CETOACIDOSE DIABÉTICA PROTOCOLO DA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA PEDIÁTRICA HOSPITAL PEQUENO PRÍNCIPE CURITIBA – PARANÁ – BRASIL Dr. Geraldo Miranda Graça Filho Dr. Paulo Ramos David João Dra. Michelle Henrique Lucena Dra. Gisele A. Frederich Vidotto Dra. Larissa Rossato Chrun INTRODUÇÃO A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação aguda grave do diabetes mellitus tipo 1 (DM1), e é a emergência endócrina mais frequente nas unidades de pronto atendimento pediátrico. Mesmo em países desenvolvidos, está presente em 15 a 67% das crianças e adolescentes no momento do diagnóstico do diabetes. Dentre os pacientes com diagnóstico prévio de DM1, a CAD é a principal causa de morbimortalidade, sendo responsável por 8 a 28% de todas as admissões por diabetes mellitus em hospital. O DM1 pode manifestar-se em qualquer idade, porém concentra-se no período escolar e na adolescência, constituindo-se no distúrbio endócrino-metabólico crônico mais frequente na infância. A CAD é um distúrbio do metabolismo de proteínas, lípides, carboidratos, água e eletrólitos, consequente a menor atividade da insulina frente à maior atividade (absoluta ou relativa) dos hormônios contra-reguladores (cortisol, catecolaminas, glucagon e hormônio do crescimento). A dificuldade no reconhecimento dos sintomas iniciais, decorrentes da hiperglicemia, e a consequente demora no diagnóstico, são os principais determinantes da ocorrência de CAD em crianças sem diagnóstico prévio de DM1. Tal fato contribui para um maior atraso no diagnóstico levando a quadros graves de desidratação e acidose na admissão. A demora no diagnóstico e na instituição do tratamento adequado leva ao aumento da mortalidade, que ocorre devido a distúrbios metabólicos mais graves e frequência aumentada de complicações. A maioria dos casos fatais está relacionada ao desenvolvimento de edema cerebral (EC) - complicação mais grave, que está presente em 0,5 a 2% dos pacientes com CAD, com CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 2 mortalidade de 40 a 90% e capaz de produzir sequelas em 10 a 25% dos sobreviventes. Com o descobrimento e emprego da insulina no tratamento da CAD associado à melhora nos cuidados clínicos, foi possível reduzir sua mortalidade de 100% (início do século XX) para os atuais 2-5%. O conhecimento dos fatores determinantes da ocorrência de CAD, associado à detecção precoce dos primeiros sintomas de hiperglicemia, irá contribuir para a redução da morbimortalidade do DM1, reduzindo a frequência de quadros clínicos graves no momento da admissão, bem como o risco de complicações. FATORES DESENCADEANTES NOS DIAGNÓSTICOS NOVOS DE DM1 Infecções (30 a 40% dos casos) Altas doses de glicocorticóides Antipsicóticos atípicos Diazóxido Algumas drogas imunossupressoras Pancreatite Trauma Doença gastrointestinal com diarréia e vômitos Obs.: Em 2 a 10% dos casos, não é possível identificar o fator precipitante. NOS PREVIAMENTE DIABÉTICOS Má aderência ao tratamento, muitas vezes com omissão das doses usuais de insulina, controle glicêmico ruim ou episódios prévios de CAD Infecções Distúrbios psiquiátricos Distúrbios alimentares (desencadeante em até 20% dos casos nos pacientes recorrentes) Dinâmica familiar desfavorável Adolescentes do sexo feminino Interrupção, mesmo que transitória, da terapia insulínica por bomba – em função das baixas reservas de insulina Obs.: Como regra geral, em todo paciente com CAD devem ser avaliados os possíveis fatores desencadeantes e, somente quando estes forem afastados, considera-se o tratamento irregular como fator causal. CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 3 DEFINIÇÃO DE CAD - CARACTERÍSTICAS Hiperglicemia (geralmente acima de 200 mg/dL) Cetonemia (acima de 3 mMol/L) Cetonúria Acidose Metabólica (pH <7,3 e/ou HCO3 <15 mEq/L) Graus variáveis de desidratação Podendo ou não ser acompanhada de coma CONDUTA ABORDAGEM INICIAL 