CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA AUDIOLOGIA CLÍNICA PROCESSAMENTO AUDITIVO CENTRAL E OTITE MÉDIA ÉRIKA MAHON RECIFE 1999 RESUMO Processamento Auditivo Central e Otite Média O objetivo desta pesquisa teórica é analisar a influência da otite média recorrente sobre o desenvolvimento das habilidades auditivas centrais, durante os dois primeiros anos de vida. Sabe-se que a otite média gera uma perda auditiva condutiva, em geral, de grau leve a moderado. A recorrência da otite média confere um caráter flutuante à perda auditiva. A variação dos limiares auditivos leva a uma inconsistência nas pistas acústicas. Esta privação sensorial precoce e flutuação da audição, ocorrendo no período de desenvolvimento neurológico e de linguagem, altera a maturação das vias auditivas centrais, restringe o processo de organização e categorização da informação auditiva e promove a aquisição de padrões morfológicos, sintáticos e semânticos distorcidos. A relevância desta pesquisa está na grande incidência da otite média na infância no período em que é fundamental a consistência da mensagem auditiva. A identificação precoce de episódios de otite média permite prevenir a flutuação dos limiares auditivos e, em conseqüência, a instalação de quadros de distúrbios de linguagem e/ou distúrbios de aprendizagem que podem resultar em baixo desempenho escolar. ABSTRACT Central Auditory Processing and Otitis Media The objective of this research is to analyse the influence of otitis media on the development of auditory processing skilbs, during the first two years of age. It’s known that otitis media produces a mild or large conductive hearing loss. The recurrence of otitis media caracterizes a fluctuated hearing loss. The variation between the thresholds convey to inconsistent results and distorts the auditory signals. The early deprivation of sound associated with hearing fluctuation, occuring during critical periods of language and neurological development may interfere with the maturation of central auditory pathways. Stalso restricts the organization and categorization process from acoustics information and promots a distortion acquisiton of morphological, syntatic semantic models. The relevance to this research is on the incident of otitis media in the childhood at this time is fundamental the consistency of auditory message. The detection of otitis media allow to prevent thresholds fluctuation, language and learing disturb, that can result in a low school performance. Dedico este trabalho a minha mãe, Suzete, e minha irmã Karina. AGRADECIMENTOS A Profª. Drª. Mirian Goldenberg, pela orientação metodológica e pelo incentivo à pesquisa. A Fga Alina Sanches Gonçales, Coordenadora do Curso de Fonoaudiologia da UNIP-Campus Ribeirão Preto - SP, que me despertou o interesse pela Audiologia e pelos sábios ensinamentos durante minha formação profissional e sobretudo, por sua amizade. Às Fgas Cláudia Melena Rosa, Juliana Hortênsio, Leila Gamba Zanoni e Valéria Casagrande, amigas e companheiras, pelas descobertas que fizemos juntas durante o Curso de Aprimoramento em Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-RP. A Profª. Drª. Liliane Desgualdo Pereira, por encorajar-me quando esta pesquisa era apenas uma idéia. Aos amigos do CEFAC, pelo convívio fraterno e disponibilidade em fornecer materiais quando houve necessidade. A Srª. Paloma Camarotti, pela atenção ao texto e revisão ortográfica. A Srª. Adriana Souza, bibliotecária da Biblioteca Central da Universidade Federal de Pernambuco, pelo auxílio à pesquisa bibliográfica. A Srª. Cleide de Azevedo Dantas, pelo apoio prestado nos serviços de digitação. É incrível que estas palavras invisíveis cheguem até você, percorrendo uma passagem tão estreita e fundindo-se numa gelatina, que é o cérebro. Isso mostra como a voz e o ouvido são dois instrumentos delicados. Jostein Gaarden SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1 DISCUSSÃO TEÓRICA .............................................................................................. 4 Definição de Processamento Auditivo Central ........................................................ 4 Etapas do Processamento Auditivo Central ............................................................ 5 Estações Anatômicas do Processamento Auditivo Central .................................... 6 Desordem do Processamento Auditivo Central ...................................................... 9 Prevalência e Caracterização da Otite Média ......................................................... 13 Otite Média e Processamento Auditivo Central ...................................................... 16 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 23 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 26 INTRODUÇÃO A comunicação humana é o principal veículo para a socialização e um meio imprescindível para a aprendizagem. Através da linguagem, a criança inicia sua interação com o meio que a cerca, organiza e compreende todo o seu universo e transmite seus pensamentos e sentimentos. Sabe-se que existem diversas formas de linguagem, contudo, a maior demanda da comunicação humana situa-se na modalidade oral. Os profissionais que trabalham nesta área concordam que o ouvido é o órgão que possibilita uma das mais nobres funções superiores do homem, que é a comunicação. A maioria dos estudos volta-se para a compreensão dos mecanismos de aquisição da linguagem de crianças com deficiência auditiva periférica, desenvolvendo medidas de prevenção, diagnóstico precoce e reabilitação. Entretanto, não são apenas as perdas auditivas periféricas que estão associadas a alterações de fala e linguagem. Algumas crianças, mesmo com audição periférica normal, apresentam queixas auditivas associadas a distúrbios de aprendizagem ou distúrbios de linguagem. Somente nos últimos anos, a audiologia despertou interesse pelos possíveis comprometimentos das habilidades auditivas centrais. A partir deste momento, as desordens do processamento auditivo central passaram a ser incluídas no quadro dos distúrbios da audição, tanto em adultos como em crianças. Houve um crescente interesse do audiologista em compreender como o indivíduo usa efetivamente a informação auditiva, envolvendo todas as etapas desde a atenção, detecção do som, até as habilidades auditivas de localizar, discriminar, reconhecer, compreender e memorizar os eventos sonoros. Estas habilidades auditivas vão sendo desenvolvidas desde o nascimento, ocorrendo com a estimulação materna e