REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA – PB VOLUME I Administração FORUM JUIZ FEDERAL RIDALVO COSTA Rua João Teixeira de Carvalho, nº 480 CEP 58031-220 - João Pessoa - PB JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA “PARAHYBA JUDICIÁRIA” Diretor da Revista JUIZ JOÃO BOSCO MEDEIROS DE SOUSA CENTRO DE ESTUDOS JURÍDICOS MINISTRO TORREÃO BRAZ Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, a.1 n.1 338p. 1998 COORDENAÇÃO: Gabinete da Revista Seção de Editoração Eletrônica do Tribunal Regional Federal da 5ª Região REVISTA PARAYBA JUDICIÁRIA. João Pessoa: Centro de Estudos Jurídicos Ministro Torreão Braz. a. 1, n. 1, 1998. 338p. 1. PODER JUDICIÁRIO - PARAÍBA - HISTÓRIA. 2. PODER JUDICIÁRIO - BRASIL. 3. DIREITO PROCESSUAL PARAÍBA CDU 342.56 COMPOSIÇÃO DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA PARAÍBA Juiz Federal Diretor do Foro Dr. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Diretor da Secretaria Administrativa Bel. Otto Marcelo Navarro Cruz Juiz Federal da 1ª Vara Dr. JOÃO BOSCO MEDEIROS DE SOUSA Juiz Federal Substituto Dr. Janilson Bezerra de Siqueira Diretor da Secretaria Bel. Genival Veloso de F. Filho Juiz Federal da 2ª Vara Dr. ALEXANDRE COSTA LUNA FREIRE Diretor da Secretaria Bel. Ricardo Correia de Miranda Henriques Juiz Federal da 3ª Vara Dr. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juíza Federal Substituta Drª. Cristina Maria Costa Garcez Diretora da Secretaria Belª Maria da Conceição Carvalho Juiz Federal da 4ª Vara Dr. ROGÉRIO DE MENESES F. MOREIRA Diretor da Secretaria Bel. José Alves de Lima Filho APRESENTAÇÃO O surgimento desta Revista é fruto do somatório de esforços dos magistrados que compõem a Justiça Federal de Primeiro Grau desta Seção Judiciária da Paraíba, ao ensejo das comemorações do Trigésimo Aniversário do restabelecimento da Justiça Federal e do Centésimo Sexto do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, que organizou a Justiça Federal. O seu nome de batismo “Parahyba Judiciária”, dentre outros lembrados, foi escolhido por votação de todos os Juízes. Por primeiro, cumpre assinalar que os julgados dos antigos Juízes Seccionais, da Primeira Fase da Justiça Federal, entre 1890 e 1937, eram publicados na Revista do Foro, editada pelo eg. Tribunal de Justiça da Paraíba, diga-se de passagem, um dos periódicos mais antigos da literatura jurídica nacional e já prestes a completar o seu centenário. Com a reorganização da Justiça Federal pela Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966, a instalação da Seção Judiciária da Paraíba, em 20 de março de 1968 e até os dias de hoje, todos os julgados dos juízes federais foram, só e tão-somente, encadernados e que passavam a constituir “Livro de Registro de Sentença”, servindo para estatística e mais para pesquisa interna, contudo, sem maiores conhecimentos dos operadores do Direito. Dito periódico que ora se oferece ao público especializado vem enriquecer enormemente a literatura jurídica paraibana. A idéia de publicar a Revista da Seção Judiciária da Paraíba adveio da convergência de um sem número de fatos expressivos, dos quais dois devem ser ressaltados: as circunstâncias de os juízes federais não disporem, até os dias correntes, de um órgão que divulgue os seus julgados, teses, opiniões e artigos relacionados com o mundo jurídico; e a calmaria porque ora atravessa em muitos meios a vida jurídica paraibana. Eis a razão desta Revista. Ela objetiva congregar os anseios dos magistrados federais, bem como os mestres da ciência jurídica dispersos e que quiserem colaborar no empreendimento de cultura e humanismo de outros ramos do saber que interessem a ordem jurídica. A missão informativa que a Revista Parahyba Judiciária se propõe, apresenta ainda outros aspectos que se mostrem importantes para brindar o leitor com boa formação e informação do profissional do Direito. Há razões para regozijo. A Revista já se apresenta, neste primeiro número, com uma relevante contribuição para o esclarecimento de temas importantes do seu múltiplo objeto que lhe diz respeito. Assim, o leitor vai encontrar nela além de conferências de Ministro do Superior Tribunal de Justiça e de Juízes da 5ª Regional, aqui realizadas sobre vários temas, artigos sobre questões doutrinárias e julgados dos juízes federais. Encerra a parte doutrinária deste primeiro volume o trabalho técnico-jurídico “Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”, festejado por grandes civilistas brasileiros, de autoria do eminente professor de Direito Civil da UFPB e primeiro Juiz Federal desta segunda fase da Seção Judiciária da Paraíba e que veio a falecer no exercício do cargo. Não pode, todavia, passar sem registro especial o apoio decisivo do Exmº. Sr. Presidente do eg. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Juiz Nereu Santos, do Vice-Presidente Juiz Francisco Falcão, bem como do não menos renomado Juiz da citada Regional, Dr. José Maria Lucena, Diretor da Revista do TRF da 5ª Região, que contribuíram de maneira efetiva na publicação deste Primeiro Volume. O desejo maior é o de que a Revista Parahyba Judiciária contribua de forma expressiva para o aperfeiçoamento do instrumental jurídico posto à disposição dos operários do Direito. Concluindo, a Revista dispõe-se a assumir um lugar para não dizer uma lacuna na cultura jurídica paraibana. João Pessoa, 19 de dezembro de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal e Diretor do Foro SUMÁRIO DOUTRINA (Seção I) A JUSTIÇA FEDERAL NO BRASIL: Evolução Histórica, Crises e Soluções para o Futuro ........................................... 15 Globalização e Direito .......................................................................................... 25 O novo Sistema de Recursos no Código de Processo Civil ................................. 33 Desapropriação - Perfil Atual ................................................................................ 54 Direito de Petição e Direitos Humanos ................................................................. 67 O Judiciary Act of 1789 e as origens da Justiça Federal ...................................... 70 Aplicação analógica da Lei nº 9.249/95 aos crimes contra a Previdência ............ 72 Dos efeitos da divisibilidade ou indivisibilidade da Obrigação na Ação Monitória .......................................................................... 74 Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis ............................................................ 77 JURISPRUDÊNCIA (Seção II) Julgados da Seção Judiciária ............................................................................. 105 Julgados do Eleitoral .......................................................................................... 307 Seção I DOUTRINA 1 “A JUSTIÇA FEDERAL NO BRASIL: Evolução Histórica, Crises e Soluções para o Futuro.” Dr. José Augusto Delgado (Ministro do STJ) 2 “Globalização e Direito”. Dr. José de Castro Meira (Juiz do TRF - 5ª Região) 3 “O novo Sistema de Recursos no Código de Processo Civil”. Dr. José Lázaro Alfredo Guimarães (Juiz do TRF - 5ª Região) 4 “Desapropriação - Perfil Atual”. Dr. Francisco Geraldo Apoliano Dias (Juiz do TRF - 5ª Região) 5 “Direito de Petição e Direitos Humanos”. Dr. João Bosco Medeiros de Sousa (Juiz Federal da 1ª Vara - PB) 6 “O Judiciary Act of 1789 e as origens da Justiça Federal”. Dr. Alexandre Costa de Luna Freire (Juiz Federal da 2ª Vara - PB) 7 “Aplicação analógica da Lei nº 9.249/95 aos crimes contra a Previdência.” Dr. Rogério de Meneses Fialho Moreira (Juiz Federal da 4ª Vara - PB) 8 “Dos efeitos da divisibilidade ou indivisibilidade da Obrigação na Ação Monitória.” Márcio Accioly de Andrade (Acadêmico de Direito da UNIPE - Universidade de João Pessoa). 9 “Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis” Agnelo Amorim Filho (Professor da UFPB e Juiz Federal da SJPB) A JUSTIÇA FEDERAL NO BRASIL EVOLUÇÃO HISTÓRICA, CRISES E SOLUÇÕES PARA O FUTURO 1 JOSÉ AUGUSTO DELGADO Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Professor de Direito Público da UFRN (aposentado) e ex-Professor da Universidade Católica de Pernambuco. Sócio Honorário da Academia Brasileira de Direito Tributário. 1. Introdução2 O tema a ser desenvolvido “Justiça Federal: Sua Evolução, Crises e Soluções para o Futuro” envolve uma referência ao passado, uma análise do presente e a apresentação de soluções para o futuro que se avizinha, futuro que está sendo esperado com as complexidades vivenciadas pela humanidade neste final de Século e com as indagações feitas para o início do Século XXI. Em primeiro plano, será dado tratamento à evolução histórica da Justiça Federal. Para tanto, necessário se faz que os nossos pensamentos se voltem para um passado situado 1 Palestra proferida no dia 30 de maio de 1996, na sede do Fórum da Seção Judiciária da Justiça Federal no Estado da Paraíba, encerrando as solenidade presididas pelo Dr. José Fernandes de Andrade, Juiz Diretor do Foro da referida Seção, em comemoração ao aniversário dos 30 anos de revitalização da Justiça Federal no Brasil. 2 Antes de penetrar no tema da palestra, apresentei a seguinte saudação aos presentes: “Eminente Presidente e amigo, não somente meu, mas, amigo maior ainda da Paraíba, Exmo. Dr. Nereu Santos, Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 5a. Região, representando neste ato o eminente Presidente; Exmo. Dr. José Fernandes de Andrade, Diretor do Foro, inteligência inquieta, que faz com que as coisas boas aconteçam nos dias próprios e momentos adequados; Exmo. Dr. Alexandre Costa Luna Freire, a quem, com a permissão das autoridades aqui presentes e dos amigos que também aqui se encontram, peço permissão para lançar sobre sua pessoa sentença de suspeição, decisão essa que prolato com cunho ditatorial, por não permitir qualquer recurso, em razões dos elogios que fez a minha pessoa, tudo em decorrência da amizade que nos une e que tem origem no seu coração grandioso, representativo daquilo que cada paraibano tem dentro de si; a você, Alexandre, agradeço as palavras ditas em sua saudação, agradecimento que faço por Maria José, minha Zezé, por Magnus e pelos demais familiares; fique certo que, se você se diz honrado com a nossa amizade, eu e meus familiares, todos nós juntos nos sentimos muito mais honrados em Deus haver permitido a concessão de tê-lo como amigo; Exmo. Sr. representante do Governador do Estado e Procurador do Estado Desembargador Geraldo Ferreira Leite, cidadão sempre voltado para as lides da vida jurídica e que me faz lembrar, neste instante, o momento em que nasceu nossa amizade, em Curso de Especialização que participamos no Estado do Rio de Janeiro, na Universidade Estadual, nos anos de 1978; Exmo. Desembargador Júlio Aurélio, representante do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, a quem peço que transmita ao Exmo. Sr. Desembargador Queiroga, eminente Presidente da Corte, a minha admiração pelo processo de transformação que imprimiu no Poder Judiciário do Estado da Paraíba, graças aos esforços dos ilustres membros da Corte Estadual, apoiando os comandos administrativos da Presidência, fato que tive conhecimento quando aqui compareci, em dias passados, para proferir palestra em simpósio destinado à formação de novos Juízes aprovados recentemente em concurso; Exmo. Sr. General Mário Ivan, presença que simboliza a força da instituição militar no Estado da Paraíba, dando exemplo de patriotismo por intermédio das funções exercidas; Ilmo. Sr. Tenente Abrão José Silva, autoridade militar que muito me honra com a sua presença; Exmo. Dr. Joacil de Brito, advogado, e Exmo. Dr. Eitel, Subprocurador -Geral da República, pai e filho, amigos presentes e que os saúdo conjuntamente pela alegria do reencontro, com quem, também, compartilho a alegria da promoção de Eitel para o cargo já referido, fruto da sua integridade e inteligência; Exmo. Dr. José Maria Lucena, Juiz do Tribunal Regional Federal da 5a. Região e cidadão de Limoeiro, Ceará, amigo de todos nós e que me dá muita alegria em revê-lo, por ser influenciado pela sua bondade e disponibilidade de servir; eminentes Juízes do Trabalho, Juízes Federais ja nominados pela recepção; Ilmo. Sr. José Carlos Arvoredo Nóbrega, representante da família do primeiro Juiz Federal da Paraíba e que dentro em breve terá o seu retrato posto na Galeria de Honra desta Casa; Meus Senhores e Minhas Senhoras: Queria eu descumprir o compromisso assumido com o Dr. José Fernandes de Andrade, Diretor da Seção Judiciária da Paraíba, e deixar de lado o tema que me foi solicitado a falar, para que a minha imaginação saísse correndo solta pelas emoções, a fim de me ser possível responder as palavras tão bondosas emitidas pelo Exmo. Dr. Alexandre Costa de Luna Freire, ao me saudar. Mas, como homem disciplilnado que sou e, especialmente, por exercer há trinta e um anos a magistratura em todas as escalas, tenho que cumprir as determinações do simpósio: devo, assim, ser obediente ao programa. Não vou, assim, ter a satisfação de me envolver com as emoções do momento pela saudação que me foi prestada e pelo carinho com que sou recebido neste ambiente. Fiquem, porém, certos os presentes, todos meus amigos, que o outro lado do meu coração - dizem que, em regra, o coração do homem é dividido em três partes: uma para os pais, a mulher amada, filhos, netos e bisnetos; outra parte para guardar fidelidade aos amigos pelas amizades construídas; a terceira para fugir das emoções e cumprir as obrigações assumidas. Deixarei essas duas partes de lado e apenas farei trabalhar a terceira, em homenagem ao esforço do comandante-chefe desta solenidade, o Dr. José Fernandes, pelo que tentarei traçar alguns rumos sobre o tema que me foi apresentado: Justiça Federal: Sua Evolução, Crises e Soluções para o Futuro. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 15 no dia 11 de outubro de 1890, portanto, há mais de um século, quando, rompendo-se com toda uma tradição de costumes políticos implantados no Brasil pela Monarquia, iniciavase o Período Republicano. Este, conforme revela a história, surgiu das idéias de liberdade cultivadas, na época, pelos franceses, idéias que estavam sendo aplicadas e que refletiram em uma nova concepção de Estado, impulsionando-o para que se voltasse para se aproximar do cidadão, o que, aliás, ainda hoje se persegue, haja vista a lentidão como tal fenômeno tem acontecido. Marco de relevo para a Justiça Federal é a data de 14 de outubro de 1890, quando, logo após a Proclamação da República, foi editado o Decreto-Lei n. 848, que, em suas linhas mestras, criou a chamada Justiça Federal. Esta denominou os seus magistrados de “Juízes Seccionais” (art. 15 do referido decreto), dando-lhe uma competência dividida em dois campos: a) processamento e julgamento das causas que tivessem como origem atos administrativos do Governo Federal: b) processamento e julgamento das ações que interessassem ao fisco nacional. Convém se fazer a observação de que, em tal período, a Justiça Federal, na sua origem, recebeu competência limitada tão somente aos dois tipos de relações jurídicas já mencionados. Por tal razão, doutrinadores de então chegaram a afirmar que tais Juízes Federais faziam o querer do Estado : eram juízes seccionais para realizarem a vontade estatal e não o direito do cidadão. O desenvolver, porém, da atuação dos magistrados federais seccionais demonstrou que a crítica foi apressada, com raras exceções, conforme pode se constatar com a realização de pesquisa mais aprofundada sobre as decisões judiciais emitidas em tal período. A instalação da Justiça Federal no Brasil começou com muitas dificuldades, entre elas a acima apontada: a dos dirigentes da Nação pretenderem que ela fosse uma instituição voltada para atender a um determinado seguimento da organização política: o Estado. Esse vício de constituição da Justiça Federal foi, de imediato, identificado. Em conseqüência, para corrigi-lo, surgiram, quatro anos após a data de sua origem, a Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, e o Decreto n. 3.084, de 05 de novembro de 1898, dispositivos legais que completaram a sua organização e contribuíram para a consolidação da Justiça Federal no início do Século XX. Tais regramentos jurídicos aumentaram a competência da Justiça Federal, permitindo que os Juízes Seccionais processassem e julgassem causas criminais. Em tal oportunidade, foi determinado o duplo sistema de soberania3 da Justiça. Havia clara divisão entre a Justiça Federal e a aplicada pelos Estados Federados. Com essa configuração, a Justiça Federal vigorou até a Carta de 1937. Em tal período, isto é, entre 1890 e 1937, ela foi aplaudida por uns e criticada por outros. Em determinados momentos o seu funcionamento foi prejudicado por movimentos encetados por vários setores que se sentiam atingidos por suas decisões e, por tal razão, pregavam a sua extinção. A força dessa movimentação contrária à manutenção da Justiça Federal exigiu esforço desmedido dos seus defensores e luta política intensa para mantê-la na Carta de 1934. A forma de sua composição continuou a mesma: os Juízes eram indicados pelo Supremo Tribunal Federal e nomeados pelo Presidente da República. A posição de alguns setores contra a extinção da Justiça Federal em 1934, até certo ponto, contribuiu para o aperfeiçoamento da instituição. Ela passou por sérias modificações, com a correção dos vícios de origem que a contaminavam e que provocaram a oposição já anunciada. 3 Registro que, ao aplicar, na expressão em causa, o termo soberania, não posso deixar de fazê-lo com ressalvas, porque a Justiça Federal, como já disse, desde a sua origem até o momento comentado, não tinha, por inteiro, soberania, esta vista em seu conceito verdadeiro, isto é, de funções estatais exercidas com independência e harmonia. A Justiça Federal da época estava, ainda, muito vinculada à vontade estatal, não obstante o esforço de muito dos seus Juízes para que tal não acontecesse. 