1) Diagnóstico Clínico Sintomas iniciais: poliúria, polidipsia, enurese, perda de peso e polifagia Sintomas evolutivos: náuseas, vômitos, anorexia progressiva, dor abdominal (podendo mimetizar abdome agudo), fadiga e sinais de desidratação Hálito cetônico (odor adocicado devido à cetose) Febre (associado a processo infeccioso) Respiração de Kussmaul (profunda, rápida e suspirante) Obnubilação progressiva e perda de consciência 2) Avaliação Clínica Hidratação: Tempo de enchimento capilar prolongado (> 2 seg) Turgor da pele anormal Taquipnéia (hiperventilação para compensar a acidose metabólica) Mucosas secas, ausência de lágrimas, olhos “fundos”, pulsos finos e extremidades frias Desidratação grave: pulsos periféricos filiformes ou ausentes, hipotensão e oligúria (achados tardios associados à sepse e EC) Peso: para comparação com peso anterior, descrito pela família, e para cálculos do tratamento Nível de consciência: para definir abordagem inicial quanto à via aérea e gravidade 3) Buscar possíveis causas para CAD Evidência de infecção Uso irregular de insulina nos previamente diabéticos CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 4 4) Confirmar o diagnóstico Gasometria arterial ou venosa: avaliar pH (< 7,3) e HCO3 (< 15 mEq/L) Fita urinária: avaliar presença de cetonúria Glicemia capilar (hemoglicoteste ou Dextrotix® ou ® Advantage ): avaliar grau de hiperglicemia (> 200 mg/dL) 5) Avaliação laboratorial inicial Glicemia Sódio Uréia e Creatinina Potássio Gasometria arterial ou venosa Cálcio ionizado e total Hb e VG Fósforo Hemograma Urocultura + Hemocultura Parcial de Urina (PU) Cloro (para cálculo do ânion gap) (se suspeita de infecção) Lactato ou Ácido Lático Obs.: O hemograma pode apresentar leucocitose com desvio esquerda associada à acidose metabólica, sem o paciente, necessariamente, ter infecção. MEDIDAS DE SUPORTE INICIAL 1) Assegurar via aérea - naqueles pacientes com alteração do nível de consciência Intubação Naso ou Oro traqueal: Glasgow <8 2) Sonda nasogástrica - naqueles com vômitos frequentes ou com alteração do nível de consciência (mesmo se somente sonolência) 3) Monitor cardíaco - avaliar onda T no Eletrocardiograma 4) Oxigênio - naqueles com instabilidade hemodinâmica ou com saturação <92% 5) Acesso venoso periférico - no mínimo 2 acessos para iniciar hidratação, o mais precoce possível 6) Expansão volumétrica - infundir Soro Fisiológico (SF0,9% ou NaCl0,9%) 20 ml/Kg a cada 20 minutos, até obter estabilidade hemodinâmica - sair do choque hipovolêmico 7) Sonda vesical de demora - quase obrigatória, devido a necessidade de monitorização da diurese, principalmente naqueles inconscientes ou sonolentos e nas crianças menores 8) Indicação para internamento em UTI Pediátrica Duração prolongada dos sintomas de CAD Circulação comprometida de qualquer forma ou choque evidente CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 5 Arritmias cardíacas Insuficiência respiratória Aqueles em coma, com edema cerebral ou com risco aumentado de desenvolver: < 5 anos de idade Acidose grave (pH ≤7,1) pCO2 baixo Níveis elevados de uréia nitrogenada Quando não houver possibilidade de monitorização contínua, tratamento adequado com insulina em bomba infusora (BI) e coletas frequentes de exames laboratoriais (principalmente gasometria) Pacientes < 2 anos ou com fatores associados (queimaduras, traumatismos ou infecções) Quando não houver experiência, pela equipe de atendimento inicial, no tratamento de CAD TRATAMENTO OBJETIVOS DA TERAPIA Corrigir desidratação Corrigir acidose e reverter cetose Restaurar glicemia para níveis aceitáveis de tratamento (entre 200-300 mg/dL) Evitar complicações da terapia Identificar e tratar qualquer fator precipitante, como infecções PRINCÍPIOS BÁSICOS DO TRATAMENTO Monitorização meticulosa com anotação de dados de hora em hora nas primeiras 24 horas, após, de 2 em 2 horas: Frequência cardíaca (FC) Frequência respiratória