empírica. A mãe provê informações comunicativas, modificando e enfatizando a melodia e prosódia da fala. Estes aspectos supra segmentais promovem melhor aproveitamento do sistema auditivo infantil. Associada à estimulação ambiental, para que haja a instalação do processamento auditivo central é imprescindível a integridade do sistema auditivo periférico e central. É imperioso que se conheçam as relações e conseqüências entre o processamento auditivo central e a linguagem, já que ambos estão interligados. Vários estudos já têm se preocupado com os possíveis fatores de risco para alterações do sistema nervoso auditivo central, contudo ainda permanece obscuro o ponto quanto à interferência das perdas auditivas condutivas sobre o desenvolvimento do processamento auditivo central. Dentre as perdas auditivas condutivas da infância, as otites médias são as de maior incidência. Portanto, o objetivo deste trabalho é estudar a relação entre a otite média e o processamento auditivo central, verificando os efeitos da privação sensorial precoce para a maturação do sistema nervoso auditivo central e consequentemente das habilidades auditivas centrais, em crianças com história de otite média. O interesse por este estudo baseia-se no argumento de Lubert, citado por Katz(1989), de que as desordens de processamento auditivo central servem de base para os distúrbios de linguagem em crianças. Embora não se possa afirmar que as desordens de processamento auditivo central sejam a causa de todos os distúrbios de linguagem, é clara a estreita relação entre as habilidades auditivas e as funções de linguagem. Além disto, sabe-se que a otite média é a doença de segunda maior incidência na população infantil. A otite média ocorre, principalmente, entre 0 e 24 meses, período em que há maior desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem. Problemas auditivos, mesmo sendo perdas auditivas condutivas flutuantes e temporárias, como é o quadro característico da otite média, podem comprometer a aquisição de fala, repercutindo no desempenho social e de aprendizagem. Conhecendo-se a relação entre o processamento auditivo central e a otite média, será possível conscientizar e sensibilizar os profissionais que lidam com crianças em fase de desenvolvimento. Este conhecimento torná-los-á mais atentos para a otite média, prevenindo, intervindo precocemente e evitando os problemas de linguagem, aprendizagem e baixo desempenho escolar, pois a intervenção ocorrerá antes do processo de alfabetização. Como a otite média promove uma perda auditiva de grau leve a moderado, podendo ser uni ou bilateral, acredito que na vigência da otite média haverá uma redução da energia acústica, da intensidade de fala que atinge a cóclea, levando à perda das pistas auditivas e de alguns formantes da fala. Deve-se acrescentar a este aspecto, o caráter flutuante, que leva a uma variação dos padrões sonoros e da qualidade da mensagem auditiva. Todos estes fatores somados, ocorrendo no período de maturação do sistema nervoso auditivo central e de desenvolvimento das habilidades auditivas centrais, podem ocasionar alterações na organização dos sistemas morfossintáticos e semânticos da língua. Estas alterações podem se perpetuar interferindo na aprendizagem no período escolar ou na vida adulta, em situações de escuta em condições desfavoráveis. O presente estudo será desenvolvido a partir de levantamento bibliográfico, tendo como fontes livros, artigos de revistas e jornais. DISCUSSÃO TEÓRICA Definição de Processamento Auditivo Central O termo processamento auditivo é definido por Pereira, citada por Azevedo(1997 b) como o modo em que os sistemas auditivos periférico e central recebem, analisam e organizam as informações acústicas. No processamento auditivo estão envolvidas etapas desde a detecção até a interpretação destas informações, sendo realizadas pelas estruturas do sistema auditivo, iniciando-se no ouvido externo e estendendo-se até o córtex auditivo. Por outro lado, o processamento auditivo central(P.A.C.) refere-se às tarefas relacionadas, predominantemente, com sistema auditivo nervoso central: vias auditivas e córtex. Katz e Lasky, citados por Katz e Tillery (1997), acrescentam que o PAC é mais que o simples processo da sensação sonora, medida através do tom puro. É um processo complexo que envolve tarefas de escuta ocorrendo no sistema nervoso central indicando a efetividade da utilização da informação auditiva. Katz e Wilde(1989) não fazem distinção entre o termo processamento auditivo central, percepção auditiva ou percepção de fala. Acreditam que a percepção auditiva pode ser utilizada devido à participação das funções auditivas superiores, mesmo sabendo que as percepções não podem ser medidas diretamente. Na realidade, os testes formais medem como o indivíduo responde aos estímulos selecionados, correspondendo aos mecanismos que o cérebro utiliza para processar as imagens percebidas, justificando o termo processamento auditivo central. Alguns teóricos cognitivistas preferem o termo percepção de fala, pois vêem como momentos distintos a percepção de sons verbais e sons não verbais. Porém Tallal e Piercy, citados por Katz e Wilde (1989), demonstram que crianças com graves distúrbios de linguagem têm dificuldade de audição similar tanto para sons verbais como para sons não verbais. Baseado neste aspecto, fazer uma distinção entre as terminologias, percepção auditiva, percepção de fala e processamento auditivo central é desnecessário. Pereira(1996) elege o termo processamento auditivo central porque considera que, neste fenômeno, estão envolvidos vários processos que se sucedem no tempo e permitirão uma análise metacognitiva dos eventos sonoros próximos. Para melhor compreensão, segue o próximo item que abordará todas as etapas do PAC. Etapas do Processamento Auditivo Central O processamento auditivo é realizado através de uma série de etapas, que seguem uma seqüência e segundo Boothroyd, citado por Pereira(1993), são: detecção, discriminação, localização, reconhecimento e compreensão do som. Todas esta etapas estão mediadas pelas funções cognitivas de atenção seletiva e memória. O mesmo autor conceitua cada uma das etapas. A detecção do som é vista como a identificação da presença de ausência do som, sendo função do sistema auditivo periférico. A partir do quinto mês de vida intra-uterina, o bebê já é capaz de ouvir, pois o sistema auditivo periférico já está formado. Um dano neurológico, psicológico ou privação sensorial podem levar a criança