30 ANÁLISE JURÍDICA DIREITO IMOBILIÁRIO Julho 2016 Eficiência energética nos edifícios– Regulação jurídica internacional e a sua consagração em portugal Filomena Maurício · [email protected] Desde o Tratado de Lisboa que a política energética europeia foi colocada no centro dos trabalhos europeus. Uma das temáticas mais afloradas e desenvolvidas neste âmbito respeita à eficiência energética em vários sectores, nomeadamente, no sector dos edifícios. A este título, os esforços regulatórios europeus têm-se caracterizado pelo objectivo da uniformização e harmonização normativa, assim como, pela adaptação e aperfeiçoamento das normas ao contexto nacional de cada Estado Membro. Nos últimos anos a agenda energética da União Europeia tem-se pautado por conferir um enfoque crescente à temática da eficiência energética nos edifícios. O desenvolvimento deste sector foi em muito potenciado pela actuação da Agência Internacional da Energia, nomeadamente, através da disponibilização de diversos instrumentos normativos de soft law desenhados especificamente para o aperfeiçoamento das boas práticas, hábitos e atitudes dos Estados, viabilizando-se, deste modo, a redução do consumo energético. No que concerne às cinco recomendações associadas ao consumo energético dos edifícios, estas passam pela elaboração de códigos de energia obrigatórios que deverão conter os requisitos mínimos de desempenho energético. Outra das recomendações que excedem já os requisitos mínimos exigidos respeita à aposta nos edifícios net-zero-energy-building, i.é. edifícios com um saldo nulo no consumo de energia nos quais a procura e a oferta de energia são equivalentes1. Os edifícios net-zero-energy-building não consomem energias não renováveis, utilizando somente as renováveis para a satisfação das suas necessidades energéticas. O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) preceitua a promoção da eficiência energética bem como a necessidade de desenvolvimento das energias renováveis, constituindo estes dois aspectos a pedra angular da política energética europeia. A 3.ª recomendação no sector dos edifícios prende-se com a melhoria da eficiência energética nos edifícios existentes. Esta recomendação poderá revelar resultados positivos se as políticas dos diversos Estados compreenderem as dificuldades que existem neste âmbito, procurando investigar a causa da carência do investimento nos edifícios de longa vida e, desta feita, promoverem medidas que ajudem a ultrapassar esta insuficiência. A prossecução da recomendação em análise poderá passar pela criação de incentivos ao investimento, através da concessão de empréstimos com contrapartidas leves para os proprietários desses edifícios. No que diz respeito às duas últimas recomendações, a penúltima está associada à elaboração de certificados energéticos que possibilitem uma informação clara e objectiva do desempenho energético dos edifícios aos interessados, sejam proprietários ou eventuais compradores ou até arrendatários. A última recomendação está ligada a melhorias da performance energética através da incorporação de sistemas como o Central Heating Ventilation and Air-Conditioning (HVAC), que correspondem a sistemas tecnológicos que permitem um maior conforto ambiental no interior dos edifícios. Apesar de estes instrumentos normativos se encontrarem no âmbito da soft law, são vários os ordenamentos jurídicos que os têm seguido de perto, incorporando-os, de forma adaptada, nos seus códigos e políticas nacionais, sendo a UE um dos exemplos paradigmáticos desta consagração. Foi com o Tratado de Lisboa que a temática da energia se posicionou no centro dos trabalhos europeus. A este respeito, atentando no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a alínea c), do n.º 1, do artigo 194.º, desse diploma preceitua a promoção da eficiência energética bem como a necessidade de desenvolvimento das energias renováveis, constituindo estes dois aspectos a pedra angular da política energética europeia. São vários os instrumentos políticos e legislativos, de cariz vinculativo ou apenas recomendatório, promovidos pelos diver- DIREITO IMOBILIÁRIO ANÁLISE JURÍDICA sos órgãos políticos, nomeadamente, o Conselho Europeu, o Conselho, a Comissão Europeia, tendo como principal objectivo a obtenção de consideráveis melhorias no sector dos edifícios. No essencial, importa destacar neste âmbito, o papel da directiva 2010/31/EU, que veio suceder a directiva 2002/91/CE, tendo a mesma estabelecido uma metodologia de cálculo acerca do desempenho energético dos edifícios. Para o mencionado cálculo deverão equacionar-se alguns parâmetros, como as características térmicas do edifício, como sejam os níveis de isolamento e as condições climáticas interiores. A directiva 2010/31/EU prevê a identificação de requisitos mínimos que os Estados Membros devem observar aquando da concepção e construção dos edifícios para alcançar os níveis óptimos de rentabilidade, tendo os mesmos de ser revistos de 5 em 5 anos. A directiva prevê, igualmente, a identificação de requisitos mínimos que os Estados Membros da UE devem observar aquando da concepção e construção dos edifícios para alcançar os níveis óptimos de rentabilidade, que segundo Everton Soares2, se definem como o equilíbrio óptimo em termos de rentabilidade entre os investimentos efectuados e os custos de energia poupados ao longo do ciclo de vida do edifício. Segundo o Autor, a fixação dos níveis óptimos de rentabilidade tem como escopo a uniformização destes requisitos incorporados nos diversos Estado Membros da UE, tendo os mesmos de ser revistos de 5 em 5 anos. Outra vertente que a presente directiva também consagra diz respeito à exigência de que, até 31 de Dezembro de 2020, todos os edifícios, construídos no âmbito europeu, deverão ser edifícios com necessidades quase nulas de energia, devendo a energia de que ainda assim necessitam ser fornecida através do recurso às energias renováveis. De acordo com a alínea b), do n.