processamento auditivo central e otite média

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CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
AUDIOLOGIA CLÍNICA
PROCESSAMENTO
AUDITIVO CENTRAL E OTITE MÉDIA
ÉRIKA MAHON
RECIFE
1999
RESUMO
Processamento Auditivo Central e Otite Média
O objetivo desta pesquisa teórica é analisar a influência da otite média
recorrente sobre o desenvolvimento das habilidades auditivas centrais, durante os dois
primeiros anos de vida.
Sabe-se que a otite média gera uma perda auditiva condutiva, em geral, de
grau leve a moderado. A recorrência da otite média confere um caráter flutuante à
perda auditiva.
A variação dos limiares auditivos leva a uma inconsistência nas pistas
acústicas. Esta privação sensorial precoce e flutuação da audição, ocorrendo no
período de desenvolvimento neurológico e de linguagem, altera a maturação das vias
auditivas centrais, restringe o processo de organização e categorização da informação
auditiva e promove a aquisição de padrões morfológicos, sintáticos e semânticos
distorcidos.
A relevância desta pesquisa está na grande incidência da otite média na
infância no período em que é fundamental a consistência da mensagem auditiva. A
identificação precoce de episódios de otite média permite prevenir a flutuação dos
limiares auditivos e, em conseqüência, a instalação de quadros de distúrbios de
linguagem e/ou distúrbios de aprendizagem que podem resultar em baixo desempenho
escolar.
ABSTRACT
Central Auditory Processing and Otitis Media
The objective of this research is to analyse the influence of otitis media on the
development of auditory processing skilbs, during the first two years of age.
It’s known that otitis media produces a mild or large conductive hearing loss.
The recurrence of otitis media caracterizes a fluctuated hearing loss.
The variation between the thresholds convey to inconsistent results and distorts
the auditory signals.
The early deprivation of sound associated with hearing fluctuation, occuring
during critical periods of language and neurological development may interfere with the
maturation of central auditory pathways. Stalso restricts the organization and
categorization process from acoustics information and promots a distortion acquisiton of
morphological, syntatic semantic models.
The relevance to this research is on the incident of otitis media in the childhood
at this time is fundamental the consistency of auditory message. The detection of otitis
media allow to prevent thresholds fluctuation, language and learing disturb, that can
result in a low school performance.
Dedico este trabalho a minha mãe,
Suzete, e minha irmã Karina.
AGRADECIMENTOS
A Profª. Drª. Mirian Goldenberg, pela orientação metodológica e pelo incentivo à
pesquisa.
A Fga Alina Sanches Gonçales, Coordenadora do Curso de Fonoaudiologia da
UNIP-Campus Ribeirão Preto - SP, que me despertou o interesse pela Audiologia e
pelos sábios ensinamentos durante minha formação profissional e sobretudo, por sua
amizade.
Às Fgas Cláudia Melena Rosa, Juliana Hortênsio, Leila Gamba Zanoni e Valéria
Casagrande, amigas e companheiras, pelas descobertas que fizemos juntas durante o
Curso de Aprimoramento em Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da USP-RP.
A Profª. Drª. Liliane Desgualdo Pereira, por encorajar-me quando esta pesquisa
era apenas uma idéia.
Aos amigos do CEFAC, pelo convívio fraterno e disponibilidade em fornecer
materiais quando houve necessidade.
A Srª. Paloma Camarotti, pela atenção ao texto e revisão ortográfica.
A Srª. Adriana Souza, bibliotecária da Biblioteca Central da Universidade
Federal de Pernambuco, pelo auxílio à pesquisa bibliográfica.
A Srª. Cleide de Azevedo Dantas, pelo apoio prestado nos serviços de
digitação.
É incrível que estas palavras invisíveis
cheguem até você, percorrendo uma
passagem tão estreita e fundindo-se
numa gelatina, que é o cérebro. Isso
mostra como a voz e o ouvido são dois
instrumentos delicados.
Jostein Gaarden
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................
1
DISCUSSÃO TEÓRICA ..............................................................................................
4
Definição de Processamento Auditivo Central ........................................................ 4
Etapas do Processamento Auditivo Central ............................................................ 5
Estações Anatômicas do Processamento Auditivo Central ....................................
6
Desordem do Processamento Auditivo Central ......................................................
9
Prevalência e Caracterização da Otite Média ......................................................... 13
Otite Média e Processamento Auditivo Central ...................................................... 16
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 26
INTRODUÇÃO
A comunicação humana é o principal veículo para a socialização e um meio
imprescindível para a aprendizagem.
Através da linguagem, a criança inicia sua interação com o meio que a cerca,
organiza e compreende todo o seu universo e transmite seus pensamentos e
sentimentos.
Sabe-se que existem diversas formas de linguagem, contudo, a maior demanda
da comunicação humana situa-se na modalidade oral. Os profissionais que trabalham
nesta área concordam que o ouvido é o órgão que possibilita uma das mais nobres
funções superiores do homem, que é a comunicação.
A maioria dos estudos volta-se para a compreensão dos mecanismos de
aquisição da linguagem de crianças com deficiência auditiva periférica, desenvolvendo
medidas de prevenção, diagnóstico precoce e reabilitação. Entretanto, não são apenas
as perdas auditivas periféricas que estão associadas a alterações de fala e linguagem.
Algumas crianças, mesmo com audição periférica normal, apresentam queixas auditivas
associadas a distúrbios de aprendizagem ou distúrbios de linguagem.
Somente nos últimos anos, a audiologia despertou interesse pelos possíveis
comprometimentos das habilidades auditivas centrais. A partir deste momento, as
desordens do processamento auditivo central passaram a ser incluídas no quadro dos
distúrbios da audição, tanto em adultos como em crianças.
Houve um crescente interesse do audiologista em compreender como o
indivíduo usa efetivamente a informação auditiva, envolvendo todas as etapas desde a
atenção, detecção do som, até as habilidades auditivas de localizar, discriminar,
reconhecer, compreender e memorizar os eventos sonoros.
Estas habilidades auditivas vão sendo desenvolvidas desde o nascimento,
ocorrendo com a estimulação materna e empírica. A mãe provê informações
comunicativas, modificando e enfatizando a melodia e prosódia da fala. Estes aspectos
supra segmentais promovem melhor aproveitamento do sistema auditivo infantil.
Associada à estimulação ambiental, para que haja a instalação do
processamento auditivo central é imprescindível a integridade do sistema auditivo
periférico e central.