Pressão arterial (PA) Observação do nível de consciência e sintomas neurológicos (alertas para edema cerebral) Quantidade de volume administrado e perdas Glicemia capilar ou Hemoglicoteste Exames Laboratoriais: Eletrólitos, Glicemia, Uréia, Volume Globular (VG) e gasometria a cada 4 a 6 horas, nas primeiras 12 horas. CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 6 Cálculos Adicionais (Fórmulas) 1) Ânion gap (AG) - normal de 12±2 mMol/L, na CAD frequentemente é de 20 a 30 mMol/L e se > 35 mMol/L sugere acidose lática associada AG = Na – (Cl + HCO3) 2) Sódio (Na) corrigido – em mEq/L Na = sódio sérico Cl = cloro sérico HCO3 = bicarbonato sérico K = potássio sérico Redução 1,6 mEq/L de Na a cada 100 mg/dL de glicose acima de 100 mg/dL 3) Potássio (K) corrigido – em mEq/L Redução 0,6 mEq/L de K a cada 0,1 abaixo do pH 7,4 4) Osmolaridade efetiva - em mMol Osmolaridade = 2 x (Na + K) + Glicemia 5) Eliminação de CO2 - a acidose metabólica desencadeia uma tentativa de compensação respiratória com eliminação de CO2 pCO2 esperado = (HCO3 x 1,5) + 8 6) Cálculo do peso calórico (PKcal)– em Kcal Peso ≤ 10 kg PKcal = Peso em Kg Peso entre 10 e 20 Kg PKcal = 10 + (0,5 x nº de Kg acima de 10) Peso > 20 Kg PKcal = 15 + (0,2 x nº de Kg acima de 20) 7) Cálculo da superfície corpórea (SC) pelo peso – m2 SC = (Peso em Kg x 4) + 7 / Peso em Kg + 10 REPOSIÇÃO VOLÊMICA Objetivos Restauração do volume circulante Reposição de sódio e déficit de água intra e extracelular Melhora da filtração glomerular com aumento do clereance de glicose e cetonas do sangue Redução do risco de edema cerebral CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 7 Fases 1) Ressuscitação – Expansão (de 1 a 4 horas) Engloba expansões com SF0,9% 20 ml/Kg a cada 20 minutos até obter estabilidade clínica. Essa reposição rápida restabelece a volemia e melhora a perfusão renal, que aumenta a filtração glomerular, promovendo diurese osmótica da glicose, com redução da glicemia e da osmolaridade plasmática. 2) Reidratação (20 a 22 horas) Essa fase inclui o volume de manutenção que deve estar entre 1800 a 2000 ml/m2/dia acrescido do volume das perdas posteriores, nos casos de vômitos persistentes e diarréia. Ainda há a perda urinária que corresponde a 30-50% na ração hídrica de manutenção, ou seja, um volume total de 2500 a 3000 ml/m2/dia. Pode-se iniciar com 1800 a 2000 ml/m2/dia e devem ser realizadas reavaliações periódicas, para acrescer volume quando necessário. Na medida em que a perda de volume for maior que o ganho, aumenta-se a infusão do soro de manutenção ou realiza-se SF0,9% 10 a 20 ml/Kg, em paralelo em 1 a 2 horas, como reposição das perdas em excesso. A solução de reidratação parenteral deve ser mantida enquanto a insulina for necessária e não houver aceitação da dieta via oral, então diminuída após isso. 3) Reposição da diurese A reposição do excesso de diurese é acrescida no volume de reidratação, durante o tratamento da CAD com insulina em BI. Mesmo com a melhora da acidose, o paciente diabético tende a manter uma diurese alta mesmo após a suspensão da insulina contínua. Então, suspende-se o soro de manutenção, à medida que o paciente possa usar a via digestiva, e somente repõe a metade do excesso de diurese em 6 horas, pela via oral (VO) ou via endovenosa (EV) até estabilizar o volume urinário por dia. Como fazer: A diurese esperada é de 2,5 ml/kcal/hora. Avalia-se quanto de diurese o paciente apresentou além da esperada e ofertase metade desse volume em 6 horas, na forma de água quando VO, ou Soro Glicosado (SG5%) ou SF0,9%, quando EV, de acordo com a glicemia capilar. CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 8 SÓDIO (Na) Na CAD, a hiponatremia deve ser evitada e tratada, e pode ocorrer devido a: Diluição associada ao aumento da osmolaridade causada pela hiperglicemia Aumento dos lipídios séricos com baixo teor de sódio Ação do hormônio antidiurético Perda