16 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba A indicação dos Juízes federais, feita pelo Supremo Tribunal Federal, passou a ser revestida de maiores cuidados: só podia ser juiz federal o Bacharel em Direito com mais de 35 anos e menos de 60 anos de idade, salvo se já tivesse sido magistrado. Dois requisitos eram exigidos: o da experiência jurídica e o da idade. A exceção existia, apenas, para quem já era magistrado, por haver a presunção de ser o indicado, possuidor de tal título, capacitado moral e intelectualmente para o exercício das funções do cargo. A Carta de 1937 extinguiu a Justiça Federal. O mesmo fez com a Justiça Eleitoral. Este foi um momento negro de nossa história, em que o respeito aos direitos do cidadão não foram considerados. O Decreto-lei n. 06, de 16 de novembro de 1937 foi quem cumpriu com essa missão. Extinta a Justiça Federal, os seus Juízes foram colocados em disponibilidade. Nessa época ocorreu um fenômeno de muito interesse para aqueles que estudam a história do Direito: houve a abolição da chamada “pluralidade processual”. Cada Estado, até então, tinha o seu Código de Processo. A partir de tal data é que começou a unificação do Direito Processual, resultando na edição do Código de Processo Civil de 1939. Com a redemocratização do País, em 1946, a Justiça Federal foi reestruturada, de modo parcial, com a criação do Tribunal Federal de Recursos. Não foram recriados os Juizados Federais de primeiro grau. A competência para decidir os litígios do interesse da União Federal passou a ser de Juízes Estaduais designados, especialmente, pela Lei de Organização Judiciária de cada Estado. O Tribunal Federal de Recursos passou a atuar como corte de apelação, recebendo os recursos apresentados nos feitos de interesse da União Federal e de duas autarquias, todos julgados por magistrados estaduais que eram conhecidos como os Juízes das Varas da Fazenda Pública. É de se deixar assentado que os Juízes Estaduais, no exercício da competência da Justiça Federal de Primeiro Grau, prestaram valiosos serviços à Nação. Eles deram toda a sua inteligência, saúde, lazer, sacrifício de suas famílias, para o cumprimento do dever, haja vista ter sido de grande intensidade o serviço e inúmeros os problemas que foram solucionados. O Estado, pela sua força, queria que essa situação de desconforto na entrega da prestação jurisdicional, quando ele fosse parte, acontecesse. Havia para o Estado benefício com a demora na solução dos conflitos dos jurisdicionados quando com ele litigava. Interessavalhe, assim, a manutenção desse caos, pois, implicava em demora na liquidação das indenizações devidas e no cumprimento dos precatórios expedidos. Tudo era fruto de uma mentalidade estatal concebida na época, com reflexos até na composição do Tribunal Federal de Recursos. Este funcionou, durante muito anos, com número reduzido de Ministros e com um volume de serviço assustador. A revitalização da Justiça Federal de Primeiro Grau surgiu no ano de 1965. Aliás, é de se ter em consideração que tal década é marcada pelo surgimento de alguns diplomas legais que honram o nosso ordenamento jurídico, a exemplificar, a Lei que combate o Abuso de Autoridade. A Justiça Federal foi recriada em atendimento aos sentimentos da Nação, sempre presentes nas reivindicações feitas em tal sentido por Hely Lopes Meirelles, Francisco Cavalcanti, Oscar Saraiva e outros nomes que construíram o Direito neste País. Eles reivindicaram, utilizando o prestígios de seus escritos e palavras, a reorganização da Justiça Federal. O Ato Institucional n. 02, de 27 de outubro de 1965, revitalizou a Justiça Federal de Primeiro Grau. Esse diploma legal originário de um Comando Revolucionário, foi recebido com reservas pela sociedade jurídica da época. Imaginou-se que a Justiça Federal de Primeiro Grau iria ser uma Justiça do Rei, especialmente, porque os seus primeiros Juízes Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 17 foram escolhidos por indicação de segmentos políticos, sem concurso, mediante, apenas, aprovação do Senado Federal e nomeação do Presidente da República. O contrário, porém, ocorreu. Reorganizada a Justiça Federal, os seus primeiros Juízes, mesmo sem condições materiais de trabalho, desvincularam-se, imediatamente dos compromissos políticos decorrentes das indicações, e começaram a construir uma Justiça voltada, de modo inteiro, para o cidadão, pelo que, dentro de pouco tempo, ela ganhou a confiança da sociedade. Os senhores advogados que acompanharam essa nova fase da Justiça Federal e aos que enfrentaram as dificuldades apresentadas, bem sabem o que de positivo foi construído pelos primeiros Juízes Federais nomeados em 1966, responsáveis, de modo integral, pelo fortalecimento que, hoje, tem a referida instituição. Nenhuma homenagem foi prestada ao “rei” que efetuou as nomeações. A Justiça Federal passou a homenagear o cidadão e a marcar o novo ciclo com a confiança dos jurisdicionados em suas atividades. Com a Emenda Constitucional de 26 de novembro de 1965, a Justiça Federal deixou de ser regulada por ato institucional e passou a ter vida própria no corpo da nossa Carta Magna. Com suporte nos dispositivos constitucionais que a regulavam, surgiu a Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1966, portanto, há exatamente 30 anos, organizando, de modo definitivo, a Justiça Federal no Brasil. A mencionada lei é conhecida como sendo o Código de Organização Judiciária da Justiça Federal. Ela recebeu, para sua elaboração, valiosa contribuição de Hely Lopes Meirelles, Oscar Saraiva, Theotônio Negrão e outros. A lei mencionada criou os juízes federais e os juízes federais substitutos, com competência já definida em texto constitucional. A Constituição Federal de 1967 tentou ampliar a Justiça Federal, especialmente, com a criação de mais dois Tribunais Federais de Recursos. Mantinha-se o sediado no Distrito Federal, em Brasília, e instalava-se um em Recife e outro em São Paulo. Infelizmente, por questões de ordem política e por forte pressão exercida por setores produtivos e não produtivos que se sentiam incomodados com a atuação da Justiça Federal, face as decisões tomadas pelos Juízes Federais e pelo Tribunal Federal de Recursos, especialmente, no tocante aos demandos praticados pelos agentes público federais, os referidos tribunais não foram instalados. A Emenda Constitucional de 1967 transformou os juízes federais substitutos em juízes federais, desdobrando, também, as varas até então existentes, o que proporcionou um campo maior para as atividades judicantes. No ano de 1969, a competência da Justiça Federal foi ampliada. Enquanto a sua competência era tão somente limitada à causas de interesse da União, das suas autarquias e empresas públicas e as demais de natureza especial fixadas na Carta Magna, ela passou, também, a ter competência para processar e julgar as reclamações trabalhistas que envolviam interesses das pessoas jurídicas acima mencionadas.4 O prestígio da Justiça Federal entre os operadores do direito e no meio dos cidadãos ávidos pela entrega da prestação jurisdicional, bem como, a disciplinação da sua competência no corpo da Carta Magna, geraram algumas conseqüências. A Justiça Federal, por ter se firmado no panorama jurídico brasileiro, em todos os seus graus, tanto o Governo como outras entidades jurídicas começaram a desenvolver idéias para atrair a competência 4 É de se registrar que a Justiça Federal, desde a sua reorganização, sempre teve a sua competência pressente no corpo da Carta Magna. É muito importante essa observação, pois, tal definição em sede constitucional exige que não se amplia o campo competencial da Justiça Federal. Esse fato não representa uma competencia elitista para a Justiça Federal. Tanto não o é que ela está nivelada, de modo igual, aos juizes estaduais que exercem funções delegadas competenciais da Justiça Federal, em sede de Comarca onde não exista Vara da Justiça Federal. 18 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba da Justiça Federal para solucionar conflitos em que estivessem envolvidos. Um exemplo a destacar é o que ocorreu com o Decreto-lei n. 685, de 17 de agosto de 1969, que, em seu art. 2º, firmou a competência da Justiça Federal para processar e julgar os feitos em que as sociedades financeiras fossem parte, quer como autoras, quer como demandadas. Submetido, porém, o referido Decreto-lei ao exame do Colendo Supremo Tribunal Federal, entendeu esta Corte da impossibilidade de ser firmada tal competência, haja vista ser impossível se ampliar o texto constitucional via legislação ordinária. O Colendo Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional o mencionado Decretolei. A decisão produziu, em minha visão, uma contribuição para valorizar a competência da Justiça Federal, face ter ficado delimitado que a competência da Justiça Federal não podia ser ampliada por lei, o que resultou, também, o entendimento de que, também, por lei, ela não podia sofrer restrição. O mesmo fenômeno ocorreu em 1967, com a Lei n. 5.316, quando se tentou fixar a competência da Justiça Federal para processar e julgar acidente de trabalho. Novamente, o Colendo Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 16 da mencionada lei, pelos fundamentos já expostos. Esse rápido histórico é para demonstrar a evolução da Justiça Federal desde a data de sua criação e o atual momento vivenciado, quando se testemunha a sua pujança com os Tribunais Regionais Federais, em número de cinco, e a instalação de Varas em vários Municípios dos Estados brasileiros. 2. As Tentativas de Esvaziamento da Justiça Federal Os primeiro e segundo graus da Justiça Federal passaram, como instituição, a se impor no ambiente jurídico, proferindo decisões de profundas repercussões para a entrega dos direitos subjetivos dos cidadãos. O homem do povo, muito embora descrente da atuação do Poder Judiciário, percentual que se eleva na atualidade a 23% (vinte e três por cento), começou a depositar confiança na Justiça Federal e nela foi buscar os seus direitos, a exemplificar os relativos aos cruzados bloqueados, aos empréstimos compulsórios cobrados indevidamente, às exigências de pagamento de valores a título de tributos quando a lei que os instituiu apresentava-se como sendo inconstitucional, os da sua liberdade de ir e vir, etc. Por ter a Justiça Federal firmado a sua independência e confiança dos jurisdicionados, incontrolável, portanto, por grupos políticos e por setores atingidos pela sua atuação, instalou-se um movimento pela sua extinção ou pelo menos, para o seu esvaziamento. Fenômeno dessa natureza sempre aconteceu com as instituições. A história registra que a Igreja Católica, ao atingir o seu apogeu com as pregações de sua religião, passou a ser combatida com outras seitas criadas para esvaziá-la. A Escola quando está exercendo a sua plena função de educar, contribuindo para modificações de mentalidade e de valorização do ser humano, passa a ter contra si obstáculos de toda ordem que impedem a sua permanência em grau respeitável de atuação. As instituições militares quando realizam as missões constitucionais que lhe são exigidas e estão, portanto, cumprindo com os seus deveres, recebem toda sorte de investidas para desestabilizá-las. A instituição familiar passa pelo mesmo processo. Quando ela se mostra fortalecida no ambiente social, os que se sentem prejudicados com essa força, tentam esvaziá-la com métodos de várias modalidades. É a realidade presente em todas as instituições: quando elas alcançam o seu patamar mais alto de credibilidade, só lhe resta suportar as investidas para diminuição dos efeitos produzidos pelas suas ações. A tentativa de esvaziamento da Justiça Federal foi uma conseqüência do seu crescimento. Começou com a Constituição de 1967, Emenda Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 19 Constitucional n. 01 de 1969, quando foram criados, porém, não instalados os “contenciosos administrativos”. Os vários setores do Estado, aqueles não adeptos da aplicação do princípio da legalidade, começaram a verificar que a Justiça Federal estava impondo o cumprimento da lei pelos agentes públicos. Verificaram, então, que, por ela não se encontrar servindo aos seus interesses, necessário se fazia criar o “contencioso administrativo”, de origem francesa, que nada mais seria do que um tribunal administrativo composto por servidores públicos, sem as garantias dos membros do Poder Judiciário, para julgar os litígios dos servidores e dos contribuintes com o Estado. Era o próprio Poder Executivo julgando as causas do seu próprio interesse. Embora tais contenciosos administrativos tenham sido previstos no Texto Constitucional, eles não foram instalados, em razão da reação contrária dos operadores do direito. Uma outra tentativa se fez presente para ser diminuída a atuação da Justiça Federal. Foi a de se exigir do servidor público ou do contribuinte, primeiramente, que exaurisse a via administrativa para só depois ingressar com o seu pleito perante o Poder Judiciário. Em síntese, o contribuinte, por exemplo, só podia defender o seu direito de pagar menos imposto, quando a exigência fosse ilegal, depois de percorrer toda a via administrativa. Essa condição foi disposta em lei, mas o Poder Judiciário reagiu e considerou que a Constituição devia prevalecer com a força dos princípios nela inseridos. Tais leis, posteriormente, foram retiradas do mundo jurídico. É de ser lembrado que, na fase analisada, tentou-se reabilitar alguns conceitos sobre a Justiça Federal que fizeram coro nos idos de 1930 e 1934. Determinado seguimento comparou a Justiça Federal de 1969 com a de 1934, isto é, os Juízes Federais começaram a ser chamados de “os nobres de pijama”, por se acusar da mesma ser cara, elitista e só atender aos ricos. O mesmo seguimento tentou, também, criar conflitos entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual, pregando que a primeira tudo fazia para desprestigiar a segunda. Há de se reconhecer que foi um momento difícil vivido pela Justiça Federal. Na verdade, alguns juízes federais, em número muito pequeno, contribuíram para essa situação, com a prática de determinados abusos de autoridade e desvio de suas funções e dos compromissos assumidos para o exercício do cargo. Contudo, mais de noventa e oito por cento dos Juízes Federais dobraram os seus esforços e revitalizaram, mais uma vez, a Justiça Federal, fazendo calar os movimentos que investiam contra a sua integridade. Graças a Juízes Federais como Ridalvo Costa, sempre atuando neste Estado da Paraíba e hoje integrando o Tribunal Regional Federal da 5a. Região, exemplo de integridade absoluta e de cidadão, jurista voltado para os problemas da sociedade, missionário do fazer justiça; Araken Mariz de Faria, Juiz Federal na Bahia e no Rio Grande do Norte, hoje, no Tribunal Regional Federal da 5a. Região, exemplo de bondade, de honradez e de prestador de culto ao bom direito; José Cândido, Juiz Federal na Bahia, Ministro no Tribunal Federal de Recursos e no Superior Tribunal de Justiça, reconhecido como exemplo de dignidade e de magistrado cumpridor dos seus deveres para com a Nação; Pedro da Rocha Acioli, Juiz Federal na Alagoas, Ministro do Tribunal Federal de Recursos e do Superior Tribunal de Justiça, homem integrado à causa da Justiça e valorizador da fidelidade aos princípios da axiologia em todos os seus graus, e outros mais, especiamente os magistrados componentes do então e egrégio Tribunal Federal de Recursos, a quem os homenageio na pessoa do decano Exmo. Sr. Ministro José Dantas, exemplo de juiz e de cidadão para todas as gerações, pela impossibilidade, por serem muitos, de citar os seus nomes, é que a Justiça Federal soergueu-se e, no lugar de ser esvaziada ou extinta, foi valorizada na Carta Magna de 1988, com apoio, inclusive, da Ordem dos Advogados do Brasil. Não se pode deixar de ser lembrada a missão desempenhada pelo Ministro Lauro Leitão, quando no exercício da Presidência do Tribunal Federal de Recursos, combateu tais 20 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba movimentos com altivez e espírito voltado para a valorização da instituição, pelo que conquistou apoio de todos os seguimentos políticos, o que fez interiorizar a Justiça Federal, ampliar as varas existentes e construir prédios novos para melhorar as suas instalações. Hoje a Justiça Federal está amplamente interiorizada nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, etc.. Na 5a Região tem-se Varas na cidade de Campina Grande e de Petrolina, sem se deixar de falar da necessidade de serem criadas outras em Municípios que as reivindicam. 