É imperioso que se conheçam as relações e conseqüências entre o
processamento auditivo central e a linguagem, já que ambos estão interligados. Vários
estudos já têm se preocupado com os possíveis fatores de risco para alterações do
sistema nervoso auditivo central, contudo ainda permanece obscuro o ponto quanto à
interferência
das
perdas
auditivas
condutivas
sobre
o
desenvolvimento
do
processamento auditivo central.
Dentre as perdas auditivas condutivas da infância, as otites médias são as de
maior incidência. Portanto, o objetivo deste trabalho é estudar a relação entre a otite
média e o processamento auditivo central, verificando os efeitos da privação sensorial
precoce para a maturação do sistema nervoso auditivo central e consequentemente das
habilidades auditivas centrais, em crianças com história de otite média.
O interesse por este estudo baseia-se no argumento de Lubert, citado por
Katz(1989), de que as desordens de processamento auditivo central servem de base
para os distúrbios de linguagem em crianças. Embora não se possa afirmar que as
desordens de processamento auditivo central sejam a causa de todos os distúrbios de
linguagem, é clara a estreita relação entre as habilidades auditivas e as funções de
linguagem.
Além disto, sabe-se que a otite média é a doença de segunda maior incidência
na população infantil. A otite média ocorre, principalmente, entre 0 e 24 meses, período
em que há maior desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem. Problemas
auditivos, mesmo sendo perdas auditivas condutivas flutuantes e temporárias, como é o
quadro característico da otite média, podem comprometer a aquisição de fala,
repercutindo no desempenho social e de aprendizagem.
Conhecendo-se a relação entre o processamento auditivo central e a otite
média, será possível conscientizar e sensibilizar os profissionais que lidam com
crianças em fase de desenvolvimento. Este conhecimento torná-los-á mais atentos para
a otite média, prevenindo, intervindo precocemente e evitando os problemas de
linguagem, aprendizagem e baixo desempenho escolar, pois a intervenção ocorrerá
antes do processo de alfabetização.
Como a otite média promove uma perda auditiva de grau leve a moderado,
podendo ser uni ou bilateral, acredito que na vigência da otite média haverá uma
redução da energia acústica, da intensidade de fala que atinge a cóclea, levando à
perda das pistas auditivas e de alguns formantes da fala. Deve-se acrescentar a este
aspecto, o caráter flutuante, que leva a uma variação dos padrões sonoros e da
qualidade da mensagem auditiva.
Todos estes fatores somados, ocorrendo no período de maturação do sistema
nervoso auditivo central e de
desenvolvimento das habilidades auditivas centrais,
podem ocasionar alterações na organização dos sistemas morfossintáticos e
semânticos da língua. Estas alterações podem se perpetuar interferindo na
aprendizagem no período escolar ou na vida adulta, em situações de escuta em
condições desfavoráveis.
O presente estudo será desenvolvido a partir de levantamento bibliográfico,
tendo como fontes livros, artigos de revistas e jornais.
DISCUSSÃO TEÓRICA
Definição de Processamento Auditivo Central
O termo processamento auditivo é definido por Pereira, citada por
Azevedo(1997 b) como o modo em que os sistemas auditivos periférico e central
recebem, analisam e organizam as informações acústicas. No processamento auditivo
estão envolvidas etapas desde a detecção até a interpretação destas informações,
sendo realizadas pelas estruturas do sistema auditivo, iniciando-se no ouvido externo e
estendendo-se até o córtex auditivo.
Por outro lado, o processamento auditivo central(P.A.C.) refere-se às tarefas
relacionadas, predominantemente, com sistema auditivo nervoso central: vias auditivas
e córtex. Katz e Lasky, citados por Katz e Tillery (1997), acrescentam que o PAC é mais
que o simples processo da sensação sonora, medida através do tom puro. É um
processo complexo que envolve tarefas de escuta ocorrendo no sistema nervoso
central indicando a efetividade da utilização da informação auditiva.
Katz e Wilde(1989) não fazem distinção entre o termo processamento auditivo
central, percepção auditiva ou percepção de fala. Acreditam que a percepção auditiva
pode ser utilizada devido à participação das funções auditivas superiores, mesmo
sabendo que as percepções não podem ser medidas diretamente. Na realidade, os
testes formais medem como o indivíduo responde aos estímulos selecionados,
correspondendo aos mecanismos que o cérebro utiliza para processar as imagens
percebidas, justificando o termo processamento auditivo central.
Alguns teóricos cognitivistas preferem o termo percepção de fala, pois vêem
como momentos distintos a percepção de sons verbais e sons não verbais. Porém
Tallal e Piercy, citados por Katz e Wilde (1989), demonstram que crianças com graves
distúrbios de linguagem têm dificuldade de audição similar tanto para sons verbais
como para sons não verbais.
Baseado neste aspecto, fazer uma distinção entre as terminologias, percepção
auditiva, percepção de fala e processamento auditivo central é desnecessário.
Pereira(1996) elege o termo processamento auditivo central porque considera
que, neste fenômeno, estão envolvidos vários processos que se sucedem no tempo e
permitirão uma análise metacognitiva dos eventos sonoros próximos.
Para melhor compreensão, segue o próximo item que abordará todas as etapas
do PAC.
Etapas do Processamento Auditivo Central
O processamento auditivo é realizado através de uma série de etapas, que
seguem uma seqüência e segundo Boothroyd, citado por Pereira(1993), são: detecção,
discriminação, localização, reconhecimento e compreensão do som. Todas esta etapas
estão mediadas pelas funções cognitivas de atenção seletiva e memória.
O mesmo autor conceitua cada uma das etapas. A detecção do som é vista
como a identificação da presença de ausência do som, sendo função do sistema
auditivo periférico. A partir do quinto mês de vida intra-uterina, o bebê já é capaz de
ouvir, pois o sistema auditivo periférico já está formado. Um dano neurológico,
psicológico ou privação sensorial podem levar a criança a não desenvolver a função de
detecção do som, fato que pode ocorrer intra-útero com a privação sensorial.
Discriminação corresponde à habilidade de perceber as diferenças entre os
padrões sonoros quanto à freqüência, intensidade e tempo de duração. A capacidade
de discriminação está presente nos bebês e vem associada à habituação, sendo a
inibição ou redução da resposta frente aos estímulos sonoros.