a não desenvolver a função de detecção do som, fato que pode ocorrer intra-útero com a privação sensorial. Discriminação corresponde à habilidade de perceber as diferenças entre os padrões sonoros quanto à freqüência, intensidade e tempo de duração. A capacidade de discriminação está presente nos bebês e vem associada à habituação, sendo a inibição ou redução da resposta frente aos estímulos sonoros. A localização é a capacidade de identificar o local de origem do som, sendo indispensável a audição binaural. Esta habilidade é percebida a partir do terceiro mês de vide vida, quando o bebê localiza lateral e progressivamente para cima, para baixo, indireta e diretamente. É importante na percepção espacial e na atenção seletiva. A identificação de um evento sensorial e sua associação com experiência passada é chamada de reconhecimento, sendo uma atividade aprendida e dependente de um contexto situacional-temporal. Por fim, a compreensão que permite atribuir significado à informação auditiva e está presente após um ano de vida, sendo um comportamento totalmente aprendido. Em trabalho posterior, Boothroyd, citado por Pereira(1996), afirma que a atenção seletiva, capacidade de selecionar estímulo de maior intensidade, é primordial para qualquer aprendizagem. A atenção seletiva favorece monitorizar o estímulo significativo, no caso o auditivo, mesmo que a atenção primária esteja voltada para outra atividade. É função da atenção seletiva permitir a reação a um estímulo auditivo significativo, ignorando o ruído de fundo. Dentre as variáveis que influenciam a atenção seletiva, estão a complexidade e familiaridade do estímulo e a expectativa e motivação do indivíduo. Este mesmo autor refere que a memória é o processo de estocar a informação recebida e evocá-la sempre que necessário. Lúria, citado por Pereira e Ortiz(1997), acrescenta que existem as memórias verbal e não verbal. As duas complementam-se, pois a memória não verbal auxilia na identificação da prosódia, altura, intensidade, timbre, influenciando no aprendizado dos códigos sonoros da língua, enquanto que a memória verbal interage no aprendizado do conteúdo lingüístico, essencial para a compreensão da mensagem. Estações Anatômicas do Processamento Auditivo Central As etapas do processamento auditivo ocorrem em diferentes estações do sistema auditivo, que Pereira(1993) classifica didaticamente em: componente condutivo, componente sensorial e componente neural. O componente condutivo, representado pela orelha externa e média, tem a função de conduzir o som do meio externo(aéreo) ao meio interno(líquido), além da proteção da cóclea contra sons de forte intensidade. O componente sensorial, formado pela cóclea, transforma o impulso sonoro em elétrico. O componente neural recebe, analisa e programa a resposta, e seu funcionamento depende da maturação e plasticidade neurológica. A partir do componente neural está sendo iniciado o processamento auditivo central(PAC). A maturação neurológica, como explica Azevedo(1997 a), ocorre a partir da experienciação sonora, durante os dois primeiros anos de vida, completa a mielinização e contribui para a formação das conexões neurais. As estruturas auditivas, também, fazem conexões com outros sistemas, como a exemplo do visual e somestésico, através de sinapses inibitórias e facilitatórias. Estas vias neurais possibilitam a interpretação da mensagem e programação da resposta. Segundo Bonaldi e cols.(1997), as estações do sistema nervoso auditivo central que participam do PAC são: núcleos cocleares, complexo olivar superior, colículo inferior, corpo geniculado medial e córtex auditivo, e mencionam suas respectivas funções. Nos núcleos cocleares inicia-se a análise sensorial complexa, com discriminação de freqüência e diminuição do ruído de fundo. O complexo olivar superior é responsável pela localização sonora, através da diferença de fase interaural (intensidade e tempo), além de fazer parte de reflexo estapediano. As funções dos núcleos cocleares e do complexo olivar superior são combinadas pelo colículo inferior que fornece o mapeamento da fonte sonora. O colículo inferior também tem papel importante em muitos reflexos auditivos como o "startle"; nas crises audiogênicas, com respostas motoras, resultantes sensorial precoce; e na atenção ao estímulo sonoro. da privação O corpo geniculado medial, cuja divisão ventral é a única especificamente auditiva, auxilia na manutenção da atenção auditiva e integra as informações somatosensoriais com as auditivas. O córtex auditivo analisa os sons complexos, realiza discriminação de freqüência e intensidade sonora e atua na localização sonora de acordo com padrões temporais. O córtex auditivo possui regiões comissurais (região temporal anterior) que tanto transmitem informações de um hemisfério a outro, como inibem os impulsos indesejados. Por esta organização, o lobo temporal juntamente com a formação reticular são estruturas do sistema nervoso central responsáveis pela atenção seletiva, enquanto a memória ocorre no hipocampo. Carvallo(1996) dá ênfase à importância do reflexo estapediano no PAC, já que as conexões neurais envolvidas no arco reflexo estapediano atingem os núcleos auditivos localizados no complexo olivar superior. A autora refere que, além da função protetora dada pela contração muscular, o reflexo estapediano diminui o efeito mascarante dos sons graves sobre os estímulos mais agudos da cadeia de fala. Esta seletividade de freqüência favorece o reconhecimento de uma freqüência específica, na presença de tons mascarantes aplicados simultaneamente na mesma orelha. Colleti e cols., citados por Carvallo(1996), num estudo em indivíduos com lesão do músculo estapédio, observam que a ausência do reflexo acústico está associada a um pior desempenho em atividades de seletividade de freqüência e de reconhecimento de fala. Os resultados comprovam que o reflexo estapediano melhora a discriminação de fala na presença do mascaramento ipsilateral. Os autores atribuem o fenômeno ao efeito do reflexo acústico na atenuação da energia sonora em baixas freqüências. Desta forma, o efeito mascarante dos sons graves sobre as altas freqüências da cadeia fala torna-se limitado, resultando na melhora da inteligibilidade. Na opinião de Carvallo(1996), a ausência do reflexo estapediano, em ouvidos sem sinais aparentes de comprometimento tímpano-ossicular, indica a não disponibilidade do complexo olivar superior em disparar o comando neural para contração do músculo estapédio. Por este motivo, é