urinária de sódio relacionada à diurese osmótica Eliminação de corpos cetônicos Calcular o Na corrigido para avaliar o verdadeiro grau de hiponatremia. Deve-se manter uma oferta basal de sódio de 150 mEq/L no soro de manutenção, na forma de Cloreto de Sódio 20% (NaCl20%) e/ou SF0,9% e aumentar a oferta, se necessário, de acordo com a dosagem sérica. A hipernatremia parece ser um fator protetor no desenvolvimento do edema cerebral (tolerar Na entre 150 a 160 mg/dL naquelas crianças com glicemia > 600 mg/dL). CÁLCIO (Ca) Com a correção da acidose e a melhora da taxa de filtração glomerular, ocorre uma tendência à hipocalcemia. Deve-se manter uma oferta basal de Ca para os pacientes pediátricos, na forma de Gluconato de Cálcio 10% (Glucca10%) – de 0,5 a 1 mEq/kcal/dia e aumentar a oferta, se necessário, de acordo com a dosagem sérica. POTÁSSIO (K) Na CAD, inicialmente há hiperpotassemia por saída do K para o meio extracelular, devido à glicogenólise e lipólise. Depois, ocorre um déficit de K de 4 a 6 mEq/Kg, devido a: Correção da acidose e pela ação da insulina, que promove a entrada de glicose e potássio para dentro da célula. Excreção urinária junto com os cetoácidos Aumento da aldosterona causado pela desidratação Vômitos Então, se a dosagem do potássio sérico está normal ou diminuída no início, é necessária a reposição precoce, pois, com o tratamento, a tendência é uma queda maior ainda. Calcular o K corrigido para avaliar o verdadeiro grau de hipopotassemia. CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 9 Havendo diurese, deve-se acrescentar potássio na solução de reidratação na forma de Cloreto de Potássio (KCl19,1%), de acordo com esses valores: K sérico < 4 mg/dL 60 mEq/L de K (12 ml de KCl19,1% em um soro de 500 ml), deve ser iniciado antes da insulinoterapia K sérico entre 4-6 mg/dL 40 mEq/L de K (8 ml de KCl19,1% em um soro de 500 ml) K sérico > 6 mg/dL não usar K Se a hipopotassemia persistir mesmo com o máximo de reposição (80 mEq/L a 100 mEq/L em acesso central – 16 ml a 20 ml de KCl19,1% em um soro de 500 ml), então diminuir a infusão de insulina. FÓSFORO (P) Inicialmente, há uma hiperfosfatemia consequente à acidose metabólica, pois há saída de P para o meio extracelular. A hipofosfatemia ocorre depois, devido a perdas urinárias com a diurese osmótica e entrada de P para o meio intracelular devido à ação da insulina. Os efeitos adversos da hipofosfatemia são raros e a terapia com fósforo pode levar a hipocalcemia importante. A reposição de fosfato deve ser realizada naqueles pacientes com nível sérico < 1 mg/dL e depressão respiratória ou fraqueza inexplicável, além de jejum prolongado. Estudos prospectivos não demonstraram benefício clínico da reposição rotineira de fósforo, porém, defensores dessa reposição argumentam que os benefícios da terapia com fosfato são: A utilização de Fosfato de Potássio, em substituição a parte do cloreto (KCl19,1%), diminui a incidência de acidose hiperclorêmica Melhora do 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) eritrocitário, que libera o oxigênio da hemoglobina para os tecidos, porém, nos pacientes pediátricos, a melhora do 2,3-DPG ocorre rapidamente, mesmo sem reposição de fósforo Diminui o risco de rabdomiólise e hemólise Muitos pacientes com potássio sérico baixo persistente, mesmo com reposição, apresentam hipofosfatemia associada. Nesses casos, há indicação de reposição de fósforo, pois somente assim, o potássio atingirá o limite normal. CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 10 Reposição com glicerofosfato (Glycophos®) – 1 mMol = 1 ml: Se P sérico ≈ 1 mg/dL e criança estável 0,08 mMol/Kg de 6/6 horas, ou seja, 0,32 mMol/Kg nas 24 horas Se P sérico entre 0,5 - 1 mg/dL 0,16 a 0,24 mMol/Kg de 6/6 horas, ou seja, 0,64 a 1 mMol/Kg nas 24 horas Não apresenta interação com outros metabólitos ou medicamentos ACIDOSE METABÓLICA A acidose grave é reversível com a reposição