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Transgênicos, OGM e PGM: o que são?
Os transgênicos tem como etimologia a “transferência de gene(s)”, ou seja a
inserção de um ou vários genes de um organismo A dentro o genoma de um
organismo B.
Os transgênicos estão considerados então como Organismos Geneticamente
Modificados (OGM), sendo que um OGM pode ser definido como um organismo
vivo que tem suas características genéticas modificadas de maneira não natural
por supressão, adição, troca ou modificação de no mínimo um gene.
A expressão Planta Geneticamente Modificada (PGM) deriva da noção de
Organismo Geneticamente Modificado quando aplicado aos vegetais. Em alguns
textos poderemos encontrar também a sigla VGM para Vegetal Geneticamente
Modificado.
As biotecnologias modernas da área agrícola se referem principalmente às
Plantas Geneticamente Modificadas. Embora as biotecnologias sejam
correntemente usadas há mais de 30 anos, particularmente no campo da
pesquisa, é nos últimos 10 anos que estamos assistindo a uma expansão do
cultivo das PGM para consumo animal e humano, associado com disseminação
destes no meio ambiente.
Os caracteres genéticos estão no DNA, ácido desoxirribonucléico. Esta
macromolécula é o suporte da informação genética. Cada uma das células de um
organismo contém DNA que, na divisão celular, é compactado e pode ser
visualizado na forma de um cromossomo.
Gene
DNA
núcleo
célula
cromossomo
cromossomo
Todas as células de um organismo têm a mesma molécula de DNA, o que
quer dizer a mesma informação genética. Mas, nem por isso esta informação se
expressa da mesma maneira em todas as células.
O DNA é uma molécula grande, em forma de dupla fita, constituída de
quatro bases repetidas numerosas vezes, com formato similar a uma escada
retorcida.
A ordem na qual essas quatro bases se sucedem forma mensagens (códigos)
que a célula reconhece como sendo um gene ou, mais exatamente, uma
sequência genômica codificadora. Normalmente existem vários milhares de genes
em cada molécula de DNA, em função dos organismos considerados, sendo que o
homem possui aproximativamente 25 mil genes.
Durante a sua existência, a célula produzirá proteínas, o que lhe permitirá
viver, comunicar-se com outras células e cumprir com suas funções no
organismo. O gene detém, então, o segredo da fabricação das proteínas.
DNA
RNA mensageiro
Proteína em
crescimento
Proteína
completa
Quando se faz uma transgenia para fabricar uma PGM, tomamos alguns
genes de um ou mais organismos para inseri-los no meio do DNA de células-mãe
de um outro organismo. Por multiplicação vegetativa, estas células originarão um
organismo completo. Isso significa que todas as células do organismo
transformado, ou seja, que recebeu os genes, terão aqueles genes que foram
isolados dos outros organismos.
Organismo A
Organismo B
Organismo B
produzindo proteína do organismo A
O objetivo da transferência de genes é, então, produzir uma ou mais
proteína(s) A por um organismo B que não as produz de maneira natural.
Na prática, em 2008, 99% das PGM assim obtidas e cultivadas, foram
transformadas para adquirir três tipos de funções:
• sintetizar proteínas inseticidas (proteínas chamadas Bt porque são isoladas a
partir da bactéria Bacillus thuriengensis);
• sintetizar proteínas que conferem à planta o potencial de cumular certos
herbicidas sem morrer;
• juntar essas duas propriedades.
Poderemos igualmente ouvir falar em PGM transformadas com a
finalidade de resistir ao estresse hídrico ou salino, mas essas não são plantas
cultivadas industrialmente. Trata-se ainda de pesquisas em laboratório, já que a
regulação desses metabolismos depende de vários genes, prática ainda não
dominada pelos cientistas.
A transgenia: uma técnica controlada?