importante avaliar a incidência de alteração do reflexo estapediano em indivíduos com queixa de distúrbios da comunicação. Além dos componentes anatômicos, o PAC é dependente de aprendizagem, resultante da experienciação auditiva. Portanto, a seguir serão abordados alguns destes fatores. Desordem do Processamento Auditivo Central O PAC engloba todas as habilidades mencionadas anteriormente, exceto a detecção que ocorre no sistema auditivo periférico. Algumas habilidades já estão presentes logo ao nascimento, sugerindo que no PAC existe uma capacidade biológica inata. Contudo, para que haja o desenvolvimento, é preciso uma interação entre esta capacidade com as experiências da criança no ambiente acústico. Azevedo(1996) aborda os primeiros anos de vida como críticos para o desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem, pois, neste período, ocorre a maturação do sistema auditivo central. A experienciação auditiva, nesta fase, quando há maior plasticidade e estabelecimento de novas conexões neurais, é imprescindível para o desenvolvimento normal da audição e de linguagem. De acordo com Pereira(1997 a), a maturação do sistema auditivo ocorre da periferia para o centro, já na vida intra-uterina. Primeiro desenvolve-se o sistema auditivo periférico, que já está pronto ao nascimento, depois as vias auditivas do tronco encefálico e por fim, o córtex auditivo cerebral. Além da maturação das vias auditivas, Pereira (1997 a) também defende que a percepção dos estímulos sonoros segue uma evolução. A criança inicia com a percepção da prosódia, posteriormente, há maior eficiência na detecção de sons, evolução na localização da fonte sonora, aprendizado do reconhecimento e compreensão sonora. A habilidade auditiva torna-se mais eficiente, econômica e específica. Koay, citado por Pereira e Ortiz(1997), afirma que há melhora no desempenho das habilidades auditivas de memória, discriminação, compreensão e escuta dicótica com o aumento da idade cronológica. Couto (1994) evidenciou melhora do desempenho da habilidade auditiva de discriminação, à medida que a faixa etária aumenta, em indivíduos entre quatro e seis anos. Na habilidade de compreensão dos sons de fala, Schochat(1996) propõe que o ouvinte se utiliza das redundâncias intrínsecas e extrínsecas. As redundâncias intrínsecas correspondem às vias do sistema nervoso auditivo central e dos demais sistemas integrados. As redundâncias extrínsecas são as pistas sobrepostas da fala: pistas acústicas, sintáticas, semânticas, morfológicas e lexicais, que auxiliam a escuta em ambientes desfavoráveis, melhorando a inteligibilidade de fala. Em seu estudo, Couto (1994) comprova que o ruído e a reverberação ambiental isolados ou combinados, interferem negativamente sobre a discriminação auditiva. A partir destes dados, evidencia-se que para um bom desenvolvimento das habilidades auditivas envolvidas no processo de reconhecimento de fala, há também que se considerar as condições do ambiente em que o indivíduo está inserido para realizar o aprendizado. Portanto, as relações entre fatores anatômicos e ambientais estão presentes desde o nascimento e continuam interagindo no PAC do adulto. O ouvinte adulto, não necessita de todas as pistas para compreender a fala. Entretanto para a criança, o processamento central da mensagem auditiva torna-se mais eficaz com o maior número de redundâncias extrínsecas, pois as vias auditivas, que são as redundâncias extrínsecas, ainda estão em fase de maturação. Adversidades durante o período de desenvolvimento, principalmente nos dois primeiros anos de vida, podem levar a desordem do processamento auditivo central, e consequentemente a dificuldade de aprendizagem. Azevedo(1997 a) relaciona uma série de fatores que ocasionam alterações auditivas periféricas e centrais, adaptados do Joint Committee on Infant Hearing(1994). Dentre os fatores de risco para distúrbios auditivos centrais estão: história de infecções congênitas, hiperbilirrubinemia, meningite bacteriana, apgar baixo, síndromes, alcoolismo materno, uso de drogas psicotrópicas na gestação, hemorragia ventricular graus III ou IV, convulsões, suspeitas de atrasos de fala, audição ou linguagem, e história de otite média nos dois primeiros anos de vida. Do ponto de vista de Pereira e Ortiz(1997), a privação sensorial nos primeiros anos de vida pode interferir nos processos maturacionais e na organização e armazenamento das regras para o aprendizado da linguagem. As causas da privação sensorial podem ser o nível sócio-cultural baixo, com ambientes pouco estimuladores; ou ambientes de escuta desfavorável, como ruidosos ou reverberantes; ou ainda, uma perda auditiva, mesmo que reversível, como a otite média. Estas situações impedem o desenvolvimento natural do PAC, contribuindo para a instalação da desordem do processamento auditivo central(DPAC). A DPAC, segundo Pereira(1997 b), caracteriza-se por um distúrbio da audição no qual há comprometimento da habilidade de analisar e/ou interpretar os padrões sonoros. Katz e Wilde(1989) definem DPAC como uma quebra em um ou mais aspectos do PAC, e posicionam-se quanto à questão da presença de uma lesão definida no sistema nervoso auditivo central ou se o que existe é apenas um déficit funcional. Para os autores, as lesões reais no sistema nervoso auditivo central de crianças com DPAC são pouco freqüentes, acreditando ser mais apropriado considerar que estas crianças estão abaixo da faixa de normalidade. Muitas crianças com DPAC não têm evidências de comprometimento cerebral, as dificuldades devem ser vistos mais como déficit do que um dano, a menos que exista um diagnóstico neurológico definido para a localização de lesão. Os interesse por estas crianças são mais educacionais do que médicos. A maioria dos autores concorda que a DPAC traz prejuízos nas habilidades auditivas, manifestando-se clinicamente por dificuldade de atenção seletiva; de localização sonora; no reconhecimento de seqüências auditivas; na compreensão de sílabas, palavras ou frases na presença de mensagem competitiva ou de ruído, na identificação de palavras decompostas acusticamente, e memória auditiva prejudicada. Indivíduos com DPAC podem apresentar problemas de comunicação, aprendizado e comportamento social, onde a DPAC pode ser a causa ou o fator agravante de tais distúrbios. Pereira(1996) relata que as alterações comportamentais podem ser quanto à comunicação oral, comunicação escrita, comportamento social e desempenho escolar. Na comunicação oral encontram-se