de fluidos e insulina. O pH ácido não é um fator determinante que aumento o risco de morte e falência de múltiplos órgãos. A administração de bicarbonato de sódio está associada ao edema cerebral e morte e apresenta diversos efeitos adversos, entre eles: Hipopotassemia Agravamento da hiperosmolaridade Aumento da acidose intracelular devido à produção de CO2 Acidose paradoxal no sistema nervoso central (SNC) Desvio da curva de dissociação da hemoglobina para esquerda, com diminuição da oferta de oxigênio para os tecidos Redução mais lenta da cetonemia A utilização de bicarbonato está indicada naqueles pacientes: Mantém pH < 6,9 após 2 horas de hidratação (expansão) com contratilidade cardíaca diminuída (confirmada por ecocardiografia) e vasodilatação periférica, que prejudique a perfusão tecidual e altere a ação de adrenalina durante a ressuscitação Acidose persistente com hipercloremia Hiperpotassemia grave com risco de morte A dose é de 1 a 2 mEq/Kg de bicarbonato de sódio (8,4% - 1 ml = 1 mEq ou 10% - 1 ml = 1,2 mEq) em 1 a 2 horas. Embora não estamos completamente convencidos de que bicarbonato de sódio é perigoso, também não há evidência de benefício do uso nos pacientes com CAD. Já há alguns anos, em nosso serviço, temos evitado a infusão de bicarbonato de sódio na CAD, mesmo em presença de pH inferior a 7,0. CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 11 INSULINOTERAPIA Os benefícios da terapia com insulina são: Entrada de glicose para o espaço intracelular Reverte o estado catabólico Suprime a lipólise e cetogênese Corrige a glicemia e a acidose Insulina Endovenosa A insulina EV, que é a terapia standard atualmente, deve ser iniciada 1 a 2 horas após a reposição inicial de fluidos. Não é segura a administração da dose de ataque de insulina regular, subcutânea ou intramuscular, pois pode induzir uma queda intensa na glicemia e osmolaridade, aumentando o risco de edema cerebral. Solução de insulina: diluição de insulina regular na proporção de 0,1 UI/ml (25 UI de insulina para 250 ml de Soro Fisiológico) com infusão na dose de 0,1 UI/Kg/hora, ou seja, 1 ml/Kg/hora em BI. A insulina contínua deve ser suspensa quando todas essas situações estiverem presentes: pH sanguíneo ≥ 7,3 Bicarbonato sérico ≥ 18 Ânion gap entre 8 e 12 Paciente em condições de utilizar a via digestiva Insulina Subcutânea Uma hora antes da suspensão da insulina endovenosa, deve-se aplicar um bolo de insulina regular (R) subcutânea, na dose de 0,1 UI/Kg. As doses seguintes serão definidas de acordo com o uso prévio de insulina de cada paciente. Já nos pacientes com diagnóstico novo de DM1, recomenda-se a dose de 0,5 UI/Kg/dia de insulina NPH dividida em: 2/3 desse valor antes do desjejum e 1/3 antes do jantar. Sugere-se fazer a suspensão da insulina EV em horários próximos das refeições para a administração da insulina NPH (NPH), mas se a suspensão ocorrer em outros horários, manter somente a tabela de insulina R para o controle glicêmico. Além da NPH, os pacientes devem receber insulina R conforme hemoglicoteste, antes das refeições, como a tabela a seguir: Hemoglicoteste < 200 Hemoglicoteste entre 200 e 300 Hemoglicoteste entre 301 e 400 Hemoglicoteste > 400 Não realizar insulina R Realizar 0,1 UI/Kg Realizar 0,15 UI/Kg Realizar 0,2 UI/Kg CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 12 Rotina de Hemoglicoteste Durante o período de internamento no hospital, as glicemias capilares devem ser realizadas antes do desjejum, antes do almoço, antes do café da tarde, antes do jantar, às 22 horas e às 3 horas da madrugada. De acordo com a tabela anterior, a insulina R será aplicada. Porém, não será aplicada às 22 nem às 3 horas, mesmo se hemoglicoteste alto, que exija administração de insulina R, porque não há oferta de glicose (alimentação) nesses horários. Os valores encontrados nos horários noturnos são para avaliar a resposta do paciente à NPH e à dieta, além