudar, Moscovici (2003, p. 198) prefere falar de representações sociais em lugar de representações coletivas, procurando “romper com as associações que o termo coletivo tinha herdado do passado e também com as interpretações sociológicas e psicológicas que determinaram sua natureza no procedimento clássico”. Para Durkheim, a representação coletiva é vivida de maneira homogênea por todos os membros de um grupo, da mesma forma que partilham uma língua. Tendo por substrato a sociedade em sua totalidade, a representação coletiva tem por função preservar o vínculo entre os membros desse grupo e “prepará-los para pensar e agir de modo uniforme. Ela é coletiva por isso e também porque perdura pelas gerações e exerce uma coerção sobre os indivíduos, traço comum a todos os fatos sociais” (MOSCOVICI, 2001, p. 47). Mas se na perspectiva de Durkheim a representação indica prioritariamente “uma ampla classe de formas mentais (ciências, religiões, mitos, espaço, tempo), de opiniões e de saberes sem distinção” (ibid., p. 47), para Moscovici — ao retomar o estudo das representações, por volta do início dos anos 60 — a própria noção se modificou, na medida em que as representações coletivas foram “cedendo lugar” para as representações sociais. Para este autor, a noção de representação social surge como uma resposta à necessidade de fazer da representação uma passarela entre os mundos individual e social, de associá-la, em seguida, à perspectiva de uma sociedade 96 em transformação [...]. Trata-se de compreender não mais a tradição, mas a inovação; não mais uma vida social já feita, mas uma vida social em via de se fazer (ibid, p. 62). Assim, ao reconhecer “que as representações são, ao mesmo tempo, construídas e adquiridas, tira-se-lhes esse lado preestabelecido, estático, que as caracterizava na visão clássica” (ibid., p. 62). Dessa forma, buscando deixar bem nítido que sua proposta afasta-se da noção de representação coletiva, Moscovici (ibid., p. 63) afirma que a representação social “tem um caráter moderno pelo fato de que, em nossa sociedade, substitui mitos, lendas e formas mentais correntes nas sociedades tradicionais”. E o autor ainda faz questão de acrescentar que as representações sociais que lhe interessam não são nem as das sociedades primitivas, nem as suas sobreviventes, no subsolo de nossa cultura [...]. Elas são as de nossa sociedade atual, de nosso solo político, científico, humano, que nem sempre têm tempo suficiente para se sedimentar completamente para se tornarem tradições imutáveis (MOSCOVICI, 2003, p. 48). Dentro dessa perspectiva, podemos inferir que, para Moscovici, as representações sociais são típicas das culturas modernas e acompanha o ritmo dessas culturas. Os meios de comunicação de massa aceleram essa tendência e as representações sociais podem disseminar-se por toda a população, ao mesmo tempo em que podem permanecer por um curto período de existência, ou então, “ancorarem-se” por mais tempo nas comunicações e interações sociais. Apesar de Moscovici recusar-se a conceituar de modo definitivo as representações sociais, muitos pesquisadores têm contribuído para seu desenvolvimento enquanto teoria. Na tentativa de aprofundar a compreensão que 97 se tem da teoria das representações sociais (TRS), ela tem sido discutida, criticada, reformulada e cada vez mais empregada em trabalhos científicos de diversas áreas de conhecimento (CONFERÊNCIA DO IMAGINÁRIO, 2003; JODELET, 2001a; CARDOSO; MALERBA, 2000; SÁ, 1998; MOREIRA; OLIVEIRA, 1998). No que diz respeito ao campo educacional, a TRS é uma das teorias que têm recebido crescente atenção por parte dos pesquisadores (MOYSÉS, 2001; RANGEL, 2001, 1998a, 1997; GILLY, 2001; TEVES; RANGEL, 1999). Segundo De Rosa (apud OLIVEIRA; WERBA, 1998, p. 105), o estudo da TRS pode ser caracterizado em três níveis de discussão e análise: • O nível fenomenológico, em que as representações sociais, tomadas como objeto de investigação, são elementos da própria realidade social, aparecendo como modo de conhecimento e saberes do senso comum, “que surgem e se legitimam na conversação interpessoal cotidiana e têm como objetivo compreender e controlar a realidade social”. • O nível teórico, em que as representações referem-se à reunião de conceitos e métodos, que dizem respeito à formação de conceitos e imagens. • O nível metateórico, no qual temos a revisão epistemológica do campo de estudos das representações sociais. É o nível das discussões sobre a própria teoria. A distinção entre esses três níveis, apesar de serem elaborações do “universo reificado da ciência”, é imprescindível para o sucesso da pesquisa. Ao deixarmos claro sobre qual desses níveis refere-se nossa investigação, complementamos um processo decisório — que se inicia, já com a construção do objeto e objetivo de pesquisa — “pelo qual transformamos conceitualmente um fenômeno do universo consensual em um problema do universo reificado”, 98 para em seguida, selecionarmos “os recursos teóricos e metodológicos a serem usados para a solução do problema” (SÁ, 1998, p. 26). Numa outra perspectiva, Jodelet (2001b) — partindo da noção básica de que uma representação social é uma forma de saber prático, socialmente engendrado e compartilhado, que colabora para a constituição de uma realidade comum a todos os membros de um conjunto social — levanta três questões balizadoras para esse campo. Essas questões, por sua vez, desembocam em três problemáticas interdependentes, que dizem respeito a: 1º) ao estudo das condições de produção e circulação das representações sociais (quem sabe e de onde sabe?); 2º) à pesquisa dos processos e estados das representações sociais (o que e como sabe?) e 3º) à ocupação com o estatuto epistemológico das representações sociais (sobre o que sabe e com que efeito?). Essa classificação tem um caráter mais didático do que normativo, pois não podemos perder de vista que se trata “de três grandes dimensões do campo das representações sociais, cuja pesquisa deveria ser conduzida de modo articulado” (SÁ, 1998, p. 33). A caracterização em níveis (DE ROSA apud OLIVEIRA; WERBA, 1998) e dimensões (JODELET, 2001b) fazem parte do universo da ciência, sendo necessárias para tornarem viáveis as pesquisas em representações sociais, já que esse fenômeno — pela sua complexidade, recorrente a inúmeras instâncias da interação social — não pode ser captado de forma direta e completa pela pesquisa científica. Assim, a teoria das representações sociais não implica ou recomenda generalizações, mas sim que se apontem aspectos ou elementos de sua formação, no interesse de que a pesquisa não tenha pretensão de ser 99 demasiadamente abrangente e com isso não dê conta de todas as manifestações do fenômeno de representação social (SÁ, 1998). Segundo Moscovici (2003), as representações sociais estão mais e mais marcadas pela divisão entre esses dois universos, o primeiro (universo consensual) caracterizado por uma relação de apropriação confiante, até mesmo uma implicação, e o último (universo reificado) pelo distanciamento, pela autoridade, até mesmo por uma separação (p. 198). Essas representações são essencialmente dinâmicas e influem na construção de conhecimentos sociais, cuja finalidade é situar o indivíduo no mundo e, conseqüentemente, influir na definição de sua identidade social. Sendo fundamentalmente dinâmicas, as representações sociais “levam os indivíduos a produzirem comportamentos e interações com o meio, ações que, sem dúvida, modificam os dois” (OLIVEIRA; WERBA, 1998, p. 105). E é justamente esse dinamismo das representações que sugere um cenário interdisciplinar para seu estudo apresentando, como conseqüência, uma diversidade de enfoques que são adotados para a pesquisa nesse campo. É interessante notar que, além de se formarem a partir das percepções que o sujeito tem da “realidade”, as representações também influem na configuração dessa mesma “realidade”. Elaboradas e partilhadas coletivamente, as representações sociais expressam conhecimentos práticos, do senso comum, constituído-se em “teorias” sobre saberes populares, cuja finalidade é a construção e interpretação do real. Dessa forma, as representações sociais podem ser caracterizadas como verdadeiras teorias do senso comum, “pelas quais se procede à interpretação e mesmo à construção das realidades sociais” (SÁ, 1995, p. 26). 100 Segundo Moscovici (2003), “as representações sociais têm como finalidade primeira e fundamental tornar a comunicação, dentro de um grupo, relativamente não-problemática e reduzir o ‘vago’ através de certo grau de consenso entre seus membros” (p. 208). Para isso, é necessário colocar o conteúdo “estranho”, que se apresenta na representação, em contato com um conteúdo conhecido, e trazer para o interior de nosso universo o que se encontra fora dele, tornando o estranho em algo familiar. Assim, “a finalidade de todas as representações é tornar familiar algo nãofamiliar, ou a própria não-familiaridade” (ibid., p. 54). Entretanto, ao formarmos representações objetivando nossa familiarização com o estranho, formamo-nas também para reduzir a margem de não-comunicação. Ou seja, ao formarmos nossas representações sociais (de uma teoria científica, de uma noção, de um objeto etc), estas “são sempre o resultado de um esforço constante de tornar comum e real algo que é incomum (não-familiar), ou que nos dá um sentimento de não-familiaridade” (ibid., p. 58). Transformar palavras, idéias ou seres não-familiares em palavras comuns próximas e atuais não é tarefa fácil. Para transformar o não-familiar, dando-lhe uma feição familiar, é necessário um processo de pensamento baseado na memória e em conclusões passadas que põem em funcionamento os dois mecanismos responsáveis pela “familiarização” e que geram as representações sociais (MOSCOVICI, 2003). A familiaridade a que Moscovici se refere é conseguida através da ancoragem, que é “o processo de assimilação de novas informações a um conteúdo cognitivo-emocional preexistente” (SAWAIA, 1995, p. 76) e da objetivação, que é a transformação de um conceito abstrato em algo concreto e 101 tangível. Portanto, a ancoragem e a objetivação são os mecanismos fundamentais, responsáveis pela formação de uma representação social. Como primeiro mecanismo da formação de uma representação social temos o processo de ancoragem, pelo qual “a sociedade converte o objeto social num instrumento de que ela pode dispor, e esse objeto é colocado numa escala de preferência nas relações sociais existentes” (FIGUEIRA, 1980, p. 300). Nessa perspectiva, a ancoragem é nossa tentativa de classificar e encontrar um lugar para inserir o conhecimento “não familiar”, dando-lhe um aspecto “familiar”. Quando vemos como ameaçador algo estranho e diferente, inicia-se o processo de ancoragem, na tentativa de incorporar o que nos “ameaça” (pessoa, idéia, objeto) num modelo conhecido que possamos decodificar. Esse primeiro mecanismo “tenta ancorar idéias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns, colocá-las em um contexto familiar” (MOSCOVICI, 2003, p. 60). Pelo processo de ancoragem, algo estranho e perturbador que nos intriga é transformado em nosso próprio sistema de categorias e comparado a um paradigma de uma categoria que acreditamos ser mais apropriada. Sendo assim, ancorar nada mais é do que classificar e nomear alguma coisa, pois as coisas que não pertencem a uma classificação e que não têm um nome não têm “existência”, e portanto, são estranhas e conseqüentemente, ameaçadoras. A objetivação — segundo mecanismo da formação de uma representação social — torna real um esquema conceitual, dando uma feição material a uma imagem. Através dela, procuramos aliar um conceito a uma imagem. Pela objetivação, constitui-se o núcleo das representações através das imagens concretizadas por conceitos. Ou seja, “objetivar é descobrir a qualidade icônica 102 de uma idéia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma imagem” (ibid., p. 72). Temos um bom exemplo desse mecanismo no campo religioso. Quando se chama Deus de “pai”, na verdade está se objetivando, pois “o que era invisível, instantaneamente se torna visível em nossas mentes, como uma pessoa a quem nós podemos responder como tal” (ibid., p. 72). Dessa forma, a objetivação se dá ao transformarmos algo abstrato, como a imagem de Deus — jamais visualizada — em algo quase concreto, como é o caso da imagem conhecida de pai, facilitando, com isso, a idéia do que seja Deus. Assim, esse segundo mecanismo de formação das representações sociais tenta transferir o que está na mente para algo que tenha existência no mundo físico. As representações sociais só podem ser adequadamente estudadas, na medida em que compreendemos como funcionam os mecanismos de ancoragem e objetivação, responsáveis diretamente pela criação dessas representações. Os dois mecanismos transformam o não-familiar em familiar, primeiramente transferindo-o a nossa própria esfera particular, onde nós somos capazes de compará-lo e interpretá-lo, e depois, reproduzindo-o entre as coisas que nós podemos ver e tocar, e, conseqüentemente, controlar (ibid., p. 61). Complementando a observações anteriores, de certa forma, podemos caracterizar a representação social como “uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (MOSCOVICI, 1978, p. 26). Isso nos leva à compreensão de que as representações sociais não podem ser estudadas como se fossem produto da ação e relação entre sujeitos ou grupos livres e autônomos. Mas, pelo contrário, as representações de um sujeito ou grupo “não são independentes, 103 relacionam-se a outros sistemas de representações e expressam um discurso sobre a sociedade inteira” (SAWAIA, 1995, p. 78). Segundo Rangel (1993a, p. 12): as pessoas elaboram socialmente as representações, que se tornam assim, fatores importantes nas relações entre o homem — ser social — e o mundo, orientando a forma (coletiva) de definir, interpretar e constituir a realidade, comunicando valores e conhecimentos que variam de acordo com os grupos sociais que lhe atribuem significados. Partindo do princípio de que as representações sociais são produtos sociais, parece haver uma grande aceitação, por parte dos pesquisadores dessa área de que, no estudo dessas representações, devemos sempre remetê-las ao seu contexto de produção, ou seja, às condições sociais que as engendraram (SPINK, 1995c). Dessa forma, a adequada compreensão das representações sociais aponta “a necessidade de partir das relações sociais para compreender como e por que os homens agem e pensam de determinada maneira, afirmando o caráter histórico da consciência” (SAWAIA, 1995, p. 75). Ou seja, a representação social, enquanto fenômeno da sociedade — mas também teoria de pesquisa — inclui fatores sócio-psicológicos, históricos, culturais e afetivos. Essa abrangência fenomenal nos possibilita obter dos sujeitos das pesquisas nesse campo os conceitos e imagens que atribuem ao objeto pesquisado. Portanto, pelo seu potencial em orientar conceitos e influenciar condutas, a representação social traz grandes contribuições à pesquisa educacional. No que diz respeito ao ensino de filosofia, em particular, a utilização da teoria das representações sociais em pesquisas pode trazer elementos teóricos explicativos da própria identidade grupal, ou seja, da maneira como os sujeitos pertencentes a um grupo se afinam, no modo de 104 pensar e agir, diante de um “objeto” que faz parte de seus interesses e do próprio funcionamento desse grupo (RANGEL, 2001, p. 136). Mas, se com o que vimos até agora, tentamos fixar o sentido da noção de representação social, qual a relação desse fenômeno com a coletividade que a produz? E, nesse sentido, como essa representação se reflete no sujeito social, que é portador do seu conteúdo? Em um nível relativamente superficial — no nível em que a representação social se mostra como um conjunto de proposições emitidas pelo “coro” coletivo de que cada sujeito faz parte, independente de sua vontade — ou seja, no nível da opinião pública, as proposições, reações ou avaliações organizam-se de diversas