os desvios de produção de fala, principalmente com os fonemas |r| e |l|, problemas na estruturação gramatical, dificuldade de compreensão em ambientes ruidosos e de compreender palavras com duplo sentido. Na comunicação escrita pode haver inversão de letras , disgrafias ou má compreensão do material lido. Quanto ao comportamento social, a criança pode apresentar-se distraída, agitada ou muito quieta, desajustada socialmente e com tendência ao isolamento. E na escola, a criança pode estar com baixo rendimento acadêmico, especialmente na leitura, gramática, ortografia e matemática. Katz e Tillery(1997) postulam que qualquer pessoa com queixas de escuta prejudicada em ambientes desfavoráveis, dificuldades de aprendizagem ou linguagem, ou se apresentarem um ou mais dos fatores de risco já citados são sérios candidatos à avaliação do PAC. Para Carvallo (1997), a avaliação do PAC oferece informações sobre como o indivíduo lida com os eventos sonoros por ele detectados, tendo como referência o comportamento de indivíduos com habilidades auditivas normais. Através dos procedimentos padronizados, é possível diagnosticar e caracterizar os prejuízos do processo gnósico auditivo do indivíduo. Além disto, permite orientar um programa de reabilitação fonoaudiológica ou intervir precocemente, estimulando o desenvolvimento das habilidades auditivas e minimizando ou prevenindo distúrbios da comunicação. As habilidades auditivas, segundo Pereira(1996), são investigadas através de testes especiais utilizando estímulos não verbais e verbais, constituídos por sílabas, palavras e frases, apresentados monótica ou dicóticamente. Como o objetivo é avaliar a integridade funcional das vias auditivas centrais e do córtex auditivo, o estímulo é apresentado retirando as redundâncias extrínsecas, através de distorções em freqüência sonora ou sombreados com ruído branco ou com estímulo verbal que devem ser ignorados. As habilidades envolvidas podem ser resumidas na capacidade de separar ou integrar estímulos verbais apresentados monoaural ou binauralmente. Além dos testes especiais, para a avaliação do PAC é necessário realização prévia de audiometria tonal para estudar as condições de detecção do som; audiometria verbal objetivando informações sobre o funcionamento da cóclea e nervo auditivo; e imitanciometria com timpanometria e pesquisa do reflexo estapediano para observar as condições do sistema tímpano-ossicular e investigar as vias auditivas centrais em relação ao tronco encefálico, respectivamente. Pereira(1997) acredita que na interpretação dos testes aplicados deve-se registrar os acertos do indivíduo e verificar seu comportamento durante o exame, incluindo compreensão das solicitações e instruções dadas e do grau de atenção. Estes aspectos fazem parte da avaliação qualitativa do PAC. Considerando a população infantil, a maioria dos autores afirma que, das crianças encaminhadas para avaliação do PAC, uma grande parte delas apresentam queixas de distúrbios da comunicação oral ou escrita, distúrbios da aprendizagem, seguindo com queixas de comportamento social, principalmente, desatenção e identificam o grande número de casos de otite média neste grupo. Portanto, o profissional interessado nos DPAC deve estar atento para a incidência de otite média nos primeiros anos de vida. Prevalência e Caracterização da Otite Média Katz e Wilde(1989) citam que indivíduos com queixas de DPAC, linguagem, fala e aprendizagem podem ter histórias de otite média(OM), durante os primeiros anos de vida. Freeman e Parkins, citados pelos autores acima, ao estudar 50 crianças com distúrbios de aprendizagem e 32 crianças sem esta alteração, verificam que aproximadamente um terço das crianças com distúrbios de aprendizagem apresentam falhas nos testes de PAC e têm história de três vezes mais episódios de OM que as outras crianças. Segundo Carvallo (1990), crianças com otite média serosa apresentam distúrbios de comportamento, alterações na linguagem compreensiva, expressiva oral e escrita e déficits no rendimento escolar. Fisher, citado por Katz e Tillery(1997), em sua lista para problemas auditivos, menciona, em primeiro lugar, histórias de OM interferindo no desenvolvimento das habilidades auditivas. O mesmo autor alerta para a importância na determinação precoce de patologias do ouvido médio, especialmente nos primeiros anos de vida. Estudos realizados por Downs(1985) e Zinkus e Gottlieb(1980) concordam que, além da magnitude da perda, deve-se atentar para o número e o tempo de duração de cada episódio de OM. As pesquisas consideram que a ocorrência de três ou mais episódios por ano, nos primeiros anos de vida, já é significativo para a DPAC. De acordo com Guerreiro e cols.(1997), a OM é a segunda doença mais comum da infância, especificamente dos primeiros anos de vida. A otite média é definida como uma inflamação do ouvido médio, resultante, provavelmente, da imaturidade do sistema imunológico ou do mal funcionamento da tuba auditiva. Esta patologia caracteriza-se pela presença de fluido no ouvido médio, o que compromete a transmissão do som para a cóclea, levando a uma perda auditiva condutiva. Bluestone e Klein, citados por Santos(1996) referem que o maior número de episódios de OM, ocorre entre 6 e 18 meses e acrescentam que as crianças que até os três anos tiveram poucos episódios de OM têm menor probabilidade de desenvolver quadro severos e recorrentes. Os autores acima estabelecem uma classificação de acordo com a freqüência nos episódios de OM aguda, agrupando as crianças em três categorias: o primeiro grupo seria o de crianças livres de otites; o segundo com episódios ocasionais de infecções; e por último, um grupo com patologias de ouvido médio repetidas, que seria o de crianças propensas a otites. Dentre os fatores de risco para a instalação de OM, Hubig e Costa Filho(1997) discutem algumas possibilidades: antecedentes familiares para otite média ou elevada concentração de crianças num mesmo ambiente, propiciando a transmissão de doenças infecciosas das vias aéreas superiores, que podem levar a infecções do ouvido médio. Os pesquisadores também citam a presença de alergias ou estado nutricional debilitado, que contribuem para a manutenção do quadro. Os fatores climáticos, como variações de temperatura e umidade relativa do ar, também são incluídos, pois a baixa umidade resseca a mucosa nasal e favorece a contaminação das vias aéreas superiores. Pukander e cols.