Em primeiro lugar, é necessário lembrarmos que o dogma sobre qual foi
elaborado a transgenia - “um gene que codifica para proteína que controla uma
função” - é ultrapassado (Portin, 2002) e cientificamente errado.
Já, na maioria dos casos, não se sabe exatamente onde se inicia e termina
um “gene”. Existem seqüências regulatórias da expressão do chamado gene
distantes a milhares de pares de bases do promotor. De outro lado, alguns
“genes” são dependentes de dezenas de promotores. Um recente e monumental
trabalho de geneticistas norte-americanos e europeus (Encode, 2007), coloca em
dúvida o que se tinha até então considerado consolidado sobre o funcionamento
do genoma e apresenta uma questão que já era considerada resolvida há meio
século: o que é um gene? É por essa razão que preferimos falar de seqüência
genômica quando se refere a um “gene”.
Esse dogma foi desmentido pelo seqüenciamento do genoma humano, e foi
descoberto que ele está constituído por aproximadamente 30.000 seqüências
genômicas e dez vezes mais de proteínas (Commoner, 2003). Além disto, já foi
encontrada uma seqüência genômica que codifica para mais de 38.000 proteínas,
no caso da Drosófila (Schmucker & Flanagan, 2004), o que revela ainda mais as
cautelas dessa teoria dogmática.
Em relação à “função” das seqüências genéticas, não existem regras. Um
bom exemplo para ilustrar a complexidade do vivo é o caso da seqüência
genômica que codifica, entre outros, a aromatase, hormônio chave na reprodução
dos mamíferos. Se esse hormônio for sintetizado em quantidade normal, ele vai
estimular o ciclo reprodutor na fêmea, e se a sua expressão ficar muito forte, ele
vai bloquear este ciclo: em função da sua expressão, esse hormônio pode ter um
efeito e o seu contrário! Além do mais, produtos dessa seqüência genômica
podem ser encontrados fora dos órgãos sexuais, como no cérebro, nos ossos, na
pele...com funções diferentes (Séralini & Moslemi, 2001).
Se a esse cenário somarmos o fato de que cada produto de cada seqüência
genômica irá interagir com outros produtos de outras seqüências genômicas para
resultar em efeitos biológicos, é possível perceber a visão reducionista que o
dogma da transgenia tentou impor aos cidadãs, consumidores como agricultores.
Com o aumento da polemica no que diz respeito os riscos e incertezas das
PGM para a saúde humana e animal e para o meio ambiente, mais e mais
pesquisas estão sendo realizadas nessa temática.
Assim, o professor Zolla e os seus colaboradores da universidade de Tuscia
na Itália realizaram uma análise proteômica de duas gerações subseqüentes do
milho transgênico (evento MON 810) tendo como controle as suas respectivas
linhas isogênicas. Teoricamente diferentes por a síntese de uma proteína só (a
proteína inseticida Bt contra lepidópteros), essa analise resultou na identificação
de 43 proteínas que tiveram sua regulação aumentada ou reduzida
comparativamente as linhas isogênicas parentais, o que está especificamente
relacionado com o transgene inserido no genoma do milho pelo bombardeamento
de partículas. Destas 43 proteínas, 14 tiveram sua expressão reduzida, 13 com
expressão aumentada, 7 foram produtos novos e 9 deixaram de expressar seus
produtos (Zolla et al., 2008). Os autores ainda verificaram que uma das novas
proteínas expressadas (SSP 6711) corresponde a 50 kDa gama zeina, uma
proteína alergênica bem conhecida. Além disso, várias proteínas de sementes de
armazenamento (como globulinas e outras similares às vicilinas expressas no
embrião) exibiram formas truncadas, apresentando massas moleculares
significativamente menores que as proteínas nativas
Essa revisão do conceito da transgenia tem como objetivo ressaltar a
necessidade de considerar a “ecologia dos genes” como ponto chave da avaliação
dos riscos das PGM, no entendimento de que a regulação das funções
metabólicas dos organismos vivos são assumidas por várias redes complexas de
seqüências genômicas interdependentes, em interações permanente com os
fatores ambientais.