de nortear o tratamento adiante. INFUSÃO DE GLICOSE Deve ser iniciada quando a glicemia atinge de 250-300 mg/dL e/ou se a queda da glicemia apresenta-se ≥ 50 mg/dL. Espera-se uma queda da glicemia próxima de 50 mg/dL a cada hora. A acidose e a cetonemia são marcadores da insuficiência de insulina e glicose no metabolismo celular. Aqueles pacientes que mantém esse estado, não devem ter suas infusões de insulina diminuídas, mas um aumento da infusão de glicose, podendo chegar até 12,5% a concentração de glicose, para evitar hipoglicemia. Para facilitar a infusão dos metabólicos, do volume diário de reidratação e da concentração de glicose (CG), criou-se um sistema com duas bolsas de soro, cada uma delas em uma bomba de infusão e uma torneira de comunicação (ou “Y”) entre as duas. Dependendo da CG que se quer oferecer (0 a 10%), infundirá o volume de uma das soluções (A ou B), de acordo com a quantidade de volume nas 24 horas (máximo de 3000 ml/m2/dia). Na medida em que a glicemia capilar variar, proporcionalmente infundiremos uma parte de cada solução para completar o volume total diário. Por exemplo: Criança de 10 anos, 30 Kg (SC de 1,058 e peso calórico de 17 Kcal), oferta de volume de 1800 ml/m2/dia, necessidade de CG de 7,5% Receberá ≈ 1905 ml de soro em 24 horas correndo em BI a ≈ 79 ml/hora (equivalente a 112 ml/Kcal/dia), sendo que desse volume - 59,3 ml/hora será da Solução A (SG10%) e 19,7 ml/hora será da Solução B (SF0,9%). A equipe de Enfermagem da Unidade irá preparar novamente cada solução à medida que elas terminarem, pois não há frascos de soro que comportem o volume total diário, como no caso anterior. CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | Solução A 500 ml de SG 10% 22 ml de NaCl20% (150 mEq/L de Na) 8 ou 12 ml de KCl19,1% (40 ou 60 mEq/L de K) 5 ml de Glucca10% (0,5 a 1 mEq/Kcal/dia de Ca) 13 Solução B 500 ml de SF0,9% (150 mEq/L de Na) 8 ou 12 ml de KCl19,1% (40 ou 60 mEq/L de K) 5 ml de Glucca10% (0,5 a 1 mEq/Kcal/dia de Ca) DIETA VIA ORAL Deve ser introduzida quando: Paciente está alerta Ausência de vômitos Melhora da acidose COMPLICAÇÕES 1) Distúrbios hidroeletrolíticos - hiper ou hipopotassemia, hiper ou hiponatremia, hipofosfatemia, etc. 2) Hipoglicemia 3) Reidratação inadequada 4) Acidose Hiperclorêmica - decorrente da reposição de cloro excessiva na forma de NaCl0,9%, em geral pode se manter por alguns dias, mas não necessita de tratamento específico, melhorando quando há função renal normal 5) Arritmias cardíacas - raramente ocorrem e estão associadas aos distúrbios eletrolíticos 6) Aspiração de conteúdo gástrico - está associada a alteração importante do nível de consciência e vômitos frequentes, por isso a necessidade da sonda nasogástrica e monitorização contínua do paciente 7) Edema pulmonar - pouco comum e está associada a: Baixa pressão oncótica Aumento da permeabilidade capilar pulmonar Edema pulmonar neurogênico O tratamento é feito através de oxigenoterapia, diuréticos e suporte ventilatório nos casos graves. CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 14 8) Alterações do SNC Coagulação intravascular disseminada Trombose do seio venoso Trombose da artéria basilar 9) Complicações variadas - trombose venosa periférica, sepse, Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), pneumotórax, pneumomediastino, enfisema subcutâneo, rabdomiólise, insuficiência renal aguda e pancreatite aguda 10) Edema cerebral (EC) Restrita à faixa etária pediátrica e mais prevalente em menores de 5 anos, no primeiro diagnóstico de CAD e naqueles com duração longa dos sintomas. Geralmente, ocorre 4 a 12 horas após o início do tratamento e no momento em que a acidose, a desidratação, a hiperglicemia e o estado geral do paciente estão melhorando. O EC subclínico é definido por estudos de imagem e provavelmente é comum. Já o sintomático, é mais raro, contudo há vários graus de apresentação clínica e nos casos de