(1985) reportam-se ao aumento do risco para a condições de fumo passivo, em famílias numerosas e OM em que vivem em ambientes pequenos. As condições sócio-econômicas baixas elevam os riscos para a saúde geral e mais particularmente para problemas de ouvido médio. Avaliando a população de duas creches da cidade de São Paulo, Hubig e Costa Filho(1997) identificam quadros mais graves de OM em crianças entre 0 e 48 meses, havendo uma redução da gravidade e incidência após este período. Os mesmos autores acreditam que, embora haja maior risco para crise aguda nos dois primeiros anos de vida, estados patológicos latentes persistem nos demais anos da infância. De acordo com a posição anterior, Teele e cols.(1984) referem presença de efusão após semanas de um episódio de OM, persistindo por, no mínimo 29 dias, após cada episódio. Existe uma tendência em considerar a OM aguda como a forma mais freqüente, exatamente por sua sintomatologia evidente de otalgia, febre, irritabilidade geral e, por vezes otorréia. Contudo, Hubig e Costa Filho(1997) alertam para a grande incidência de otite média serosa (com efusão), de caráter assintomático e recorrente, ocasionando perda auditiva condutiva e flutuante, cujo grau varia de leve a moderado. Apesar da assintomatologia, Steglish-Petersen, citado pelos autores acima, sugere que históricos de resfriados freqüentes e uma observação detalhada do comportamento da criança, apresentando irritabilidade, dispersão ou isolamento, oferecem pistas sugestivas de problemas otológicos. Segundo as estatísticas de Santos(1996), em média 80% das crianças em idade pré-escolar e escolar já sofreram uma perda auditiva temporária. Estes estudos também concluem que se a perda auditiva permanece não detectada e não tratada, pode levar a atrasos no desenvolvimento da fala, linguagem e sobretudo a distúrbios de audição. Otite Média e Processamento Auditivo Central Friel-Patti & Fintzo, citados por Guerreiro e cols.(1997), pesquisando 450 crianças com história de OM de repetição nos dois primeiros anos de vida, encontram correlação significativa e negativa para a linguagem receptiva, em crianças entre 12, 18 e 24 meses de idade, quando comparadas a outras crianças de mesma faixa etária. Gottlieb e cols.(1979) estudando crianças com baixo rendimento escolar, encontram grande incidência de DPAC e atraso no desenvolvimento de linguagem. Quanto às perdas auditivas por OM, Katz e Tillery(1997), explicam que, apesar de ser uma condição flutuante e produzir uma perda auditiva leve, é evidente que a OM está associada a limitações importantes na comunicação e aprendizagem. Durante os dois primeiros anos de vida, quando o sistema nervoso auditivo central está em processo de rápido desenvolvimento, o ideal é que haja consistência de estimulação. Os mesmos autores pontuam que a flutuação da audição e a perda uni ou bilateral assimétrica, vistas na OM, levam à inconsistência das pistas auditivas, sendo uma desvantagem para a integração binaural e maturação do sistema auditivo central. Bamford e Saunders, citados por Pereira e Ortiz (1997), relatam que o caráter flutuante da OM recorrente leva a variações nos limiares auditivos e na percepção dos sons, restringindo o processo de organização e categorização da informação acústica ou processamento auditivo de fala. Este fato pode resultar em engramas inadequados dos sons de fala, alterando o desenvolvimento de linguagem. Os pesquisadores citados acrescentam que, pelo fato da perda auditiva não ser igual em todas as freqüências, pode alterar a audibilidade dos diferentes sons da fala. Além disso, Katz e Tillery(1997) consideram a OM como uma condição de ruído, já que a presença de fluido no ouvido médio, tão próxima à cóclea, produz ruído que interfere na percepção da fala. Esta situação causa falha ou distorção na imagem codificada, reduzindo a velocidade e acurácia da decodificação. Apesar destas posições, ainda é bastante controvertida a influência da OM, sobre o desenvolvimento auditivo e de linguagem, o que gera duas correntes entre os profissionais envolvidos. Menyuk, citada por Santos(1996), refere que um grupo defende não haver relações entre o desenvolvimento de fala/linguagem e das habilidades auditivas. A autora citada continua afirmando que outros estudiosos acreditam que o desenvolvimento de fala/linguagem e comprometidos, mesmo na presença de auditivo podem ser uma perda condutiva leve, em virtude do seu caráter flutuante, que leva à inconsistência das pistas auditivas, durante os primeiros anos de vida. Baseados nesta última corrente, com o objetivo de investigar a influência da OM na fala, linguagem e PAC, Holm e Kunze(1969), comparam crianças com histórias de OM com grupos de crianças sem passado otológico. Os resultados evidenciam que crianças com OM têm escores significativamente piores para articulação, linguagem receptiva, e habilidade auditiva, que o grupo controle. Downs(1985) sugere que se possível, deve-se construir um modelo de privação auditiva por OM e seus resultados no PAC. A autora tem como hipótese que qualquer alteração na quantidade ou qualidade da informação auditiva, durante os períodos críticos do desenvolvimento, pode ocasionar privação sensorial. Além das alterações na percepção das pistas acústicas, Downs(1985) defende que episódios recorrentes de OM interferem no relacionamento interpessoal. Neste caso, com a presença de líquido no ouvido médio, a criança não irá responder com a mesma atenção ao chamado dos pais, havendo uma quebra no vínculo mãe-criança e no comportamento lingüístico. Esta redução na estimulação ambiental resulta numa modificação nos padrões de organização das habilidades auditivas e na aprendizagem, e contribui para a instalação da DPAC e dos distúrbios de linguagem. Katz e Wilde(1989) propõem que os efeitos da OM sobre a audição central podem ser classificados em três mecanismos: efeito tampão, efeito de limitação e efeito de privação precoce. O efeito tampão é a redução na informação da fala, tendo influência adversa na audição e compreensão. Sua característica é a existência de problemas de comunicação enquanto a perda auditiva estiver presente, desaparecendo assim que a perda auditiva for revertida. O segundo, o efeito de limitação, é observado em adultos, cujo sistemas auditivo e de linguagem já estão amadurecidos. Este mecanismo corresponde à manutenção de discretas falhas na decodificação ou interpretação da mensagem por um período de tempo após o desaparecimento da perda auditiva. Já o efeito de privação auditiva precoce está associado aos períodos críticos de