A localização é a capacidade de identificar o local de origem do som, sendo
indispensável a audição binaural. Esta habilidade é percebida a partir do terceiro mês
de vide vida, quando o bebê localiza lateral e progressivamente para cima, para baixo,
indireta e diretamente. É importante na percepção espacial e na atenção seletiva.
A identificação de um evento sensorial e sua associação com experiência
passada é chamada de reconhecimento, sendo uma atividade aprendida e dependente
de um contexto situacional-temporal. Por fim, a compreensão que permite
atribuir
significado à informação auditiva e está presente após um ano de vida, sendo um
comportamento totalmente aprendido.
Em trabalho posterior, Boothroyd, citado por Pereira(1996), afirma que a
atenção seletiva, capacidade de selecionar estímulo de maior intensidade, é primordial
para qualquer aprendizagem. A atenção seletiva favorece monitorizar o estímulo
significativo, no caso o auditivo, mesmo que a atenção primária esteja voltada para
outra atividade. É função da atenção seletiva permitir a reação a um estímulo auditivo
significativo, ignorando o ruído de fundo. Dentre as variáveis que influenciam a atenção
seletiva, estão a complexidade e familiaridade do estímulo e a expectativa e motivação
do indivíduo.
Este mesmo autor refere que a memória é o processo de estocar a informação
recebida e evocá-la sempre que necessário. Lúria, citado por Pereira e Ortiz(1997),
acrescenta que existem as memórias verbal e não verbal. As duas complementam-se,
pois a memória não verbal auxilia na identificação da prosódia, altura, intensidade,
timbre, influenciando no aprendizado dos códigos sonoros da língua, enquanto que a
memória verbal interage no aprendizado do conteúdo lingüístico, essencial para a
compreensão da mensagem.
Estações Anatômicas do Processamento Auditivo Central
As etapas do processamento auditivo ocorrem em diferentes estações do
sistema auditivo, que Pereira(1993) classifica didaticamente em: componente condutivo,
componente sensorial e componente neural. O componente condutivo, representado
pela orelha externa e média, tem a função de conduzir o som do meio externo(aéreo)
ao meio interno(líquido), além da proteção da cóclea contra sons de forte intensidade. O
componente sensorial, formado pela cóclea, transforma o impulso sonoro em elétrico. O
componente neural recebe, analisa e programa a resposta, e seu
funcionamento
depende da maturação e plasticidade neurológica. A partir do componente neural está
sendo iniciado o processamento auditivo central(PAC).
A maturação neurológica, como explica Azevedo(1997 a), ocorre a partir da
experienciação sonora, durante os dois primeiros anos de vida, completa a mielinização
e contribui para a formação das conexões neurais. As estruturas auditivas, também,
fazem conexões com outros sistemas, como a exemplo do visual e somestésico,
através de sinapses inibitórias e facilitatórias. Estas vias neurais possibilitam a
interpretação da mensagem e programação da resposta.
Segundo Bonaldi e cols.(1997), as estações do sistema nervoso auditivo central
que participam do PAC são: núcleos cocleares, complexo olivar superior, colículo
inferior, corpo geniculado medial e córtex auditivo, e mencionam suas respectivas
funções.
Nos
núcleos
cocleares
inicia-se
a
análise
sensorial
complexa,
com
discriminação de freqüência e diminuição do ruído de fundo. O complexo olivar superior
é responsável pela localização sonora, através da diferença de fase interaural
(intensidade e tempo), além de fazer parte de reflexo estapediano.
As funções dos núcleos cocleares e do complexo olivar superior são
combinadas pelo colículo inferior que fornece o mapeamento da fonte sonora. O
colículo inferior também tem papel importante em muitos reflexos auditivos como o
"startle"; nas crises audiogênicas, com respostas motoras, resultantes
sensorial precoce; e na atenção ao estímulo sonoro.
da privação
O corpo geniculado medial, cuja divisão ventral é a única especificamente
auditiva, auxilia na manutenção da atenção auditiva e integra as informações somatosensoriais com as auditivas.
O córtex auditivo analisa os sons complexos, realiza discriminação de
freqüência e intensidade sonora e atua na localização sonora de acordo com padrões
temporais. O córtex auditivo possui regiões comissurais (região temporal anterior) que
tanto transmitem informações de um hemisfério a outro, como inibem os impulsos
indesejados. Por esta organização, o lobo temporal juntamente com a formação
reticular são estruturas do sistema nervoso central responsáveis pela atenção seletiva,
enquanto a memória ocorre no hipocampo.
Carvallo(1996) dá ênfase à importância do reflexo estapediano no PAC, já que
as conexões neurais envolvidas no arco reflexo estapediano atingem os núcleos
auditivos localizados no complexo olivar superior. A autora refere que, além da função
protetora dada pela contração muscular, o reflexo estapediano diminui o efeito
mascarante dos sons graves sobre os estímulos mais agudos da cadeia de fala. Esta
seletividade de freqüência favorece o reconhecimento de uma freqüência específica,
na presença de tons mascarantes aplicados simultaneamente na mesma orelha.
Colleti e cols., citados por Carvallo(1996), num estudo em indivíduos com lesão
do músculo estapédio, observam que a ausência do reflexo acústico está associada a
um pior desempenho em atividades de seletividade de freqüência e de reconhecimento
de fala. Os resultados comprovam que o reflexo estapediano melhora a discriminação
de fala na presença do mascaramento ipsilateral. Os autores atribuem o fenômeno ao
efeito do reflexo acústico na atenuação da energia sonora em baixas freqüências. Desta
forma, o efeito mascarante dos sons graves sobre as altas freqüências da cadeia fala
torna-se limitado, resultando na melhora da inteligibilidade.
Na opinião de Carvallo(1996), a ausência do reflexo estapediano, em ouvidos
sem sinais aparentes de comprometimento tímpano-ossicular,
indica a não
disponibilidade do complexo olivar superior em disparar o comando neural para
contração do músculo estapédio. Por este motivo, é importante avaliar a incidência de
alteração do reflexo estapediano em indivíduos com queixa de distúrbios da
comunicação.
Além dos componentes anatômicos, o PAC é dependente de aprendizagem,
resultante da experienciação auditiva. Portanto, a seguir serão abordados alguns destes
fatores.