maneiras de acordo com “as classes, as culturas ou os grupos, e constituem tantos universos de opinião quantas classes, culturas ou grupos existem” (MOSCOVICI, 1978, p. 67). Assim, na tentativa de responder às questões levantadas no parágrafo anterior, tomamos por base, para nossa pesquisa, a hipótese elaborada por Moscovici (1978) de que cada universo de opinião possui três dimensões, a saber: a atitude, a informação e o campo de representação (ou imagem). Ao tomarmos as dimensões da representação como categorias básicas de análise consideradas nesta pesquisa, nos reportamos, portanto, à caracterização dessas dimensões, elaboradas pelo próprio Moscovici (1978). A atitude, primeira dimensão citada, busca “destacar a orientação global em relação ao objeto da representação social” (ibid., p. 70), suscitando em todos os sujeitos envolvidos tomadas de posição (atitudes) determinadas. Essa dimensão nos permite perceber pessoas que são favoráveis e pessoas que são desfavoráveis ao objeto representado, admitindo que, entre esses dois extremos, há também atitudes intermediárias. Assim, enquanto uma tomada de posição do 105 sujeito em relação ao objeto representado, podemos identificar nas atitudes “os valores positivos (necessidades sociais, valor científico, conseqüências de guerra) e os valores negativos” (ibid., p. 71). A dimensão designada pelo termo informação “relaciona-se com a organização dos conhecimentos que um grupo possui a respeito de um objeto social” (ibid., p. 67). E segundo o próprio Moscovici (2003, 1995, 1978), a melhoria das condições de informação sobre esse objeto representado é diretamente proporcional ao nível de conhecimento que o sujeito tenha sobre o objeto. Seguindo este raciocínio, infere-se que “quanto maior for o conhecimento que uma pessoa ou um grupo tenha de uma dada realidade, mais coerente e próximas do real são as representações sociais que dela façam” (MOYSÉS, 2001, p. 47). Na dimensão “campo de representação”, somos remetidos “à idéia de imagem, de modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das proposições atinentes a um aspecto preciso do objeto da representação”. (MOSCOVICI, 1978, p. 69). No entanto, apesar de o conteúdo das proposições poder englobar o conjunto representado, isso não quer dizer que esse conjunto seja ordenado e estruturado. A amplitude do campo de representação e os pontos que lhe orientam variam muito e englobam tantos juízos sobre o objeto representado, quanto os tipos de sujeitos que elaboram representações. A expressão do conteúdo da representação, que se encontra nas proposições e imagens dos sujeitos, é tanto menos percebida quanto maior for a amplitude do campo de representação. Isso nos permite, freqüentemente, apenas constatar a existência de uma organização subjacente ao conteúdo (MOSCOVICI, 1978). 106 Estamos cientes de que a perspectiva adotada neste trabalho, por já estar presente na primeira obra de Moscovici (1978), pode conter algumas limitações. Ao referir-se às pesquisas realizadas pelos primeiros estudiosos brasileiros, que tomaram por base a análise das dimensões, Sá (1998) nos alerta que devemos ter cautela para não “se cair em um estudo clássico de atitudes sociais e/ou, pior ainda, em uma simples testagem de conhecimentos populares a ser comparada com aqueles próprios dos universos reificados” (p. 69), onde os pesquisadores passem a se ocupar exclusivamente da dimensão campo da representação. Mas, isso não inviabiliza um estudo dessa natureza, pois o próprio Sá (1998) admite que “pode ter havido um abandono prematuro das outras dimensões e talvez seja interessante recuperá-las, desde que de um modo em que as três sejam conscientemente articuladas” (p. 69). A convicção no potencial da pesquisa que se utiliza das dimensões da representação como categoria de análise fica evidente quando Moscovici (1978) admite que “as três dimensões — informação, campo de representação ou imagem, atitude — de representação social [...] fornecem-nos uma panorâmica do seu conteúdo e do seu sentido” que nos permite “formular legitimamente a questão de utilidade dessa análise dimensional” (p. 71). Para ele, o argumento da precisão, tão necessário à abordagem quantitativa, não é decisivo nas pesquisas referentes às dimensões da representação. Ao nos propormos a estudar a filosofia no ensino médio à luz da TRS, balizamos nossa pesquisa pela perspectiva adotada por essa teoria de que “o social é coletivamente edificado e o ser humano é construído através do social” (OLIVEIRA; WERBA, 1998, p. 111). Assumindo essa postura, não podemos deixar de levar em consideração que 107 cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político (GRAMSCI, 1995, p. 3). Outra questão que se pode levar em conta como possibilidade é a de que o professor de filosofia — profissional com um conjunto de conhecimentos forjados por determinado grupo social — tenha, como todos os demais professores (intelectuais) que se formaram numa instituição escolar, um papel na conservação do bloco histórico. Em alguns casos, quando o professor de filosofia acredita que “faz o que faz” e “pensa o que pensa” porque é um indivíduo livre, autônomo e com poder para mudar o curso das coisas como e quando quer, pode estar desconhecendo que é condicionado por fatores histórico-sociais e políticos concretos. Assim, partimos da proposição de que representações referentes à filosofia e seu ensino podem veicular valores que interpretam e reconstroem os fatos reais, de acordo com os interesses de um determinado grupo social, em detrimento de outro. Por essa razão, acreditamos que as representações sociais da filosofia no ensino médio tornam-se objeto de significativa importância à pesquisa em educação, não apenas pelas contribuições que podem trazer ao entendimento da formação e consolidação de conceitos, socialmente veiculados e mantidos por professores de filosofia, mas também por oferecerem subsídios ao entendimento dos mecanismos de elaboração desses conceitos e suas imagens da “realidade” dessa disciplina. 108 5 METODOLOGIA DA PESQUISA EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS No desenvolvimento de uma pesquisa científica de cunho social, poderíamos apontar como principal objetivo a necessidade de ultrapassar o senso comum. Essa ultrapassagem se dá pela utilização do método científico que “permite que a realidade social seja reconstruída enquanto um objeto do conhecimento, através de um processo de categorização (possuidor de características específicas) que une dialeticamente o teórico e o empírico” (MINAYO, 2002, p. 35). Em relação a uma pesquisa científica, poderíamos dizer que o método é um caminho iluminado por uma determinada teoria. Segundo Tobar e Yalour (2001, p. 20) “a questão do método é uma questão de procedimentos, não de até onde avançar, mas de como fazê-lo”. Como nos capítulos precedentes já foi definida a base teórica e conceitual que utilizamos para estudar a filosofia no ensino médio, resta-nos definir o melhor caminho para alcançar esse objetivo. Assim, com o intuito de responder à pergunta de “como pesquisar” à luz da Teoria de Representação Social (TRS), discutimos neste capítulo os procedimentos adotados para esse fim. Ou seja, discutimos a metodologia utilizada para o acesso ao fenômeno de representação social que escolhemos pesquisar. Para isso, dividimos o capítulo em duas partes que abarcam os principais elementos da metodologia, a saber: procedimentos para levantamento dos dados (item 5.1) e procedimentos para análise dos dados (item 5.2). 5.1 PROCEDIMENTOS PARA LEVANTAMENTO DOS DADOS Ao definirmos a linguagem como “o uso da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre pessoas” (FERREIRA, 1999, p. 1219), podemos inferir que se desenvolveu historicamente pela necessidade de os seres humanos se entenderem em relações de trabalho cada vez mais complexas, não sendo portanto, um campo neutro. Mas pelo contrário, a linguagem pode ser um lugar de conflito, de confronto ideológico, funcionando como “elemento de mediação primordial entre o homem e sua realidade, e como forma de engajá-lo na própria realidade”. Sendo assim, a linguagem não pode ser “entendida fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são históricos-sociais” (BRANDÃO, 1996, p. 12). Nessa perspectiva, a análise do discurso, nova tendência lingüística surgida na década de 1960, converte-se em instrumental de grande utilidade na identificação das representações sociais pertinentes ao tema desta pesquisa. Pois, nessa tendência lingüística entende-se que o estudo da linguagem não pode estar desvinculado de suas condições de produção. A análise do discurso procura compreender a língua fazendo sentido [...]. Não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto membros de uma determinada forma de sociedade (ORLANDI, 1999, p.15-16). Referindo-se à coleta e tratamento de dados relativos à pesquisa em representações sociais (RS), Souza Filho (1995, p. 115) nos alerta sobre a necessidade “de saber qual a melhor forma de expressão a ser usada pelo sujeito para a (re) produção de RS, bem como a respeito da situação mais adequada 110 para fazê-lo a fim de permitir uma validade maior”. E visando a facilitar o acesso do pesquisador à realidade vivida pelo sujeito, “o ideal seria usar a forma de linguagem e situação o mais perto possível da realidade natural onde (e como) o fenômeno ocorre” (ibid., p. 115). Partindo desse princípio, ao intentarmos discutir a filosofia no ensino médio através de suas representações sociais, priorizamos o discurso escrito, por acreditarmos que essa é uma forma de linguagem muito próxima da realidade natural do local onde buscamos nosso fenômeno, ou seja, da escola. Aceitando que “o discurso constitui uma matéria-prima preciosa para a ‘decantação’ das representações” (ARRUDA, 1983, p. 9), optamos por uma pesquisa baseada em questionários de perguntas abertas, que levam o entrevistado a responder com frases e orações. Escolhemos esse tipo de questionário pela possibilidade que dá ao entrevistado de responder às questões com mais liberdade, não ficando restrito a marcar uma ou outra opção, como ocorre nos questionários de perguntas fechadas (RICHARDSON, 1999). Ao permitir respostas “abertas”, sem conduzir totalmente os elementos dessas respostas e propiciando aos sujeitos a livre expressão de suas idéias, acreditamos que o discurso melhor se revelou para nossa análise, favorecendo assim a ampliação de nossa percepção das representações sociais. Os itens constantes nos questionários foram definidos de maneira a nos dar a condição de perceber as dimensões da representação da filosofia (e, portanto, a atitude, a informação e o campo de representação) em professores e alunos do ensino médio. Cabe observar que uma certa orientação participativa da pesquisa foi garantida tanto na fase de pré-teste (questionário experimental) do questionário, como na coleta propriamente dita. Uma vez que o próprio pesquisador também é professor de filosofia no ensino médio, houve a possibilidade de ver os problemas da área a partir de seu interior: compartilha as vivências, os 111 problemas e as preocupações da área. Dessa forma, foi relativamente fácil formular, como hipóteses, as expectativas, as representações e os interesses dos informantes, tanto na fase da pesquisa propriamente dita, como na formulação de sugestões. Considerando que nos estudos qualitativos o pesquisador é o principal instrumento de investigação, a escolha do campo onde colhemos os dados, bem como dos participantes, foi proposital. Nossa escolha se deu em função das questões de interesse do estudo, mas também das condições de acesso e permanência no campo, assim como da disponibilidade dos sujeitos (ALVESMAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998). Para coletarmos o discurso que nos interessava analisar, fizemos uma consulta sistematizada, através da aplicação de questionários, em duas escolas de ensino médio a fim de verificarmos a procedência ou não de nossas suposições com relação às representações sociais da filosofia. Objetivando aprofundar a descrição dessa realidade estudada, observamos ainda outras variáveis nas unidades escolares: expressão corporal e/ou comentário oral realizado pelo sujeito ao se deparar com o questionário, estado de conservação e adequação das dependências (salas de aula e biblioteca), número médio de alunos por turma e existência de recursos áudio-visuais (TV/vídeo/som). Com isso, nossa pesquisa se caracterizou como um “estudo de caso”. Mesmo cientes da existência de um certo grau de arbitrariedade em qualquer recorte da realidade — conforme explicitamos anteriormente — definimos como população de nossa pesquisa o conjunto dos indivíduos integrantes de duas escolas da rede pública estadual, situadas no município de Queimado/RJ: CIEP 396 – Luiz Peixoto e Colégio Estadual Prefeito Luiz 112 Guimarães. Dentro dessa população limitamos nossa amostra a 235 (duzentos e trinta e cinco) elementos. Inicialmente, nossa escolha inspirou-se em um longo período de convivência profissional com as escolas situadas nesse município. No período em que atuamos como supervisor escolar no município de Queimados (20002002) tivemos oportunidade de verificar, nas constantes “visitas” às escolas da região, uma quantidade significativa de reclamações acerca do ensino de filosofia no nível médio. Essas constatações empíricas, pautadas em observações de conversas do cotidiano escolar, e também em outros ambientes sociais, instigaram-nos a retornar a esse contexto, como pesquisador, a fim de compreender os fundamentos das “reclamações” acerca do ensino de filosofia, oriundas de pessoas que tiveram contato com a disciplina no ensino médio. Podemos apontar como uma segunda razão — conseqüência da anterior — para a escolha dessa população, a facilidade de acesso aos sujeitos da pesquisa, gerada pelo bom relacionamento profissional no passado. Além disso, essas duas escolas são as principais escolas estaduais desse município, por conta do grande número de alunos que recebem anualmente, provenientes de diversas regiões de Queimados e adjacências. Dados estatísticos também foram levados em consideração na escolha da população. Sendo assim, a constatação do elevado número de matrículas no ensino médio da rede pública, nos últimos anos, teve um papel decisivo em nossa escolha pelas duas escolas citadas. Segundo dados do Ministério da Educação (BRASIL, 2004), em 2001, o maior número de alunos no ensino médio do país estava nas escolas estaduais, que detinham 83% do total de matrículas nesse nível escolar. Em contrapartida, a rede privada, no mesmo ano, contou com apenas 13,2% das matrículas, contra os 86,8% do total de matrículas 113 na rede pública (somadas as escolas estaduais, municipais e federais). No estado do Rio de Janeiro, das 707.593 matrículas no ensino médio em 2001, 79,6% estava na rede pública. A partir dos anos seguintes os indicadores praticamente não se alteraram. Em 2002, 83,7% das matrículas no ensino médio no Brasil foram feitas em escolas estaduais, e apenas 12,8% na rede privada. Essa diferença diminui um pouco em relação às matrículas realizadas no estado do Rio de Janeiro: 78,1% em escolas estaduais e 18,5% em instituições privadas. No ano de 2003 tivemos, no estado do Rio de Janeiro um total de 78,6% das matrículas no ensino médio em escolas estaduais, contra 18% em instituições privadas de ensino. No entanto, levando-se em consideração apenas o município de Queimados/RJ, onde realizamos nossa coleta de dados, o número de matrículas na rede estadual sobe, em relação ao estado como um todo, para 86,5% em 2002 e 82,4 % em 2003. Com esses dados, constatamos que as escolas públicas, destacando-se entre elas as estaduais (principalmente no município de Queimados/RJ), são responsáveis pelo atendimento da maior parte da demanda por ensino médio no país. Mas nem por isso, objetivamos generalizar os resultados obtidos em nossa pesquisa (apesar de admitirmos uma considerável representatividade da amostra selecionada em relação à população) para outras populações. Em princípio, nossa pesquisa — como já dissemos — não prevê generalização, mas apenas admite o princípio da transferibilidade. Ou seja, a possibilidade de aplicação dos resultados a um outro contexto dependerá das semelhanças entre eles e a decisão sobre essa possibilidade cabe ao “consumidor potencial”, isto é, a quem pretende aplicá-los em um contexto diverso daquele no qual os dados foram gerados (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 174). 