desenvolvimento do sistema nervoso auditivo central. Neste fenômeno, as distorções da mensagem auditiva, ocasionadas pela OM, precoce e recorrente, levam a falhas na codificação e organização das habilidades auditivas, instituindo as DPAC, distúrbios de linguagem e de aprendizagem. Schilder e cols., citados por Carvallo(1997), observam discretas alterações no reconhecimento de fala, na presença de ruído, em crianças com OM persistente nos primeiros anos de vida. Webster e Webster(1977) auxiliam na explicação de aparentes anormalidades no sistema nervoso auditivo central, localizados no tronco encefálico. Os autores utilizaram um tampão auricular para produzir uma perda auditiva condutiva em ratos recém-nascidos, durante 40 dias. Após este período, são observadas anormalidades no tronco cerebral baixo, principalmente no núcleo coclear, complexo olivar superior e corpo trapezóide. Este estudo é importante, porque estas regiões são responsáveis pelo reconhecimento da palavra, localização espacial, figura-fundo e identificação de palavras na presença de ruídos. Dando continuidade ao estudo, Webster e Webster(1980) encontram anormalidade no tronco cerebral alto, após período prolongado de privação sensorial. A pesquisa é relevante porque demonstra que a privação do som precocemente, pode trazer conseqüências no desenvolvimento das vias auditivas centrais. As alterações seguem o percurso esperado do desenvolvimento do tronco encefálico, indo dos níveis mais baixos para os mais altos. Hubig e Costa Filho(1997) referem que a OM uni ou bilateral assimétrica gera desnível de audição que põe em evidência o ouvido de menor comprometimento ou o mais preservado, na captação da informação acústica. Este efeito, denominado de assimetria sensorial, altera gradativamente o funcionamento do ouvido mais comprometido, influenciando nas atividades que requerem audição binaural. A freqüente repetição desta situação pode ser a provável causa da DPAC. Almeida(1997) privilegia a audição binaural, que depende da acuidade auditiva e simetria sensorial, e inclui como vantagens a localização sonora, o fenômeno de somação binaural, a eliminação do efeito sombra e o reconhecimento de fala na presença do ruído. Para esta autora, a localização da fonte sonora é um fenômeno binaural resultante da percepção das diferenças interaurais de tempo e intensidade do estímulo sonoro. O fenômeno da somação binaural corresponde ao fato de que, quando um som é apresentado simultaneamente para duas orelhas de igual sensibilidade, este é percebido como mais intenso. A audição binaural também elimina a perda de intensidade entre 6 a 18 dB em algumas freqüências, provocadas pelo efeito de sombra acústica da cabeça. E como última vantagem, está a capacidade do sistema auditivo em reduzir as influências do ruído ambiental, permitindo a síntese da informação acústica, quando há igualdade de audição nas duas orelhas. Com o objetivo de analisar a privação sensorial em humanos, Clements e Kelly, citados por Santos(1996), mostram que perdas unilaterais nos dez primeiros dias de vida resultam em redução na habilidade de localização sonora. Outros estudos demonstram que a privação sensorial, durante o período de maturação da via auditiva, ocasiona desenvolvimento anormal. Colleman e O'Connor, citados por Katz e Tillery(1997), com o uso de um tampão condutivo em 1 ouvido, simulando uma perda auditiva condutiva em animais, verificam que as vias auditivas ipsilaterias estão lesadas e as contralaterais encontram-se mais robustas do que o esperado. Este fato reafirma que o desenvolvimento do sistema nervoso auditivo central, ocorre dependentemente da quantidade e qualidade da estimulação. Com estes dados pode-se concluir que a deprivação sensorial e interrupção no processo binaural básico pode provocar DPAC. Skinner, citado por Santos(1996), concorda que a flutuação da audição e assimetria sensorial trazem eventos que se caracterizam por: perda da constância das pistas acústicas, confusão dos parâmetros acústicos na fala rápida, confusão na segmentação e na prosódia, mascaramento de fala em ambientes ruidosos, quebra na habilidade para perceber precocemente os significados, abstração errônea nas regras gramaticais, perda dos padrões de entonação subliminares. Os eventos mencionados irão dificultar a aquisição de um código acústico definido, prejudicar a habilidade de perceber as alterações de ritmo e inflexão de acordo com as variações de intensidade, causar problemas em lidar com o conteúdo emocional da fala, e desenvolver padrões semânticas e sintáticos inadequados. Pereira e Ortiz(1997), avaliando crianças com distúrbios de produção fonoarticulatória, constatam que a grande maioria tinha DPAC, cuja provável etiologia é flutuação da audição proveniente de episódios recorrentes de OM. Em trabalho publicado recentemente Jerger, citado por Guerreiro e cols.(1997), aplica o teste de inteligibilidade de fala pediátrico(PSI) em crianças com e sem histórias de OM e observa que o grupo com OM apresenta pior desempenho que o grupo sem história de OM, em situações de fala competitiva. Guerreiro e cols.(1997), não mostram diferenças significativas em dois grupos de pré-escolares, um com e o outro sem antecedentes de OM, ao utilizar a versão português do PSI. As autoras modificaram a apresentação do estímulo, sendo dado em campo livre, com o objetivo de estudar as respostas binaurais em condições simultâneas de fala e ruído. Os resultados negativos são atribuídos ao número reduzido de sujeitos. As conseqüências da privação sensorial precoce pode ser agravada quando associados a ambientes sócio-econômicos desfavoráveis, com pouca estimulação lingüística ou em condições precárias de saúde. Lewis(1976) procura caracterizar quais os efeitos da OM no desenvolvimento das habilidades auditivas em escolares de uma sociedade australiana desfavorecida sócio-culturalmente. As habilidades avaliadas são de percepção de fala, com e sem ruído, discriminação auditiva, síntese fonêmica, escuta dicótica e inteligência verbal. O mesmo autor compara o grupo experimental com crianças sem OM e com as mesmas condições sócio-culturais, e com um grupo de crianças européias sem OM e em ambientes sócio-cultural estimulador. Observa diferenças significativas entre crianças com e sem história de OM, havendo melhores desempenho no grupo sem passado otológico. Também verifica melhor performance no grupo europeu, o que é atribuído ao nível sócio-cultural. Estes dados permitem concluir que um ambiente estimulador