3. A Justiça Federal na Visão da Imprensa É campo para se enfocar, agora, um outro lado da Justiça Federal: o que se refere a sua imagem na Imprensa. Sabe-se que a imprensa transmite para a sociedade aquilo que está sendo pensado, em média, pelo cidadão. Ela é o espelho do sentimento do povo. Não se pode, assim, desconsiderar o que a imprensa transmite a respeito da Justiça Federal. Há, na abordagem de tal tema, de não se ficar vinculado aos excessos, às notícias dirigidas para atender a determinados interesses. Tem-se que se acreditar na imprensa como uma instituição voltada para a informação, isto é, a boa imprensa. A imprensa só bem recentemente está se aproximando do Poder Judiciário. A culpa do afastamento está debitada ao modo fechado desse Poder lidar com a informação. A ausência de uma cultura para tal fim motivou esse distanciamento. Sabe-se que na época atual todas as instituições (Igreja, Escola, Estado, Universidade, etc) se aproximam da imprensa. Há uma consciência de que ela, quando atua dentro dos princípios para os quais foi criada, contribui para o aperfeiçoamento da entidade institucional, por torná-la conhecida pelo cidadão e, conseqüentemente, se exercita de modo confiável a sua missão passa a ser aceita pela sociedade. Foi feito recente estudo pelo Centro de Estudos da Justiça Federal sobre o que a imprensa pensa a respeito da Justiça Federal. Esse estudo tomou por base pesquisa feita entre 1992 e 1993, pelo IBOPE. Nessa época, chegou-se à conclusão de que 87% da população fez queixumes contra a lentidão da Justiça Federal. O índice é, realmente, alarmante. Esse percentual de cidadãos afirmou que o problema existente, hoje, da demora na entrega da prestação jurisdicional não está nas leis. Encontra-se na lentidão da Justiça. Outros 86% por cento de pessoas pesquisadas opinaram que, no Brasil, certas pessoas, por ocuparem posição destacada na escala social, mesmo que cometam ilícitos civis ou criminais, nunca serão punidas pela Justiça. É, também, um índice muito alto e preocupante. É verdade que dados estatísticos não devem ser analisados de modo isolado. Eles devem ser vistos de modo conjuntural e vinculados com as influências emocionais do ambiente pesquisado. Em uma outra pesquisa feita entre outubro e novembro de 1995, onde duas mil pessoas foram consultadas, ficou apurado que 56% delas entenderam que a principal causa da corrupção no país é a ineficiência com que a justiça atua. Esses dados atingem diretamente o Poder Judiciário. Contudo, ele, isoladamente, não é culpado por esse quadro de não confiabilidade. Há desse Poder formar corrente de reivindicação junto ao Legislativo e ao Executivo para que as mudanças aconteçam. Mudanças na legislação, mudanças nas condições de trabalho, aumento do número de Juízes, e em fatores outros que contribuem para o quadro desfavorável demonstrado. Por outra visão pesquisada ficou apurado, contudo, que 53% dos cidadãos confiam no Poder Judiciário Federal. Esse percentual leva também preocupação. Tem-se, ainda, 47% de brasileiros que não acreditam ou crêem pouco na Justiça Federal. Sobre a Justiça Federal em especial há uma pesquisa ofertando o seguinte quadro: a) 27% das pessoas concordam que o Poder Judiciário Federal tem um conceito Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 21 entre bom e ótimo; b) 37% o conceituam como regular; c) 28% lhe emprestam um conceito ruim e péssimo. Por último, a última pesquisa que tenho em mãos, realizada há uns dois meses passados, revela, numa escala de 1 a 10, que o Poder Judiciário recebeu nota 5. Isso representa que nada mudou: somente a metade da população brasileira crer na atuação da Justiça. Um outro levantamento demonstra que a Justiça Federal tem sido preocupação dos jornais num percentual de 1%. Tais dados demonstram que os 99% dos espaços dos jornais são dedicados ao futebol, crimes, política, notícias da sociedade, horóscopo, culinária, etc. Esse dado não é tranqüilizador. Demonstra o quanto a Justiça Federal é desconhecida do cidadão. A imprensa pouco destaca os 80 mil processos que estão em curso nesta Seção Judiciária da Paraíba. Não informa que os magistrados federais dedicam-se ao estudo dos casos durante os dias feriados, finais de semana, nas horas de lazer, em suas residências, etc. Não interessa à imprensa as angústias sofridas pelos magistrados em face do volume de serviço que lhes é entregue; idem os problemas gerados à sua saúde pela intensidade do trabalho e as tensões provocadas pelas decisões e pelos reclamos da família e da sociedade. Ao lado de tais informações, colha-se o retrato, contudo, de que há uma credibilidade crescente do cidadão no Poder Judiciário Federal. Em nenhum momento dos 496 anos de descoberta do Brasil, filas e mais filas de cidadãos se formaram na porta dos Fóruns para entregar suas petições reivindicando entrega de direitos subjetivos. Há alguns anos atrás, a Nação testemunhou tal episódio. A televisão nos mostrou, em São Paulo, integrantes de vários estamentos sociais batendo na porta da Justiça Federal para conseguirem a liberação dos cruzados bloqueados. As filas cresciam, as esperanças aumentavam e, conseqüentemente, a credibilidade na Justiça Federal era uma realidade. A imprensa noticiou amplamente tal fato por ser inusitado. Apresentou, porém, desinteresse pelos resultados, com exceção quando saíram as primeiras decisões sobre desbloqueio dos cruzados e foi determinado, também, a devolução dos empréstimos compulsórios dos combustíveis e das passagens para o exterior. Deu-se também publicidade para as liberações do FGTS e para declarações de inconstitucionalidade de leis que exigiam tributos fora dos parâmetros fixados pela Constituição Federal. A Justiça Federal tem sido a responsável pelas decisões de maior repercussão no País. Tem sempre se posicionado ao lado da Constituição e contrariado a vontade do Estado. Responderam e respondem os Juízes Federais de todos os graus com esforço e dedicação às críticas que lhe foram e que lhes são feitas. 4. Visão Interna da Justiça Federal Os magistrados integrantes da Justiça Federal não pensam, unicamente, em processar e julgar os feitos que lhe são distribuídos. O Conselho da Justiça Federal, os Tribunais Regionais Federais e os Juízes Federais estão profundamente preocupados com o melhoramento da Justiça Federal e com o aperfeiçoamento das suas instalações. Há uma visão interna dos problemas que afetam esse ramo do Poder Judiciário e uma busca de soluções. Há pleno reconhecimento da morosidade com que as ações são concluídas. Há demora na entrega da prestação jurisdicional, o que se transforma em tormentosa preocupação para os responsáveis pelo funcionamento das Varas e Tribunais, especialmente, dos seus 22 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba dirigentes. O volume de serviço tem aumento geométrico. As dificuldades para fazê-lo diminuir são de várias espécies, especialmente, no âmbito do Poder Legislativo e do Poder Executivo, onde a contribuição é limitada. A insuficiência de recursos para o reaparelhamento da Justiça Federal causa desestímulo e dificulta o cumprimento da missão do magistrado: a entrega célere da prestação jurisdicional. Buscam-se e propõem-se soluções. Não há, contudo, concretizações das propostas. Há no Brasil, em todos os níveis do Poder Judiciário, apenas 8 mil juízes para solução das demandas. No âmbito da Justiça Federal, há Varas com mais de 20.000 processos em andamento, sem se falar na sediada na cidade de Campina Grande que chegou a atingir 40.000 processos. O aumento do número de juízes e de servidores, portanto, é uma necessidade. A informatização de todos os procedimentos judiciais na Justiça Federal contribuirá para diminuir a crise. Esse é um programa que tem merecido a melhor das atenções dos dirigentes dos Tribunais e dos Juízes Federais que exercem as Direções do Foro. Encontra-se adiantada a informatização dos atos judiciais expedidos pela Justiça Federal. Há, contudo, muito a ser feito, o que exige liberação de dotação orçamentária suficiente para tal. Outra solução que muito ajudaria a melhorar a entrega da prestação jurisdicional, não só no referente à demora, como também, no tocante à sua qualidade, é a simplificação das normas processuais. O nosso direito formal é rigorosamente burocrático. A complexidade acompanha a elaboração de todos os seus atos. A ciência processual tem avançado por demais em seus conceitos. Não tem, porém, conseguido fazer com que o processo se aproxime do cidadão, simplificando os seus atos. Há, hoje, grandes movimentos mundiais pela desburocratização do processo. Na Itália, Mauro Cappelletti comanda corrente em tal sentido. Defende-se o acesso à justiça do modo mais fácil e barato. Na Tailândia há uma experiência de ritos processuais com, apenas, quatro ou cinco folhas de papel. No Brasil, três ou quatro folhas de papel são as capas que se sobrepõem em um processo, quando ele sobe aos graus superiores. O Poder Judiciário e a Ordem dos Advogados do Brasil devem iniciar movimentos para que leis modernas sejam elaboradas, facilitando o curso do processo. A responsabilidade por tais movimentos deve ser dividida. O sistema de co-gestão necessita ser adotado. Todos os seguimentos sociais devem colaborar. As classes sociais devem exercer coerção para que haja uma entrega melhor da prestação jurisdicional. Advogados, estudantes de Direito, sindicatos, associações de classe devem se unir na busca da adoção de meios legais e administrativos para que o cidadão receba a solução do seu litígio com maior rapidez e melhor qualidade. A criação dos Juízados Especiais não é o suficiente. Representa apenas um início de um ciclo histórico que tem muito a percorrer para a sua consumação. 5. Uma Proposta para o Século XXI? Não é fácil fazer uma proposta de modificação da Justiça Federal para o Século XXI. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 23 O Século XXI será por nós enfrentado com perplexidade crescente. O futuro que nos espera se apresenta com forte dose de desconhecimento, face aos inúmeros problemas que estão nos envolvendo no presente. Temos a certeza, apenas, de que a era contemporânea é angustiante. Em 1990, por exemplo, o primeiro grau da Justiça Federal julgou 172 mil processos. No ano de 1994, o número de processos julgados passou para 410 mil. É um crescimento vertiginoso e sem aumento de condições de trabalho para atendimento da demanda. No ano de 1990, os Tribunais Regionais Federais julgaram 89 mil feitos. No ano de 1994, tal número alcançou 184 mil. O crescente aumento de ações perante o Poder Judiciário Federal revela que o Estado está, a cada dia mais, a violar o direito subjetivo do cidadão. O que fazer? Modificar o Estado? Diminuir o seu tamanho? Impor-lhe regras coercitivas para que não tenha tal comportamento? As respostas são variadas e algumas impossíveis de serem cumpridas. O primeiro grau da Justiça Federal tem, na data de hoje, 358 Varas Federais em todo o País. Algumas faltam a ser instaladas. De 1989 a 1994, recebeu 2.843.007 processos. Julgou 1.735.431; no ano de 1995 tinha 1.115.000 processos sem julgamento. Isso representa 1.115.000 conflitos sem solução. O segundo grau, os Tribunais Regionais Federais receberam, em seus quase seis anos de funcionamento, de 1988 a 1994, 1.050.000 processos. Julgaram 673.000. Há, assim, 400.000 processos que passaram para o ano de 1995. Não sei precisar os números de hoje. Não possuo elementos para identificá-los. Não sei o que nos espera no próximo Século XXI. Temo que, se nenhuma solução for encontrada neste final de Século, há de muitas tensões serem vivenciadas no futuro que se aproxima. O que tenho a defender é a certeza de que o Juiz Federal não tem medo de enfrentar o futuro e está preparado para tal. Saberá, em qualquer circunstância, cumprir com o seu dever e honrar o compromisso assumido com a Nação. Em várias oportunidades, tanto os que foram responsáveis pelo início da Justiça Federal, os valorosos Juízes nomeados em 1966, como os atuais, eles têm dado prova do que agora aqui está afirmado. A Justiça Federal do final deste século tem que cada vez mais se preocupar com a sua aproximação com o cidadão. Ele é a razão principal da sua existência, por caber zelar pelo seu direito subjetivo. A toga do juiz da atualidade e do futuro deve ter a cor e o corte da sociedade onde ele atua. Não o corte e a cor que o Estado quer que ela tenha. O modelo a ser seguido é o querido pelo cidadão. Nunca o das forças econômicas e das ideologias pessoais do magistrado. Os juízes são mensageiros estatais da paz. Devem, portanto, entregá-la do modo melhor possível. 24 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba GLOBALIZAÇÃO E DIREITO José de Castro Meira Juiz do Tribunal Regional Federal - 5ª Região. 1. Introdução. 2. O Fenômeno da Globalização. Visão Genérica. 3. A Integração Regional. 4. Os Passos Necessários para a Integração Regional. 5. O Exemplo da União Européia. 6. O Extraordinário Crescimento do Setor Privado. 7. Repercussões das Mudanças. Cautela na Análise do Fenômeno. 8. O Brasil no Comércio Internacional. Alguns Entraves. 9. Algumas Repercussões da Globalização no Direito. 10. Conclusão. 1. Introdução O estudo da ocorrência da globalização e suas implicações no fenômeno jurídico assume grande complexidade. Na presente exposição, abordarei apenas alguns aspectos que me parecem mais importantes, a fim de que possa suscitar interesse para que outros também reflitam sobre os questionamentos que são aqui trazidos. Abordarei inicialmente o fenômeno da globalização e, eventualmente, suas repercussões na economia e sociedade brasileiras. Na segunda parte, procurarei analisar alguns temas jurídicos que parecem particularmente atingidos pelas recentes mudanças econômicas. 2. O Fenômeno da Globalização. Visão Genérica Um breve exame da História revela-nos uma tendência crescente na aproximação dos povos, facilitada pelos novos meios de transporte e comunicação, a ponto de, em dado momento, falar-se em uma “aldeia global”. O maior incremento em tal aproximação nos últimos anos assumiu características especiais, não apenas pela intensificação maior do intercâmbio entre os povos, mas por outras características especiais como a mudança na estrutura das organizações econômicas e do processo produtivo. Na busca de maior racionalização no emprego dos fatores de produção, as empresas multinacionais ou transnacionais não hesitam em buscar mão-de-obra ou matéria-prima em qualquer lugar onde possa obter maior vantagem. Desse modo, uma grande empresa norte-americana ali não tem mais do que um centro de pesquisa de modelos, preferindo localizar a fábrica em outros países, como Porto Rico, em que o custo da mão-de-obra é expressivamente menor do que no país de origem. Outras vezes, o produto final é o resultado da reunião de peças fabricadas em diversos países pela mesma empresa ou por empresas diferentes que se especializam na fabricação de determinados componentes, não se podendo definir com precisão o país de origem da fabricação daquele bem. 3. A Integração Regional Ao mesmo tempo, o multilateralismo que era apregoado pelo GATT viu-se completamente modificado com a formação dos blocos regionais, dos quais os mais importantes são o grupo constituído pelos países do NAFTA, liderado pelos Estados Unidos; a União Européia, liderado pela França e Alemanha, e o bloco asiático, liderado pelo Japão. Entre nós, o Tratado de Assunção instituiu o MERCOSUL, tendo como fundadores Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, com a adesão já anunciada do Chile, Colômbia e Venezuela. Cabe assinalar, porém, que esses blocos não se limitam a caminhar de forma compacta e isolada. Ao contrário, entre os seus países isoladamente ou entre os próprios agrupamentos celebram-se inúmeros acordos, ajustes ou tratados, a exemplo do que Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 25 está sendo celebrado entre o MERCOSUL e a União Européia. O fenômeno da globalização mediada pelos blocos econômicos foi assinalado pelo economista americano, professor MIT, LESTER THUROW, na sua obra O Futuro do Capitalismo, ao escrever: “Países se estilhaçam, blocos regionais de comércio crescem, a economia global torna-se cada vez mais inter-conectada”. A expressão “inter-conectada” é bem reveladora. No mundo contemporâneo, grandes operações são realizadas em poucos segundos, através dos computadores. No campo financeiro, tais mudanças se fazem notar de modo eloqüente. Primeiro, pelo volume gigantesco dos empréstimos internacionais. Em 1971, o volume dos empréstimos internacionais de médio e longo prazo feitos pelo capital privado foi de 10 bilhões de dólares. Em 1995, 1,3 trilhão, ou seja, 130 vezes mais no período de 24 anos. O segundo aspecto diz respeito ao chamado capital volátil, ou “smart money”, à busca de melhor remuneração, que chega e sai dos países tomadores dos empréstimos com a mesma velocidade. 4. Os Passos Necessários para a Integração Regional O objetivo da integração não é alcançado senão depois de longo processo de maturação, passando por diversas fases. O primeiro estágio é o da Zona de Livre Comércio, em que os países concordam em eliminar ou reduzir as barreiras alfandegárias exclusivamente para as importações de mercadorias produzidas dentro dessa área. É o caso da ALADI. O segundo é o da União Aduaneira, em que são eliminadas as barreiras alfandegárias para a importação de mercadorias produzidas dentro da área, com o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum. O MERCOSUL está nessa etapa. Assim sendo, verifica-se que a importação dos bens de terceiros países submetem-se às mesmas tarifas em qualquer dos seus integrantes. Houve algumas postulações no âmbito da 5ª Região em que se argumentou que a TEC se destinava exclusivamente aos signatários do Tratado de Assunção, quando na verdade os destinatários são os demais países. O terceiro estágio é o Mercado Comum, em que além das características da fase anterior, são eliminadas as restrições aos fatores de produção, capital e trabalho. Um empresário argentino poderia estabelecer-se no Brasil, sob as mesmas regras a que estão submetidos seus colegas nacionais, ou um médico brasileiro poderia prestar serviços profissionais em Buenos Aires. O quarto estágio ocorre quando os países procuram adaptar suas legislações para harmonizá-las com os objetivos comunitários. É a União Econômica. Aqui são criadas instituições comunitárias, como na União Européia, porém, todo o seu território passa a ser considerado como uma unidade. Os direitos de importação, conhecidos na Espanha como “aranceles”, destinam-se à União Européia, ficando os países com as receitas do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) e outros tributos. O quinto e último estágio é o da União de Integração Total, quando os países decidem adotar uma política monetária comum, que é o próximo objetivo dos países da União Européia. 5. O Exemplo da União Européia É preciso compreender, também, que o processo de integração não se faz de modo instantâneo, mas é o resultado de uma experiência demorada. Além disso, não traz apenas benefícios, como também problemas que precisam ser superados ao longo do tempo. Tomemos o exemplo da União Européia. A idéia de unificação é antiga. Em 1929, a 26 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba França formulou a proposta, não concretizada pela crise econômica da época e pelo surgimento dos movimentos nacionalistas de índole fascista, mas ficou a idéia. Em 1950, foi firmado o tratado sobre carvão e aço, dando origem à Comunidade Européia do Carvão e do Aço, com os princípios fundamentais da futura CEE, criando instituições comuns, com expressa renúncia à soberania nacional de cada país signatário. Em 1957, é assinado o Tratado de Roma, que entrou em vigor no ano seguinte, firmado pela França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Os demais países que hoje integram a atual União Européia foram aderindo paulatinamente: em 1973, Irlanda, Dinamarca e Reino Unido. A Grécia formulou seu pedido nesse mesmo ano, só aceito em 1981. Portugal e Espanha são admitidos em 1986, passando por uma fase transitória que só se completa em 1992. Os principais objetivos do Tratado de Roma podem ser assim resumidos: fim das barreiras alfandegárias entre os Estados-membros; estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum em relação a terceiros países; supressão entre os signatários dos entraves à livre circulação de pessoas, serviços e capitais; política comum agrícola e de transportes; adaptação das legislações nacionais à comunitária; surgimento de um Banco Europeu de Investimentos. Criaram-se ainda o Parlamento (interesses políticos), o Conselho (interesses dos governos), a Comissão (interesses comunitários) e o Tribunal de Justiça (aplicação do direito comunitário). Tais objetivos vêm sendo alcançados ao longo de todos esses anos. No momento, discutese a introdução da moeda única, medida de extrema complexidade, tendo em vista os diferentes níveis dos países quanto ao equilíbrio orçamentário, gerando conflitos com os interesses nacionais. A política econômica formulada por tecnocratas, sem maior compromisso com os objetivos sociais, pode gerar problemas da maior relevância, como o visto há pouco na França, quanto à sua política previdenciária. 