114 Em relação aos elementos que formaram nossa amostra, mesmo cientes de que a análise centrada na totalidade do discurso é um processo muito demorado para um estudo que conte apenas com um pesquisador, partimos do princípio de que a análise comparativa (com ênfase no compartilhamento de idéias) é favorecida por uma quantidade maior de sujeitos. Assim, levando-se em consideração as duas escolas pesquisadas, nossa amostra foi formada por alunos que cursavam o primeiro ano do ensino médio no ano de 2003, juntamente com seus respectivos professores de filosofia21 e os coordenadores pedagógicos22 dos estabelecimentos de ensino. Cabe observar que trabalhamos com duas turmas de cada professor de filosofia, e dentro dessas turmas aplicamos os questionários a todos os alunos presentes no dia de nossa visita a cada escola. Tendo em vista que em 2002 cada professor deveria comparecer duas vezes por semana à escola, procuramos aplicar o questionário em uma turma de cada dia do professor no estabelecimento. Nossa intenção era amenizar a interferência da variação de humor, conforme o dia em que o professor ministrava suas aulas. No total foram aplicados 227 (duzentos e vinte e sete) questionários para alunos, 05 (cinco) para professores de filosofia e 03 (três) para coordenadores pedagógicos. Tivemos o cuidado de aplicar os questionários (anexos 1, 2 e 3) no último bimestre do ano letivo de 2003, mais especificamente durante o mês de novembro, pois assim os alunos já poderiam ter formado, ou modificado, suas 21 Mesmo sabendo que na rede estadual, por conta da carência de docentes, encontramos professores que não são licenciados em filosofia ministrando a disciplina, não enfocamos esta questão. Levamos em consideração apenas a função exercida pelo professor no momento em que aplicamos os questionários. Para nossa pesquisa, consideramos a opinião do professor que leciona filosofia, mesmo não sendo habilitado para tal. 22 Para efeito deste trabalho, não distinguimos coordenador pedagógico e orientador pedagógico: consideramos que ambos exercem a mesma função. 115 representações acerca da disciplina filosofia. Mas antes da aplicação definitiva do questionário, fizemos uma aplicação experimental — um pré-teste — a um grupo de sujeitos que apresentavam características idênticas às da população incluída na pesquisa. A partir das dificuldades demonstradas pelos sujeitos em responderem ao questionário experimental, fizemos as alterações necessárias e chegamos ao questionário aplicado na pesquisa. Queremos ressaltar que não foi nosso intuito nos comprometermos em estabelecer relações entre dados do tipo: escola pública versus escola privada; sexo, idade ou perfil sócio-econômico dos entrevistados etc. As questões apresentadas aos sujeitos da pesquisa tiveram por objetivo possibilitar a expressão de um discurso relativo à filosofia, para que o discurso pudesse ser por nós analisado. Estamos cientes de que nossa escolha recaiu sobre sujeitos que se encontram em diferentes posições no processo educacional. Mas sem dúvida alguma, o centro das atenções da escola deve ser o aluno, pois afinal, a escola existe em função dele. Na organização da escola, levando-se em consideração o objetivo a que ela se destina, criam-se condições favoráveis para que o aluno adquira habilidades, conhecimentos e atitudes que lhe permitam situar-se em face das necessidades vitais e existenciais. Sendo o aluno o protagonista desse processo ensino-aprendizagem, interessou-nos sobremaneira não apenas conhecer suas representações sociais acerca da filosofia, como também entender o processo de formação dessas representações. Por outro lado, o professor desempenha um importante papel para que surjam as condições necessárias ao processo ensino-aprendizagem. Sendo assim, optamos por também entrevistar os docentes, por acreditarmos que suas atitudes influem nas representações que os educandos formam da escola e de tudo que a ela possa estar ligado. No que diz respeito, tanto ao professor, quanto ao aluno, “a representação pode ser compreendida enquanto forma como as pessoas 116 percebem, conceituam, afiguram (atribuem figuras, imagens) os fatos da sua lida diária, em seus grupos” (RANGEL, 2001, p. 136). Além dos alunos e professores, que são os elementos humanos diretamente envolvidos no processo ensino-aprendizagem de filosofia, incluímos como sujeitos de nossa pesquisa, os coordenadores pedagógicos. Tal opção justifica-se pelo fato de que o coordenador pedagógico de uma escola pode interferir diretamente na elaboração de representações sociais da filosofia, tendo em vista que a eficácia de sua ação está “diretamente ligada à sua habilidade em promover mudanças de comportamento no professor” (LÜCK, 1998, p. 21). Ou seja, “a atribuição essencial do coordenador pedagógico está, sem dúvida alguma, associada ao processo de formação em serviço dos professores” (CHRISTOV, 2002, p. 9). As recomendações dadas por esse profissional ao professor de filosofia pode vir carregada de representações acerca da mesma. O coordenador serve de elo entre a filosofia e as demais disciplinas da grade curricular, o que facilita a circulação de eventuais representações. A coordenação pedagógica, geralmente, é mostrada como um trabalho essencialmente de equipe, realizado por um conjunto de pessoas envolvidas na tarefa de coletivização do pensar e do agir educativo. Essa proposta pode estar centrada na realidade e vivência do aluno e do professor e dos problemas da comunidade, mas também pode funcionar como veículo de difusão de representações sociais acerca da educação em geral, e da filosofia em particular. Além disso, não podemos perder de vista que “a formação de representações é feita nas comunicações e interações sociais dos sujeitos, integrantes dos grupos, em relação a elementos de sua vida cotidiana, de seus interesses sociais” (RANGEL, 2001, p. 136). 117 Por sua própria função em nossa sociedade, a escola organiza-se pela disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que formam estrutura organizada. Ou seja, a escola apresenta-se como um sistema onde um conjunto de elementos, tais como pessoas com diferentes papéis e ambiente físico específico, interagem e se influenciam mutuamente. Dessa forma, mudanças em qualquer dos elementos da escola produzem, conseqüentemente, mudanças nos outros elementos. Nesse conjunto relacionado, na forma de troca de influências, há uma expressiva possibilidade das representações sociais influenciarem nas condutas e expectativas que, por sua vez, influem na construção dos fatos, equivalentes à maneira como os sujeitos os representam. Por fim, cabe observar que a escolha dos procedimentos adotados para levantamento de dados nessa pesquisa — destacando-se o questionário aberto — encontra respaldo quando nos reportamos às colocações de Spink (1995a, p. 100), que nos afirma serem as “técnicas verbais” a forma mais comumente empregada para acessar as representações e obter os dados necessários. Para ela, dar voz ao entrevistado, evitando impor as preconcepções e categorias do pesquisador, permite eliciar um rico material, especialmente quando este é referido às práticas sociais relevantes, objeto da investigação, e às condições de produção das representações em pauta. Ao utilizarmos a análise do discurso como metodologia de pesquisa de representação social, fizemo-nos pela necessidade de perceber o “não-dito” no interior do que é dito. Procuramos “atingir o significado ‘contido’ nas palavras e as circunstâncias em que se formam e se expressam” (RANGEL, 1998b, p. 126). Assim, partimos do princípio de que a análise do discurso destaca-se pela sua eficiência, quando aplicada “ao estudo da representação social, como um estilo 118 de análise do texto23, no contexto em que os sujeitos constroem a imagem do objeto representado” (ibid., p. 127). 5.2 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DOS DADOS Linguagem, em sentido amplo, é qualquer meio usado para a transmissão de uma mensagem, isto é, para comunicar. Não é uma faculdade específica do homem, mas apenas os homens são dotados de um conjunto de signos e de regras de combinação desses signos que constituem a linguagem oral ou escrita de uma coletividade. Assim, num sentido mais específico, “linguagem é a faculdade que todos os homens têm de se comunicar através dos signos de uma língua, e uma linguagem é um sistema de signos (orais, escritos, gestuais, visuais) que possibilitam a comunicação” (MAIA, 2003, p. 13). Ao procurar explicar a linguagem, na tentativa de compreender os fatos que se concretizam no dia-a-dia de sua vida, de suas relações, o homem, na verdade, está tentando explicar algo que lhe é próprio e “que é parte necessária de seu mundo e da sua convivência com os outros seres humanos” (ORLANDI, 1986, p. 7). Levando-se em consideração o trabalho de Bakhtin (1995), linguagem é, por definição, uma prática social. Uma pessoa não existe isoladamente, pois os sentidos são construídos pelo confronto entre duas ou mais vozes onde a voz de um ouvinte responde à voz de um falante (SPINK; MEDRADO, 1999). Nessa perspectiva, sentimentos e condutas podem ser manifestações de representações 23 Cabe lembrar que texto em seu sentido mais amplo adotado neste trabalho refere-se tanto às próprias palavras de um livro, quanto de um autor. Portanto, tomamos a palavra texto como um “extrato de língua escrita ou falada, de qualquer extensão, que constitui um todo unificado” (FERREIRA, 1999, p. 1956). Segundo Maingueneau (1998, p. 140) o termo texto é empregado freqüentemente “como um equivalente de enunciado, ou como uma seqüência lingüística autônoma, oral ou escrita, produzida por um ou vários enunciadores numa situação de comunicação determinada”. 119 sociais que se institucionalizam — enquanto imagens construídas sobre o real — e que por sua vez, têm como mediação privilegiada a linguagem. Assim, se tomarmos a linguagem como forma de conhecimento e interação social, perceberemos que essas mesmas representações “podem e devem ser analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais” (MINAYO, 1995, p. 108). Ao pretendermos identificar representações sociais, tomando como opção metodológica a análise do discurso (AD), partimos do pressuposto, de que “qualquer análise da linguagem implica considerá-la como produto histórico de uma coletividade”, ou seja, a linguagem “...reproduz através dos significados das palavras [...] os valores associados a práticas sociais que se cristalizaram; [...] reproduz uma visão de mundo...” (LANE,1994, p. 32). Adotamos assim, uma concepção de linguagem como prática social, trabalhando na interface entre os discursos e as condições de sua produção. Etimologicamente, a palavra “discurso” diz respeito ao movimento, à prática da linguagem, e “com o estudo do discurso [AD], observa-se o homem falando” (ORLANDI, 1999, p. 15). A análise do discurso busca analisar a língua no mundo, considerando a produção de sentidos, enquanto parte da vida do homem; considera os processos e as condições de produção da linguagem. Segundo Rangel (1998b, p. 122), a “AD traz uma proposta de crítica e problematização das reflexões que se fazem sobre a comunicação e elementos das suas condições de produção, suas idéias e suas implicações sociais”. Por outro lado, por serem produtos sociais, as representações sociais, à semelhança da análise do discurso, têm sempre de ser remetidas às condições sociais que as engendraram. Portanto, por pretender ir além da simples descrição e explicação da mensagem, almejando analisar criticamente seus significados, optamos pela 120 AD como instrumento para a “decantação” das representações que interessavam à nossa pesquisa (ARRUDA, 1983). Além disso — semelhante ao que acontece com a Teoria de Representação Social —, a AD, por ainda estar construindo seus pressupostos teóricos e metodológicos, tem um enorme potencial de criação, de ampliação e de alternativas de aplicação (RANGEL, 1998b). Sob essa perspectiva, ao buscarmos o sentido da filosofia ministrada na escola de ensino médio, isto é, ao tentarmos conhecer o referencial teórico da filosofia, utilizado por alguns professores em sua prática docente, “a linguagem, que é a principal exterioridade do pensamento do homem, em suas diferentes formas de expressão, se impõe como material de trabalho” (ALEVATO, 1993, p. 44). A linguagem, enquanto discurso, é uma forma de interação e um modo de produção social; não sendo, portanto, neutra, inocente e nem natural, mas pelo contrário pode ser “o lugar privilegiado de manifestação da ideologia” (BRANDÃO, 1996, p. 12). Não podemos pensar que o discurso seja o único elemento da realidade que se oferece à nossa análise. Para Foucault (1996, p. 138, 140), a prática e a teoria do discurso são essencialmente estratégicas, pois “falar é exercer um poder, falar é arriscar seu poder, falar é arriscar conseguir ou perder tudo...”. Portanto, envolvido por essa relação entre discurso e poder, não podemos imaginar que o sujeito do discurso possa ser neutro, pois de fato, “esse sujeito supostamente neutro é, ele próprio, uma produção histórica”. Segundo Spink (1995a, p. 93), “sendo produto social, o conhecimento tem de ser revertido às condições sociais que o engendraram”, não podendo jamais, “ser entendido apenas no nível individual”. Por esta razão, como a interpretação do discurso é uma prerrogativa do pesquisador (MOSCOVICI, 1978; ORLANDI, 1999), em momento algum de nossa análise, deixamos de levar em 121 consideração o contexto social em que emerge o conhecimento em estudo, pois “o isolamento na análise de um indicador apenas limitaria a percepção do observador” (ALEVATO, 1993, p. 44). De acordo com Silvia Lane (1994, p. 37), podemos afirmar que definir o lugar que o indivíduo ocupa em relação aos outros, e através do discurso, entender como seu espaço é constituído nessa relação, são condições essenciais para que possamos conhecer suas representações sociais, tendo como ponto de partida a análise dos atos ilocutórios, ou seja, as falas que caracterizam as posições ocupadas pelos interlocutores [...]. Compreender representações sociais, implica então, conhecer não só o discurso mais amplo, mas a situação que define o indivíduo que as produz. Os processos enunciativos atuam dentro de um espaço discursivo, que pode ser determinado e analisado em relação a um momento espaço-temporal específico. Por isso, alguns processos enunciativos “têm mais força e poder que outros para impor suas representações, suas referencialidades e suas argumentações” (NUNES, 1995, p.160). Todavia, alguns desses processos são protegidos, justamente, por exercerem suas atividades, dispondo de espaço institucional (a escola, por exemplo) para elaboração de estratégias argumentativas, enquanto outros, apenas recebem “pacotes” prontos e acabados que inibem qualquer tentativa de elaboração de novos discursos. Cabe ainda ressaltar que a análise do discurso considera que a linguagem não é transparente, e por isso não tenta “atravessar” o discurso para encontrar um sentido do outro lado. Não busca responder o “o quê”, mas o “como o discurso significa”. Assim, com a utilização da AD, produzimos um conhecimento a partir do próprio discurso, concebendo-o em sua própria 122 discursividade, pois o discurso, além de conter as mudanças sofridas no tempo e espaço pela significação das palavras — espessura semântica — tem uma materialidade simbólica própria e significativa (ORLANDI, 1999). Na verdade, quando escutamos um discurso, consideramos não apenas o que está sendo dito, mas também o que está implícito, pois os sentidos que podem ser percebidos em um determinado discurso não estão necessariamente nele próprio, pois passam pela relação dele com outros discursos (ORLANDI, 1993). Ninguém escuta num discurso o que quer, do jeito que quer e para qualquer um. Tanto quanto a formulação e emissão do discurso, a escuta e a compreensão do discurso também são reguladas. Talvez uma das grandes contribuições da análise do discurso seja o fato de este estudo levantar a questão sobre como nos relacionamos com a linguagem em nosso cotidiano, enquanto profissionais, enquanto professores, enquanto autores e leitores. Através do contato com os princípios e procedimentos da análise do discurso podemos nos “situar melhor quando confrontados com a linguagem e, por ela, com o mundo, com os outros sujeitos, com os sentidos, com a história” (ORLANDI, 1999, p. 11). A análise do discurso é antes de tudo uma atitude filosófica que nos instiga ao questionamento do sujeito falante ou do leitor sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem. Através desses questionamentos somos levados a perceber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos. Dessa forma a AD “nos coloca em estado de reflexão e, sem cairmos na ilusão de sermos conscientes de tudo, permite-nos ao menos sermos capazes de uma relação menos ingênua com a linguagem” (ibid., p. 11). 