Desordem do Processamento Auditivo Central
O PAC engloba todas as habilidades mencionadas anteriormente, exceto a
detecção que ocorre no sistema auditivo periférico. Algumas habilidades já estão
presentes logo ao nascimento, sugerindo que no PAC existe uma capacidade biológica
inata. Contudo, para que haja o desenvolvimento, é preciso uma interação entre esta
capacidade com as experiências da criança no ambiente acústico.
Azevedo(1996) aborda os primeiros anos de vida como
críticos para o
desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem, pois, neste período, ocorre
a maturação do sistema auditivo central. A experienciação auditiva, nesta fase, quando
há maior plasticidade e estabelecimento de novas conexões neurais, é imprescindível
para o desenvolvimento normal da audição e de linguagem.
De acordo com Pereira(1997 a), a maturação do sistema auditivo ocorre da
periferia para o centro, já na vida intra-uterina. Primeiro desenvolve-se o sistema
auditivo periférico, que já está pronto ao nascimento, depois as vias auditivas do tronco
encefálico e por fim, o córtex auditivo cerebral.
Além da maturação das vias auditivas, Pereira (1997 a) também defende que a
percepção dos estímulos sonoros segue uma evolução. A criança inicia com a
percepção da prosódia, posteriormente, há maior eficiência
na detecção de sons,
evolução na localização da fonte sonora, aprendizado do reconhecimento e
compreensão sonora. A habilidade auditiva torna-se mais eficiente, econômica e
específica. Koay, citado por Pereira e Ortiz(1997), afirma que há melhora no
desempenho das habilidades auditivas de memória, discriminação, compreensão e
escuta dicótica com o aumento da idade cronológica. Couto (1994) evidenciou melhora
do desempenho da habilidade auditiva de discriminação, à medida que a faixa etária
aumenta, em indivíduos entre quatro e seis anos.
Na habilidade de compreensão dos sons de fala, Schochat(1996) propõe que o
ouvinte se utiliza das redundâncias intrínsecas e extrínsecas. As redundâncias
intrínsecas correspondem às vias do sistema nervoso auditivo central e dos demais
sistemas integrados. As redundâncias extrínsecas são as pistas sobrepostas da fala:
pistas acústicas, sintáticas, semânticas, morfológicas e lexicais, que auxiliam a escuta
em ambientes desfavoráveis, melhorando a inteligibilidade de fala.
Em seu estudo, Couto (1994) comprova que o ruído e a reverberação ambiental
isolados ou combinados, interferem negativamente sobre a discriminação auditiva. A
partir destes dados, evidencia-se que para um bom desenvolvimento das habilidades
auditivas envolvidas no processo de reconhecimento de fala, há também que se
considerar as condições do ambiente em que o indivíduo está inserido para realizar o
aprendizado. Portanto, as relações entre fatores anatômicos e ambientais estão
presentes desde o nascimento e continuam interagindo no PAC do adulto.
O ouvinte adulto, não necessita de todas as pistas para compreender a fala.
Entretanto para a criança, o processamento central da mensagem auditiva torna-se
mais eficaz com o maior número de redundâncias extrínsecas, pois as vias auditivas,
que são as redundâncias extrínsecas, ainda estão em fase de maturação.
Adversidades durante o período de desenvolvimento, principalmente nos dois
primeiros anos de vida, podem levar a desordem do processamento auditivo central, e
consequentemente a dificuldade de aprendizagem.
Azevedo(1997 a) relaciona uma série de fatores que ocasionam alterações
auditivas periféricas e centrais, adaptados do Joint Committee on Infant Hearing(1994).
Dentre os fatores de risco para distúrbios auditivos centrais estão: história de infecções
congênitas,
hiperbilirrubinemia,
meningite
bacteriana,
apgar
baixo,
síndromes,
alcoolismo materno, uso de drogas psicotrópicas na gestação, hemorragia ventricular
graus III ou IV, convulsões, suspeitas de atrasos de fala, audição ou linguagem, e
história de otite média nos dois primeiros anos de vida.
Do ponto de vista de Pereira e Ortiz(1997), a privação sensorial nos primeiros
anos de vida pode interferir nos processos maturacionais e na organização e
armazenamento das regras para o aprendizado da linguagem. As causas da privação
sensorial podem ser o nível sócio-cultural baixo, com ambientes pouco estimuladores;
ou ambientes de escuta desfavorável, como ruidosos ou reverberantes; ou ainda, uma
perda auditiva, mesmo que reversível, como a otite média. Estas situações impedem o
desenvolvimento natural do PAC, contribuindo para a instalação da desordem do
processamento auditivo central(DPAC).
A DPAC, segundo Pereira(1997 b), caracteriza-se por um distúrbio da audição
no qual há comprometimento da habilidade de analisar e/ou interpretar os padrões
sonoros.
Katz e Wilde(1989) definem DPAC como uma quebra em um ou mais aspectos
do PAC, e posicionam-se quanto à questão da presença de uma lesão definida no
sistema nervoso auditivo central ou se o que existe é apenas um déficit funcional. Para
os autores, as lesões reais no sistema nervoso auditivo central de crianças com DPAC
são pouco freqüentes, acreditando ser mais apropriado considerar que estas crianças
estão abaixo da faixa de normalidade. Muitas crianças com DPAC não têm evidências
de comprometimento cerebral, as dificuldades devem ser vistos mais como déficit do
que um dano, a menos que exista um diagnóstico neurológico definido para a
localização de lesão. Os interesse por estas crianças são mais educacionais do que
médicos.
A maioria dos autores concorda que a DPAC traz prejuízos nas habilidades
auditivas, manifestando-se clinicamente por dificuldade de atenção seletiva; de
localização sonora; no reconhecimento de seqüências auditivas; na compreensão de
sílabas, palavras ou frases na presença de mensagem competitiva ou de ruído, na
identificação de palavras decompostas acusticamente, e memória auditiva prejudicada.
Indivíduos com DPAC podem apresentar problemas de comunicação,
aprendizado e comportamento social, onde a DPAC pode ser a causa ou o fator
agravante de tais distúrbios.
Pereira(1996) relata que as alterações comportamentais podem ser quanto à
comunicação oral, comunicação escrita, comportamento social e desempenho escolar.
Na comunicação oral encontram-se os desvios de produção de fala, principalmente com
os fonemas |r| e |l|, problemas na estruturação gramatical, dificuldade de compreensão
em ambientes ruidosos e de compreender palavras com duplo sentido. Na comunicação
escrita pode haver inversão de letras , disgrafias ou má compreensão do material lido.