é uma variável importante a ser considerada na compreensão do desenvolvimento do PAC. Como afirma Hubig e Costa Filho(1997), a incidência de crianças que sofrem de OM persistente e recorrente em ambientes sócio-econômicas baixos é bastante elevada. A privação sensorial por patologia de OM associada a um contexto lingüístico pouco estimulador, não permitem que as crianças compensem as ineficiências para a linguagem, decorrente das inabilidades auditivas. Zinkus e Gottlieb(1980) e Lewis(1976) são unânimes em afirmar que há necessidade em controlar o fator da OM em crianças, especialmente, aquelas com desvantagens na oportunidade de aprendizagem, apesar de não terem certeza de que a OM é a única causa da DPAC e da incompetência lingüística. Lewis(1976) acrescenta que nem todas as crianças com OM terão dificuldades de aprendizagem, mas muitas delas que são de risco podem não ser identificadas precocemente, caso não haja um acompanhamento, periódico de um especialista. Holm e Kunze(1969) destacam que o acompanhamento profissional não deve ser limitado apenas ao tratamento médico, precisa incluir controle das variáveis que possam gerar a OM. Gottlieb e cols.(1979) sugerem que o controle da OM durante a infância pode prevenir algumas desordens educacionais. Os autores acreditam que a fase pré-escolar é um período silencioso e latente para os comprometimentos pedagógicos independente da causa, podendo incluir a DPAC. Desde que a linguagem é a base do nosso sistema educacional, tendo como veículo de recepção a via auditiva. Holm e Kunze(1969) e Santos(1996) propõem que é necessário atentar para os riscos para a DPAC e identificar as crianças incluídas neste grupo. Os autores indicam que se estendam as medidas preventivas para orientações quanto a melhorias das condições de higiene e saúde geral, estimulação ambiental para a linguagem, reforço pedagógico na pré-escola e controle do ambiente escolar, propiciando situações de escuta favorável. CONSIDERAÇÕES FINAIS As alterações do PAC estão comumente associados aos problemas de aprendizagem e de linguagem em crianças. Estas DPAC não são difíceis de serem identificadas, porém deve-se caracterizar o tipo de DPAC para que medidas preventivas e reabilitadoras possam ser tomadas. A caracterização da DPAC é realizada através da prejuízo de uma identificação do habilidade auditiva específica, através de uma avaliação audiológica especial. Pereira e Ortiz ( 1997) acreditam que é importante a identificação precoce da DPAC, propiciando à criança a possibilidade de aquisição de estratégias compensatórias para superar as dificuldades auditivas. Existem aspectos que podem servir como pistas ou sinais de alterações no sistema auditivo, como queixas de compreensão à distância e em ambientes desatenção, distração, dificuldade de ruidosos, pedidos de repetição da mensagem auditiva e dificuldade escolar. Azevedo (1997 b), em seu Programa de Intervenção Precoce para Distúrbios Auditivos, refere que a efetividade de qualquer ação preventiva depende de medidas de identificação, mas sobretudo de acompanhamento periódico. Esta postura também se adequa aos quadros de comprometimento do ouvido médio, onde as crianças devem ser avaliadas pelo audiologista e pelo médico, e inclui orientações familiares, garantindo a experienciação auditiva e o desenvolvimento da audição e de linguagem. As crianças que apresentam quaisquer riscos para o desenvolvimento das habilidades auditivas, seja por privação auditiva ou condição neurológica necessitam de uma situação estruturada mais estimuladora. O programa prioriza medidas de controle ambiental com redução do nível distância entre o falante e o ouvinte, de ruído competitivo, controle da fala direcionada para o ouvinte com intensidade adequada e articulação precisa, ritmo e velocidade de fala lentificado, posicionamento do aluno próximo ao professor mais em sala de aula, ou uso do sistema de freqüência modulada ( sistema FM). Dentre os fatores de risco para as alterações auditivas centrais, inúmeros estudos revelam a associação entre o número e a freqüência dos episódios de OM em crianças com DPAC ou distúrbios de linguagem. Os problemas condutivos provocam uma redução na intensidade dos sons que alcançam a cóclea e alteram a clareza e riqueza das pistas acústicas. Os dados da pesquisa realizada por Lewis ( 1976) com crianças com OM nos primeiros anos de vida demonstram que o efeito sobre as habilidades auditivas não é proporcional à magnitude da sensitividade para tom puro. A OM causa ineficiência nas estratégias do ouvir, que podem persistir apesar da inatividade da doença. Este fator ocorrendo em crianças, de 0 a 02 anos, leva a atrasos no desenvolvimento dos sistemas morfossintáticos e semânticos. As crianças em fase de desenvolvimento necessitam da especificidade de cada sinal acústico para que consigam armazenar as informações do segmento fonêmico. Santos ( 1996) refere que as unidades mais suscetíveis aos efeitos das perdas auditivas flutuantes por alterações de ouvido médio são os fonemas fricativos, os finais transitórios da palavras e os intervalos entre as palavras, todos muito rápidos e fracos para serem memorizados. Na maioria da população estudada pelos trabalhos citados nesta pesquisa há uma relação entre a OM e a DPAC, déficits de linguagem e de aprendizagem. Estes dados sugerem que crianças com OM têm grande probabilidade de ter DPAC, cuja severidade é maior que em crianças sem passado otológico. A determinação exata das relações entre a OM e a DPAC ainda não foi amplamente elucidada. É necessário cautela nas interpretações dos resultados e determinação precisa de outras variáveis que podem estar intervindo paralelamente como etiologia para a DPAC, como desnutrição, ambientes sócio-culturais pouco estimuladores, redução da motivação e estados de saúde em geral. Uma outra questão a ser considerada é se, após o controle das infecções otológicas, a criança é capaz de superar as inabilidades auditivas. Apesar dos questionamentos existentes, é unânime a postura de que crianças com riscos para OM devem ingressar num programa audiológico e médico, objetivando o controle dos fatores etiológicos para a OM, minimizando os prejuízos para o desenvolvimento das habilidades auditivas centrais, especialmente em crianças com desvantagem na oportunidade de aprendizagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, K. - O processo de seleção e adaptação de aparelhos de amplificação sonora. 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