º 1, do artigo 9.º, da directiva, a exigência referida deve, no entanto, ser cumprida até 2018, para os edifícios de que os Estados sejam proprietários. O quarto momento positivado na directiva está associado à necessidade de criação de incentivos financeiros, que possibilitem uma concepção e construção de edifícios voltada para a incorporação de equipamentos que promovam a eficiência energética. O último ponto previsto na directiva refere-se à aposição obrigatória do certificado energético, devendo este conter a classe energética do edifício, prévia e devidamente atribuída por um perito qualificado. Destarte, cada Estado Membro da UE deverá delinear um sistema de certificação energética com o fim de os proprietários ou arrendatários poderem efectuar compa- Julho 2016 31 rações quanto a edifícios semelhantes. O certificado deverá fornecer, ainda, outras informações aos interessados, nomeadamente, no caso dos edifícios existentes, deverá contemplar medidas que permitam melhorar os níveis óptimos ou rentáveis de eficiência energética de um edifício. A validade do certificado é de 10 anos, havendo depois a necessidade de o renovar pelo proprietário do edifício. Outra vertente que a directiva consagra diz respeito à exigência de que, até ao final de 2020, todos os edifícios, construídos no âmbito europeu, deverão ter necessidades quase nulas de energia, devendo a energia de que necessitam ser fornecida através de fontes renováveis. Descendo ao caso português, a directiva em pauta foi transposta pelo Decreto-Lei n.º 118/2013, de 20 de Agosto, tendo este diploma viabilizado não só a consagração de um instrumento normativo europeu no contexto nacional, mas também possibilitou uma revisão da legislação nacional, nomeadamente, em relação ao desenvolvimento e melhoria do nível da sistematização e âmbito de aplicação, uma vez que a sua regulação abrangeu o Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE), o Regulamento de Desempenho 32 ANÁLISE JURÍDICA DIREITO IMOBILIÁRIO Julho 2016 Energético dos Edifícios de Habitação (REH) e o Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Comércio e Serviços (RECS). O diploma legal indicado plasmou as principais directrizes veiculadas pela UE, tendo, para o efeito, definido requisitos de eficiência energética para os principais tipos de sistemas técnicos dos edifícios e, bem assim, permitiu a aposta na promoção da utilização de fontes de energia renovável. Para além dos pontos já destacados, sublinha-se, paralelamente, a introdução do conceito já referido anteriormente de edifício com necessidades nulas de energia, que seguindo de perto a exigência europeia deve constituir o padrão para as construções futuras a partir do ano de 2020 ou de 2018, no caso de edifícios pertencentes a entes públicos. Fruto das necessidades de adaptação e aperfeiçoamento, o Decreto-Lei n.º 118/2013, de 20 de Agosto contou já com diversas alterações, a saber, os Decretos-Lei n.ºs 68-A/2015, de 30 de Abril, 194/2015, de 14 de Setembro e o 251/2015, de 25 de Novembro. O escopo destas duas últimas alterações legislativas teve que ver com o desenvolvimento e melhor adequação da regulação europeia ao quadro português jurídico-vigente. A quarta alteração ao diploma em pauta ocorreu no passado dia 23 de Junho, através da redacção do Decreto-Lei n.º 28/2016, visando este um maior aprofundamento e rigor, designadamente, quanto ao conceito de viabilidade económica “como base para a justificação do cumprimento da aplicação dos requisitos mínimos de desempenho energético nas intervenções junto dos edifícios3”, na medida em que a viabilidade económica deverá afigurar-se como um verdadeiro factor a ter em conta pelos investidores, contribuindo-se, deste modo, para a promoção dos níveis óptimos de rentabilidade. Para além do aspecto salientado, cumpre também mencionar o esforço do legislador na concretização do conceito já preteritamente avançado de edifício com necessidades quase nulas de energia, no sentido de conferir prioridade à redução das necessidades de energia dos edifícios sobre o recurso a energia oriunda de fontes renováveis, para que as necessidades daqueles quase não se registem. O último ponto previsto na directiva refere-se à aposição obrigatória do certificado energético, devendo este conter a classe energética do edifício, prévia e devidamente atribuída por um perito qualificado. Em jeito de conclusão, cumpre-me tecer uma breve consideração positiva desta evolução legislativa: de facto, a tendência que se tem verificado vai no sentido de tornar o desempenho dos edifícios, habitacionais ou não habitacionais, existentes ou novos, mais eficientes do ponto de vista energético. A concretização desse objectivo tem sido conseguida muito por causa das exigências legais paulatinamente consagradas, como sejam a obrigatoriedade da verificação de requisitos mínimos de desempenho energético cada vez mais altos e qualificados, especialmente, para os edifícios novos e, bem assim, a aposta na construção de edifícios cuja factura energética fique reduzida a valores despiciendos. É necessário, contudo aprimorar determinados detalhes e potenciar outros, como sejam a aposta na formação de profissionais com conhecimentos cada vez mais técnicos na área da viabilidade e eficiência energéticas, o apoio ao investimento em edifícios com estas características e, por último a disponibilização de informação sobre os benefícios da performance energética ao público em geral, quer sejam investidores ou compradores, sendo certo que o caminho nesse sentido já se encontra traçado. NOTAS 1 Disponível em: www.edificioseenergia.pt/ media/53562/tcapa%201.pdf. Acesso em 3 de Abril de 2014. 2 Cfr. Everton Luís Gurgel Soares, “A cidade e o Planejamento Energético”, Revista CEDOUA, n.º 28 (2011), pp. 91-101. 3 Cfr. excerto da parte inicial da quarta alteração legislativa ao Decreto-Lei n.º 118/2013, de 20 de Agosto.