Quanto ao comportamento social, a criança pode apresentar-se distraída, agitada ou
muito quieta, desajustada socialmente e com tendência ao isolamento. E na escola, a
criança pode estar
com
baixo rendimento acadêmico, especialmente na leitura,
gramática, ortografia e matemática.
Katz e Tillery(1997) postulam que qualquer pessoa com queixas de escuta
prejudicada em ambientes desfavoráveis, dificuldades de aprendizagem ou linguagem,
ou se apresentarem um ou mais dos fatores de risco já citados são sérios candidatos à
avaliação do PAC.
Para Carvallo (1997), a avaliação do PAC oferece informações sobre como o
indivíduo lida com os eventos sonoros por ele detectados, tendo como referência o
comportamento de indivíduos com habilidades auditivas normais. Através dos
procedimentos padronizados, é possível diagnosticar e caracterizar os prejuízos do
processo gnósico auditivo do indivíduo. Além disto, permite orientar um programa de
reabilitação fonoaudiológica ou intervir precocemente, estimulando o desenvolvimento
das habilidades auditivas e minimizando ou prevenindo distúrbios da comunicação.
As habilidades auditivas, segundo Pereira(1996), são investigadas através de
testes especiais utilizando estímulos não verbais e verbais, constituídos por sílabas,
palavras e frases, apresentados monótica ou dicóticamente. Como o objetivo é avaliar a
integridade funcional das vias auditivas centrais e do córtex auditivo, o estímulo é
apresentado retirando as redundâncias extrínsecas, através de distorções em
freqüência sonora ou sombreados com ruído branco ou com estímulo verbal que devem
ser ignorados. As habilidades envolvidas podem ser resumidas na capacidade de
separar ou integrar estímulos verbais apresentados monoaural ou binauralmente.
Além dos testes especiais, para a avaliação do PAC é necessário realização
prévia de audiometria tonal para estudar as condições de detecção do som; audiometria
verbal objetivando informações sobre o funcionamento da cóclea e nervo auditivo; e
imitanciometria com timpanometria e pesquisa do reflexo estapediano para observar as
condições do sistema tímpano-ossicular e investigar as vias auditivas centrais em
relação ao tronco encefálico, respectivamente.
Pereira(1997) acredita que na interpretação dos testes aplicados deve-se
registrar os acertos do indivíduo e verificar seu comportamento durante o exame,
incluindo compreensão das solicitações e
instruções
dadas e do grau de atenção.
Estes aspectos fazem parte da avaliação qualitativa do PAC.
Considerando a população infantil, a maioria dos autores afirma que, das
crianças encaminhadas para avaliação do PAC, uma grande parte delas apresentam
queixas de distúrbios da comunicação oral ou escrita, distúrbios da aprendizagem,
seguindo com queixas de comportamento social, principalmente, desatenção e
identificam o grande número de casos de otite média neste grupo. Portanto, o
profissional interessado nos DPAC deve estar atento para a incidência de otite média
nos primeiros anos de vida.
Prevalência e Caracterização da Otite Média
Katz e Wilde(1989) citam que indivíduos com queixas de DPAC, linguagem, fala
e aprendizagem podem ter histórias de otite média(OM), durante os primeiros anos de
vida. Freeman e Parkins, citados pelos autores acima, ao estudar 50 crianças com
distúrbios de aprendizagem e 32 crianças sem esta alteração, verificam que
aproximadamente um terço das crianças com distúrbios de aprendizagem apresentam
falhas nos testes de PAC e têm história de três vezes mais episódios de OM que as
outras crianças.
Segundo Carvallo (1990), crianças com otite média serosa apresentam
distúrbios de comportamento, alterações na linguagem compreensiva, expressiva oral e
escrita e déficits no rendimento escolar.
Fisher, citado por Katz e Tillery(1997), em sua lista para problemas auditivos,
menciona, em primeiro lugar, histórias de OM interferindo no desenvolvimento das
habilidades auditivas. O mesmo autor alerta para a importância na determinação
precoce de patologias do ouvido médio, especialmente nos primeiros anos de vida.
Estudos realizados por Downs(1985) e Zinkus e Gottlieb(1980) concordam que,
além da magnitude da perda, deve-se atentar para o número e o tempo de duração de
cada episódio de OM. As pesquisas consideram que a ocorrência de três ou mais
episódios por ano, nos primeiros anos de vida, já é significativo para a DPAC.
De acordo com Guerreiro e cols.(1997), a OM é a segunda doença mais comum
da infância, especificamente dos primeiros anos de vida. A otite média é definida como
uma inflamação do ouvido médio, resultante, provavelmente, da imaturidade do sistema
imunológico ou do mal funcionamento da tuba auditiva. Esta patologia caracteriza-se
pela presença de fluido no ouvido médio, o que compromete a transmissão do som para
a cóclea, levando a uma perda auditiva condutiva.
Bluestone e Klein, citados por Santos(1996) referem que o maior número de
episódios de OM, ocorre entre 6 e 18 meses e acrescentam que as crianças que até
os três anos tiveram poucos episódios de OM têm menor probabilidade de desenvolver
quadro severos e recorrentes.
Os autores acima estabelecem uma classificação de acordo com a freqüência
nos episódios de OM aguda, agrupando as crianças em três categorias: o primeiro
grupo seria o de crianças livres de otites; o segundo com episódios ocasionais de
infecções; e por último, um grupo com patologias de ouvido médio repetidas, que seria
o de crianças propensas a otites.
Dentre os fatores de risco para a instalação de OM, Hubig e Costa Filho(1997)
discutem algumas possibilidades: antecedentes familiares para otite média ou elevada
concentração de crianças num mesmo ambiente, propiciando a transmissão de
doenças infecciosas das vias aéreas superiores, que podem levar a infecções do
ouvido médio. Os pesquisadores também citam a presença de alergias ou estado
nutricional debilitado, que contribuem para a manutenção do quadro. Os fatores
climáticos, como variações de temperatura e umidade relativa do ar, também são
incluídos, pois a baixa umidade resseca a mucosa nasal e favorece a contaminação das
vias aéreas superiores.
Pukander e cols.(1985) reportam-se ao aumento do risco para a
condições
de fumo passivo, em famílias numerosas e
OM em
que vivem em ambientes
pequenos. As condições sócio-econômicas baixas elevam os riscos para a saúde geral
e mais particularmente para problemas de ouvido médio.