123 Visando a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, o analista — em face do alcance teórico da AD — constrói um dispositivo da interpretação. Ele estabelece que escuta deve adotar para “ouvir para lá das evidências e compreender, acolhendo, a opacidade da linguagem, a determinação dos sentidos pela história, a constituição do sujeito pela ideologia e pelo inconsciente, fazendo espaço para o possível, a singularidade, a ruptura” (ibid., p. 59). Ao analisar o discurso, o pesquisador deve ter todo o cuidado para não se deixar levar pela falsa crença de que existam sentidos literais guardados em algum lugar — no conjunto de signos que constituem a linguagem ou no cérebro — e que o ser humano aprende a usar. Ao particularizar seu dispositivo analítico, o pesquisador parte do princípio de que “os sentidos e os sujeitos se constituem em processos em que há transferências, jogos simbólicos dos quais não temos o controle e nos quais o equívoco — o trabalho da ideologia e do inconsciente — está largamente presente” (ibid., p. 60). A relação do homem com a linguagem jamais é inocente. Ao descrever e interpretar o discurso, o analista deve considerar que a interpretação faz parte do objeto analisado, ou seja, “o sujeito que fala interpreta e o analista deve procurar descrever esse gesto de interpretação do sujeito que constitui o sentido submetido à análise” (ibid., p. 60). Por sua vez, o próprio analista está envolvido na interpretação, já que não há descrição sem prévia interpretação. Para amenizar essa situação, o analista procura trabalhar num lugar relativizado, onde “ele não reflete, mas situa, compreende, o movimento da interpretação inscrito no objeto simbólico que é seu alvo” (ibid., p. 61). Esse posicionamento do analista de discurso não o coloca à margem da história, do simbólico ou da ideologia. Ao produzir seu dispositivo teórico, o 124 analista procura não ser vítima das ilusões e efeitos de evidência produzidos pela linguagem em seu funcionamento, mas ao contrário procura tirar proveito desses efeitos e ilusões. Na constituição de seu processo de compreensão, o analista trabalha a intermitência entre descrição e interpretação. Nessa perspectiva, “não dizemos da análise que ela é objetiva, mas que ela deve ser o menos subjetiva possível, explicitando o modo de produção de sentidos do objeto em observação” (ibid., p. 64). Ao interessar-se por práticas discursivas de diferentes naturezas (imagens, som, letras etc), a análise do discurso não pretende chegar a exaustividade em suas análises. Até porque todo discurso se estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro: é inesgotável. Assim, “não há discurso fechado em si mesmo, mas um processo do qual se podem recortar e analisar estados diferentes” (ibid., p. 62). A escolha dos discursos a serem analisados e a análise estão intimamente ligados, pois decidir os discursos que interessam à análise já é decidir acerca de propriedades discursivas. Ao procurarmos “o real do sentido em sua materialidade lingüística e histórica” (ibid., p. 59) através da análise do discurso, buscamos a problematização das representações sociais da filosofia. Não visamos apenas a investigar o que professores e alunos consideram como filosofia, a fim de aprofundar um conhecimento teórico que se possa ter a respeito desses profissionais e seus alunos. Mas esperamos que nossa abordagem contribua na busca de caminhos para que a filosofia, enquanto disciplina do currículo de ensino médio, possa atuar com todo seu potencial transformador. 125 6 AS DIMENSÕES NA REPRESENTAÇÃO DA FILOSOFIA Ao pretendermos identificar representações sociais da filosofia analisando o discurso de coordenadores pedagógicos, professores e alunos do ensino médio — enquanto sujeitos que podem nos oferecer suas percepções —, lembramos que essa opção metodológica é antes de tudo uma atitude filosófica. Atitude esta que nos instiga a questionamentos (do sujeito falante) pelos quais somos levados a perceber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos. Já que a análise do discurso “nos coloca em estado de reflexão” para que não tenhamos a “ilusão de sermos conscientes de tudo”, e pelo “menos sermos capazes de uma relação menos ingênua com a linguagem” (ORLANDI, 1999, p. 11), conjugamos neste capítulo os elementos de análise em cada dimensão, procurando identificar fatores das condições de produção do discurso, com atenção especial as suas contradições. A linguagem “reproduz através dos significados das palavras [...] os valores associados a práticas sociais que se cristalizaram; [...] reproduz uma visão de mundo” (LANE, 1994, p. 32). Assim, a análise das dimensões da representação da filosofia permite sublinhar, também, a observação de semelhanças predominantes nos três grupos entrevistados das duas escolas pesquisadas. A atitude (julgamento de valor do objeto representado), a informação (organização do conhecimento que o grupo possui) e o campo de representação (proposições e imagens dos sujeitos, atinentes ao objeto), enquanto dimensões da representação, aparecem assim, como categorias básicas de análise consideradas nesta pesquisa. 6.1 O DISCURSO DOS PROFESSORES E COORDENADORES PEDAGÓGICOS Ao analisarmos os questionários respondidos pelos professores (anexo 2), o primeiro item que nos chamou a atenção foi a formação acadêmica de cada um dos entrevistados: nenhum deles havia cursado licenciatura em filosofia. Dos cinco professores que responderam ao questionário, quatro eram graduados em pedagogia e o outro em psicologia. Esta constatação nos remete de imediato à dimensão informação, já que a formação acadêmica pode interferir diretamente na organização dos conhecimentos que os professores possuem a respeito da filosofia. Se “quanto maior for o conhecimento que uma pessoa ou grupo tenha de uma dada realidade, mais coerentes e próximas do real são as representações sociais que dela façam” (MOYSÉS, 2001, p. 47), podemos inferir que a probabilidade de esses professores elaborarem representações sociais mais afastadas do real é maior do que poderia acontecer, por exemplo, em um grupo composto exclusivamente por professores licenciados em filosofia (já que estudam filosofia durante todo um curso de graduação). Voltando ao nosso grupo de professores (e também coordenadores), apesar da possível precariedade das condições de informação sobre o objeto representado (a filosofia), admitimos que mesmo assim, as representações existam para esses grupos. Pois, se levarmos em conta que as pessoas só têm representações daquilo que “falam”, certamente que elas se fazem presentes no universo cotidiano dos professores entrevistados, já que eles têm na filosofia o 127 objeto de sua docência. Na verdade, essas representações sociais, enquanto entidades quase tangíveis, não se fazem presentes apenas pela fala, mas também em gestos ou em encontros entre membros de um grupo (MOSCOVICI, 1978). Ao responderem sobre o que achavam da disciplina filosofia no ensino médio (questão 1, anexo 2), os professores foram unânimes em considerá-la importante, mas divergiram quanto ao porquê dessa importância. Respostas como “importante, pois leva os alunos à reflexão” (P4), “importante para ‘abrir’ as mentes da clientela dessa fase educacional” (P3), ou ainda, “muito importante, pois leva o aluno a pensar sobre questões que não são trabalhadas no ensino fundamental” (P5), não parecem caracterizar uma especificidade da filosofia, ou seja, não parece ser uma competência que só possa ser trabalhada pela filosofia. Ao ser feita essa mesma pergunta aos coordenadores pedagógicos (questão 1, anexo 3), as respostas dadas assemelharam-se às respostas dos professores, no sentido de não apresentarem uma competência que fosse exclusiva da filosofia. O coordenador pedagógico CP3, que atuava na mesma escola em que trabalhavam os professores P4 e P5, de certa forma, acompanhou as respostas dadas por esses professores, ao afirmar que a filosofia é uma “disciplina que leva o aluno a refletir”. Os outros dois coordenadores acreditavam que a filosofia é importante, “pois oportuniza a reflexão com maior maturidade e consciência” (CP1), ou porque “abre o horizonte [...], leva o aluno a pensar e avaliar a sua postura frente a determinadas situações” (CP2). O fio condutor dessas respostas parece estar muito próximo do que estabelece a LDB/96 em relação ao ensino médio, como um todo. As respostas dadas pelos professores e coordenadores nos lembram uma das finalidades do ensino médio, conforme estabelece o art. 35, em seu inciso III, que é “o 128 aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo [...] o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (BRASIL, 1996). Essa preocupação pela observância dos preceitos estabelecidos na LDB/96 (fruto, talvez, de uma pressão da pedagogia oficial tecnicista, como veremos mais à frente) fica evidente na fala do professor P1, quando este afirma que os conteúdos ideais para serem tratados nas aulas de filosofia, no ensino médio (questão 4, anexo 2), são “os conteúdos definidos pelo PPP [Plano Político Pedagógico] da UE [Unidade Escolar]”. Essa preocupação de P1 vai ao encontro de uma das incumbências estabelecidas no art. 13 da LDB/96, em seu inciso II, que estabelece que o docente deve “elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino” (BRASIL, 1996). P2, ao responder essa mesma questão 4, relativa aos conteúdos, afirma que estes devem ser “temas ligados à cidadania: trabalho e sua vida...”. Com esta resposta, P2, com atitude parecida com a de P1, busca respaldo na LDB/96, que em seu art. 2º estabelece que “a educação [...] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996). Podemos identificar nessas respostas dadas por professores e coordenadores, uma atitude positiva em relação à filosofia, já que todos admitem a importância desta disciplina. No entanto, o fato de não conseguirem caracterizar uma especificidade da filosofia — ou seja, objetivos, conteúdos e competências que não seriam satisfatoriamente alcançados e desenvolvidos por outras disciplinas —, aponta para um campo de representação que tem uma grande amplitude. Essa maior amplitude dificulta a percepção do conteúdo da representação, que acaba se expressando como um amálgama de imagens e proposições, que não representam necessariamente conteúdos e competências 129 próprias da filosofia. Dessa forma, identificamos um campo de representação que engloba objetivos que poderiam ser estendidos à educação como um todo, e não apenas à disciplina filosofia. E nesse caso, um dos pontos que orientam a amplitude desse campo é a referência — mesmo quando latente no discurso — à legislação educacional. Não querendo aprofundar, neste momento, hipóteses sobre a postura desses professores e coordenadores pedagógicos em relação à filosofia, não poderíamos, no entanto, deixar de comentar alguns indícios da adoção, por parte destes professores, de uma tendência de ensino da filosofia que trabalha com o que chamamos de temas banalizados, conforme vimos no capítulo 3, deste trabalho. Observa-se essa tendência de ensino, latente em vários pontos das respostas dos professores: nas falas relativas aos conteúdos, à metodologia de ensino e à postura ideal do professor. P4 afirma que os conteúdos ideais para serem tratados nas aulas de filosofia, (questão 4, anexo 2) no ensino médio, são as “questões da atualidade”. Mas o que são questões da atualidade? Essa é uma situação delicada, pois como também já vimos no capítulo 3, na tentativa de fugir a qualquer referência à história da filosofia, alguns professores delegam aos próprios alunos a escolha dos temas a serem estudados: sexo, drogas, violência etc. Essa situação pode gerar o desvirtuamento e a banalização da filosofia, caso o professor não tenha um preparo adequado e tome para si mesmo a filosofia como um exercício de reflexão constante. Segundo o coordenador pedagógico CP1, a metodologia mais adequada para as aulas de filosofia (questão 5, anexo 3) deve centrar-se no “acompanhamento dos fatos atuais”. Já para o professor P2, o “trabalho com temas” seria não apenas a metodologia mais adequada (questão 4, anexo2), 130 como também a postura ideal de um professor de filosofia (questão 2, anexo2), que deve “trabalhar com temas, contextualizando com conflitos da atualidade” (P2). Essa preocupação em trabalhar questões da atualidade (P4), conflitos da atualidade (P2), ou ainda, com o “acompanhamento dos fatos atuais” (CP1) sem defini-los filosoficamente, aproxima-se muito de uma postura evasiva, também presente na fala de P1, ao afirmar que a postura ideal de um professor de filosofia (questão 2, anexo 2) é ser “a ponte entre o passado, o presente e o futuro”. Discursos dessa natureza — repletos de belas palavras, mas que carecem de reflexão filosófica — devem ser vistos com cautela, pois podem facilmente “camuflar” uma deficiência profissional do professor. Em alguns casos, essa possível deficiência profissional pode materializarse na figura de um professor “inseguro”, como observamos no discurso defensivo de P4. Ao pedirmos que respondesse o questionário naquele momento, P4 chegou a ser tautológico na tentativa de esquivar-se: “— Você quer me dar uma ‘facada’ mesmo, né? Tem que responder agora...?”. Logo em seguida, começou a se justificar pelo fato de não ser graduado em filosofia: “— Eu fiz pós-graduação em supervisão escolar, e você sabe... Aquelas coisas de Estado: comecei a dar aulas de filosofia este ano, e estou gostando...”