6. O Extraordinário Crescimento do Setor Privado Outro aspecto da ocorrência da globalização é o extraordinário crescimento do setor privado, em que as dez maiores empresas do mundo têm um faturamento equivalente à soma do PIB do Brasil, México, Argentina, Chile, Colômbia, Uruguai e Venezuela. Aqui se vê um fenômeno inverso ao que acontecia antes: os governos correm atrás das empresas, daí a chamada “guerra fiscal”, em que diversos governos porfiam em proporcionar mais incentivos à instalação de grandes empresas. Pelo lado do consumidor, já não sabe mais quando está a adquirir um produto estrangeiro ou nacional, porque os produtos são o resultado de participação de diversos países. 7. Repercussões das Mudanças. Cautela na Análise do Fenômeno Essa intensificação nas mudanças denota uma profunda alteração nas relações econômicas, políticas e jurídicas que precisam ser refletidas pelos profissionais do Direito, com vistas à preservação dos direitos humanos e dos valores jurídicos fundamentais. É preciso cuidado com análises apressadas quanto a alguns fenômenos de nossa época. Um exemplo são os países asiáticos, especialmente os chamados “tigres”- Hong Kong, Taiwan (Formosa) Coréia do Sul e Cingapura. Apontados como modelos a serem imitados, começam a revelar deficiências, levando os grandes investidores a perderem o entusiasmo inicial. O economista PAUL KRUGMAN, do MIT, já denunciara o “mito do milagre asiático”. A legislação da maioria desses países não assegura o respeito pelos direitos trabalhistas. KRUGMAN cita o caso da Cingapura que cresceu mobilizando recursos de uma forma que “deixaria Stalin orgulhoso”. Nada obstante, começam a enfrentar dificuldades. O colunista GILSON SHCWARTZ (Folha, 18.08.96) anota que “a economia coreana está engasgada”, com a bolsa deprimida e maus resultados das empresas neste primeiro semestre. Por outro lado, o Presidente de Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 27 Taiwan, LEE TENG-HUI, faz advertência sobre os riscos de investimento na China. Convém lembrar também que apenas recentemente foram realizadas as primeiras eleições em Formosa, que não pode ser apontada como exemplo para os países que optaram pelo modelo democrático. Tais observações parecem oportunas para o momento que atravessamos. Alguns políticos e empresários vêm defendendo uma abertura a qualquer preço, sem nenhuma ressalva para os interesses nacionais. Cria-se verdadeira histeria quando alguns países fazem consultas à OMC a propósito de determinadas medidas de política econômica. Ressalte-se que as discussões sobre temas dessa natureza são relativamente comuns, e a lição dos países que promoveram um processo de maior inserção no comércio internacional é no sentido de lutar pela preservação dos seus interesses. Em artigo publicado na edição da Folha de São Paulo do dia 17 deste mês (sábado passado), GIORGIO ROMANO SCHUTTE, que é mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Amsterdã, chama a atenção para a necessidade de desmitificar a opinião segundo a qual a atenção sobre o tema da globalização seria fruto do “eterno provincianismo” brasileiro. Lembra o autor recente conferência ocorrida na Holanda. O evento foi transmitido ao vivo pela televisão, sem que o público conseguisse entender o significado da palavra. Concluíram os participantes que a Holanda deveria rapidamente fazer reformas na Previdência Social, flexibilizar, desregulamentar e, dessa forma, diminuir o “custo Holanda” para se tornar competitiva no mercado internacional e enfrentar a realidade da economia globalizada. Depois de outras considerações sobre o tema, o economista oferece-nos importante lição: “Subestimar a nova fase de internacionalização da economia é tão errado quanto considerála uma fase natural, à qual temos de nos adequar como um navegante ao sabor da correnteza”. 8. O Brasil no Comércio Internacional. Alguns Entraves Certamente o Brasil precisa abrir sua economia ao exterior. Nossa participação no comércio mundial ainda é muito modesta. As exportações que, em 1984, eram 1,4% das vendas mundiais, caíram em 1995 para 0,9%. Por outro lado, as importações respondem ainda por apenas 8% a 9% do consumo interno, índice inferior ao da Índia, que é de 11%. São inegáveis as vantagens da maior participação do País no comércio internacional e é evidente a necessidade da maior abertura. Entretanto, há algumas pedras a entravar essa caminhada. As enormes distâncias em nosso país são vencidas por transporte rodoviário, de custos muito mais altos do que o efetuado em ferrovias, agravado pelo mau estado de nossas rodovias. Há ainda a obsoleta estrutura portuária, com serviços caros e empregando equipamentos superados. O Deputado JÚLIO REDECKER, Presidente da Subcomissão Permanente de Comércio Exterior, observa que os custos máximos por contêiner no Porto de Santos estão além dos US$ 800,00, enquanto no porto chileno de Valparaíso estão pouco acima de US$ 250,00. Lembra ainda o parlamentar outras dificuldades, como a carga tributária incidente sobre os produtos destinados à exportação e a sobrevalorização da moeda brasileira como outras dificuldades às exportações nacionais (Gazeta Mercantil, 1º.08.96). Recentemente, em palestra pronunciada no encerramento do curso de pós-graduação em comércio exterior realizado pela FCAP/FESP, em convênio com a Universidade de Barcelona, o industrial PAULO GUSTAVO CUNHA começou lembrando a frase do líder comunista DENG XIAO PING, em 1982: “Nenhum país do mundo, seja qual for o seu sistema político, chegou a modernizar-se com uma política de portas fechadas”. O Brasil adotou como modelo de industrialização, como sabemos, a substituição de importações, criando barreiras alfandegárias para a implantação do seu parque industrial. Tal protecionismo levou as empresas nacionais a certa acomodação. Já que tinham à sua 28 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba mercê um enorme mercado cativo, não havia maior preocupação com o binômio preçoqualidade do produto. Além disso, acostumaram-se a benfazeja ação estatal que as protegia com taxas de câmbio especiais para a importação, linhas de financiamentos tentadoras e outros favores oficiais. Por isso, poucas empresas se aventuravam à dura competição internacional. Daí as enormes dificuldades que os grupos nacionais estão tendo para enfrentarem a competição internacional, com o fechamento de empresas tradicionais. Todos estamos lembrados da reserva para a informática. Dizia-se que seria o custo que a sociedade pagaria para a criação de uma tecnologia nacional. Acabada a reserva, onde alguns ganharam e a maioria pagou a alta conta, é de perguntar-se: Onde andam os grupos nacionais? Impende que se desenvolvam esforços no sentido de adaptar nossa economia para que o País não seja ultrapassado pelos fatos. Todavia, é preciso que se busque o ritmo adequado, evitando-se os avanços e retrocessos dos últimos tempos, hesitações que causam insegurança e terminam por desestimular os investidores com prejuízos incalculáveis. No mês de maio deste ano, o economista ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR., Professor titular de Macroeconomia Aberta da Faculdade de Economia e Administração da USP, promoveu uma conferência sobre a globalização. Resumiu o ilustre professor a conclusão do trabalho que apresentou juntamente com a Profª FERNANDA ARANTES, da mesma faculdade, nos seguintes termos, que resumem muito bem o fenômeno ora discutido: “Pode-se tirar a conclusão de que globalização significa mudança; deixando para trás o passado (sem o esquecer) e indo em direção a uma nova época histórica.” A globalização não é uma mudança para o caos, mas para uma configuração que se dissemina pelos quatro continentes, menos a África. Este conjunto de países escolheu o capitalismo como regra do jogo e sabe que o juiz que vai apitar a partida fala inglês, usa uniforme azul da Marinha americana e tem em instituições como OMC, FMI e BIRD órgãos de defesa de seus interesses. Em um sentido histórico, a globalização é a ‘Pax Americana’. Isto pode trazer benefícios e custos para cada país, mas, seguramente, temos no Brasil muitas das qualidades que irão marcar o novo período: flexibilidade, capacidade de dar respostas rápidas a situações novas e espírito criativo. Mas, do lado oposto, não temos suficiente educação escolar, dado o descaso com que esta área é tratada pelo governo. Mais saúde e educação, governo! (Folha de São Paulo, ed. de 26.05.96). Realmente, nesses dois aspectos situam-se as grandes dificuldades brasileiras. Em recente relatório da ONU, considerando apenas os indicadores de saúde e educação, no período de 1960 a 1992, o Brasil teve um desempenho inferior à média mundial, embora tenha sido um dos dois que mais cresceram no período (o outro foi a ilha de Barbados), entre os países latino-americanos e do Caribe. Nesse relatório, a ONU constata que “nenhum país consegue uma transformação estrutural da economia sem elevar os níveis de educação básica”, citando diversos países em que o crescimento do PIB esteve diretamente relacionado com o nível de escolaridade. A educação do povo tem sido a grande alavanca do desenvolvimento. A pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico a cada dia assumem importância decisiva para os países que pretendam ter um papel relevante na economia globalizada. Aqui lembro uma reflexão do diplomata RUBENS RICUPERO, atual Secretário Geral da UNCTAD, a propósito da dramatização radiofônica de ORSON WELLES sobre uma fictícia invasão de marcianos, que levou algumas pessoas amedrontadas a se matarem: “O episódio lança luz sobre uma verdade pouco percebida: a de que vivemos muito mais de futuro que de presente. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 29 Arranque-se de alguém o seu futuro e tê-lo-emos conquistado para a morte” (Visões do Brasil, Record, 1995, pág. 28). 9. Algumas Repercussões da Globalização no Direito Feitas essas breves considerações sobre o fenômeno da globalização, cumpre analisar suas conseqüências para o Direito. 9.1 A Sobrevivência da Soberania Estatal A primeira conseqüência, a meu ver, diz respeito à sobrevivência da organização estatal, sobretudo depois da queda do comunismo. Escrevendo sobre o tema, o diplomata ALFREDO TORO HARDY, Embaixador da Venezuela no Brasil, observa: “A nova linguagem do direito internacional se assenta em conceitos tais como ‘soberanias limitadas’, ‘tutelas internacionais’, ‘direitos de ingerência’ e ‘administrações supra nacionais’, que têm como denominador comum o desconhecimento do Estado como ator essencial da vida internacional”. (O Estado pode ter deixado de ter sentido, Gazeta Mercantil, 12.08.96.) Entre nós parecem-me preocupantes as ingerências internacionais na Amazônia, a propósito de defesa dos povos indígenas ou de alguns bens de indiscutível interesse para todos, como a ecologia, o meio ambiente e os recursos naturais. Na importante questão que envolve a definição do papel do Estado na sociedade contemporânea, parece fundamental admitir que a redução do tamanho do Estado não pode torná-lo incapaz de mediar os conflitos, sob pena de deixar a grande maioria da população sem qualquer defesa, completamente dominada pelos grandes grupos econômicos e financeiros, que têm no lucro o único objetivo de suas ações. Na verdade, a crise do conceito de soberania não é preocupação muito recente. NICOLA MATEUCCI refletiu sobre o tema, mostrando que nos achamos diante do ocaso da soberania, ressaltando a importância do conceito político-jurídico de soberania, ao visar a uma síntese entre o poder e o direito, entre ser e dever ser, buscando a racionalização do poder através do direito. E conclui: “Estando este supremo poder de direito em via de extinção, faz-se necessário agora, mediante uma leitura atenta dos fenômenos políticos que estão ocorrendo, proceder a uma nova síntese político-jurídica capaz de racionalizar e disciplinar juridicamente as novas formas de poder, as novas autoridades que estão surgindo” (Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, Nicola Mateucci e Gianfranco Pasquino, 2ª ed., Ed. Univ. de Brasília, págs. 1.187/1.188). Nesta fase da História, torna-se fundamental que o tema seja amplamente discutido, a fim de que os valores já conquistados pela civilização não comecem a ser relegados. 9.2 O Direito Comunitário Seguindo a lógica da evolução da Comunidade Européia, a criação de novas instituições implicará o desenvolvimento de estudos do direito comunitário, com análise da legislação emanada do Parlatino e a jurisprudência de um Tribunal de Justiça do MERCOSUL, à semelhança do que ocorre com o Tribunal de Justiça da União Européia. Tudo indica, porém, que a instituição de uma Corte de Justiça não está posta entre os objetivos imediatos. Escrevendo sobre o tema, o Embaixador JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES assinala que o sistema atual deve ser mantido. E explica: “Trata-se de mecanismo ágil, em muito similar a outros tantos previstos em acordos de comércio firmados no âmbito da ALADI, e contempla três etapas distintas: as negociações diretas, a intervenção do órgão executivo do Mercosul 30 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba e a fase arbitral. A garantia de segurança jurídica do Mercosul está assente no acesso facilitado ao referido mecanismo e no caráter obrigatório e inapelável dos laudos arbitrais emitidos pelos diversos Tribunais Ad Hoc do Protocolo de Brasília, tantos quantos forem necessários para a solução, caso a caso, das controvérsias surgidas no Mercosul” (Os tribunais do Mercosul, Gazeta Mercantil, 15.08.96). A experiência européia pode ser-nos útil. A instituição do Tribunal de Justiça europeu verificou-se quando as condições sócio-econômicas revelaram a sua necessidade. Desse modo, o Tribunal de Justiça do MERCOSUL não deveria ser uma preocupação imediata. Entretanto, deve ser um projeto a merecer a reflexão de todos, especialmente dos diplomatas, dos juristas e dos que militam no comércio intra-regional. 9.3 Concessão e Permissão de Obras e Serviços Públicos Outro instituto que tende a ganhar prestígio diz respeito à concessão e permissão. Sentindo a insuficiência de recursos financeiros para a execução de serviços e obras públicas, o Governo aprovou as Leis 8.987, de 13.02.95, e 9.074, de 07.07.95, que disciplinam os institutos da concessão e permissão de obras e serviços públicos. Ainda são poucos os estudos jurídicos desenvolvidos sobre a matéria, mas tudo indica que se tornarão temas da maior importância, na medida em que o setor público fizer maior uso de tal legislação. Como bem assinala o tributarista IVES GANDRA DA SILVA MARTINS: “Na realidade, a privatização se destina a resolver o problema presente das sociedades de economia mista e das empresas públicas, muitas das quais estão à beira da insolvência. Já a concessão permite a construção do futuro, substituindo a administração pelo segmento privado, não só na manutenção dos serviços públicos, mas também (e este é, no momento, o seu aspecto principal) no tocante à realização de obras públicas” (“A Lei de Concessões e o direito de parceria”, Folha de São Paulo, 07.04.96). 9.4 Direito Societário Cresce, também, a demanda pelos estudos de direito societário, em decorrência das privatizações de empresas estatais ou do incentivo a incorporações, fusões e “joint ventures” de empresas. Entre nós, vem-se destacando o advogado que atua junto a empresas familiares. É o caso do advogado gaúcho RENATO OCHMAN, que assim sintetizou o papel do profissional que atua nessa área: “Ser um pouco psicólogo e economista, profundo conhecedor de direito de família e, sobretudo, ter boa forma física e paciência de Jó” (Gazeta Mercantil, 29.07.96). De fato, a atuação do profissional pode envolver situações muito delicadas. É o caso do advogado que se vê em dificuldades para colher elementos necessários à defesa porque os diretores, embora parentes, simplesmente não se falam, devido às questiúnculas que, entretanto, se tornam obstáculo à comunicação na empresa. Em casos dessa ordem, é preciso valer-se de argúcia para superar o impasse. Um jurista de expressão nacional narrou-me uma experiência singular : Dois irmãos queriam dividir os bens comuns em razão de desavenças familiares. Todavia, nenhum deles concordava com a parte que lhe era atribuída. Valeu-se o jurista de inspiração salomônica, propondo: um deles ficaria encarregado da divisão do patrimônio em duas partes iguais, todavia ao outro ficaria atribuída a faculdade de escolher a que melhor lhe aprouvesse. A proposta foi aceita. E, assim, foi resolvido o problema que se achava pendente havia muito tempo. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 31 9.5 Consultoria Nos maiores centros, é a vez da consultoria, a cargo de grandes escritórios de advocacia, que começam a adaptar-se às novas tendências da globalização. Além disso, parece crescer o interesse na questão para temas como os relativos às patentes e aos aspectos de direito autoral, sem falar nos problemas jurídicos que estão por surgir pelo uso massivo da informática e da INTERNET. Tudo indica que partiremos para o maior prestígio da advocacia preventiva, como acontece noutros países, a exemplo dos Estados Unidos, em que não se constitui uma empresa nem se celebra um contrato sem a participação do advogado especializado. 10.Conclusão Certamente, muitos outros aspectos novos mereceriam destaque. Lembrei apenas alguns que me pareceram mais importantes. É um novo amanhã que surge. Cabe a todos nós, profissionais do direito, empenhar nossos esforços para que predominem os valores cristãos e democráticos nesse novo tempo, certos de que, nessa sociedade em mutação, nosso país tem um importante papel a desempenhar. É a nossa grande missão. 32 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba NOVO SISTEMA DE RECURSOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL José Lázaro Guimarães Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região Módulo nº 1 Sumário da primeira aula I– Introdução. II- Normas e princípios gerais. 1- Pressupostos recursais. 1.1– Recorribilidade; 1.2– Adequação; 1.3– Preparo; 1.4– Tempestividade. 