herniação, a mortalidade é alta, mesmo com tratamento. Sinais e sintomas: Cefaléia Diminuição inapropriada da frequência cardíaca Vômitos recorrentes Letargia ou difícil despertar, resposta motora ou verbal à dor anormal Alteração do estado neurológico: irritabilidade, tontura, incontinência inapropriada para idade, criança inconsolável ou agitação Sinais neurológicos: paralisia de nervos faciais e resposta pupilar alterada Aumento da pressão arterial Queda da saturação Alteração de comportamento Pupilas dilatadas, bradicardia e parada respiratória nos casos graves com herniação Flutuação no nível de consciência, postura de decorticação ou descerebração, deve-se usar a escala de Coma de Glasgow para avaliação CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | VARIÁVEIS – Crianças que verbalizam Abertura ocular Resposta verbal Resposta motora Espontânea À voz À dor Nenhuma Orientada Confusa Palavras inapropriadas Palavras incompreensivas Nenhuma Obedece a comandos Localiza dor Movimento de retirada Flexão anormal Extensão anormal Nenhuma ESCORE 4 3 2 1 5 4 3 2 1 6 5 4 3 2 1 VARIÁVEIS - Crianças que não verbalizam Abertura Espontânea ocular À voz À dor Nenhuma Resposta Sorri, segue som e verbal objetos e interage Consolável quando chora, interage inapropriadamente Sons vocais, pouco consolável Inconsolável, irritada, choro Nenhuma Resposta Obedece a comandos motora Localiza dor Movimento de retirada Flexão anormal Extensão anormal Nenhuma 15 ESCORE 4 3 2 1 5 4 3 2 1 6 5 4 3 2 1 Diagnósticos diferenciais: outras doenças cerebrais podem estar presentes em 10 a 20% dos pacientes com CAD e com sintomas neurológicos Hipoglicemia Estado hiperosmolar não cetótico Ingestão de drogas Infecção, como meningite ou encefalite Trombose, acidente vascular cerebral, embolia, infarto cerebral e hemorragia cerebral Síndrome da desmielinização osmótica Hidrocefalia obstrutiva Trauma crânio-encefálico Fisiopatologia: é incerta, mas alguns fatores podem contribuir: Hipocapnia importante devido à hiperventilação, levando a vasoconstrição e isquemia cerebral, hipóxia e aumento da permeabilidade capilar Intubação e hiperventilação Isquemia cerebral devido ao aumento da viscosidade e aprisionamento sanguíneo Hiperglicemia > 600 mg/dL CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 16 Excesso de líquidos (> 4000 ml/m2/dia) Acidose grave na admissão e grau de desidratação Rebaixamento importante do nível de consciência na admissão Administração de bicarbonato que propicia uma diminuição na oferta de oxigênio ao cérebro pela alteração na curva de dissociação da hemoglobina Uréia nitrogenada plasmática alta Uso da insulina Hipoperfusão cerebral e ação direta das cetonas na liberação de interleucinas inflamatórias cerebrais Quedas rápidas na concentração de osmolaridade e sódio plasmático durante o tratamento, pois há um desvio de sódio e fluidos hipotônicos para o meio intracelular devido à terapia com insulina Osmóis idiogênicos nas células do SNC, que se apresentam mais hipertônicas que o meio extracelular, desviando fluidos para as células cerebrais Tratamento: Manitol 0,25 a 0,5 g/Kg (causa diurese osmótica, diminuição da viscosidade sanguínea, melhorando o fluxo sanguíneo cerebral e a oferta de oxigênio) Solução Salina Hipertônica 3%, com manutenção de sódio sérico entre 150 a 160 mEq/L Se ventilação mecânica é necessária (Escala de Coma de Glasgow <8 ou proteção de via aérea), deve-se manter pCO2 entre 30-35 mmHg Manter cabeceira elevada - 30˚ Normovolemia – diminuir administração de fluidos em 1/3 Monitorização frequente e rigorosa do estado de consciência Monitores de Pressão Intracraniana e Corticóide: não há evidência científica para o uso desses artifícios no tratamento do EC Realizar Tomografia Computadorizada (TC) de crânio, porém, em até 40% das crianças, com clínica de edema cerebral, os exames podem ser normais inicialmente. (obs.: a ecografia transfontanela e a TC de crânio não conseguem diferenciar o aumento do volume de sangue cerebral devido à vasodilatação do aumento no volume tecidual devido ao EC, ou seja, não diferencia edema vasogênico de citotóxico). CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 17 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bismuth E, Laffel L. Can we prevent diabetic ketoacidosis in children? Pediatr Diabetes. 