. Naquele momento, mostrava-se muito nervoso, assustado e apreensivo, sem vontade de responder ao questionário. Após alguma relutância, começou a responder, e passado algum tempo, veio pedir nosso auxílio. Mesmo informando-lhe que não podíamos ajudá-lo, pois a interpretação deveria ser feita pelo próprio professor, ainda assim, ele quis saber a que dificuldades o questionário estava se referindo na questão 6 (anexo 2). Quando nos entregou o questionário, fez questão de explicar-se. E nesse momento, já com uma postura mais aberta, P4 demonstrou preocupação pelo fato de não ter apoio pedagógico referente ao ensino de filosofia. Além disso, 131 demonstrou muita vontade de aprender e discutir sobre os rumos do ensino de filosofia. Entretanto, adotando de maneira equivocada, alguns princípios do “escolanovismo”, o professor pode esconder sua deficiência adotando uma postura não-diretiva, ou gerando “pseudodebates” entre os alunos, esquivandose assim de seu compromisso de “ministrar aula”. Mostrar-se como um defensor dos princípios da pedagogia escolanovista parece ser uma preocupação recorrente no discurso dos professores. Mesmo que não tenham utilizado explicitamente o termo “escolanovismo” em suas respostas, características dessa pedagogia — como a preocupação em desenvolver uma educação centrada no aluno, evitando impor conteúdos, e onde o professor deve “ausentar-se” para abrir espaço ao livre crescimento pessoal do educando — estão presentes em algumas falas: “o professor deve mostrar-se mais próximo do alunado, atualizarse sempre e não impor seus conceitos como verdades” (P3). A análise desses discursos nos remete à percepção de uma organização equivocada dos conhecimentos relativos à filosofia no ensino médio. Representações da filosofia, que se apresentam com pouca coerência e distantes dos objetivos, conteúdos e competências reais dessa disciplina, nos alertam para a possibilidade de esses sujeitos (professores e coordenadores) apresentarem um conhecimento filosófico não satisfatório. Já que a qualidade de informação sobre o objeto representado é diretamente proporcional ao nível de conhecimento que o sujeito tenha sobre o objeto, verificamos que a formação não específica em filosofia pode ser um fator explicativo para identificarmos representações da filosofia pouco coerentes e distantes do real. Apesar da atitude positiva em relação à filosofia, o baixo nível das condições de informação e a grande extensão do campo de representação geram 132 uma certa insatisfação no professor. Insatisfação essa que acaba transparecendo em discursos que encerram contradições. Assim, alguns professores apontam como a principal dificuldade encontrada ao ministrar suas aulas (questão 6, anexo 2), “a falta de leitura dos alunos” (P1), ou ainda, “dificuldade de leitura, isto é, falta de hábito de ler que os torna mais lentos no raciocínio” (P3). No entanto, esses mesmos professores não incluem entre as metodologias adequadas às aulas de filosofia dinâmicas de leitura (RANGEL, 1993b), estudo de texto ou estudo dirigido (VEIGA, 1993), por exemplo, que poderiam “estimular a prática da leitura [...], auxiliar o desenvolvimento de habilidades de atenção e observação...” (RANGEL, 1993b, p. 12). É interessante notar que se por um lado os professores entrevistados incorporam em sua prática docente aspectos estabelecidos pela LDB/96, por outro, ao não adotarem metodologias voltadas para a leitura, contrariam as determinações estabelecidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, que em relação às “competências e habilidades a serem desenvolvidas em filosofia” estabelecem a necessidade de “ler textos filosóficos de modo significativo”, e ainda, “ler, de modo filosófico, textos de diferentes estruturas e registros” (BRASIL, 1999, p. 99; 106). Ao mesmo tempo em que reconhecem a dificuldade que os alunos têm em relação à leitura, os professores parecem não se sentirem motivados a trabalhar com metodologias mais diretivas, para o desenvolvimento dessa habilidade. Talvez por medo de serem tachados de tradicionais, os professores vivem um verdadeiro “conflito”. O conflito é fruto das diversas tendências pedagógicas, que agindo de forma mesclada sobre a escola, criaram uma situação que, nas palavras de Saviani (1985, p. 43), só veio dificultar a prática docente do educador brasileiro: 133 imbuído do ideário escolanovista (tendência “humanista” moderna) ele é obrigado a trabalhar em condições tradicionais (tendência “humanista” tradicional) ao mesmo tempo em que sofre, de um lado, a pressão da pedagogia oficial (tendência tecnicista) e, de outro, a pressão das análises sócio-estruturais da educação (tendência “crítico-reprodutivista”). As condições tradicionais a que se refere Saviani (1985), nas quais os professores são obrigados a trabalhar, evidencia-se quando P4 aponta como principais dificuldades para ministrar suas aulas (questão 6, anexo 2) a “reprodução de textos” e “poucos livros para pesquisas”. Ou seja, as condições tradicionais de funcionamento da escola ficam patentes na “falta de material: filmes, textos [reprodução para alunos], o embasamento em história e a carga horária” (P2) e por fim, conforme o coordenador pedagógico CP1, falta “material de apoio”. No entanto, os professores são pressionados tanto pela tendência tecnicista, quando sugerem como metodologias (questão 5, anexo 2) “aulas mais dinâmicas com utilização de tecnologia básica” (P3), ou “seminários, pesquisas, filmes...”, quanto pelas análises sócio-estruturais da educação, que fazem com que se aponte como conteúdo ideal para as aulas de filosofia “a pessoa como sujeito do seu próprio espaço e tempo. A importância da pessoa na sociedade” (P5). Nessa última perspectiva, defende-se, como postura ideal, que o professor deva “integrar os alunos no contexto social, político e econômico” (P4), características típicas de uma pedagogia crítica. Cabe observar que apesar da reclamação sobre “falta de material”, observamos a existência, nas duas escolas pesquisadas, de televisão e vídeo em condições de uso, além de uma sala preparada especialmente para a utilização desse material. Fatores como a “reprodução de textos” e escassez de livros para pesquisas, apontados como as principais dificuldades para ministrar as aulas parecem apontar para mais uma contradição no discurso dos professores. Pois, 134 em ambas as escolas, existiam bibliotecas com mesas para estudo e um acervo de, pelo menos, 20 (vinte) títulos diferentes sobre filosofia. 6.2 O DISCURSO DOS ALUNOS Ao analisarmos as respostas dadas pelos alunos percebemos contradições entre as respostas por eles dadas e as respostas dadas pelos professores e coordenadores. Apesar de no discurso docente ficar evidenciado um certo matiz escolanovista, observamos na fala de alguns alunos a denúncia de que a disciplina filosofia pauta-se numa perspectiva tradicional, que prioriza a “história da filosofia como centro”. Muitas respostas dadas pelos alunos à questão 1, “o que você acha da disciplina filosofia no ensino médio?” (anexo 1), apontam para um ensino de filosofia que toma a história da filosofia como o próprio conteúdo da disciplina: “legal, porque graças a ela [a filosofia] nós sabemos tudo que aconteceu no passado” (A1, turma B de P5), “muito interessante, fala sobre muitas coisas dos antepassados que muitos não sabem” (A2, turma B de P4), “é legal, pois nos ensina a história” (A3, turma A de P4). A postura docente que parece adotar a história da filosofia como centro acaba produzindo nos alunos a imagem de uma grande lista de homens ilustres. Essa imagem evidencia-se na fala do aluno A4 (turma B de P2) que acha a filosofia importante, pois ela “ensina muitas coisas” (questão 1, anexo 1), ou ainda, “legal, porque nós aprendemos sobre vários filósofos e mitos” (A6, turma B de P3). Já para o aluno A5 (turma A de P1), por conta da imagem supracitada, a filosofia é uma matéria “sem importância, fala de uma pessoa que nem existe mais”. 135 Nas respostas dadas pelos alunos, observamos uma amplitude do campo de representação maior do que a detectada no discurso dos professores e coordenadores. Como conseqüência disso tem-se a expressão de um conteúdo da representação, disperso, mal organizado, que apresenta a filosofia como se fosse uma disciplina que não tem seus próprios objetivos, conteúdos e competências. Apesar de não ser intenção dos alunos teorizarem sobre esse assunto, conseguimos captar em suas falas uma certa decepção pelo fato dos professores não adotarem posturas inspiradas em pedagogias críticas, onde os conteúdos não são apenas ensinados, mas que se liguem “de forma indissociável, a sua significação humana e social” (LUCKESI, 1994, p. 70). Dessa forma, o aluno A7 (turma B de P2) acha que a disciplina filosofia é “boa, mas tem que falar sobre assuntos atuais”. Se lhe fosse dada a possibilidade de escolher quais assuntos seriam tratados nas aulas de filosofia (questão 4, anexo 1), o aluno A8 (turma A de P2) discutiria “sobre os ‘conhecimentos atuais’, não do passado”. Ao cruzarmos as informações dadas pelos três grupos entrevistados, verificamos vestígios de uma postura pedagógica tradicional, que acabam aparecendo nas respostas dadas pelos alunos. Assim, evidenciamos que as tão enaltecidas características escolanovistas estão muito mais presentes no nível do discurso do que na prática dos professores entrevistados. Segundo o aluno A9 (turma A de P5), “a disciplina de filosofia é um pouco chata porque fica falando o tempo todo e dá muito sono” (questão 1, anexo 1), por isso, nas aulas de filosofia, “deveria ter mais conversa com os alunos” (A 10, turma A de P5). Nesse primeiro contato com as respostas coletadas, podemos delinear basicamente duas tendências pedagógicas que norteiam o ensino de filosofia na realidade estudada. Estamos falando da pedagogia tradicional e da pedagogia 136 escolanovista (LUCKESI, 1994), que na perspectiva do ensino de filosofia, materializam-se respectivamente como “história da filosofia como centro” e como “temas banalizados”. No caso específico da pedagogia escolanovista, existe uma forte tendência de dar um cunho “psicológico” ao ensino de filosofia. E nesse caso, o resultado de uma boa aula assemelha-se muito ao de uma boa terapia, onde o professor aparece como um especialista em relações humanas (LUCKESI, 1994). Assim, ao verificarmos as opiniões dos alunos sobre seus professores, encontramos muitas referências que enfatizam mais o aspecto afetivo do que o aspecto profissional do docente: “ela é uma ótima pessoa, amiga, compreensiva” (A11, turma A de P1), “boazinha!” (A5, turma A de P1), “ela é muito simpática” (A12, turma A de P3), “a professora de filosofia é muito legal” (A13, turma A de P2), “é amiga de todos os alunos na sala de aula” (A14, turma A de P1). Um aluno nos chega a afirmar que a filosofia no ensino médio (questão 1, anexo 1) é “construtiva. Geralmente parece uma aula de psicologia” (A15, turma B de P3). Como já vimos anteriormente, a pedagogia escolanovista também aparece como um não-diretivismo pedagógico. E nesse caso, o professor acredita que “ausentar-se” é a melhor forma de respeitar o aluno, pois acredita que toda intervenção é ameaçadora e inibidora da aprendizagem (LUCKESI, 1994). Essa postura docente, quando mal utilizada, pode transformar a sala de aula em um ambiente impróprio para o processo ensino-aprendizagem. Um dos alunos chega a afirmar que sua professora de filosofia “é muito chata ou seja, deixa os alunos fazerem o que querem na sala de aula” (A17, turma B de P5). Parece que alguns alunos sentem falta de um direcionamento da aula: a maneira como a professora ministra as aulas é “uma porcaria, ela não tem moral” (A18, turma B de P5), “a professora é legal e boa, mas o que ela deveria fazer era repreender melhor os 137 alunos que perturbam” (A19, turma B de P5), ela é “muito calma e não tem voz ativa” (A20, turma B de P5). Mas quando o assunto passa do psicológico (afetivo) para o pedagógico, as respostas parecem evidenciar o predomínio de características da pedagogia tradicional. Uma dessas características aponta para o predomínio da autoridade do professor “que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer comunicação entre eles no decorrer da aula” (ibid., p. 57). O aluno A16 (turma B de P2) reclama dessa postura ao opinar sobre a maneira como seu professor ministra as aulas de filosofia (questão 5, anexo 1). Para esse aluno “a administração dela é péssima, ela não se interage com os alunos”. Mais uma vez, confirmando o sentido de harmonia entre as três dimensões, percebemos que a grande amplitude do campo de representação, detectada no discurso dos alunos, relaciona-se diretamente à baixa qualidade da informação que os alunos têm sobre a filosofia. Devido ao pouco conhecimento que eles têm sobre a filosofia, suas representações afastam-se muito do real. E a melhoria das condições de informação sobre a filosofia, depende diretamente do nível de conhecimento que os alunos tenham sobre essa disciplina. Dessa forma, é de se esperar que essa melhoria se dará na medida em que também aumentar o nível de conhecimento que os professores tenham sobre a filosofia. Pois, de certa forma, podemos caracterizar a representação social como “uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (MOSCOVICI, 1978, p. 26). Com isso, estendemos a idéia de harmonia entre as dimensões, para uma harmonia também entre os grupos que fazem parte de um universo de opinião (em nosso caso, professores, alunos e coordenadores pedagógicos). Mas se por 138 um lado, constatamos que as dimensões de informação e campo de representação, presentes nos alunos, é diretamente proporcional a essas mesmas dimensões da representação, presentes nos professores e coordenadores pedagógicos, por outro, constatamos uma oposição entre esses dois grupos no que diz respeito à atitude. Enquanto os professores e coordenadores são favoráveis ao objeto representado (a filosofia), o mesmo não acontece com um número significativo de alunos, que se mostram desfavoráveis à filosofia. Ou seja, identificamos alunos que se posicionam com atitudes negativas em relação à filosofia e aos professores que ministram a disciplina. A atitude negativa dos alunos ao afirmarem que “essa disciplina é muito chata” (A28, turma A de P5), entra em contradição com a atitude positiva dos professores, que acham essa disciplina “importante” ou “muito importante”. Outra observação que reforça nossa percepção da atitude negativa dos alunos, é a verificação de que mesmo tendo sido explicado que a pesquisa visava, prioritariamente, contribuir para a melhoria da qualidade do ensino de filosofia, muitos alunos preferiram omitir suas opiniões, ou então, responderam de maneira pejorativa. Mas o próprio fato de um grande número de alunos terem deixado o questionário “em branco”, sem respondê-lo, pode estar indicando o grau de importância que os alunos dão à disciplina filosofia. Talvez, se o questionário fosse sobre uma outra disciplina, cobrada no vestibular, por exemplo, a atitude teria sido outra. 139 6.3 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA FILOSOFIA Nos itens anteriores, ao tomarmos as dimensões da representação como categorias básicas de análise, procuramos fazer uma descrição minuciosa do universo de opinião dos sujeitos da pesquisa. A partir dessas categorias básicas, classificamos os dados coletados por afinidades de idéias, para que pudéssemos, a partir disso, passar a uma interpretação referencial levando-se em consideração as representações sociais da filosofia no ensino médio. Dentre as possíveis interpretações do papel das representações sociais, destacamos a corrente que surge da dialética marxista. Em Marx, “a produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens” (MARX; ENGELS, 1986, p. 36). Ou seja, o conjunto de representações e comportamentos sociais é explicado por Marx a partir da forma com que os homens produzem os bens materiais. Poderíamos dizer que as representações, as idéias e os pensamentos dos homens formam o conteúdo de sua consciência, que por sua vez, “jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o processo de vida real”, ou seja, “os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias etc, mas os homens reais e ativos” (ibid., p. 37). Por outro lado, se “as idéias dominantes de uma época sempre foram as idéias da classe dominante” (MARX; ENGELS, 1993, p. 85), a manifestação da consciência através da linguagem da vida real, mostra-nos como as idéias estão comprometidas com as condições de classe. 140 Para esses autores, a consciência é um produto social: não são as idéias que determinam o comportamento do homem, mas a forma com que os homens participam da produção de bens é que determina seus pensamentos e ações, ou seja, sua consciência. Nessa perspectiva, os homens são condicionados pelo modo de produção de sua vida material, por seu intercâmbio material e seu desenvolvimento ulterior na estrutura social e política. As representações que os indivíduos elaboram “são representações a respeito de sua relação com a natureza, ou sobre suas mútuas relações, ou a respeito de sua própria natureza” (MARX; ENGELS, 1986, p. 36). A despeito de considerarem a consciência como categoria principal para tratar das idéias, para Marx e Engels as representações estão vinculadas à prática social, pois “a classe que tem a sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual [...]. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes”. Ou seja, as idéias dominantes de cada época são as idéias da classe dominante, pois a classe que tem o domínio da força material da sociedade, representa ao mesmo tempo a força espiritual dominante. Partindo desse princípio, podemos inferir que as representações atribuídas à filosofia podem refletir a visão de mundo da classe hegemônica, que numa economia capitalista aparece como classe burguesa. A linguagem utilizada por professores e alunos, ao tratarem questões referentes à filosofia, reproduz através dos significados das palavras, os valores associados a práticas sociais que se cristalizaram. E que práticas sociais são essas que se cristalizaram? Práticas que em cada momento histórico surgiram numa tentativa de recomposição da hegemonia burguesa. Se olharmos as diversas tendências pedagógicas oficiais (pedagogia 141 tradicional, nova e tecnicista) surgidas desde a Revolução Francesa, quando a burguesia aparece como classe dominante da sociedade, percebemos que todas elas tiveram o objetivo de recompor a hegemonia e reproduzir as relações de produção capitalista. Nesse sentido, para compreendermos as representações sociais da filosofia, manifestadas pelo discurso dos professores, devemos definir a situação do indivíduo que as produz, no caso o próprio professorado. Pois, como bem nos lembra Lane (1994, p. 37), “compreender representações sociais implica, então, conhecer não só o discurso mais amplo, mas a situação que define o indivíduo que as produz”. O professor de filosofia precisa dessas representações sociais para definir sua identidade social, ou seja, os conhecimentos sociais construídos pelas representações têm por finalidade situá-lo no mundo, na medida em que esse grupo de profissionais, enquanto intelectuais “portadores da função hegemônica que exerce a classe dominante na sociedade” (MOCHCOVITCH, 1992, p. 20), foi criado por essa classe dominante para lhes dar respaldo na “busca do consentimento ativo e coletivo das classes sociais em função do projeto hegemônico existente” (CURY, 1989, p. 113). O desconhecimento dessa função hegemônica pode levar o professor a acreditar que exerce sua prática docente para o “bem estar geral da sociedade”, seguindo inclusive o que estabelece a legislação educacional ou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), muitas vezes sem qualquer tipo de questionamento. Nesse sentido, não percebem que “leis burguesas” tem por finalidade legitimar a dominação burguesa, e que essa legislação “é um veículo adequado à transmissão da ideologia — enquanto concepção do mundo — para 142 as instituições e práticas educacionais. Ela serve de ponte entre as concepções ideológicas dominantes e o aparelho escolar” (SEVERINO, 1986, p. 55). Na fala dos professores, por vezes, transparece essa aceitação passiva da função hegemônica que lhes é imposta pela burguesia. De acordo com o discurso docente, os conteúdos ideais para serem trabalhados nas aulas de filosofia “são os conteúdos definidos pelo PPP [Projeto Político Pedagógico] da UE [Unidade Escolar]” (P1), ou então, “temas ligados à cidadania: o trabalho e sua vida” (P2). A preocupação — explícita ou latente no discurso — em “integrar os alunos no contexto social, político e econômico” (P4), determinando “à filosofia uma dada tarefa de formatação dos indivíduos, via escola, no sentido de transformá-los em partícipes da cidadania, considerada como último e eterno horizonte da humanização” (ALVES, 2003, p. 102), discurso defendido pelos PCN, pode ser entendida como um forte indício de que os professores desconhecem que a eleição de princípios assim realizada acaba por deslocar a filosofia, o que ocorre também com outras disciplinas científicas, para um registro diverso daquele característico da academia e do ensino propedêutico. É uma relação com os saberes e as disciplinas que, ao menos em tendência, indica um abandono do exercício destes como intelecção científica do mundo, em direção a uma preparação genérica da pessoa, com vistas à sua inserção na ordem social do capital. O saber como desvelamento das determinações essenciais e imanentes da realidade se converte então em instrumento de mera conformação dos indivíduos à forma da sociabilidade e do político a esta adequada (ibid, p 102-103). O fato de verificarmos na fala dos professores a preocupação com uma preparação genérica dos alunos, com vistas à sua inserção na ordem social do capital, pode estar nos indicando que os professores carecem de uma visão crítica das finalidades sócio-políticas da educação, nessa ordem social. E que, 143 portanto, a visão crítica dessas finalidades aparece aos professores como algo não-familiar, estranho. Se “a finalidade de toda as representações é tornar familiar algo nãofamiliar, ou a própria não-familiaridade” (MOSCOVICI, 2003, p. 54), a preocupação dos professores de inserir os alunos na ordem social pode estar refletindo a tentativa dos professores de “familiarização do não-familiar”. A tentativa de familiarização com o estranho também pode ser identificada nas posturas docentes que adotam como conteúdo exclusivo da filosofia a própria “história da filosofia como centro” ou os “temas banalizados”, gerando uma prática pedagógica desvinculada do contexto sócio-econômico dos alunos freqüentadores das escolas estudadas. Ao formarmos nossas representações sociais, estas “são sempre o resultado de um esforço constante de tornar comum e real algo que é incomum (não-familiar), ou que nos dá um sentimento de não-familiaridade” (ibid., p. 58). Nesse contexto, o não familiar para o professor de filosofia é a própria dinâmica de reprodução das relações de produção capitalista, ou seja, o professor de filosofia, principal articulador das representações sociais dessa disciplina, não percebe que para garantir a reprodução dos meios de produção, o capitalismo precisa garantir também a reprodução da força de trabalho. A reprodução da força de trabalho é realizada pela escola e por outras instituições que não estão diretamente ligadas à produção por meio da qualificação dos trabalhadores e da submissão à ideologia dominante, que camufla os reais interesses da classe burguesa, apresentando esses interesses “como sendo a explicação verdadeira do mundo, correspondente, portanto, aos interesses de todos os homens” (SEVERINO, 1986, p. 10). 144 A falta de uma visão de conjunto da dinâmica de reprodução das relações de produção capitalista cria empecilhos para que o professor perceba-se, em algumas de suas atuações, como um possível agente portador da função hegemônica burguesa. Uma das conseqüências dessa situação é a transmissão, através das aulas de filosofia, de valores significativos da fração da sociedade que detém o controle sobre os meios de produção. Ou seja, se “a escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis” (GRAMSCI, 1995, p. 9), podemos encontrar professores de filosofia no ensino médio que, enquanto intelectuais24, “são os ‘comissários’ do grupo dominante para o exercício [...] do consenso ‘espontâneo’ dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante e à vida social” (ibid., p. 11). As categorias especializadas para o exercício da função intelectual historicamente foram formadas pela própria escola, ou seja, a escola funciona como o instrumento responsável pela elaboração de intelectuais de diversos níveis. Por sua vez, esses intelectuais são os elementos que podem servir de mediadores, entre o grupo dominante e o restante da sociedade, para o exercício das funções de hegemonia e comando. Ou seja, os intelectuais “formam-se em conexão com todos os grupos sociais, mas especialmente em conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante” (ibid., p. 8). As representações sociais da filosofia não são produzidas apenas pelos professores da disciplina, como se estas representações fossem imunes aos conflitos sociais. Mas pelo contrário, as representações “não são independentes, relacionam-se a outros sistemas de representação e expressam um discurso sobre a sociedade inteira.” (SAWAIA, 1995, p. 78). Encarando essas representações 24 “Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais” (GRAMSCI, 1995, p. 7). 145 como uma forma de conhecimento — e, portanto, um produto social —, o mesmo “tem de ser revertido às condições sociais que o engendraram” (SPINK, 1995a, p. 93). Nesse sentido, podemos sintetizar essas condições sociais na seguinte citação: O proletariado é o adversário real que a burguesia, através dessa educação escolar, tem necessidade de direcionar ideológica e profissionalmente, para conter e dominar. A escola tem, assim, uma dupla função: preparar as forças de trabalho adequadas às exigências da economia capitalista e inculcar a ideologia da burguesia, classe gestora dessa economia (SEVERINO, 1986, p. 49). Voltando à questão da “familiaridade” proposta por Moscovici, vimos que o não-familiar para o professorado de filosofia é a própria dinâmica capitalista. Portanto, através da ancoragem e da objetivação esse grupo de indivíduos criará representações para “familiarizar-se” com a realidade capitalista numa espécie de elaboração de “conhecimentos de segunda mão” (MOSCOVICI, 2003, 1978) dos “conhecimentos científicos” propostos pela burguesia. Assim, a ancoragem é o processo de assimilação de novas informações a um conteúdo cognitivo-emocional preexistente. Na tarefa atribuída à filosofia de formatar os indivíduos, via escola, transformando-os em partícipes da cidadania — preocupação típica da elite dirigente no Brasil contemporâneo, a partir da segunda metade do século XX — podemos perceber uma certa influência do movimento da pedagogia tecnicista, que teve seu auge no período pós-64, com o acordo MEC/USAID (vide capítulo dois desta pesquisa). Essa influência aparece na postura ingênua de crença na neutralidade científica — como se as ciências (naturais ou humanas) pudessem ser adequadamente compreendidas, sem levarmos em conta o contexto histórico da produção científica e suas implicações —, presente tanto na pedagogia tecnicista quanto na preocupação de conformação dos indivíduos à ordem social do capitalismo. 146 Esses princípios “ancoram-se” — dentro da “cabeça” dos professores de filosofia — ao ideal de enciclopedismo, erudição e valorização do pensamento europeu (ARANHA, 1998a), que caracterizam a pedagogia tradicional em filosofia, desde a sociedade colonial brasileira, e paradoxalmente, à preocupação com os aspectos psicológicos do aluno, tendendo à espontaneidade e nãodiretivismo pedagógico. Ou seja, as “novas informações” trazidas pela pedagogia tecnicista ancoraram-se (assimilaram-se) às características, já “digeridas” pelos professores, da pedagogia tradicional e nova. Para completar essa “familiarização”, conseqüência da elaboração de representações, lança-se mão da objetivação, processo pelo qual temos a transformação de um conceito abstrato em algo concreto e tangível. No caso da filosofia, é a transformação dos valores típicos da pedagogia tradicional, tais como gosto pelo verbalismo, memorização (de fatos históricos e nomes de filósofos ilustres), enciclopedismo, entre outros, em valores que os professores acreditam estarem mais próximos dos alunos — mesmo que se distancie da filosofia —, baseados no avanço das discussões sobre “cidadania” e trabalho (influência da pedagogia tecnicista), ou ainda, em temas banalizados, tais como sexo, drogas, violência virgindade etc (influência da pedagogia nova). Inserir a filosofia no tempo presente também pode ser algo estranho ou não familiar para o filósofo, pois na história da filosofia, muitas vezes ela esteve “desligada” do seu próprio tempo. E a escola por influência das pedagogias críticas, cada vez mais reclama para si uma inserção social, uma contextualização em seu tempo presente. No entanto, historicamente, o filósofo não é preparado para fazer essa “ponte” entre escola e sociedade, e em alguns casos, nem mesmo para trabalhar na escola. Parafraseando Tomazetti (2002), pensar filosoficamente a relação entre escola e sociedade pode ser muito difícil 147 para um professor de filosofia que não tome para si mesmo a filosofia como um exercício de reflexão constante. Devemos lembrar que as representações se formam a partir das percepções que o sujeito tem da “realidade”, mas também influem na configuração dessa mesma “realidade”. Por serem elaboradas e partilhadas coletivamente, as representações sociais acabam expressando conhecimentos práticos, do senso comum, aparecendo assim como uma espécie de “teoria” sobre os saberes populares, cuja finalidade é a construção e a interpretação do real. Dessa forma, já que “as representações sociais têm como finalidade primeira e fundamental tornar a comunicação dentro de um grupo relativamente não-problemática e reduzir o ‘vago’ através de certo grau de consenso entre seus membros” (MOSCOVICI, 2003, p. 208), percebemos que as representações da filosofia no ensino médio surgem do universo cotidiano e consensual, e da experiência de interação e de comunicação dos professores no seu meio social, ou em outras palavras, as representações surgem no dia-a-dia da prática docente, onde o professor é constantemente influenciado pela cultura que permeia a sociedade: a cultura burguesa. 148 7 UM SENTIDO PARA A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO A PARTIR DE SUAS REPRESENTAÇÕES: CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS Ao final deste trabalho, temos condições de concluir que para compreendermos as representações sociais da filosofia no ensino médio, tornase necessário não só termos a definição do lugar que o professor ocupa em relação ao restante da sociedade, mas também, através de seu discurso, entendermos como seu espaço é constituído nessa relação. O lugar ocupado pelo professor em sua relação com a sociedade e a constituição de seu espaço nessa relação passam necessariamente pela definição funcional da própria educação dentro da sociedade capitalista. Sendo assim, não podemos ser indiferentes em relação aos estudos que afirmam a existência de dominação de alguns homens sobre outros. Segundo Sarandy (2004, p. 37), “o fenômeno da dominação (econômica e política) existe e é dos mais importantes para compreendermos as sociedades capitalistas modernas e ocidentais”. Partindo desse princípio, não podemos deixar de levar em consideração que numa formação social como a nossa, ocorre a constituição de várias culturas diferentes que correspondem aos vários grupos ou classes sociais, sendo certo afirmarmos que uma dessas culturas se impõe às demais, transformando-se na cultura dominante. A imposição dessa cultura dominante — que corresponde à cultura da classe burguesa, proprietária dos meios de produção social — sobrepõe-se às demais culturas através de instituições criadas com essa finalidade, possuindo características apropriadas a cada campo de atuação específico. Segundo Foucault (1996, p. 118), o funcionamento de instituições aparentemente especializadas — “as fábricas para produzir, os hospitais, psiquiátricos ou não, para curar, as escolas para ensinar, as prisões para punir — [...] implica uma disciplina geral da existência que ultrapassa amplamente as suas finalidades aparentemente precisas”. Nessas instituições, podemos identificar quatro funções imprescindíveis ao “bom” funcionamento do aparelho de produção. Como primeira função dessas instituições, temos a extração do tempo do homem, fazendo com que o tempo de sua vida se transforme em tempo de trabalho: “é preciso que o tempo dos homens seja oferecido ao aparelho de produção; que o aparelho de produção possa utilizar o tempo de vida, o tempo de existência dos homens” (ibid., p. 116). A segunda função vem ao encontro da primeira, consistindo em fazer com que o corpo do homem se torne força de trabalho. A terceira função dessas instituições consiste na criação de um