Avaliando a população de duas creches da cidade de São Paulo, Hubig e Costa
Filho(1997) identificam quadros mais graves de OM em crianças entre 0 e 48 meses,
havendo uma redução da gravidade e incidência após este período. Os mesmos
autores acreditam que, embora haja maior risco para crise aguda nos dois primeiros
anos de vida, estados patológicos latentes persistem nos demais anos da infância.
De acordo com a posição anterior, Teele e cols.(1984) referem presença de
efusão após semanas de um episódio de OM, persistindo por, no mínimo 29 dias, após
cada episódio.
Existe uma tendência em considerar a OM aguda como a forma mais freqüente,
exatamente por sua sintomatologia evidente de otalgia, febre, irritabilidade geral e, por
vezes otorréia. Contudo, Hubig e Costa Filho(1997) alertam para a grande incidência de
otite média serosa (com efusão), de caráter assintomático e recorrente, ocasionando
perda auditiva condutiva e flutuante, cujo grau varia de leve a moderado.
Apesar da assintomatologia, Steglish-Petersen, citado pelos autores acima,
sugere que históricos de resfriados freqüentes e uma observação detalhada do
comportamento da criança, apresentando irritabilidade, dispersão ou isolamento,
oferecem pistas sugestivas de problemas otológicos.
Segundo as estatísticas de Santos(1996), em média 80% das crianças em
idade pré-escolar e escolar já sofreram uma perda auditiva temporária. Estes estudos
também concluem que se a perda auditiva permanece não detectada e não tratada,
pode levar a atrasos no desenvolvimento da fala, linguagem e sobretudo a distúrbios de
audição.
Otite Média e Processamento Auditivo Central
Friel-Patti & Fintzo, citados por
Guerreiro e cols.(1997), pesquisando 450
crianças com história de OM de repetição nos dois primeiros anos de vida, encontram
correlação significativa e negativa para a linguagem receptiva, em crianças entre 12, 18
e 24 meses de idade, quando comparadas a outras crianças de mesma faixa etária.
Gottlieb e cols.(1979) estudando crianças
com baixo rendimento escolar,
encontram grande incidência de DPAC e atraso no desenvolvimento de linguagem.
Quanto às perdas auditivas por OM, Katz e Tillery(1997), explicam que, apesar
de ser uma condição flutuante e produzir uma perda auditiva leve, é evidente que a OM
está associada a limitações importantes na comunicação e aprendizagem. Durante os
dois primeiros anos de vida, quando o sistema nervoso auditivo central está em
processo de rápido desenvolvimento, o ideal é que haja consistência de estimulação.
Os mesmos autores pontuam que a flutuação da audição e a perda uni ou
bilateral assimétrica, vistas na OM, levam à inconsistência das pistas auditivas, sendo
uma desvantagem para a integração binaural e maturação do sistema auditivo central.
Bamford e Saunders, citados por Pereira e Ortiz (1997), relatam que o caráter
flutuante da OM recorrente leva a variações nos limiares auditivos e na percepção dos
sons, restringindo o processo de organização e categorização da informação acústica
ou processamento auditivo de fala. Este fato pode resultar em engramas inadequados
dos sons de fala, alterando o desenvolvimento de linguagem.
Os pesquisadores citados acrescentam que, pelo fato da perda auditiva não ser
igual em todas as freqüências, pode alterar a audibilidade dos diferentes sons da fala.
Além disso, Katz e Tillery(1997) consideram a OM como uma condição de
ruído, já que a presença de fluido no ouvido médio, tão próxima à cóclea, produz ruído
que interfere na percepção da fala. Esta situação causa falha ou distorção na imagem
codificada, reduzindo a velocidade e acurácia da decodificação.
Apesar destas posições, ainda é bastante controvertida a influência da OM,
sobre o desenvolvimento auditivo e de linguagem, o que gera duas correntes entre os
profissionais envolvidos. Menyuk, citada por Santos(1996), refere que um grupo
defende não haver relações entre o desenvolvimento de fala/linguagem e
das
habilidades auditivas. A autora citada continua afirmando que outros estudiosos
acreditam que o desenvolvimento de fala/linguagem e
comprometidos, mesmo na presença de
auditivo
podem ser
uma perda condutiva leve, em virtude do
seu caráter flutuante, que leva à inconsistência das pistas auditivas, durante os
primeiros anos de vida.
Baseados nesta última corrente, com o objetivo de investigar a influência da OM
na fala, linguagem e PAC, Holm e Kunze(1969), comparam crianças com histórias de
OM com grupos de crianças sem passado otológico. Os resultados evidenciam que
crianças com OM têm escores significativamente piores para articulação, linguagem
receptiva, e habilidade auditiva, que o grupo controle.
Downs(1985) sugere que se possível, deve-se construir um modelo de privação
auditiva por OM e seus resultados no PAC. A autora tem como hipótese que qualquer
alteração na quantidade ou qualidade da informação auditiva, durante os períodos
críticos do desenvolvimento, pode ocasionar privação sensorial.
Além das alterações na percepção das pistas acústicas, Downs(1985) defende
que episódios recorrentes de OM interferem no relacionamento interpessoal. Neste
caso, com a presença de líquido no ouvido médio, a criança não irá responder com a
mesma atenção ao chamado dos pais, havendo uma quebra no vínculo mãe-criança e
no comportamento lingüístico. Esta redução na estimulação ambiental resulta numa
modificação nos padrões de organização das habilidades auditivas e na aprendizagem,
e contribui para a instalação da DPAC e dos distúrbios de linguagem.
Katz e Wilde(1989) propõem que os efeitos da OM sobre a audição central
podem ser classificados em três mecanismos: efeito tampão, efeito de limitação e efeito
de privação precoce.
O efeito tampão é a redução na informação da fala, tendo influência adversa na
audição e compreensão. Sua característica é a existência de problemas de
comunicação enquanto a perda auditiva estiver presente, desaparecendo assim que a
perda auditiva for revertida.
O segundo, o efeito de limitação, é observado em adultos, cujo sistemas
auditivo e de linguagem já estão amadurecidos. Este mecanismo corresponde à
manutenção de discretas falhas na decodificação ou interpretação da mensagem por
um período de tempo após o desaparecimento da perda auditiva.