2007; 8 (suppl. 6): S24-33. Chrun LR, Graça Fillho GM. Avaliação de 72 episódios de Cetoacidose Diabética em crianças e adolescentes tratados em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. [Monografia]. Curitiba: Hospital Pequeno Príncipe; 2009. 31 p. Residência Médica em Pediatria. Hekkala A, Knip M, Veijola R. Ketoacidosis at diagnosis of type 1 diabetes in children in Northern Finland. Diabetes Care. 2007; 30(4): 861-6. Hirschheimer MR. Diabetes Melito. PROAMI. Porto Alegre: Artmed, 2007. Módulo 4, Ciclo 4. p. 61-134. Jayashree M, Singhi S. Diabetic ketoacidosis: Predictors of outcome in a pediatric intensive care unit of a developing country. Pediatr Crit Care Med. 2003; 5(5): 427-33. KIPPER, Délio José; PIVA, Jefferson Pedro; GARCIA, Pedro Celiny Ramos. Morte Encefálica e Doação de Órgãos. In: PIVA, Jefferson Pedro; GARCIA, Pedro Celiny Ramos. Medicina Intensiva em Pediatria. 9. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2006. p. 773-83. Lawrence SE, Cummings EA, Gaboury I, Daneman D. Population-based study of incidence and risk factors for cerebral edema in pediatric diabetic ketoacidosis. J Pediatr. 2005; 146: 688-92. Levin DL. Cerebral edema in diabetic ketoacidosis. Pediatr Crit Care Med. 2008; 9(3): 320-29. Maniatis AK, Goehrig SH, Gao D, Rewers A, Walravens P, Klingensmith GJ. Increased incidence and severity of diabetic ketoacidosis among uninsured children with newly diagnosed type 1 diabetes mellitus. Pediatr Diabetes. 2005; 6: 79-83. Orlowski JP, Cramer CL, Fiallos MR. Diabetic ketoacidosis in the pediatric ICU. Pediatr Clin N Am. 2008; 55: 577-87. Piva JP, Czepielewski M, Garcia PC, Machado D. Current perspectives for treating children with diabetic ketoacidosis. J Pediatr (Rio J). 2007; 83 (Suppl. 5): S119-27. Piva JP, Gracia PCR, Czepielewski M, Machado DGS. Cetoacidose Diabética. PROTIPED. Porto Alegre: Artmed, 2010. Módulo 3, Ciclo 1. P. 9-30. Rewers A, Klingensmith G, Davis C, Petitti DB, Pihoker C, Rodriguez B et al. Presence of diabetic ketoacidosis at diagnosis of diabetes mellitus in youth: The Search for Diabetes in Youth Study. Pediatrics. 2008; 121: e1258e1266. http://www.pediatrics.org/cgi/content/full/121/5/e1258. Acesso 16/12/2008. Silveira VM, Menezes AM, Post CL, Machado EC. Uma amostra de pacientes com diabetes tipo 1 no sul do Brasil. Arq Bras Endocrinol Metab. 2001; 45(5): 433-40. CAD – UTI Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe | 18 Solá E, Garzón S, García-Torres S, Cubells P, Morillas C, Hernández-Mijares A. Management of diabetic ketoacidosis in a teaching hospital. Acta Diabetol. 2006; 43: 127-30. Taketomo CK, Holding JH, Kraus DM. Pediatric Dosage Handbook. 14 ed. Editora Lexi-Comp. Umpierrez GE, Kitabchi AE. Diabetic ketoacidosis: Risk factors and management strategies. Treatments in Endocrinology. 2003; 2(2): 95-108. Weinzimer AS, Canarie MF, Faustino EVS, Tamborlane WV, Bogue CW. Disorders of Glucose Homeostasis: Diabetic Ketoacidosis in Children. In: Nichols DG. Rogers’ Textbook of Pediatric Intensive Care. 4 ed. Philadelphia, PA: Lippincott Willians & Wilkins; 2008. p. 1599-614. Wolfsdorf J, Glaser N, Sperling MA. Diabetic ketoacidosis in infants, children, and adolescents: A consensus statement from the American Diabetes Association. Diabetes Care. 2006; 29(5): 1150-8. Wolfsdorf J, Craig ME, Daneman D, Dunger D, Edge J, Lee W, Rosenbloom A, Sperling M, Hanas R. Diabetic ketoacidosis in children and adolescents with diabetes. Pediatric Diabetes. 2009; 10 (Suppl. 12): 118-33.