2-Pressupostos negativos. 2.1- Fatos extintivos; 2.2- Fatos modificativos; 2.3- Fatos impeditivos. 3- Competência do órgão revisor. 4- Condições de admissibilidade; 4.1-Legitimidade recursal; 4.2- Interesse recursal; 4.3- Petição recursal apta. I. Introdução Este curso oferecido pela “Teia Jurídica” busca estudar a nova sistemática recursal no Código de Processo Civil, após a reforma introduzida pelas Leis 8.950/94 e 9.139/95, com a finalidade de apontar novos conceitos e discutir as questões levantadas pela doutrina e pela jurisprudência. Os destinatários destes estudos são usuários da revista eletrônica lançada há exatas 15 semanas, estudantes e profissionais do Direito que navegam pelas ondas cibernéticas à procura de conhecimento e informação, sem as limitações de espaço (os participantes se distribuem por todo o País, com os vínculos comuns à página na WEB e ao correio eletrônico) e com maiores facilidades de tempo. O curso será dividido em seis módulos, a saber-. 1 - Normas e princípios gerais; 2 Apelação; 3 Agravo; 4 - Embargos infringentes; 5 - Embargos de declaração e Agravo regimental; e 6 - Recurso ordinário, Recurso especial, Recurso extraordinário e embargos de divergência. Para cada módulo, haverá um texto básico. Os participantes receberão o material pelo correio eletrônico, em attachment de arquivo Word 7.0. Aqueles que não dispõem desse programa poderão solicitar a conversão para o seu editor de texto e, se possível, receberão arquivo convertido. As provas serão prestadas opcionalmente. Cinco dias depois de receber o texto da aula de cada módulo, o candidato terá as questões formuladas com o objetivo de avaliar o aprendizado. A qualquer momento, os participantes poderão formular perguntas, críticas, sugestões e comentários, encaminhando-as pelo correio eletrônico. O endereço [email protected] estará sempre disponível. II. Normas e princípios gerais Recurso é o meio de que dispõem as partes, o Ministério Público e o terceiro prejudicado para provocar a reapreciação de atos decisórios, no curso do processo. A sua natureza coincide com a da ação, de que é ato inaugural de uma nova fase procedimental destinada à revisão do ato impugnado. Ação, na definição de Chiovenda, é o poder de provocar a atividade jurisdicional, de modo autoritativo, substitutivo e subsidiário. Dirige-se, portanto, a um órgão do Poder Judiciário, para que este, com a autoridade outorgada pela Constituição Federal, emita o ato de Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 33 vontade destinado a suprir a não realização voluntária do direito, acertando o conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida (lide, conforme Carnellutti), ou constituindo ato somente realizável na via judicial, por imposição legal1 . O recurso impugna sempre um ato decisório, encaixando-se no curso do processo, no qual se integra, e fazendo abrir uma nova fase, um procedimento subseqüente. Se a impugnação faz instaurar um outro processo não será recurso, mas ação autônoma. Assim, diante da sentença, dentro de 15 dias, cabe recurso de apelação. Mas, caso ultrapassado esse prazo, efetivando-se a coisa julgada, aquele mesmo ato, desde que presente um dos requisitos do art. 485 do CPC, dará lugar a ataque por meio da ação rescisória, até dois anos após o trânsito em julgado. A diferença, como se vê, é que o recurso ataca a decisão no mesmo processo em que ela foi proferida, enquanto a ação autônoma, como a rescisória, ou o mandado de segurança contra ato judicial, faz instaurar outro processo. Da mesma forma que a ação, o recurso, para ensejar a formação e desenvolvimento de uma nova fase procedimental e para ser apreciado pelo órgão competente, sujeita-se a pressupostos (antecedentes necessários para que possa ser recebido e apreciado o seu objeto) e condições (requisitos intrínsecos ao recurso, indispensáveis ao conhecimento do pedido de reforma ou de anulação da decisão). As Leis 8.950/94 e 9.139/95 introduziram uma nova sistemática recursal, no processo civil brasileiro, procurando torná-lo mais simples e ágil. Dentre as inovações, destacam-se o ônus do preparo como pressuposto para desenvolvimento válido do recurso, a uniformização dos embargos de declaração, a interposição do agravo de instrumento diretamente ao tribunal e o aprofundamento do efeito devolutivo, permitindo ao colegiado conhecer de questões não apreciadas na sentença. Neste primeiro módulo do nosso curso, serão apreciadas as normas e princípios gerais dos recursos, na nova sistemática introduzida pela reforma do processo civil. 1. Pressupostos recursais É preciso saber, em primeiro lugar, para determinar se cabível o recurso, da ocorrência de certos antecedentes que a lei impõe para que se o receba. Tais pressupostos são a recorribilidade, a adequação, o preparo, a tempestividade e a inexistência de fato extintivo ou impeditivo do poder de recorrer. 1.1 Recorribilidade A decisão impugnada deve estar sujeita a recurso, ou, em outras palavras, é preciso estar diante de um dos atos judiciais recorríveis - as decisões interlocutórias, as sentenças, os acórdãos e as decisões monocráticas dos membros do tribunal. Os despachos de mero expediente são irrecorríveis (art. 504). A regra mais simples para indicar se determinado ato processual é, ou não, recorrível é examinar se tem conteúdo decisório, se resolve alguma questão no processo, seja, por exemplo, referente à postulação, ao contraditório, à prova, à comunicação, à intervenção de terceiros, à competência, à conexão, à continência ou ao objeto da ação. Se o ato não tem carga decisória, mas apenas dá impulso ao feito, dele não há recurso. 1.2 Adequação Para cada tipo de ato processual, há um recurso adequado à sua impugnação. Sabe-se da adequação confrontando o caso com o permissivo recursal específico. Em princípio, há 1 São diferentes as hipóteses de acertamento de uma lide e de constituição de um ato por imposição legal. Na primeira, que por muito tempo a doutrina entendeu ser o campo exclusivo da atividade jurisdicional, o juiz substitui a vontade das partes em conflito. Na segunda, ainda que não exista conflito (ex. - a anulação do casamento), a lei exige o ajuizamento da ação constitutiva. 34 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba a seguinte correspondência entre os tipos de atos e o recurso apropriado: 1. da decisão interlocutória (§ 2º do art. 162) - cabe agravo retido (art. 523) ou agravo de instrumento (art. 524); 2. da sentença (§ 1º do art. 162, seja terminativa - art. 267 - ou de mérito - art. 269) cabe apelação (art. 513); 3. do acórdão não unânime, proferido em apelação e em ação rescisória - cabem embargos infringentes (art. 530); 4. da sentença ou acórdão, quando apontada obscuridade, contradição ou omissão cabem embargos de declaração (art. 535); 5. do acórdão dos tribunais superiores, em mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção, quando denegada a ordem, cabe recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal (art. 539, I) e do acórdão dos tribunais ordinários (TJ ou TRF) em mandado de segurança, quando denegada a ordem, cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça (art. 539, II); 6. do acórdão proferido em única ou última instância pelo tribunal ordinário (TJ ou TRF), quando apontada infringência de lei federal ou divergência com acórdão de outro tribunal, cabe recurso especial, para o STJ (art. 105, III,CF, e art. 541, CPC); 7. do acórdão proferido pelo tribunal ordinário ou pelo Superior Tribunal de Justiça, quando apontada violação da Constituição Federal, caberá recurso extraordinário, para o STF (art. 102, III, CF, e art. 541, CPC); 8. do acórdão de Turma do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, quando apontado dissídio com acórdão de outra turma ou do plenário, cabem embargos de divergência (art. 546); 9. da decisão do presidente do tribunal que nega seguimento a recurso extraordinário ou recurso especial cabe agravo de instrumento para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, respectivamente (art. 544); 10. da decisão do relator, no recurso especial ou no recurso extraordinário, que negar seguimento ou que negar provimento ao agravo de instrumento, cabe agravo para o órgão julgador (art. 545); 11. da decisão do relator, nos tribunais ordinários, cabe agravo regimental; 12. da sentença, na execução fiscal de valor inferior a 50 BTN, cabem embargos infringentes do julgado, para o juiz da causa (Lei 6.830/80, art. 34); Como se vê, há, sempre, um tipo específico de recurso previsto para impugnação de cada ato judicial. É preciso, pois, diante do ato decisório, verificar qual a sua natureza, para saber qual o recurso adequado. Somente este será cabível. Há, no entanto, situações especiais, em que o prejudicado deverá interpor mais de um recurso, para evitar a preclusão (perda da oportunidade de agir no processo para obter certa vantagem). Isso acontecerá diante do acórdão não unânime em relação a um ou mais pontos, e unânime em relação a outro ou outros pontos. Nesse caso, a parte interporá embargos infringentes para atacar a parte em que a turma ou câmara decidiu por maioria, e recurso especial ou extraordinário, para impugnar a parte unânime. Há ainda a hipótese de o acórdão comportar recurso especial (violação de lei federal ou dissídio jurisprudencial) e recurso extraordinário (violação de norma constitucional). Nesse caso, serão interpostos os dois recursos, que o presidente do tribunal examinará, separadamente, e, admitindo ambos, encaminhará os autos ao Superior Tribunal de Justiça (art. 543), que julgará o recurso especial, e remeterá, após, os autos ao STF, salvo se o relator considerar o recurso extraordinário prejudicial, fazendo encaminhar o feito ao STF (§ 2º do art. 543). Excepcionalmente, quando não se trate de erro grosseiro e a petição recursal contiver os requisitos necessários, além de preenchidos os demais pressupostos, admite-se a fungibilidade do recurso, ou seja, interposto, por equívoco justificável, um recurso, poderá ser recebido como se tratasse do tipo adequado. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 35 1.3 Preparo O preparo configura requisito para o desenvolvimento válido do processo, na fase recursal. No sistema anterior, o recorrente era intimado da conta de custas e se abria, então, prazo de dez dias para preparar o recurso. Atualmente, o art. 511 exige a comprovação do preparo já no ato do recurso. A petição recursal deverá reportar-se a guia anexa, devidamente autenticada, para provar que efetuou o pagamento das custas, quando a lei exigir o preparo. Os Tribunais Regionais Federais da 3ª. e da 5ª. Regiões entendem que somente lei específica poderá criar tributo estabelecendo o pagamento de taxa judiciária para interposição do recurso de agravo, dada a garantia da legalidade. Os tribunais têm baixado provimentos determinando que do ato de intimação da decisão, sentença ou acórdão conste o valor das despesas, inclusive a estimativa do porte de retorno, a fim de propiciar o preparo. Se a parte deixar de comprovar o recolhimento de tal valor o recurso será considerado deserto. O Ministério Público, a União, os Estados e Municípios e respectivas autarquias estão dispensados de preparo (§ único do art. 511), mas não as empresas públicas, as fundações de natureza privada e as sociedades de economia mista. 1.4 Tempestividade O recurso deve ser interposto no lapso temporal fixado pela lei, sob pena de preclusão (perda da faculdade de agir).Diz o CPC, art. 242, que o prazo para interposição do recurso conta-se da dita em que os advogados são intimados da decisão, sentença ou acórdão, esclarecendo adiante, parágrafo único, que a intimação se dá em audiência quando aí ocorre a publicação do ato judicial, o que se verifica mediante lavratura de termo, como previsto no art. 457 (resumo do ocorrido na audiência, bem como, por extenso, os despachos e a sentença, se esta for proferida no ato, ditado pelo juiz e lançado pelo escrivão). Se o ato é emitido fora de audiência (no procedimento ordinário, por exemplo, o juiz tem a opção - art.456 - de proferir sentença até dez dias após encerrado o debate oral ou a entrega dos memoriais), os advogados serão intimados pela publicação do ato no Diário Oficial, quando o juízo ou tribunal estiver sediado na capital (Distrito Federal ou capital do Estado), ou, mesmo no interior, se houver órgão oficial a esse fim destinado - art. 236. Farse-á pessoalmente, quando residirem na sede do juízo, ou pelo correio, por carta registrada, quando residente o procurador fora do local onde sediada a Vara interiorana (art. 237). Quanto às decisões dos tribunais, o prazo conta-se da data da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial. Vale ressaltar que há geralmente dois anúncios dos julgamentos: o do resultado, ou a ata da sessão, desse não começando a fluir prazo, e a publicação para intimação do acórdão que, conforme nova redação do art. 563, deve sempre conter ementa. Os tribunais federais sempre publicam a ementa do acórdão, o que facilita a compreensão do conteúdo, mas alguns tribunais estaduais não o fazem, dificultando a tarefa dos procuradores. De todo modo, repita-se, somente flui prazo para recurso da intimação do acórdão, e não da simples notícia do resultado do julgamento. Na contagem do prazo, exclui-se o dia do começo e inclui-se o do vencimento (art. 184). Prorroga-se o termo inicial se recair em feriado ou se não houver expediente forense e, do mesmo modo, o dia do vencimento (§ 1º e 2º do art. 184). Na apelação, nos embargos infringentes, no recurso ordinário, no recurso especial. No recurso extraordinário e nos embargos de divergência, o prazo para interpor e para responder é de quinze dias, nos termos do art. 508. No agravo, o prazo agora é de dez dias (art. 522), mas o advogado poderá preferir a interposição oral, hipótese em que formulará, em audiência, o agravo retido, como uma faculdade (§ 3º do art. 523, que se refere à admissão dessa forma, e não à sua obrigatoriedade). Nos embargos de declaração, a prazo é de cinco dias 36 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba (art. 536), no agravo para o colegiado, da decisão do relator em recurso especial ou extraordinário, de cinco dias (art. 545). Os embargos infringentes do julgado, previstos na Lei 6.830/80, art. 34, devem ser interpostos em dez dias. Em todos esses casos, cada parte interpõe o recurso no prazo que lhe couber, mas, quando houver litisconsórcio, o recurso interposto por um aproveita os demais, no limite da unitariedade, ou seja, no que for comum o objeto da causa em relação aos litisconsortes (art. 509 e seu parágrafo único). Há ainda a considerar a hipótese do recurso adesivo (art. 500), em que a parte parcialmente vencida pode aguardar a iniciativa da outra e deixar para recorrer somente no caso de inconformidade do adversário. O prazo para interposição é de 15 dias, coincidindo com o estabelecido no art. 508 para resposta na apelação, nos embargos infringentes e no recurso extraordinário (art. 501, I). 2. Pressupostos negativos São antecedentes negativos necessários à admissibilidade dos recursos a constatação da inexistência de preclusão lógica ou de preclusão consumativa, ou, em outras palavras, a aferição da inocorrência de fatos extintivos ou impeditivos do poder de recorrer. Fatos extintivos excluem o direito ao recurso. Assim, se desaparecer o objeto do litígio, ou se houver renúncia ao direito material ou ao direito de recorrer, ou, ainda, a desistência da ação ou desistência do recurso, não se poderá abrir a via recursal, ou, se já instaurada, será encerrada sem o julgamento de mérito. Os fatos impeditivos - aqueles que obstam o exercício do recurso - também podem determinar a inadmissibilidade. Constituem, geralmente, a prática de atos incompatíveis com o direito de recorrer, fazendo operar a preclusão lógica. Já os fatos modificativos podem alterar o objeto do recurso, mas não o extinguem. Há formas mais sutis de preclusão lógica (perda do direito em razão da prática de ato incompatível com o poder de atuá-lo). Verifica-se, por exemplo, quando o recorrente requer extrajudicialmente a preparação de instrumento para satisfação da obrigação que é objeto da ação. Se o recurso versa sobre a ilegalidade da cobrança do débito e, administrativamente, o recorrente pede a expedição de guia para pagamento ocorre a preclusão impeditiva do direito de recorrer, tendo-se o recurso por prejudicado. O CPC, arts. 501 a 503, arrola algumas hipóteses exemplificativas de fatos extintivos e impeditivos - a desistência, a renúncia e a aceitação tática. Diferentemente da desistência da ação, que requer a anuência da parte contrária quando formulada após o prazo para resposta do réu, ou depois de apresentada a constestação (§ 4º do art. 267), a desistência do recurso independe do consentimento da parte contrária ou dos litisconsortes (art. 501). O juiz ou o relator apenas homologará a desistência e ordenará a baixa dos autos ao juízo de origem, salvo se houver outros recursos a apreciar, caso em que prosseguirá somente quanto a estes. A desistência da ação, contudo, somente é fato impeditivo da apreciação do recurso quando houver a aceitação da parte contrária. O autor não pode, v.g., mesmo tendo vencido a ação em primeiro grau, fazer terminar o processo pela desistência se o réu ofereceu recurso e não concorda com a extinção do feito. A renúncia ao direito de recorrer diz respeito ao próprio poder de interpor o recurso, configurando fato extintivo do poder de instaurar a fase recursal. Também independe da aceitação da outra parte (art. 502). A aceitação tácita da decisão, da sentença ou do acórdão configura-se pela prática de qualquer ato incompatível com o exercício do direito de recorrer. Assim, se o réu efetua o pagamento do débito reconhecido na sentença, não poderá apelar da condenação que lhe fora imposta. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 37 3. Competência do órgão revisor Dentre os pressupostos recursais, há que examinar, ainda, a competência do órgão a que se destina o recurso. Em primeiro lugar, deve-se examinar a competência constitucional. A jurisdição é repartida a partir da Constituição Federal. Assim, nas ações da competência originária dos tribunais superiores, não se irá cogitar do cabimento de recursos típicos da instância ordinária, como a apelação. Somente serão adequados os tipos recursais que se dirijam àquelas cortes. Na competência originária dos tribunais ordinários, ou de segundo grau somente serão cabíveis os recursos que se dirijam à revisão de atos dos tribunais. Exemplo: não se admitirá apelação, na ação rescisória. Ainda no âmbito da competência constitucional, é preciso examinar o poder de revisão do órgão a que se dirige o recurso. Cada juízo de primeiro grau está vinculado a um órgão revisor e, nos tribunais há previsão da competência para apreciação dos recursos cabíveis ante os atos dos relatores, das turmas e seções. O profissional encarregado de elaborar a petição recursal terá que consultar o regimento interno do tribunal para definir o órgão com atribuição para recebê-la e o órgão que irá julgar o recurso. Há situações complexas que exigem o cuidado do advogado, como a que envolve a decisão ou sentença do juiz de direito com função federal delegada, nos casos de ações previdenciárias. O recurso se dirigirá ao Tribunal Regional Federal, e não ao Tribunal de Justiça. 4. Condições de admissibilidade Como o recurso é o poder de provocar a revisão do ato judicial, no curso do processo, coincidem as condições para que seja admitido com as condições da ação: legitimidade, interesse e possibilidade jurídica. São requisitos ligados ao ato recursal que devem estar presentes para que lhe seja apreciado o mérito. Antes de examiná-los, tracemos desde logo a divisória entre admissibilidade e mérito do recurso, advertindo para que tais elementos são considerados em relação ao recurso, e não à ação. Uma coisa é a legitimidade para agir, outra é a legitimidade recursal, uma o interesse de agir, outra o interesse recursal. O mérito da ação é uma coisa, o mérito do recurso, outra. A ação tem um objeto, que é o objeto do processo e ao qual está vinculado o âmbito do recurso, mas este tem, nesse limite, o seu objeto, que é a matéria impugnada. Analisaremos esse aspecto quando estudarmos cada recurso. Legitimidade recursal. Têm legitimidade para provocar a revisão do ato judicial, no curso do processo, as partes, o Ministério Público e o terceiro prejudicado. Partes são autor, réu, intervenientes e assistentes. Qualquer deles, desde que seja atingido pelo ato judicial, tem o poder de provocar a abertura da fase revisional. Tem-no, igualmente, o Ministério Público, seja quando atue como parte, seja quando intervenha como fiscal da Lei, do mesmo modo, o terceiro prejudicado, ou seja, aquele que não figura como parte no processo, mas que é reflexamente atingido pela eficácia da decisão. O terceiro terá que demonstrar o interesse jurídico que autoriza a sua intervenção no feito, o que o § 1º do art. 499 estabelece como “o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial”. Interesse recursal. Mas não basta estar legitimado a recorrer. É necessário, também, ter interesse, ou, em outras palavras, o recorrente deve almejar uma utilidade prática com a revisão do ato impugnado, a obtenção de uma situação, no deslinde da causa, que lhe seja mais favorável. A simples discordância da fundamentação não autoriza o conhecimento do recurso. 38 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Petição recursal apta. A possibilidade jurídica do pedido de reforma da decisão depende da sua formulação numa petição que preencha os requisitos formais estabelecidos na lei e que geralmente são a indicação do órgão a quem se dirige o recurso e que o examinará, a identificação do processo, os fundamentos do recurso e o pedido de prolação de um novo ato, que substitua o impugnado. Cada recurso tem os seus requisitos formais que serão examinados no momento oportuno. Bibliografia recomendada • • • • José Carlos Barbosa Moreira - Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V - 6a. ed. Forense, 1994; Cândido Rangel Dinamarco - A reforma do Código de Processo Civil - Malheiros, 1995; J. E. Carreira Alvim - Ação Monitória e Temas Polêmicos da Reforma Processual - Del Rey, 1995; Nelson Nery Júnior - Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, RPC (v. a mais nova edição) Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 39 MÓDULO 2 - APELAÇÃO 1. Conceito Apelação é o recurso que impugna a sentença, tanto aquela meramente terminativa, num dos casos previstos no art. 267, CPC, quanto à definitiva, ou de mérito, nas hipóteses do art. 269. Assim, será cabível para atacar o ato do juiz de primeiro grau com eficácia extintiva do processo, ou em outras palavras, que encerra a relação jurídica processual caso não seja provocada a abertura da fase recursal. Essa definição se ajusta ao modelo adotado pelo nosso legislador (art. 513), que, na reforma de 1973, procurou simplificar o sistema de recursos, abolindo o antigo agravo de petição, e, agora, na atualização progressiva que se empreende desde 1993, o enxugou mais ainda. Sempre que o profissional estiver diante de um ato proferido por juiz de primeira instância (federal ou estadual) que tenha a potencialidade de extinguir o feito, seja uma sentença que conclua pela inadmissibilidade da ação, ante a falta de certo pressuposto processual, ou de uma das condições da ação, ou que indefira a inicial, ou determine o arquivamento do feito ante a inércia do autor, seja uma sentença de mérito, desde aquela que pronuncia a decadência ou a prescrição, ou a que extinga o processo ante o reconhecimento do pedido pelo réu, até aquela em que o juiz acolhe ou nega o pedido após analisar os fundamentos da ação, em todas essas hipóteses caberá apelação. A referência ao juiz de primeiro grau vale como advertência, porque se o ato é proferido pelo tribunal em ação de competência originária (exemplos: a ação rescisória, o mandado de segurança) não caberá, obviamente, apelação, e, sim, nos cargos previstos na Constituição Federal, o recurso ordinário, o recurso especial ou o recurso extraordinário. 1.1 Regras excepcionadoras Mesmo com a simplicidade adotada, restam algumas situações que excepcionam a regra geral de cabimento da apelação. São elas: 1.1.1 O recurso ordinário ante sentença proferida pelo juiz federal nas causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País. O recurso será julgado não pelo tribunal ordinário, a que está submetido o juiz, mas pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, II, c, da Constituição Federal e art. 539, II, b, CPC). 1.1.2 As execuções fiscais e respectivos embargos de valor inferior a 50 OTN, em razão do disposto no art. 34 da Lei 6.830/80, que estabelece como recurso adequado para a hipótese os embargos infringentes do julgado (não confundir com os embargos infringentes do art. 530, CPC). Esse recurso de alçada é julgado pelo próprio juiz da causa. Como não há mais OTN, nem BTN, entende-se que a alçada corresponde a 283,43 UFIR no momento da distribuição da petição inicial. 2. Pressupostos e requisitos de admissibilidade Em todo recurso devem estar presentes certos antecedentes (fatos que lhe são exteriores e precedentes) que a lei exige para a formação da nova fase procedimental e certos requisitos (condições inerentes às partes ou ao objeto) impostos para que seja conhecido o pedido de reforma do ato impugnado. Já vimos tais pressupostos e requisitos de modo geral, no primeiro módulo. Aqui, vamos examiná-los no âmbito da admissibilidade da apelação. O tribunal não conhecerá do recurso se qualquer um desses pressupostos ou requisitos não estiver presente. 40 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 2.1 Adequação Não se cogitará do primeiro pressuposto recursal que é a recorribilidade, porque toda sentença é recorrível. Bastará cuidar do pressuposto da adequação. Esse é o primeiro antecedente necessário para a admissibilidade da apelação: é preciso que seja impugnada uma sentença, terminativa (art. 267) ou definitiva (art. 269). Sob o aspecto formal, a petição, que será sempre escrita, dirigir-se-á ao juiz da causa, que irá praticar os atos de impulso inicial do recurso, e deverá conter: I - os nomes e a qualificação das partes, bastando, para tanto, identificar o feito, pela sua classe e numeração, indicando-se os nomes do autor e do réu, porque a qualificação já consta da inicial; II - os fundamentos de fato e de direito, quais sejam, os motivos da impugnação, com os quais se delimitará o objeto do recurso, ou a matéria impugnada (voltaremos a tratar do assunto adiante); III - o pedido de nova decisão, ou a formalização da pretensão de revisão da sentença pelo tribunal, com o provimento do recurso; Tem-se como apta a petição recursal que contenha tais requisitos. O modelo comporta I. a abertura, na qual o apelante se apresenta, pelo seu representante judicial, nos autos de determinado processo, nomina a parte contrária e manifesta a sua inconformidade com o decisório, II. a fundamentação, em que são expostos os motivos de fato e de direito da impugnação, e III. o pedido de reforma da sentença. A motivação comporta a justificação do preenchimento dos pressupostos e requisitos do recurso - uma breve exposição das disposições da sentença, a data da intimação, a inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito ao recurso, as questões referentes ao processo e aos fatos e fundamentos da causa. Por isso se diz que cumpre ao apelante delimitar o objeto da apelação, que coincidirá com a matéria impugnada. Vamos precisar esse conceito. Ao decidir a causa, o juiz e as partes se conduzem de acordo com modelos traçados na lei processual - os modos de postular (p. ex, a inicial, a contestação, a intervenção de terceiros), de realizar a instrução (o depoimento pessoal, a inquirição de testemunhas, a prova pericial) e de decidir (o despacho, a decisão interlocutória, a sentença). Se o juiz ou a parte contrária praticam ato em desconformidade com tais figurinos, haverá irregularidade ou nulidade. Está-se aí no âmbito dos erros de procedimento - errores in procedendo. Toda alegação que versar sobre tais defeitos - digam eles respeito ao cabimento do recurso ou aos pressupostos e condições da ação - consistirá numa argüição preliminar, ou simplesmente, numa preliminar, que deve ser formulada e decidida destacadamente. Só após arrolar as preliminares é que a apelação abordará os fatos e fundamentos da causa pelos quais procura demonstrar o error in judicando, que justifique a reforma da sentença. As preliminares apontam erros de procedimento ou a inexistência destes. Depois de formulálas é que serão abordadas as questões de mérito. Às vezes, porém, o recurso se limita ao ataque de questões processuais, como a legitimação da parte, o interesse de agir, a deficiência da representação, dentre tantas outras possíveis. Por isso é importante distinguir o mérito do recurso do mérito da causa. Mérito do recurso é toda razão de pedir a reforma do ato judicial, quer se trate de questão atinente à regularidade do processo, quer se cuide dos motivos fáticos e jurídicos em que se sustenta a ação, nestes últimos se identificando o mérito da ação. Assim, se o juiz extinguiu o processo sem julgamento de mérito, digamos, por considerar ilegitimada a parte para a causa, a questão preliminar concernente à legitimidade constituirá Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 41 o mérito do recurso. É relevante, portanto, compreender que na apelação há preliminares de diversos tipos, a saber: 1- preliminares recursais: aquelas que dizem respeito ao cabimento ou não do recurso, ao conhecimento ou não da apelação pelo tribunal; 2- preliminares da ação: aquelas que têm a ver com a regularidade da relação jurídica processual, tais como a discussão dos pressupostos processuais e das condições da ação; e, 3- preliminares de mérito: aquelas que integram o mérito da ação, mas são prejudiciais à análise dos fundamentos de fato e jurídicos do pedido, tais como a prescrição, a decadência e o reconhecimento do pedido. 2.2 Preparo Antes de entregar a petição recursal em cartório ou secretaria, o advogado deverá providenciar o recolhimento das custas processuais, para tanto observando as normas legais aplicáveis. Na Justiça Federal, as custas são reguladas pela Lei 9249, de 4 de julho de l996, publicada no Diário Oficial do dia 5 passado, e que revogou a Lei 6.032/74. Seu cálculo obedece à tabela anexa àquele diploma. Na Justiça dos Estados, são previstas em leis estaduais e calculadas conforme determinado pelos Tribunais de Justiça. A secretaria do juízo (cartório) deverá fornecer guia e indicar os valores devidos, para que se viabilize o pagamento. Se houver algum empecilho, a parte deverá, de imediato, comunicar, mediante requerimento, ao juiz, a fim de se prevenir da deserção. Efetivado o preparo, cuidará o advogado de anexar o comprovante (a guia, devidamente autenticada), para atender à exigência do art. 511. Sempre que se inviabilizar o recolhimento das custas, a parte deverá justificar o fato e requerer seja relevada a deserção, devolvendose o prazo para preparo, como previsto no art. 519. É importante que os tribunais simplifiquem esse ato, baixando provimentos que obriguem os funcionários das secretarias ou cartórios a indicar com precisão o valor do preparo, ao fornecer a guia de recolhimento. Melhor ainda se já da intimação da sentença, como o fazem alguns juízos, constasse a indicação do valor do preparo. A União, os Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações estão dispensados de custas (art. 511, CPC e art. 4º da Lei 9.249.96), não se lhes exigindo preparo. Os conselhos de fiscalização do exercício profissional, mesmo sendo definidos como autarquias, não mais estão isentos do pagamento de custas (Lei 9.249, parágrafo único do art. 4º). 2.3 Tempestividade O prazo para apelação é de 15 dias (art.508), contando-se da data da publicação da sentença em audiência, quando nela for proferida, ou da intimação das partes, sempre excluído o dia do começo e incluído o dia do vencimento, e contando-se em dobro o prazo para a Fazenda Pública e o Ministério Público, bem como para os litisconsortes que tenham procuradores diferentes (art. 191). Quando a sentença é atacada por meio de embargos de declaração, dá-se a interrupção do prazo para interposição da apelação por ambas as partes (art. 538), e não mais a suspensão. Essa alteração implica i. em reabrir-se por inteiro o prazo para apelar, a partir da data da intimação da decisão dos embargos declaratórios, i.i em não se desconsiderar a interrupção se os embargos não forem conhecidos. Explico. No sistema anterior, a jurisprudência adotara o entendimento de que não se tem como suspenso o prazo para apelar se os embargos de declaração foram interpostos a destempo. Ocorre que a suspensão produzia efeitos para a parte que interpusera os 42 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba embargos, salvo se a retirada dos autos do cartório prejudicara a produção do recurso pela outra parte. Agora, não se dá a interrupção - elimina-se o prazo para ambas as partes, desde que qualquer delas ou o Ministério Público interponha os embargos de declaração. Não se poderia imaginar que uma parte pudesse valer-se do expediente de interpor embargos intempestivos para reduzir, ou até eliminar, o prazo para recurso da parte contrária. 2.4 Legitimação e interesse O apelante será a parte vencida, o Ministério Público ou o terceiro prejudicado (art. 499). Partes são autor, réu e os intervenientes - o assistente, simples ou litisconsorcial (arts. 50 e 54), o oponente (art. 56), o nomeado à autoria (art. 62), o denunciado da lide (art. 70) e o chamado ao processo (art. 77). O Ministério Público é parte ou interveniente especial (art. 82), em qualquer caso tendo amplos poderes recursais (§ 2º do art. 499). O terceiro prejudicado tem situação jurídica afetada reflexamente pela sentença, competindo-lhe justificar esse fundamento jurídico, ou seja, não será o mero interesse de fato que autorizará o recurso do terceiro, mas o interesse jurídico. 3. Limites da apelação: matéria impugnada O apelante tem o ônus de precisar a sua inconformidade com a sentença. Nessa especificação consistirá a matéria impugnada, que limitará o objeto do recurso (art. 515). Não estão compreendidos nestes limites os pontos que independem de provocação da parte, ou seja, aqueles que o juiz pode conhecer de ofício, tais quais os pressupostos e condições da ação, e a decadência. A apelação poderá versar sobre questão não apreciada na sentença, mas discutida no processo, e sobre ela o tribunal se pronunciará, não mais se limitando a anular o ato judicial, dada a regra do parágrafo 1º do art. 515, com nova redação, que veio tirar as dúvidas quanto à observância do princípio do duplo grau de jurisdição. Há fatos e fundamentos que o juiz de primeiro grau não precisa apreciar, porque decidiu a causa por um outro fundamento. Nesse caso, o tribunal, afastando o motivo pelo qual o juiz decidiu, passará a examinar os demais, em função da amplitude da devolução. É possível, também, que o juiz sentenciante tenha se omitido de apreciar alguma questão. O tribunal não mais anulará a sentença, mas passará ao exame da matéria, inclusive aquelas questões anteriores à sentença que nela não foram analisadas (art. 516). 4. Efeitos da apelação Todo recurso tem efeito devolutivo, que implica em substituição do poder de decidir a causa pelo órgão revisor. Até mesmo as questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, mas somente quando a parte provar que não pode provocá-las antes por motivo de força maior (art. 517). Note-se, porém, que se trata aí da discussão de questões que se insiram no pedido e da causa de pedir, porque estes são imodificáveis, após a citação, sem consentimento da parte contrária, ou, de qualquer modo, após o saneamento do feito (arts. 264 e 294). O efeito suspensivo faz com que seja obstada a execução da sentença em função da interposição do recurso. Tem-no normalmente a apelação, salvo nas hipóteses do art. 520. 5. Procedimento recursal Interposto o apelo, o juiz o receberá, indicando os efeitos (especificamente, se recebe o recurso em ambos os efeitos ou somente no devolutivo) e ordenando a abertura de vista ao apelado para responder. O juiz de primeiro grau poderá indeferir a petição recurso, fundamentando a inadmissibilidade do recurso, por falta de algum pressuposto ou requisito, tanto quanto da sua interposição, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 43 como, agora, quando da apresentação da resposta do apelado (nas contra-razões, o recorrido poderá demonstrar o incabimento do apelo), conforme explicitado no parágrafo único do art. 518. Uma outra inovação interessante da lei nova foi a abertura da possibilidade de retratação na sentença que indefere a inicial (art. 296). Antes, a causa tinha que ser levada, em apelação, ao tribunal, para anulação do ato decisório. 