novo tipo de poder, não somente econômico, mas também político e judiciário. Para Foucault (1996, p.120), nessas instituições não apenas se dão ordens, se tomam decisões, não somente se garantem funções como a produção, a aprendizagem etc, mas também se tem o direito de punir e recompensar, se tem o poder de fazer comparecer diante de instâncias de julgamento. Nesse sentido, o sistema escolar é também inteiramente baseado nesse “micro-poder”, que é ao mesmo tempo um poder judiciário. A todo o momento a escola exerce esse poder, na medida em que pune e recompensa, avalia, diz quem é o melhor, quem é o pior... 150 Finalmente, temos uma quarta função, que de certa maneira atravessa e anima as outras funções. Trata-se de um poder formado pelo saber extraído do próprio indivíduo submetido à observação, a partir do seu comportamento, e que servirá como reforço de controle para essas instituições oficiais. No que diz respeito à instituição escolar especificamente, temos que a pedagogia, enquanto um poder epistemológico que dá respaldo à educação, formou-se a partir das próprias adaptações da criança às tarefas escolares, adaptações observadas e extraídas do seu comportamento para tornarem-se em seguida leis de funcionamento das instituições e forma de poder exercido sobre a criança (ibid., p. 122). Os saberes e os poderes referidos anteriormente encontram-se firmemente enraizados não apenas na existência dos homens, mas também nas relações de produção. Isso porque “para que existam as relações de produção que caracterizam as sociedades capitalistas, é preciso haver, além de um certo número de determinações econômicas, essas relações de poder e essas formas de funcionamento de saber” (ibid., p. 126). Sendo assim, a educação enquanto ação pedagógica, que atua num campo específico, pode estar refletindo uma imposição arbitrária da cultura burguesa às demais classes sociais. A ação pedagógica se exerce com autoridade, pois se considera legítima, exercendo assim uma inculcação de princípios e valores (ou conteúdos culturais), considerados arbitrariamente como válidos pela classe burguesa. Os conteúdos culturais arbitrários, correspondem na realidade aos interesses primordiais da burguesia, enraizados portanto, nas relações de produção. Não podendo ser assumida explicitamente a inculcação e reprodução cultural, e sua correspondência aos interesses burgueses, é realizado um 151 ocultamento dessa situação pela própria educação, que funciona então como uma ideologia pedagógica, ou justificativa teórica do poder burguês. Portanto, através da educação, ocorre um processo de dupla reprodução. A função de reprodução cultural já é conseqüência de uma função de reprodução social, ou seja, das relações de poder real reinantes entre as pessoas, grupos e classes sociais (SEVERINO, 1986, p. 48). A total integração da estrutura social com a estrutura educacional, só se concretiza quando a classe burguesa “confia a um agente pedagógico a função de cimentar a estrutura e a superestrutura num só bloco histórico” (CURY, 1989, p. 112). Através da “ideologia pedagógica”, o próprio professor não se percebe solidário com a classe burguesa, organizando a cultura em função da hegemonia dessa classe. Portanto, a elaboração das representações sociais da filosofia não acontecem ao acaso, mas pelo contrário é direcionada pela própria ideologia capitalista. Isso porque o professor, na tentativa de situar-se no mundo, e conseqüentemente, definir sua identidade social, não percebe que a representação por ele elaborada e veiculada tem por objetivo “familiarizá-lo” com a função que lhe foi confiada como professor, de vincular organicamente todos os níveis do bloco histórico. A utilização dessas representações como base de sua prática docente impede o professor de filosofia de perceber que por intermédio da relação que estabelece com o aluno — e através dos conteúdos e métodos de ensino veiculados por sua disciplina — busca o “consentimento coletivo consentâneo à direção moral e intelectual que a classe dominante quer informar a toda a sociedade” (CURY, 1989, p 113). 152 Entendendo as representações sociais como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI, 2003, 1978), e por essa razão essencialmente dinâmicas, produtos de determinações passadas e presentes, e construtora de conhecimentos sociais, podemos reverter esse quadro em que temos as representações da filosofia solidárias com a ideologia burguesa, na medida em que recuperarmos o núcleo sadio do senso comum — chamado por Gramsci de bom senso — aproveitando todo seu potencial transformador. É nesse senso comum, recuperado criticamente, que devemos trabalhar, procurando desenvolvê-lo e transformá-lo em consciência de classe, ou seja, concepção de mundo coerente e homogênea. Para Gramsci (1989, p. 14) “a filosofia é a crítica e a superação da religião e do senso comum e, neste sentido, coincide com o ‘bom senso’ que se contrapõe ao senso comum”. Numa perspectiva “revolucionária”, o professor de filosofia deve ter consciência de que através de sua disciplina, tem uma contribuição específica a dar, em vista do atendimento aos interesses das camadas populares. Para isso, precisa trabalhar sobre o bom senso, procurando elevar a consciência dispersa e fragmentária dessas classes, no nível de uma concepção de mundo coerente e homogênea, contrária à hegemonia burguesa. “Para os autênticos revolucionários, apoderar-se do poder significa apoderar-se de um tesouro das mãos de uma classe para entregá-lo a uma outra classe, no caso, o proletariado” (FOUCAULT, 1996, p.154). Segundo Saviani (1991, p. 89), a contribuição específica que cabe ao professor revolucionário “se consubstancia na instrumentalização, isto é, nas ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário etc, cuja apropriação o professor seja capaz de garantir aos alunos”, e essa contribuição “será tanto mais eficaz, quanto mais o professor for capaz de compreender os vínculos da sua prática com a prática social global”. 153 Essa instrumentalização do proletariado se desenvolverá na medida em que o professor de filosofia utilizar os conteúdos de sua disciplina, problematizando-os em face das realidades sociais de seus alunos, enquanto agentes sociais. E quais são os conteúdos da filosofia enquanto disciplina do currículo escolar do ensino médio ? Em primeiro lugar, se nos restringíssemos simplesmente ao ensino da história da filosofia, como muitos acreditam ser o “correto”, enquanto professores de filosofia, estaríamos certamente desvalorizando nossa formação acadêmica, onde estudamos disciplinas as mais variadas, tais como: ética, estética, lógica, epistemologia, entre outras. Se temos um currículo tão variado, por que nos limitarmos a sermos apenas “contadores de história”? É preciso ter claro que quando nos limitamos a ministrar aulas reduzidas apenas à “história da filosofia” ou aos “temas banalizados”, onde somente são realizadas “terapias grupais” ou definidas listas de nomes de “filósofos ilustres”, estamos privando nossos alunos da possibilidade de desenvolverem sua consciência crítica, de filosofarem realmente. Além disso, sabemos melhor do que ninguém que com um encontro por semana, como acontece na maioria das escolas, não teríamos tempo suficiente nem para realizar “boas sessões de terapias”, nem para “contar mais de vinte e seis séculos de história da filosofia”. Mas o professor de filosofia, que realmente se preocupa com as futuras gerações, e então se engaja na luta pela transformação estrutural da sociedade, não pode deixar de contribuir para o desenvolvimento do espírito crítico de seus alunos. E segundo Almeida e Costa (2004, p. 11), “ser crítico é aprender a apoiar sempre as suas opiniões em bons argumentos. Mas é também aprender a avaliar os argumentos alheios e a rever as suas opiniões quando esses 154 argumentos forem melhores do que os seus”. Se a filosofia é essencialmente uma atividade crítica, racional e dialogante (ALMEIDA; COSTA, 2004), quem melhor do que o professor de filosofia para desvelar as ideologias subjacentes à visão de mundo dominante? Quem melhor do que o próprio professor, “remodelado” intelectual e moralmente, para repensar as representações sociais da filosofia? Dessa forma, como já falamos em capítulos anteriores, não faz sentido trabalhar com os “clássicos da filosofia” ou com “grandes temas” — apoiados ou não na história da filosofia — se isso servir apenas de pretexto para falar o que outros filósofos fizeram, fazem ou deveriam fazer. Ora, se nesta pesquisa nos propomos, de certa maneira, a defender a afirmação kantiana de que não se ensina filosofia, mas se ensina a filosofar, por que continuaríamos insistindo em tentar ensinar a “filosofia tradicional” aos nossos alunos? Por que ficaríamos preocupados em ensinar conceitos elaborados pelos grandes filósofos? Se assumíssemos essas preocupações, estaríamos sendo contraditórios a esta pesquisa: aqui defendemos um aspecto do discurso kantiano, mas na prática pedagógica continuaríamos sendo “tradicionais”, presos à crença de que podemos ensinar filosofia a adolescentes. Pelos resultados obtidos, parece-nos que aprender “filosofia teórica” — se assim podemos chamar essa cultura filosófica — pressupõe maturidade e sobretudo vontade de adquirir essa cultura. Lembremos, conforme vimos no capítulo dois, que em 1883, Sílvio Romero, em sua obra “A filosofia e o ensino secundário”, já protestava contra a inclusão da ontologia, da teodicéia, da moral e de outras matérias específicas num curso de filosofia elementar. Pois para ele, o objetivo da filosofia no ensino 155 secundário, deveria ser o de dotar o aluno do “conhecimento prático das leis e regras do raciocínio, a posse dos métodos, e de sua aplicação aos diferentes ramos das ciências” (ROMERO apud BARROS, 1997, p. 95), através do ensino da “lógica formal e real”. Ao nos reportarmos aos trabalhos de Jean Piaget (1896-1980) — que notabilizou-se principalmente por seus estudos na área de psicologia cognitiva e por sua teoria sobre o processo de desenvolvimento do conhecimento no ser humano, teoria essa que exerceu grande influência na pedagogia contemporânea — verificamos que o homem desenvolve sua inteligência passando por quatro períodos que seguem um determinado padrão relacionado a uma determinada faixa etária. No contexto estudado por Piaget, essa faixa etária para cada etapa era constante, mas certamente essas idades sofrem variações em função de cada contexto sócio-cultural. Mas de acordo com a proposta inicial desse pensador, temos o primeiro período que vai do nascimento até cerca de dois anos de idade. Esse período, chamado sensório-motor, caracteriza-se por um egocentrismo praticamente total, onde a criança tem como única referência comum e constante seu próprio corpo. No segundo período, conhecido como pré-operacional, que vai dos dois aos seis ou sete anos, apesar de continuar em uma perspectiva egocêntrica, a criança, de um modo geral, faz uso da linguagem, dos símbolos e imagens dos objetos e eventos que a cercam. Na idade de sete ou oito anos inicia-se o período operacional-concreto que se estende até os onze ou doze anos. Nessa fase a criança liberta-se progressivamente da perspectiva egocêntrica que a caracterizava até então e adquire um conjunto muito importante de regras que não possuía há um ou dois anos. E por último, dos doze anos em diante, temos o período das operações formais, onde a principal característica é a capacidade de raciocinar com hipóteses verbais e não apenas com objetos concretos. 156 Ao relembrarmos esses conceitos de Piaget, fizemo-nos pelas implicações óbvias e de grande importância dessas proposições para o ensino. Na escola, a necessidade de compatibilizar o ensino com o nível de desenvolvimento mental do aluno muitas vezes é ignorada. Com isso, tenta-se ensinar conteúdos que pressupõem habilidades mentais que o aluno ainda não tem, ou por ainda não ter chegado o momento de estar no período “requisitado”, ou por ter “estacionado” em algum período anterior. Um erro muito freqüente, principalmente nos últimos anos do ensino médio e mesmo nos primeiros do ensino superior “é ensinar em um nível puramente formal (supondo, portanto, que esse nível tenha sido plenamente atingido) para alunos que estão ainda, em muitas áreas, em fase de raciocínio operacional-concreto” (MOREIRA, 1983, p. 56). Na verdade, a grande maioria das pessoas jamais vai além do período operacional-concreto (mesmo alunos do ensino superior). A todo o momento essas pessoas têm necessidade de regredir a esse estágio como recurso para não se perderem no plano da abstração (quando, por exemplo, os alunos do ensino médio ou dos primeiros anos do ensino superior solicitam mais aulas práticas). Assim, essa situação de “estagnação” no estágio das operações concretas, ou seja, onde o indivíduo não pensa senão em termos concretos, só pode ser superada com um ensino adequado. Nessa perspectiva piagetiana, ensinar significa provocar um desequilíbrio no organismo (mente) do educando para que ele, procurando reequilibrar-se se reestruture cognitivamente e aprenda. Assim, o mecanismo de aprender é a capacidade do indivíduo reestruturar-se mentalmente procurando um novo equilíbrio, cabendo ao ensino ativar esse mecanismo. “Se o ambiente é pobre em situações desequilibradoras, cabe ao educador produzi-las artificialmente” (ibid., p. 57), dessa forma, o professor deve ser tão ativo quanto o aluno. 157 De acordo com alguns pensadores que questionam e refletem sobre a responsabilidade que temos, como educadores, de influir na formação de pessoas capazes de pensar, escolher e decidir por si mesmas, empregamos muito tempo em ajudar as crianças a perceberem a diferença entre um texto bem construído e outro mal construído, ou entre os exercícios de matemática bem-feitos e os malfeitos, mas não dedicamos quase nenhum tempo a ensinar as crianças a distinguirem entre um raciocínio melhor e outro pior. E isso não é porque as crianças não necessitem saber como raciocinar ou não tenham a capacidade de aprender. Isso acontece porque nós mesmos não estamos familiarizados com a lógica, e nos custa admitir que temos alguma dificuldade em entendê-la (LIPMAN; OSCANYAN; SHARP, 1994, p. 39). Por essa razão, defendemos a importância do estudo da lógica durante toda a escolarização do ser humano. Não estamos nos referindo ao uso exclusivo da lógica formal, mas ao pensar governado por regras (que pode até ser exemplificado pelo desenvolvimento da lógica formal), fazendo com que os alunos fiquem cientes dos diferentes modos de pensamento, tais como imaginar, sonhar ou fingir. Essa é a maneira como a lógica deveria ser introduzida e desenvolvida no ensino; “nunca como um árido conjunto de fórmulas, mas sim em contextos de pensamentos reflexivos, especialmente onde haja um esforço por pensar mais claramente sobre o próprio pensar” (ibid., p. 206). Essa perspectiva de entender a filosofia e seu ensino poderia nos ajudar a modificar aspectos desfavoráveis das dimensões das representações da filosofia, verificadas em nosso estudo. Atitudes negativas dos alunos, quando afirmam que a disciplina “filosofia deveria ser melhor, pois é muito chata e complexa” (A21, turma B de P2), “é boa, mas ela tem que ser mais dinâmica” (A22, turma A de P1), “um pouco chata” (A23, turma B de P3), ou ainda, “muito chata’ (A24, turma A de P4), poderiam ser modificadas para atitudes positivas, como a do aluno A25, que acha a disciplina “maravilhosa. Porque eu gosto muito de ler e expressar minha opinião, dentro de uma lógica” (turma A de P1). 