Já o efeito de privação auditiva precoce está associado aos períodos críticos de
desenvolvimento do sistema nervoso auditivo central. Neste fenômeno, as distorções
da mensagem auditiva, ocasionadas pela OM, precoce e recorrente, levam a falhas na
codificação e organização das habilidades auditivas, instituindo as DPAC, distúrbios de
linguagem e de aprendizagem.
Schilder e cols., citados por Carvallo(1997), observam discretas alterações no
reconhecimento de fala, na presença de ruído, em crianças com OM persistente nos
primeiros anos de vida.
Webster e Webster(1977) auxiliam na explicação de aparentes anormalidades
no sistema nervoso auditivo central, localizados
no tronco encefálico. Os autores
utilizaram um tampão auricular para produzir uma perda auditiva condutiva em ratos
recém-nascidos, durante 40 dias. Após este período, são observadas anormalidades no
tronco cerebral baixo, principalmente no núcleo coclear, complexo olivar superior e
corpo trapezóide. Este estudo é importante, porque estas regiões são responsáveis
pelo reconhecimento da palavra, localização espacial, figura-fundo e identificação de
palavras na presença de ruídos.
Dando continuidade ao estudo, Webster e Webster(1980) encontram
anormalidade no tronco cerebral alto, após período prolongado de privação sensorial. A
pesquisa é relevante porque demonstra que a privação do som precocemente, pode
trazer conseqüências
no desenvolvimento das vias auditivas centrais. As alterações
seguem o percurso esperado do desenvolvimento do tronco encefálico, indo dos níveis
mais baixos para os mais altos.
Hubig e Costa Filho(1997) referem que a OM uni ou bilateral assimétrica gera
desnível de audição que põe em evidência o ouvido de menor comprometimento ou o
mais preservado, na captação da informação acústica. Este efeito, denominado de
assimetria sensorial, altera gradativamente o funcionamento do ouvido mais
comprometido, influenciando nas atividades que requerem audição binaural. A
freqüente repetição desta situação pode ser a provável causa da DPAC.
Almeida(1997) privilegia a audição binaural, que depende da acuidade auditiva
e simetria sensorial, e inclui como vantagens a localização sonora, o fenômeno de
somação binaural, a eliminação do efeito sombra e o reconhecimento de fala na
presença do ruído.
Para esta autora, a localização da fonte sonora é um fenômeno binaural
resultante da percepção das diferenças interaurais de tempo e intensidade do estímulo
sonoro. O fenômeno da somação binaural corresponde ao fato de que, quando um som
é apresentado simultaneamente para duas orelhas de igual sensibilidade, este é
percebido como mais intenso. A audição binaural também elimina a perda de
intensidade entre 6 a 18 dB em algumas freqüências, provocadas pelo efeito de sombra
acústica da cabeça. E como última vantagem, está a capacidade do sistema auditivo
em reduzir as influências do ruído ambiental, permitindo a síntese da informação
acústica, quando há igualdade de audição nas duas orelhas.
Com o objetivo de analisar a privação sensorial em humanos, Clements e Kelly,
citados por Santos(1996), mostram que perdas unilaterais nos dez primeiros dias de
vida resultam em redução na habilidade de localização sonora. Outros estudos
demonstram que a privação sensorial, durante o período de maturação da via auditiva,
ocasiona desenvolvimento anormal. Colleman e O'Connor, citados por Katz e
Tillery(1997), com o uso de um tampão condutivo em 1 ouvido, simulando uma perda
auditiva condutiva em animais, verificam que as vias auditivas ipsilaterias estão lesadas
e as contralaterais encontram-se mais robustas do que o esperado. Este fato reafirma
que o desenvolvimento do sistema nervoso auditivo central, ocorre dependentemente
da quantidade e qualidade da estimulação.
Com estes dados pode-se concluir que a deprivação sensorial e interrupção no
processo binaural básico pode provocar DPAC.
Skinner, citado por Santos(1996), concorda que a flutuação da audição e
assimetria sensorial trazem eventos que se caracterizam por: perda da constância das
pistas acústicas, confusão dos parâmetros acústicos na fala rápida, confusão na
segmentação e na prosódia, mascaramento de fala em ambientes ruidosos, quebra na
habilidade para perceber precocemente os significados, abstração errônea nas regras
gramaticais, perda dos padrões de entonação subliminares.
Os eventos mencionados irão dificultar a aquisição de um código acústico
definido, prejudicar a habilidade de perceber as alterações de ritmo e inflexão de acordo
com as variações de intensidade, causar problemas em lidar com o conteúdo emocional
da fala, e desenvolver padrões semânticas e sintáticos inadequados.
Pereira e Ortiz(1997), avaliando crianças com distúrbios de produção
fonoarticulatória, constatam que a grande maioria tinha DPAC, cuja provável etiologia é
flutuação da audição proveniente de episódios recorrentes de OM.
Em trabalho publicado recentemente Jerger, citado por Guerreiro e cols.(1997),
aplica o teste de inteligibilidade de fala pediátrico(PSI) em crianças com e sem histórias
de OM e observa que o grupo com OM apresenta pior desempenho que o grupo sem
história de OM, em situações de fala competitiva.
Guerreiro e cols.(1997), não mostram diferenças significativas em dois grupos
de pré-escolares, um com e o outro sem antecedentes de OM, ao utilizar a versão
português do PSI. As autoras modificaram a apresentação do estímulo, sendo dado em
campo livre, com o objetivo de estudar as respostas binaurais em condições
simultâneas de fala e ruído. Os resultados negativos são atribuídos ao número reduzido
de sujeitos.
As conseqüências da privação sensorial precoce pode ser agravada quando
associados a ambientes sócio-econômicos desfavoráveis, com pouca estimulação
lingüística ou em condições precárias de saúde.
Lewis(1976) procura caracterizar quais os efeitos da OM no desenvolvimento
das habilidades auditivas em escolares de uma sociedade australiana desfavorecida
sócio-culturalmente. As habilidades avaliadas são de percepção de fala, com e sem
ruído, discriminação auditiva, síntese fonêmica, escuta dicótica e inteligência verbal.
O mesmo autor compara o grupo experimental com crianças sem OM e com as
mesmas condições sócio-culturais, e com um grupo de crianças européias sem OM e
em ambientes sócio-cultural estimulador. Observa diferenças significativas entre
crianças com e sem história de OM, havendo melhores desempenho no grupo sem
passado otológico. Também verifica melhor performance no grupo europeu, o que é
atribuído ao nível sócio-cultural. Estes dados permitem concluir que um ambiente
estimulador é uma variável importante a ser
considerada
na
compreensão
do
desenvolvimento do PAC.