Transgênicos e longo histórico de uso.
O argumento o mais usado pelas empresas de biotecnologias no que diz
respeito a segurança dos transgênicos é o “longo histórico de uso”.
De fato, o produto derivado da transgenia com o maior histórico de uso é a
insulina de síntese, com aproximadamente 35 anos de pratica. Assim, as
empresas de biotecnologia frequentemente apóiam-se sobre o que pode ser
considerado como um progresso importante no domínio da medicina para
valorizar as potencialidades das PGM e outros OGM. Entretanto, vale esclarecer
que a insulina de síntese não é transgênica (ela tem as mesmas seqüências
genômicas que a insulina naturalmente produzida pelas células pancreáticas no
ser humano), mas fui sintetizada numa bactéria (Escherichia coli) transgênica.
Assim, como não se consuma a bactéria transgênica, mas o seu produto de
síntese, os riscos são outros que os riscos apresentados pelo consumo de PGM.
De um outro lado, as empresas de biotecnologia acostumam-se a
considerar o uso de formulações de Bacillus thuringiensis (Bt) em spray como um
histórico de uso no que diz respeito as PGM Bt. Nesse caso também vale
esclarecer que as seqüências genômicas inseridas em PGM Bt tem como origem
os genes naturais das bactérias Bt do solo, mas esses são modificados por
mutagênese, e as vezes truncados por enzimas específicas antes da inserção. A
diferença de seqüência genômica resulta na transcrição de proteínas diferentes
nas bactérias do solo e nas PGM Bt. Assim, sintetizam proteínas que não têm o
mesmo peso molecular, nem a mesma conformação espacial. Portanto, como
resultado ocorre diferenças entre o modo de ação das proteínas Bt nativas
secretadas por bactérias e as proteínas Bt sintetizadas em PGM.
Protoxina
de Bt
nativa
Toxina Bt
ativada
Milho Bt
Do mesmo jeito, os herbicidas totais, notadamente a base de glifosato e de
glufosinato de amônio, aos quais estão tolerantes algumas PGM, podem ser
consideradas pelas empresas como segura do fato do seus longos históricos de
uso. Outra inexactituda cientifica, se destacamos que a modificação genética
permite o uso desses herbicidas com outros doses, freqüência e momento de
aplicação que nas lavouras convencionais. Assim, logicamente, as quantidade de
resíduos de herbicidas nas lavouras de PGM tolerantes aos herbicidas totais
podem ser amplamente aumentadas. Além disto, o glufosinato de amônio merece
estudos próprios no uso com PGM porque apresenta metabolismo de degradação
diferente de que em plantas convencionais (Droge-Laser et al., 1994; Muller et al.,
2001). Assim, o NAG (disodium L-2-acetoamido-4-methylphosphinato-butyrate) é
o maior metabolito de degradação em plantas tolerantes ao glufosinato de
amônio, enquanto é o MPP (acido 3-methylphosphinico-propionic) em plantas
convencionais. Esses metabolitos apresentam características bioquímicas
diferentes, com riscos obviamente diferentes.
E se nenhum efeito adverso nunca fui observado durante esses 10 anos de
consumo de PGM nos Estados-Unidos, talvez é porque não existe pesquisas
epidemiológicos, comparando um grupo controle de pessoas que consumem
transgênicos desde vários anos (ou varias gerações) com um grupo controle que
nunca consumi transgênicos...
Tal estudo, multi-geracional, fui realizado pela primeira vez em 2008 com
ratos. De 24 pares de ratos alocadas no grupo controle (alimentadas com isolinha
de milho não transgênico) e aquelas alocadas ao grupo de milho transgênico
(NK603xMON810), todas as fêmeas do primeiro grupo (100%) procriaram 4 vezes.