158 Admitindo a tridimensionalidade das representações, ou seja, o sentido de harmonia entre as três dimensões (atitude, informação e campo de representação), como elemento de sustentação, “solidez” e permanência das representações (MOSCOVICI, 1978), podemos inferir que a passagem de atitudes negativas para atitudes positivas pode interferir diretamente na organização dos conhecimentos que o grupo possua a respeito da filosofia e interferir na dimensão informação. Quando encontramos informações que identificam a filosofia como um tipo de conhecimento “muito importante, pois sabemos de coisas que nem prestamos atenção” (A26, turma A de P4), percebemos que, implicitamente, essa informação identifica a filosofia com a capacidade que os homens têm de se admirarem, “primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredindo em seguida pouco a pouco até resolverem problemas maiores” (ARISTÓTELES, 1979, p. 14). A constatação de que pela admiração o homem é levado a filosofar é um alerta contra a naturalização das coisas, e nos remete novamente à proposta de Gramsci (1989), para quem a filosofia é a crítica e a superação do senso comum, conforme vimos em parágrafos anteriores. Se a maior quantidade de informação sobre a filosofia pressupõe que as representações sociais sobre ela sejam mais próximas do real (MOSCOVICI, 2003; MOYSÉS, 2001), é de se esperar que com essa maior quantidade de informação se reduza a amplitude do campo de representação. Assim, a melhoria das condições de informação que alunos e professores tenham sobre o sentido do ensino de filosofia no nível médio irá interferir diretamente no modelo social (campo de representação) atinente à filosofia. Com uma amplitude menor do campo de representação, diminuiria a tendência a verificarmos expressões do conteúdo da representação da filosofia que afirmam, 159 por exemplo, que ela “parece uma aula de psicologia” (A15, turma B de P3), ou ainda, essa disciplina é “legal, porque graças a ela nós sabemos tudo que aconteceu no passado e o que vai acontecer no futuro” (A1, turma B de P5), ou porque “nela podemos viajar e pensar porque como o nome diz, filosofia é a arte de pensar [sic]” (A27, turma A de P3). Portanto, em consonância com o caminho defendido em nosso discurso doutoral, deveríamos trabalhar de maneira a fazer o aluno filosofar, independente do fato de esse aluno ter total domínio dos conceitos filosóficos. Nessa perspectiva, se trabalharmos com dinâmicas de grupo, jogos e dramatizações, por exemplo, que levem o jovem a dominar as técnicas necessárias para refletir com método, rigor e disciplina mental sobre seu cotidiano, provavelmente estaríamos ministrando boas aulas de filosofia. Com isso, não estaremos preocupados em ensinar eminentemente conceitos filosóficos, mas estaremos propiciando a nossos alunos momentos de reflexão, que com toda certeza o ajudaria a amadurecer, e quem sabe despertar nele o desejo de, um dia, adquirir a cultura filosófica. Nessa fase, bastaria ao aluno o exercício da reflexão, a destreza no pensar, o exercício de diálogo, a capacidade de argumentar corretamente... (ALMEIDA; COSTA, 2004). A cultura filosófica, ou o desejo de adquiri-la, viria com o tempo, chegaria no momento certo, mesmo que o aluno já estivesse longe dos bancos escolares. Mas com toda certeza, a capacidade de filosofar adquirida na escola, possibilitaria a esse aluno — em qualquer época de sua vida — uma empreitada autodidata pelo mundo da “filosofia dos livros”. Queremos propiciar aos nossos alunos uma filosofia viva, alegre, que trabalhe com o corpo e com a mente, que provoque emoções, que desperte desejos... A filosofia dos livros é muito boa, mas para nós, que um dia 160 escolhemos cursar uma graduação em filosofia. Para o aluno do ensino médio, que é obrigado a cursar essa disciplina, ela é algo “estranho” e, se fica restrita somente aos textos, torna-se “chata” e “indesejável”, como pode acontecer com todas as outras disciplinas da grade curricular. O aluno adolescente está cheio de vida, de luz, de energia e toda a força vital não combina com uma filosofia morta, empoeirada, presa a vinte e seis séculos de tradição ocidental. Assim, nos decidimos que queremos nos libertar do “túmulo da filosofia”! Reservaremos a filosofia dos livros só para nós, “filósofos profissionais”. Para os alunos, reservaremos o filosofar, a filosofia livre de estereótipos e tradições: livre das amarras dos currículos que tentam cristalizá-la e torná-la “letra morta”, algo chato e sem vida. Freqüentemente, o corpo produzido pela escola, apesar de ter habilidades físicas e intelectuais, pode ser um corpo fraco politicamente. Por isso, a filosofia não pode ser apenas mais um instrumento, a serviço das instituições oficiais, com o intuito de produzir indivíduos dóceis; corpos submissos politicamente, embora fortes para serem oferecidos ao aparelho de produção. Apesar de por vezes, ser necessária uma referência à história da filosofia, a filosofia e seu ensino não pode ser reduzida a um ritual de paráfrase do que os filósofos disseram (quantas vezes sem sequer terem sido compreendidos); também não pode ser confundida com a sua história, retirando a palavra aos alunos quando se trata de discutir os problemas filosóficos (como se a filosofia fosse apenas uma coisa do passado); e também não pode ser confundida com uma atividade estética ou com um gênero literário (ALMEIDA; COSTA, 2004, p.10). Não podemos deixar de concordar com Silveira (2000, p. 138), quando afirma que 161 a exemplo do que ocorre com uma educação revolucionária, um ensino de filosofia assim compreendido deve ter como objetivo primordial a instrumentalização teórico-prática dos estudantes, de modo a capacitá-los para uma compreensão mais fundamentada, mais elaborada e global da realidade em que vivem e, conseqüentemente, para uma intervenção mais consciente e crítica nessa realidade. Sendo assim, nossa luta é para evitar “que o tempo da vida se torne tempo de trabalho, que o tempo de trabalho se torne força de trabalho, que a força de trabalho se torne força produtiva” (FOUCAULT, 1996, p. 122). Lutar ainda, para que o homem possa ser senhor de seu tempo e de seu trabalho, libertando-o da concepção de que o trabalho é a sua essência. Na verdade, essa crença é um grande engodo, pois para que os homens sejam colocados no trabalho (na concepção burguesa em que aquele que produz não é dono de seu produto), ligados ao trabalho, “é preciso a operação ou a síntese operada por um poder político para que a essência do homem possa aparecer como sendo a do trabalho” (ibid, p. 124). Precisamos por isso, lutar contra a visão de mundo proporcionada pela burguesia, que tenta fazer do tempo e do corpo dos homens, da vida dos homens, algo que seja apenas força produtiva. Partindo do princípio de que não devemos nos limitar apenas a interpretar o mundo de diversas maneiras, mas sim transformá-lo (MARX, 1978), acreditamos que nos preocupando com o ensino do filosofar, provavelmente estaremos prestando o melhor serviço possível à filosofia. E que nos perdoem os patriarcas e todos os grandes nomes da filosofia, mas nossos alunos só deveriam ficar presos às aulas que se utilizam exclusivamente da “filosofia dos livros” (ou “filosofia teórica”) quando estivessem maduros e/ou motivados para isso. Enquanto esse momento não chegasse, caberia ao professor prepará-los para isso através do contato com uma “filosofia viva”, onde eles pudessem vivenciar o filosofar... 162 Mas, para que esse filosofar seja possível, o processo pedagógico não pode se restringir a um não-diretivismo, nem ao seu oposto, a um processo tradicional que castre toda e qualquer iniciativa do aluno. Como já vimos, em um processo pedagógico não-diretivo, o professor corre o risco de ser seduzido a trabalhar com os chamados “temas banalizados”, e no processo pedagógico tradicional, ele pode acabar se limitando a trabalhar com a “história da filosofia como centro”. Em contrapartida, trabalhar na perspectiva de uma pedagogia crítica, ou de uma educação revolucionária, tem no trabalho com a “história da filosofia como referencial” uma ótima estratégia pedagógica. E sendo assim, sai a história, e aparece como conteúdos próprios da filosofia os seus problemas, teorias e argumentos (ALMEIDA; COSTA, 2004). Nega-se dessa forma, uma ênfase especial à história da filosofia ou aos contextos sócio-culturais. Parte-se do princípio de que “o filosofar emerge com um conjunto de interrogações cuja resposta não é imediatamente dada pelo senso comum ou pelos outros saberes” (ibid., p. 13), sendo que essas interrogações, quando corretamente formuladas, constituem os problemas filosóficos. O contato com a tradição filosófica encontra nas teorias filosóficas — enquanto tentativas de solução dos problemas filosóficos — um momento privilegiado que orienta o trabalho filosófico para a averiguação persistente sobre a verdade dessas teorias, onde caberia uma “pergunta fundamental a fazer diante de cada teoria: será ela verdadeira?” (ibid., p. 13). Será a partir do momento em que se trabalham os argumentos filosóficos e a prática argumentativa que emerge a especificidade do filosofar. Segundo Almeida e Costa (2004, p. 13), 163 as faculdades críticas do aluno são agora requeridas, quer como capacidade de compreensão e de análise dos argumentos clássicos em filosofia, quer como aptidão para empreender criativamente a fundamentação de posições pessoais sobre os problemas e as soluções tradicionalmente disponíveis. Nessa perspectiva, a história da filosofia só estará presente no processo pedagógico na medida em que o aluno travar contato com a tradição filosófica expressa nas teorias filosóficas. Portanto, “não se deve reduzir a filosofia a sua história. Até porque não se pode fazer boa história da filosofia sem se saber filosofia” (ibid., p. 10). Por fim, ao retomarmos um dos princípios estabelecidos no capítulo quatro deste trabalho, de que pesquisar é produzir conhecimento novo, relevante teórica e/ou socialmente (LUNA, 2003), somos levados a acreditar que um dos méritos desta pesquisa foi o fato de ela fornecer o conhecimento de uma determinada realidade, cujos resultados obtidos podem permitir a formulação de hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas. Segundo essa percepção, mesmo reconhecendo as limitações de nosso estudo, acreditamos que ele — através do princípio da transferibilidade — possa ter seus resultados aproveitados em outras realidades, desde que o leitor perceba semelhanças entre os aspectos da nossa realidade particular, com o contexto por ele vivenciado. Parece-nos que o ensino de filosofia sofre de uma incompreensão fundamental da própria natureza da filosofia. Dessa forma, temos, por um lado, a afirmação de que a filosofia é “o lugar crítico da razão”, em contrapartida, a prática real do ensino e do estudo da filosofia, freqüentemente consiste na repetição de “fórmulas gastas”. E ao identificarmos conceitos e imagens da filosofia — formadas por coordenadores pedagógicos, professores e alunos do ensino médio, de uma dada realidade — deixamos aberto o caminho para que 164 novas pesquisas sobre representações da filosofia sejam realizadas, no interesse de se pensar sobre a natureza da filosofia e seus sentidos educacionais. É imprescindível, portanto, que professores e estudantes de filosofia façam da filosofia o que ela deve ser: um estudo vivo e estimulante, criativo e crítico. 165 BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. ABRIC, Jean-Claude. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, Antonia; OLIVEIRA, Denize (org.). Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB, 1998. ACQUAVIVA, Marcus. Teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1994. ALEVATO, Hilda M. Na luta por uma escola pública de qualidade: o imaginário dos professores. 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ESCOLA: ____________________________________________________ TURMA: ________ 1) O que você acha da disciplina Filosofia, no ensino médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2) Dê sua opinião sobre o(a) professor(a) de Filosofia. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3) O que você acha dos assuntos tratados nas aulas de Filosofia? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4) Se você pudesse escolher, quais os assuntos que deveriam ser tratados nas aulas de Filosofia? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5) O que você acha da maneira como seu professor ministra as aulas de Filosofia? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6) Como você acredita que deveriam ser as aulas de Filosofia? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Sua opinião é muito importante para nossa pesquisa. Muito obrigado pela sua colaboração! ANEXO 2 (COLETA DE DADOS - PROFESSOR) PESQUISA DE OPINIÃO Estamos realizando uma pesquisa sobre a disciplina Filosofia, no ensino médio. Queremos saber as opiniões dos professores que ministram essa disciplina no ensino médio, dos seus alunos e dos coordenadores pedagógicos do estabelecimento escolar. Procuramos saber o que você entende por Filosofia e o que pensa sobre o papel dessa disciplina na escola. Por isso, pedimos que responda as perguntas abaixo, expressando sua opinião sincera em relação a cada tema proposto. Se possível, procure dar respostas curtas com uma frase apenas (não se preocupe com a “beleza” da frase. Para nós o importante é que ela realmente expresse seus sentimentos). ESCOLA: ____________________________________________________________________ TURMAS EM QUE MINISTRA AULA: ________________________________________________ CURSO DE GRADUAÇÃO QUE LHE HABILITOU ESTAR DANDO AULAS DE FILOSOFIA NESTA ESCOLA: ( ) Filosofia ( ) Outro. Qual? __________________________ 1) O que você acha da disciplina Filosofia, no ensino médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2) Qual a postura ideal de um professor de Filosofia no ensino médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3) O que você pensa sobre seus alunos desta escola, de um modo geral? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4) Quais os conteúdos ideais para serem tratados nas aulas de Filosofia no ensino médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5) Na sua opinião, qual a metodologia mais adequada para as aulas de Filosofia no ensino médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6) Quais as principais dificuldades que você encontra ao ministrar suas aulas? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Sua opinião é muito importante para nossa pesquisa. Muito obrigado pela sua colaboração! 180 ANEXO 3 (COLETA DE DADOS – COORDENADOR PEDAGÓGICO) PESQUISA DE OPINIÃO Estamos realizando uma pesquisa sobre a disciplina Filosofia, no ensino médio. Queremos saber as opiniões dos professores que ministram essa disciplina no ensino médio, dos seus alunos e dos coordenadores pedagógicos do estabelecimento escolar. Procuramos saber o que você entende por Filosofia e o que pensa sobre o papel dessa disciplina na escola. Por isso, pedimos que responda as perguntas abaixo, expressando sua opinião sincera em relação a cada tema proposto. Se possível, procure dar respostas curtas com uma frase apenas (não se preocupe com a “beleza” da frase. Para nós o importante é que ela realmente expresse seus sentimentos). ESCOLA: ____________________________________________________________________ FUNÇÃO EXERCIDA NA ESCOLA: __________________________________________________ CURSO DE GRADUAÇÃO QUE LHE HABILITOU ESTAR NESTA FUNÇÃO: ( ) Pedagogia ( ) Outro. Qual? __________________________ 1) O que você acha da disciplina Filosofia, no ensino médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2) Qual a postura ideal de um professor de Filosofia no ensino médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3) No que diz respeito às aulas de Filosofia, o que você pensa sobre os alunos desta escola, de um modo geral? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4) Quais os conteúdos ideais que deveriam ser tratados nas aulas de Filosofia no ensino médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5) Na sua opinião, qual a metodologia mais adequada para as aulas de Filosofia no ensino médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6) Quais as principais dificuldades que o professor de Filosofia encontra ao ministrar suas aulas? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Sua opinião é importante para muito nossa 181 pesquisa. Muito obrigado pela sua colaboração! 182