Como afirma Hubig e Costa Filho(1997), a incidência de crianças que sofrem de
OM persistente e recorrente em ambientes sócio-econômicas baixos é bastante
elevada. A privação sensorial por patologia de OM associada a um contexto lingüístico
pouco estimulador, não permitem que as crianças compensem as ineficiências para a
linguagem, decorrente das inabilidades auditivas.
Zinkus e Gottlieb(1980) e Lewis(1976) são unânimes em afirmar que há
necessidade em controlar o fator da OM em crianças, especialmente, aquelas com
desvantagens na oportunidade de aprendizagem, apesar de não terem certeza de que
a OM é a única causa da DPAC e da incompetência lingüística.
Lewis(1976) acrescenta que nem todas as crianças com OM terão dificuldades
de aprendizagem, mas muitas delas que são de risco podem não ser identificadas
precocemente, caso não haja um acompanhamento, periódico de um especialista.
Holm e Kunze(1969) destacam que o acompanhamento profissional não deve
ser limitado apenas ao tratamento médico, precisa incluir controle das variáveis que
possam gerar a OM.
Gottlieb e cols.(1979) sugerem que o controle da OM durante a infância pode
prevenir algumas desordens educacionais. Os autores acreditam que a fase pré-escolar
é um período silencioso e latente para os comprometimentos pedagógicos
independente da causa, podendo incluir a DPAC.
Desde que a linguagem é a base do nosso sistema educacional, tendo como
veículo de recepção a via auditiva. Holm e Kunze(1969) e Santos(1996) propõem que é
necessário atentar para os riscos para a DPAC e identificar as crianças incluídas neste
grupo. Os autores indicam que se estendam as medidas preventivas para orientações
quanto a melhorias das condições de higiene e saúde geral, estimulação ambiental para
a linguagem, reforço pedagógico na pré-escola e controle do ambiente escolar,
propiciando situações de escuta favorável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As alterações do PAC estão comumente associados aos
problemas de
aprendizagem e de linguagem em crianças. Estas DPAC não são difíceis de
serem identificadas, porém deve-se caracterizar o tipo de DPAC para
que
medidas preventivas e reabilitadoras possam ser tomadas.
A caracterização da DPAC é realizada através da
prejuízo de uma
identificação do
habilidade auditiva específica, através de uma avaliação
audiológica especial.
Pereira e Ortiz ( 1997) acreditam que é importante a identificação precoce
da DPAC, propiciando à criança a possibilidade de aquisição de estratégias
compensatórias para superar as dificuldades auditivas.
Existem aspectos que podem servir como pistas ou sinais de alterações
no sistema auditivo, como
queixas de
compreensão à distância e em ambientes
desatenção, distração, dificuldade de
ruidosos, pedidos de repetição da
mensagem auditiva e dificuldade escolar.
Azevedo (1997 b),
em
seu
Programa
de
Intervenção
Precoce
para
Distúrbios Auditivos, refere que a efetividade de qualquer ação preventiva depende
de medidas de identificação, mas sobretudo de acompanhamento periódico. Esta
postura também se adequa aos quadros de comprometimento do ouvido médio,
onde as crianças devem ser avaliadas pelo audiologista e pelo médico, e inclui
orientações familiares, garantindo a experienciação auditiva e o desenvolvimento da
audição e de linguagem.
As crianças que apresentam quaisquer riscos para o desenvolvimento das
habilidades auditivas, seja por privação auditiva ou condição neurológica necessitam
de uma situação estruturada mais
estimuladora. O programa prioriza medidas de
controle ambiental com redução do nível
distância entre o falante e o ouvinte,
de ruído
competitivo, controle da
fala direcionada para o ouvinte com
intensidade adequada e articulação precisa, ritmo e velocidade de fala
lentificado, posicionamento do aluno
próximo
ao professor
mais
em sala de aula,
ou uso do sistema de freqüência modulada ( sistema FM).
Dentre os fatores de risco para as alterações auditivas centrais, inúmeros
estudos revelam a associação entre o número e a freqüência dos episódios de
OM em crianças com DPAC ou distúrbios de linguagem. Os problemas condutivos
provocam uma redução na intensidade dos sons que alcançam a cóclea e
alteram a clareza e riqueza das pistas acústicas.
Os dados da pesquisa realizada por Lewis ( 1976) com crianças com OM
nos primeiros anos de vida demonstram que o efeito sobre as
habilidades
auditivas não é proporcional à magnitude da sensitividade para tom puro. A OM
causa ineficiência
nas
estratégias
do
ouvir, que
podem persistir
apesar
da
inatividade da doença.
Este fator ocorrendo em crianças, de 0 a 02 anos, leva a atrasos no
desenvolvimento dos sistemas morfossintáticos e semânticos. As crianças em fase
de desenvolvimento necessitam da especificidade de cada sinal acústico para que
consigam armazenar as informações do segmento fonêmico. Santos ( 1996) refere
que as unidades mais suscetíveis aos efeitos das perdas auditivas flutuantes por
alterações de ouvido médio são os fonemas fricativos, os finais transitórios da palavras
e os intervalos entre as palavras, todos muito rápidos e fracos para serem
memorizados.
Na maioria da população estudada pelos trabalhos citados nesta pesquisa há
uma relação entre a OM e a DPAC, déficits de linguagem e de aprendizagem. Estes
dados sugerem que crianças com OM têm grande probabilidade de ter DPAC, cuja
severidade é maior que em crianças sem passado otológico.
A determinação exata das relações entre a OM e a DPAC ainda não foi
amplamente elucidada. É necessário cautela nas interpretações dos resultados e
determinação precisa de outras variáveis que podem estar intervindo paralelamente
como etiologia para a DPAC, como desnutrição, ambientes sócio-culturais pouco
estimuladores, redução da motivação e estados de saúde em geral. Uma outra questão
a ser considerada é se, após o controle das infecções otológicas, a criança é capaz de
superar as inabilidades auditivas.
Apesar dos questionamentos existentes, é unânime a postura de que crianças
com riscos para OM devem ingressar num programa audiológico e médico, objetivando
o controle dos fatores etiológicos para a OM, minimizando os prejuízos para o
desenvolvimento das habilidades auditivas centrais, especialmente em crianças com
desvantagem na oportunidade de aprendizagem.
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