6. Julgamento da apelação No julgamento da apelação, o tribunal cuidará de observar a precedência do agravo de instrumento, caso ainda pendente. Quanto ao agravo retido, será apreciado como preliminar, desde que tal postulação conste das razões do apelante ou do apelado. O relator poderá negar seguimento à apelação manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicada, ou que contrarie a súmula do seu tribunal ou de tribunal superior. Dessa decisão cabe agravo em cinco dias para o respectivo colegiado (art. 557). Essa norma dá maior celeridade à tramitação dos recursos, permitindo uma filtragem daqueles cujo descabimento ou improcedência é evidente. Dando seguimento ao recurso, o relator irá preparar o seu pronunciamento e encaminhará os autos ao revisor, salvo nos casos de procedimento sumário, de despejo e de indeferimento liminar da inicial. Os tribunais incluem ainda em seus regimentos a dispensa de revisão na hipótese de o recurso versar sobre matéria predominantemente de direito. Só há necessidade de revisor quando o mérito do recurso versar sobre questão de fato dependente do exame minucioso da prova. Com isso, reduz-se o fluxo de processos no tribunal. O relator, quando dispensar revisão, ou o revisor, recebendo os autos, lançará visto e a secretaria providenciará a inclusão do feito em pauta de julgamentos que será publicada com o mínimo de 48 horas de antecedência (parágrafo 1º do art. 552). Do julgamento participarão três juízes - o relator, o revisor (ou segundo vogal, conforme o caso) e o terceiro vogal. O resultado será tomado pela maioria dos votos sobre as diversas questões (preliminares e de mérito) e inserido na ata de sessão, que será publicada mas não constituirá ainda marco para interposição do recurso. O acórdão será lavrado pelo relator, se vencedor, ou pelo juiz para tanto designado, quando o relator restar vencido. Uma vez proferido será encaminhada a publicação do seu dispositivo, com a ementa, na qual é lançado o sumário da decisão e dos pontos principais da fundamentação. O julgamento compreende as preliminares, entre as quais pode constar apreciação do agravo retido, ou seja um outro recurso, e o mérito, quando for conhecida a apelação. Se ambas as partes recorrem isoladamente, as apelações serão julgadas conjuntamente. Do mesmo modo, se houver apelação adesiva, recurso que a parte vencida parcialmente pode interpor no prazo de resposta, em petição separada das contra-razões, e cujo conhecimento fica dependente do conhecimento do recurso da parte contrária (art. 500). 44 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba MÓDULO 3 - AGRAVO 1. Introdução O recurso que na era dos descobrimentos revolucionou o Direito português, pondo fim à chicana que consistia em levar-se o processo até sentença definitiva, para anulá-la em função da invalidade de decisão anterior, renova-se, no Processo Civil brasileiro, adquirindo uma nova funcionalidade e eficácia que já está contribuindo para a desobstrução de uma parte do acúmulo de feitos na primeira instância e para o fim da utilização do mandado de segurança como meio de revisão de atos judiciais recorríveis. O agravo nasceu como instrumento de agilização e moralização do processo português. Antes, a parte deveria impugnar na sentença as questões sobre o ordenamento, instrução e todas as demais surgidas no curso do feito. Assim, após o árduo trabalho de instrução e julgamento, o juiz quase sempre tinha que fazer tudo de novo, ante a decisão anulatória do tribunal. Com a impugnação das decisões interlocutórias, não só se permitia ao juiz retratar-se para corrigir de imediato o erro de procedimento, evitando-se o desenvolvimento do processo nulo, como se viabilizava a revisão, de pronto, pelo tribunal, além de aplicar-se o princípio da preclusão em relação aos atos não impugnados. Um dos expedientes de chicana mais conhecidos era o que implicava em o advogado silenciar sobre o vício de uma decisão interlocutória, até sobrevir sentença. Mas o agravo, tanto o retido quanto o de instrumento, perdeu boa parte da sua utilidade social em função da demora no procedimento em primeiro grau, o que implicava em ser apreciado na segunda instância quando já não serviria para evitar o gasto de tempo com atividade inválida. Na prática, interpunha-se o agravo e o tribunal o conheceria pelo menos seis meses a um ano, às vezes mais, depois do ato impugnado. Se acolhido, seriam repetidos todos os atos. Pior ainda: a parte teria que utilizar do mandado de segurança para corrigir os efeitos da decisão atacada, porque o recurso não tem efeito suspensivo. No agravo de instrumento, havia a petição recursal que, uma vez recebida, implicava na abertura da fase de formação do instrumento pelo cartório, ante indicação de peças por uma parte, depois pela outra. Vinha a fase de resposta, seguida do preparo, depois, o juízo de retratação e, se negativo, a subida do instrumento ao tribunal. Agora, o agravante dirige-se diretamente ao tribunal, já com a comprovação do preparo e as cópias de todas as peças necessárias, e pode obter do relator a imediata suspensão da eficácia do ato impugnado. Ganha-se tempo e devolve-se ao recurso a sua proeminência como fator de moralização e agilização do processo. Em José Carlos Barbosa Moreira, Comentários, Forense, e em Alfredo Buzaid, Do Agravo de petição, há excelentes dados sobre a história do agravo e sua evolução, desde as quérimas ou querimônias dirigidas ao Rei protestando contra o agravo sofrido. 2. Pressupostos, requisitos e modalidades de agravo 2.1 Pressuposto específico: a impugnação de decisão interlocutória O agravo, nas duas modalidades em que se apresenta - retido ou de instrumento - é o recurso adequado para impugnar a decisão interlocutória proferida pelo juiz de primeiro grau. Esse é o primeiro antecedente necessário para que o tribunal dele conheça. O recorrente terá que indicar um determinado ato judicial com carga decisória, ou seja, com o efeito de constituir ou desconstituir uma situação, dentro da relação jurídica processual. Não terá essa conotação o despacho de mero expediente, que tem como resultado tão somente o impulso processual, nada criando, modificando ou extinguindo no processo. Assim, em princípio, se o juiz ordena a juntada de documentos ou a abertura de vista à Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 45 parte ou ao Ministério Público, não haverá nesse despacho qualquer elemento constitutivo. No sistema atual, inclusive, esses atos devem ser praticados diretamente pela secretaria ou cartório judicial (§ 2º do art. 162). Mas nada, no Direito, como na vida, é absoluto, por isso que é possível que um ato com essa aparência contenha, ou mascare, uma decisão interlocutória. Tome-se o exemplo de o juiz, num processo em que não há qualquer razão de intervenção do Ministério Público (art. 82), ordenar que se abra vista dos autos ao representante do Parquet. A parte ficaria prejudicada com a movimentação indevida do feito, implicando em retardamento. O gravame manifesto ensejaria a interposição do agravo, para correção do erro procedimental. Nessa mesma linha, observe-se que a prática tem revelado que o juiz sem maior atenção aos deveres do cargo é capaz de determinar a abertura de vista às partes com o único objetivo de evitar um pronunciamento que deveria de logo fazer. Digamos que a parte produziu um documento. A parte contrária deve ser intimada para manifestação, e o faz. Cabe ao juiz, então, impulsionar o feito, seja decidindo eventual questão incidente, seja proferindo saneador, ou efetuando julgamento antecipado. Mas, ao invés, lança o chamado “despacho pingue-pongue”, ordenando nova abertura de vista à parte contrária. Cuida-se de omissão que faz integrar ao despacho uma carga decisória capaz de abrir a via do agravo. Há, suplementarmente, o agravo regimental, como conseqüência da atribuição que se dá ao relator de indeferir de plano o processamento do recurso (art. 557). 2.1.2 O agravo retido O objetivo do agravo retido é o de evitar a preclusão (perda da oportunidade de agir para alcançar certa situação favorável no processo). O ato impugnado resolve certo incidente em prejuízo da parte, que não tem, entretanto, necessidade do pronto desfazimento, preferindo a solução da questão quando do julgamento de eventual apelação. Emprega, então, esse instrumento, que abre ainda a possibilidade de retratação. O juiz pode se convencer do erro de procedimento e corrigi-lo. Se não o fizer, a decisão será reexaminada pelo tribunal como preliminar, na apelação e desde que o apelante ou o apelado tenha formulado tal pedido em seu arrazoado. Dois são os subtipos do agravo retido: escrito e oral. 2.1.3 O agravo retido comum A modalidade comum e tradicional requer petição dirigida ao juiz da causa, identificando as partes e o processo, descrevendo o fato (o ato impugnado e as circunstâncias que o envolvem) e os fundamentos da impugnação e pedindo a reforma da decisão. Não haverá preparo (parágrafo único do art. 522) e a entrega da peça recursal dar-se-á diretamente na secretaria ou cartório. Ao receber o recurso, o juiz abrirá vista por cinco dias à parte contrária (§ 2º do art. 523), o que decorre da imperiosidade do contraditório (Constituição Federal, art. 5º, LV). Mesmo convencido do erro, o magistrado deverá ouvir a outra parte, porque esta poderá apontar razões novas que demonstrem a necessidade de manutenção do ato. Sob o ponto de vista prático, é também melhor que se observe a oportunidade de contradição, porque esta ensejará maior reflexão antes da deliberação a respeito do ato atacado. Para reformar a decisão o juiz precisa apresentar os fundamentos da retratação, mas, para confirmá-la, basta reportar-se às razões expostas no ato impugnado. É importante não se exagerar na aplicação do princípio da obrigatoriedade da fundamentação, para erigir tão relevante garantia constitucional em aparato formalista de sobrecarga do serviço judicial. O óbvio não precisa ser dito. A postura acaciana não condiz com a exigência de um Poder Judiciário ágil e adequado ao atendimento das suas funções. 46 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Quando o juiz reformar a decisão, o agravado poderá, por sua vez, interpor agravo, quer retido, quer de instrumento. É importante que o advogado ou o membro do Ministério Público que interpôs o agravo retido anote, na agenda, e cuide de ler com atenção os autos ao preparar a apelação, porque tem o ônus de, nesta, requerer, em preliminar, a apreciação do agravo pelo tribunal (§ 1º do art. 523). 2.1.4. O agravo oral Outro subtipo de agravo retido é o oral, interposto no curso da audiência (§ 3º do art. 523). O juiz decide sobre produção de prova, formulação de perguntas à testemunha, à parte contrária, esclarecimentos do perito, contradita e tantos outros incidentes, em pleno andamento da audiência. Tratando-se de pronunciamento do qual resulte gravame, a parte atingida tem a faculdade de interpor agravo oral. Entende o eminente juiz e professor Carreira Alvim, integrante da comissão que elaborou os anteprojetos da reforma do CPC e comentarista das inovações em livros de grande aceitação, que se sobrevier sentença em audiência e a parte não houver interposto agravo oral da decisão anterior, ter-se-ia operado preclusão. Examinemos mais detidamente o problema. A superveniência de sentença implica em oportunidade diferente de manejo do recurso. Caberá apelação do ato que extinguir o processo (art. 513) e ali o apelante poderá impugnar as questões anteriores à sentença, quer as decididas, quer as não decididas, conforme expressa referência dos §§ 1º e 2º do art. 515. E preclusão não poderia ter ocorrido, na hipótese, porque se cuida de decisão recorrível. Não havendo mais lugar para ataque mediante agravo de instrumento, porque já se está diante de sentença, ter-se-á que usar a apelação, colocando-se as razões da inconformidade, no particular, como uma das preliminares. Impedir-se o conhecimento da matéria a pretexto de preclusão significaria violação flagrante do princípio da ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal). Sim, porque a parte atingida pela decisão e que normalmente poderia aguardar dez dias após a audiência para interpor agravo retido na forma escrita ou o agravo de instrumento, seria obstada de provocar a atividade jurisdicional tendente à correção de eventual erro de procedimento. Interposto oralmente o agravo retido, a pane, que abdicou do prazo de dez dias para fundamentar a sua impugnação, terá que apresentar de imediato as suas razões, que serão reduzidas a termo, ditando-as ao secretário da audiência ou, se esta for gravada, simplesmente pronunciando a sua sustentação. Já a parte contrária, apesar de a lei não o dizer expressamente, poderá se reservar o direito de resposta no prazo legal, que é de cinco dias (§ 2º do art. 523), hipótese em que a audiência será suspensa, marcando-se data oportuna para sua continuação. Caberá, também aí, a retratação, após ouvida do agravado, oralmente ou por petição, no qüinqüídio. 2.2 O agravo de instrumento 2.2.1. Pressupostos O modelo do novo agravo de instrumento é, sem dúvida, o procedimento do mandado de segurança contra ato judicial, quebrando a tradição de que o recurso é interposto perante o juízo recorrido, mas proporcionando, com sua apresentação diretamente ao tribunal, celeridade e funcionalidade. A parte que sofreu gravame com decisão interlocutória pode impugná-la diretamente ao tribunal, ao invés de, pretendendo a sua reapreciação imediata, para corrigir o erro procedimental e evitar os danos dele advindos, ter que interpor o recurso e, ao mesmo Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 47 tempo, impetrar mandado de segurança, com pedido de liminar para atribuição de efeito suspensivo ao agravo. Aí está a utilidade da inovação: acabar com a repetição de atos e abrir uma via única para o ataque ao ato judicial que resolve questão incidente. Nesse ponto, vale uma observação. A antiga redação do art. 522 reportava-se genericamente a decisões proferidas no processo, ressalvando as hipóteses do despacho de mero expediente (art. 504), do qual não cabe recurso, e da sentença, impugnável mediante apelação. Nem bem a Lei 9.139/95 fora editada já discutiam os doutos acerca dos efeitos da inclusão no texto do dispositivo da qualificativa “interlocutória”, como se uma palavra ou um artigo de lei isolado pudessem modificar toda uma sistemática traçada no código. Sérgio Rizzi, em conferência pronunciada no Congresso Brasileiro de Direito Processual, de 24 a 26 de março de 1996, em Recife, publicada na coletânea “Estudo do Direito Processual Trabalhista, Civil e Penal” (Recife, 1996), apresenta as correntes que se formaram e conclui pela persistência do regime de ampla recorribilidade, com as mesmas ressalvas anteriores. Claro que essa é a orientação certa. Não fosse assim, como conciliar com a regra do art. 504 a interpretação do descabimento de recurso da decisão que embora cause prejuízo à parte, não resolva questão incidente? Evidente que não se trata de despacho de mero expediente, este sim, insuscetível de impugnação recursal. Haveria um buraco negro, que a Física admite, mas não o Direito. Pressuposto específico do agravo de instrumento é, portanto, a decisão de primeiro grau que cause prejuízo (situação desvantajosa) à parte, ao Ministério Público, fiscal da lei, ou a terceiro, e desde que não implique na extinção do processo (sentença), por, então, o recurso adequado seria o de apelação. Mas há ainda os pressupostos negativos, aqueles antecedentes que obstam a interposição do agravo de instrumento. São eles: a) as decisões posteriores à sentença somente serão atacadas em preliminares da apelação, salvo a que indeferir esse recurso (§ 4º do art. 523) - lembre-se que tal disposição diz respeito a certo processo, considerado isoladamente, ou, em outras palavras, não alcança outro processo, ainda que se instaure nos mesmos autos, como a execução de sentença, b) não será cabível também, no procedimento sumário, quanto às interlocutórias proferidas durante a audiência ou relativas a provas (art. 280, III), c) nem da decisão do juiz que admite a sua suspeição ou impedimento e ordena a remessa dos autos ao substituto legal (art. 313, primeira parte), porque, ainda que não se trate de causa legalmente prevista, o magistrado poderia declarar suspeição por motivo de foro íntimo, inviabilizando qualquer possibilidade de revisão do ato. Cuida-se, portanto, de preclusão lógica pro-judicato. Sempre será o agravo de instrumento o único recurso adequado nos casos da decisão da exceção de incompetência2 , na impugnação ao valor da causa e no processo de execução, no qual inexiste sentença, salvo a que extingue o processo pela satisfação do débito, pela transação ou quando se dá, por outro meio, a remissão total da dívida, e pela renúncia ao crédito (art. 794). Assim, somente haverá interesse recursal na interposição desse tipo de agravo, porque o retido não comportaria reapreciação pelo tribunal. Sérgio Bermudes recomenda o agravo de instrumento como o meio hábil para atacar o indeferimento ou o deferimento de tutela antecipada, também pela aplicação do raciocínio de que em se aguardando a sentença estaria prejudicado o objeto do recurso. 2 Sérgio Rizzi (ob. cit.) refere-se apenas à exceção oposta pelo terceiro prejudicado, mas, nos demais casos, também haverá necessidade de imediata apreciação pelo tribunal, para evitar que o processo se desenvolva ante juiz incompetente, com a nulidade de todos os atos decisórios. 