No grupo alimentado com o milho transgênico, o numero de filhos declinou com o
tempo. Na quarta cria, somente 20 fêmeas procriaram. O número médio de filhos
nascidos foi sempre menor no grupo de fêmeas alimentadas com o milho
transgênico, mas não estatisticamente significativo antes da terceira procriação
(Velirimov & Binter, 2008). Além disso os autores constataram que as fêmeas
tratadas com milho transgênico sempre procriaram filhos de menor tamanho
comparativamente aqueles nascidos de fêmeas alimentadas com milho de
isolinhas não transgênicas.
Nesse contexto, podemos ver que o principal “argumento” das empresas de
biotecnologias apresenta varias cautelas cientificas, e tem como objetivo
confundir os cidadãs, no lugar de informa-los como pretendido.
Transgênicos: informações cientificas para uma decisão da sociedade
O debate sobre as PGM ocorre principalmente na comunidade cientifica do
domínio biológico. Entre pesquisadores – de um lado, aqueles que defendem uma
visão global e sistêmica, crítica à representação positivista da ciência (a ciência
conduzindo necessariamente ao progresso e ao desenvolvimento da sociedade) e
que recusam a visão mecanicista e reducionista do mundo dos seres vivos,
situando-se no campo da ciência integrativa. De outro, aqueles que, além de
situar-se no campo do positivismo, adotam uma visão reducionista da ciência que
atribui a uma causa um só efeito (um gene, uma proteína, uma função),
abstraindo a complexidade das interações que se processam na matéria viva,
quer sejam em escala molecular ou ecossistêmica.
Entretanto, os transgênicos recobrem vários outros domínios, como das
ciências socais e econômicas, mas também valores culturais e éticas, que tem
tendências ficar por trás na analise do risco. Ora, trata-se de um assunto que
terá implicações na vida pratica dos consumidores, agricultores, industriais da
cadeira agro-alimentar, gestores de políticas agrárias, etc, o que merece uma
participação ampliada desses setores da sociedade no debate.
Assim, acreditamos que um “progresso cientifico” pode ser considerado
como tal só se fui construído com a participação ativa de uma sociedade civil
informada.
Bibliografia:
- Commoner, B. 2003. Unravelling the DNA myth, Seedling, juillet 2003.
- Droge-Laser, W. et al. 1994. The metabolites of the herbicide L-phosphinothricin (Glufosinate)
(Identification, stability, and mobility in transgenic, herbicide-resistant, and untransformed plants).
Plant Physiol., 105, 159-166.
- Encode, 2007. Identification and analysis of functional elements in 1% of the human genome by
the ENCODE pilot project. Nature, vol. 447, 799-816.
- Muller, B.P. et al. 2001. Metabolism of the herbicide glufosinate-ammonium in plant cell cultures
of transgenic (rhizomania-resistant) and non-transgenic sugarbeet (Beta vulgaris), carrot (Daucus
carota), Purple foxglove (Digitalis purpurea) and thorn apple (Datura stramonium). Pest. Manag.
Sci., 57, 46-56.
- Portin, P. 2002. Historical development of the concept of the gene, J. Med. Philos., 27, 257-286.
- Schmucker, D. & Flanagan, J.G. 2004. Generation of recognition diversity in the nervous
system. Neuron. 2004 Oct 14; 44 (2):219-22 15473961.
- Séralini, G.E. & Moslemi, S. 2001. Mol. Cell. Endocrinol., 178, 117-1313, 2001.
- Velimirov, A. & Binter, C. 2008. Biological effects of transgenic maize NK603xMON810 fed in
long term reproduction studies in mice. Forschungsberichte der Sektion IV Band 3/2008.
- Zolla, L., Rinalducci, S., Antonioli, P. & Righetti, P.G. 2008. Proteomics as a Complementary
Tool for Identifying Unintended Side Effects Occurring in Transgenic Maize Seeds As a Result of
Genetic Modificações. Journal of Proteome Research, 7, 1850-1861.
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