48 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 2.2.2. Requisitos São requisitos da petição recursal aqueles elencados no art. 524 e outros contidos no CPC. Vamos enunciá-los: a) petição escrita dirigida ao tribunal e entregue no protocolo deste, postada no correio ou encaminhada por outra forma prevista em lei local (lei de organização judiciária estadual, ou lei estadual de procedimento, de que trata o art. 24,)ü, da Constituição Federal, ainda não descoberto pelos Parlamentos estaduais)3 , na qual deverá estar perfeitamente identificado o processo em que proferida a decisão; b) exposição do fato e do direito - é indispensável que o agravante indique claramente os fatos que devem ser apreciados pelo tribunal, especialmente o ato impugnado (a decisão do juiz de primeiro grau) e as suas conseqüências jurídicas; c) as razões do pedido de reforma da decisão, ou seja, os fundamentos pelos quais entende o agravante deva o tribunal rever o ato, anulando-o, simplesmente, ou substituindoo por outro que deva ser adotado para o bom andamento do feito; d) o nome e o endereço completo dos advogados, constantes do processo (tanto o advogado do agravante, quanto o do agravo, principalmente este último, que terá que ser intimado para resposta) - providência que não tem merecido maior atenção dos advogados, implicando em atraso no processamento do agravo, pois o relator normalmente tem ordenado a intimação do agravante para suprir a omissão, aplicando analogicamente a disposição do art. 284; e) a remissão às peças que devem instruir obrigatoriamente o agravo em que são as cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado (art. 525, I) e das peças cuja juntada é facultativa; f) a remissão ao comprovante do pagamento das respectivas custas e do porte de retomo, quando devidos, conforme tabela que será publicada pelos tribunais. Complementarmente, o agravante tem o ônus de se dirigir ao juiz da causa, no primeiro grau, requerendo juntada da cópia da petição do agravo e dos documentos que a instruem (art. 526). Com isso, permitirá ao juiz o exercício da retratação e a prestação de informações ao tribunal, independentemente da remessa de cópias das peças do recurso (o que, de resto, se revela plenamente dispensável, face à providência de natureza econômica contida nesse dispositivo). Apesar das posições minoritárias da Carreira Alvim e Cleto Forniciari Júnior, no sentido de que a falta da juntada de tais peças aos autos principais acarretaria o não conhecimento do recurso, esse não é o entendimento da maioria dos doutrinadores, nem das decisões dos tribunais. O código não sanciona a omissão, nem há razão lógica para tanto, porque o julgamento do agravo, com a resposta do réu, ou simplesmente com a intimação deste, far-se-á com a plena observância do contraditório. 2.2.3 Prazo Agora é de dez dias o prazo para impugnação das decisões do juiz de primeira instância. Ganha-se mais tempo para fundamentação, o que de modo algum acarreta retardamento, em relação ao procedimento anterior, que estabelecia cinco dias para a interposição do agravo, mas previa tempo infinitamente mais longo para preparo, formação de instrumento, resposta, juízo de retratação, até a subida do recurso. 3 O recurso postado no correio cria o grave inconveniente da possibilidade de recebimento por setor não especializado do tribunal. A correspondência da qual não conste na capa do envelope a natureza de recurso poderá ser confundida e juntada ao expediente administrativo geral, demorando de ser aberta e encaminhada ao protocolo. É importante, por isso, que o advogado fique atento ao recebimento e encaminhamento da petição ao setor de distribuição. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 49 O controle do pressuposto da tempestividade fica, de imediato, com o relator (no sistema anterior, o juiz de primeiro grau, a quem se dirigia o recurso, não poderia indeferi-lo por extemporaneidade). Proferida a decisão em audiência, conta-se daí o prazo recursal, excluindo-se, como em qualquer outra situação, o dia do começo e incluindo-se o do fim (art. 184). Quanto aos atos decisórios lançados nos autos, conta-se o lapso desde o primeiro dia após a intimação pelo órgão oficial nos Juízos sediados nas capitais (art. 236) e nas demais comarcas onde houver jornal especialmente destinado à publicação dos atos judiciais (art. 237). Nas comarcas onde a intimação se fizer pelo correio ou por oficial de justiça, o termo inicial é a data da juntada aos autos do aviso de recebimento ou da certidão de intimação (art. 241, I e II). Note-se que, havendo mais de um réu, o prazo só começa a correr quando o último for intimado (art. 241, III). O mesmo ocorrerá, mutatis mutandi, se forem vários os autores, com diferentes advogados, quando sejam estes os destinatários da intimação. 2.2.4 Atos do relator O agravo de instrumento deve ser distribuído de imediato. O art. 527 usa a expressão incontinente, para que a petição recursal tenha preferência que só pode ser disputada com o habeas corpus e o mandado de segurança, no setor de distribuição do tribunal. Essa previsão se destina à rápida correção de possível erro de procedimento que esteja prejudicando a parte. Nada mais injusto e danoso à sociedade que o dano causado pela atividade jurisdicional, seja por ação, seja por omissão, porque na Justiça é que o cidadão espera e deve encontrar a última e maior proteção ao direito que entende lhe caber. O mesmo artigo faz remissão a uma outra disposição de grande relevo introduzida pela reforma processual civil. Trata-se do poder conferido pelo art. 557 ao juiz relator de negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior. Se o recurso for evidentemente inadmissível (faltam-lhe os pressupostos ou os requisitos traçados pela lei), ou, e assim nas outras hipóteses, manifestamente improcedente, se tiver perdido objeto ou se for contrário à súmula do próprio tribunal ou de tribunal superior, será trancado na origem. Primeiro é preciso ressaltar que defeitos existem no recurso que podem ser sanados, daí, como dito acima, a aplicação analógica do disposto no art. 284, que manda o juiz abrir prazo para correção ou emenda da inicial. Se uma peça estiver ilegível, por exemplo, será dada ao agravante oportunidade para substituí-la. Se vier com a indicação incompleta do nome ou do endereço dos advogados, também poderá a falta ser suprida. Mas não poderá o relator utilizar essa oportunidade para permitir a juntada de peça obrigatória, que deveria acompanhar a petição recursal, pois assim estará desequilibrando as partes, com benevolência para quem descumpriu o claro comando legal. Vejamos, agora, o que vem a significar a manifesta inadmissibilidade, manifesta improcedência, a perda de objeto e a contrariedade à sumula. O recurso é inadmissível quando carece de um dos pressupostos processuais recorribilidade, adequação, tempestividade, preparo, de uma condição - legitimidade para interpor e interesse recursal ou de outro requisito (v. item 2.2.2). Se transparece uma dessas causas obstativas do conhecimento, não há sentido para que se dê continuidade ao processamento. É manifesta a improcedência quando os fatos narrados não levam à conseqüência jurídica pretendida. Se o agravante pretende a reforma de uma decisão e apresenta motivação que não conduz logicamente à revisão do ato, impõe-se o trancamento do recurso. Prejudicado está o conhecimento do agravo quando se dá a perda do seu objeto. O pedido de reforma se esvaziara seja por já ter sido atendido, com o juízo de retratação (art. 529), 50 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba seja porque sobreveio sentença que superou a questão levantada, seja porque se tornou materialmente impossível o alcance da situação de vantagem postulada. A contrariedade à súmula do tribunal (não de outro do mesmo nível) ou de tribunal superior também enseja a negativa de seguimento ao recurso, mas deve ser claro o conflito entre as razões do agravo e o verbete sumulado. Criação da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35, art. 28), inspirada no antigo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o poder de o relator, no antigo Tribunal Federal de Recursos negar seguimento a recurso que contrarie súmula destinava-se a aliviar a sobrecarga de trabalho dos tribunais, evitando levar-se à discussão em turma ou em plenário questão já pacificada. A disposição passou a ser aplicada nos Tribunais Regionais Federais e foi ampliada na Lei 8.038/90, que regulou os poderes do relator no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, e tem o mesmo conteúdo do art. 557, CPC, agora estendido a todos os tribunais. Cuida-se de providência, como acentuamos no módulo sobre Apelação, da maior importância para desobstrução das pautas dos tribunais e para viabilizar o processamento mais rápido do recurso. Da decisão do relator caberá agravo, de que trataremos no item próprio. 2.2.5 Efeito suspensivo ao agravo O efeito normal da interposição do agravo é exclusivamente devolutivo. A suspensão do ato atacado pode ser obtida, mas tem que ser sempre fundamentada. Inovação de grande alcance introduzida pela Lei 9139 é a que amplia, em relação ao sistema anterior, e facilita a possibilidade de o relator atribuir efeito suspensivo ao recurso. Daí é que se irradiam os efeitos mais intensos de economia processual do novo agravo e a conseqüência do esvaziamento da utilização do mandado de segurança contra ato judicial. Sempre que verificar, “nos casos de prisão civil, adjudicação, remissão de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação”, o relator, a requerimento do agravante, poderá “suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara”. As hipóteses de prisão civil, adjudicação, remissão de bens e levantamento de dinheiro sem caução idônea são exemplificativas. Em qualquer caso, desde que evidenciada a relevância dos fundamentos do agravo (aparência do bom direito, ou plausibilidade do direito invocado) e a possibilidade de lesão grave e de difícil reparação (perigo de demora), o relator atribuirá efeito suspensivo ao recurso, comunicando de pronto ao juízo recorrido. Mais ainda - e essa é a tendência dominante no Tribunal Regional Federal da 5ª. Região se o ato impugnado é omissivo (ou seja, se o juiz, por exemplo, negou liminar que deveria conceder) o uso do termo suspender no dispositivo mencionado tem o mesmo alcance que a expressão “que suspenda o ato impugnado”, constante do art. 7º, II da Lei 1.533/51, que, de resto, é a fonte inspiradora da Lei 9.139. Essa é a interpretação teleológica do dispositivo, aquela que melhor atende à finalidade de pronta sustação dos efeitos do ato judicial com indícios suficientes de erronia. 2.2.6 Os demais atos procedimentais Se a petição recursal estiver em ordem, o relator poderá requisitar informações ao juiz da causa, o que só não se fará necessário em casos excepcionais e até poderá permitir uma melhor reflexão do magistrado de primeiro grau, no juízo de retratação, e ordenará a notificação do agravado, pelo seu advogado, por ofício, pelo correio, com aviso de recebimento e abrindo este prazo de dez dias para resposta e para juntada dos documentos que achar convenientes ao exame do recurso. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 51 Na resposta, o agravado examinará os fatos e o direito e, obviamente, sustentará os fundamentos da decisão recorrida. As contra-razões poderão ser apresentadas no protocolo ou enviadas pelo correio, da mesma forma que a petição do agravo. O julgamento na Turma deverá realizar-se até 30 dias após a intimação do agravado para resposta (são dez dias de prazo, mais dois para juntada e conclusão, e, pelo menos, seis dias para publicação da pauta no Diário da Justiça, com o que restam cerca de 12 dias para exame do feito e anotações pelo relator). A distribuição do agravo previne o relator para julgar a apelação, o que permite o cumprimento do disposto no art. 559, que impede o julgamento da apelação antes do agravo. 3. O agravo regimental Disposições legais diversas foram surgindo para regular o recurso antes extranumerário, denominado agravo regimental por constar de previsão exclusiva nos regimentos dos tribunais, servindo para atacar as decisões monocráticas de seus juízes. Começou pelo agravo da decisão do presidente que suspendia a execução da sentença no mandado de segurança (Lei 1.533/51, art. 13), depois o agravo da decisão do presidente que suspende liminar ou sentença, também no mandado de segurança (Lei 4.348/64, art. 4º), mais tarde o agravo (para a turma julgadora competente para apreciar o recurso) da decisão do presidente que concede ou denega a suspensão da liminar na ação civil pública (Lei 7.347/85, § 1º do art. 12) e o agravo (para o plenário) da decisão do presidente que concede ou denega a suspensão “da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes” (Lei 8.437/92, art. 4º). A Lei 8.038/90, como visto, ao alargar os poderes do relator, no Supremo Tribunal Federal e no antigo Tribunal Federal de Recursos, estabeleceu, em contrapartida, a recorribilidade dos atos monocráticos dos ministros, mediante agravo para o órgão competente para o julgamento do recurso ou da petição. Agora, o Código de Processo Civil contém diversas previsões de agravo que correspondem ao agravo regimental, termo que pode ser mantido, para permitir o diferenciamento do agravo que ataca decisão de primeiro grau, até porque a natureza daquele é distinta. Basta atentar para o fato de que a decisão do relator pode implicar na extinção do processo, enquanto a decisão interlocutória do juiz do primeiro grau tem como característica o não encerramento do feito, no que se distingue da sentença. Abstraindo o agravo de instrumento especialíssimo, ante decisão que nega seguimento a recurso extraordinário ou a recurso especial, são as seguintes as hipóteses de agravo regimental previstas no CPC: a) art. 532, ante decisão do relator que indefere o processamento de embargos infringentes; b) art. 544, ante decisão do relator, no STF ou no Superior Tribunal de Justiça, que inadmite agravo de instrumento em recurso extraordinário ou em recurso especial, e, c) parágrafo único do art. 557, ante decisão que nega seguimento a recurso. Além dessas hipóteses, subsistem todas as outras reguladas nos regimentos internos dos tribunais. A petição recursal apontará as razões de pedir a reforma da decisão e o relator apresentará o agravo, em mesa, independentemente de pauta, ante a turma, a câmara ou o plenário, conforme a competência para julgar o recurso. Bibliografia recomendada • • • 52 José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 1993. Cândido Rangel Dinamarco, A Reforma do Processo Civil, São Paulo, 1995. Sálvio de Figueiredo Teixeira, A Efetividade do Processo e a Reforma Processual, 1995 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba • Sérgio Rizzi, O Novo Recurso de Agravo de Instrumento à Luz da Lei 9.139/95, in Estudo do Direito Processual Trabalhista, Civil e Penal, Recife, 1996. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 53 DESAPROPRIAÇÃO - PERFIL ATUAL Francisco Geraldo Apoliano Dias Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região Sumário: I - Considerações prévias. II - Conceito. III - Fundamentos. IV - Princípios básicos da atividade expropriatória. V - Requisitos constitucionais. VI - A desapropriação por interesse social. VII Competência. VIII - O Decreto declaratório. IX - A declaração de interesse social. X - A vistoria administrativa. XI - O levantamento da oferta. XII - A prova pericial. XIII - A fixação da indenização. XIV - O artigo 14 da Lei Complementar 76/93 e o Supremo Tribunal Federal. XV - O Ministério da Reforma Agrária. XVI - Bibliografia. I- Considerações prévias Pontal do Paranapanema… Eldorado… Movimento dos “Sem Terra”… Violência no Campo… E a Reforma Agrária? Por que não se realiza? Por que não se desapropriam terras improdutivas e não se assentam trabalhadores rurais para que produzam, sustentem com dignidade as respectivas famílias, assegurando-se-lhes, a partir daí, condições para o exercício pleno da cidadania? São apenas algumas das indagações que inquietam a todos, e para as quais ainda não se encontrou resposta satisfatória, muito embora se costumem apontar múltiplas soluções para todos esses questionamentos. Em atenção ao momento histórico hoje vivenciado por toda a sociedade, é que me animo a empreender um esforço no sentido de fazer traçar, em rápidas considerações, um perfil do instituto da desapropriação, tal como se apresenta hoje, no direito positivo brasileiro. Quem sabe ao cabo das considerações que aqui serão alinhavadas, não consigamos vislumbrar, todos nós, leigos e estudiosos do fenômeno jurídico, algumas das soluções possíveis para o equacionamento das questões afloradas no início deste trabalho. II- Conceito A desapropriação, quiçá a “… mais drástica das formas de manifestação do poder de império, ou seja, da Soberania interna do Estado no exercício de seu domínio eminente sobre todos os bens existentes no território nacional” - Hely Lopes Meirelles, in, “Direito Administrativo Brasileiro”, 19ª. ed. p. 508, “Malheiros”, São Paulo, 1994 -, é procedimento administrativo por excelência, que se exercita nos exatos limites insculpidos no inciso “XXIV” do artigo 5º da vigente Carta Política, e nos casos previstos em lei, com a observância indispensável do devido processo legal. Para maior comodidade no acompanhamento do raciocínio que se está a desenvolver, transcrevo o dispositivo constitucional adrede referido: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante 54 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição” (sublinhei). As ressalvas referidas no dispositivo constitucional acima reproduzido, aludem à possibilidade de que a desapropriação ocorra sem que a prévia indenização seja efetuada em moeda corrente, ou que nem mesmo exista. Acham-se elas consignadas nos artigos 182, inciso “III”, 184, e 243, nos quais se fez estatuir, pela ordem: (a) a desapropriação, pelo Poder Público municipal, nos termos da lei, de área incluída no plano diretor da comuna, quando o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, não promover o seu adequado aproveitamento, mediante a paga “… em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”; (b) a desapropriação, pela União, para fins de reforma agrária, do imóvel rural que não esteja a cumprir a sua função social, mediante prévia e justa indenização “… em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”; (c) a imediata expropriação de glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, terras que serão prontamente destinadas ao assentamentos de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, “… sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. Penso já ser possível, a partir das disposições constitucionais a que se fez menção, e com amparo na Doutrina mais escorreita, esboçar um conceito de desapropriação. Pode-se dizer que ela é “o procedimento administrativo através do qual o Poder Público, tendo em vista a necessidade ou a utilidade pública, ou o interesse social, subtrai de alguém, compulsoriamente, um dado bem ou direito, adquirindo-o de forma originária, mediante prévia e justa indenização, ressalvada a hipótese em que seja utilizado como forma de aplicação de penalidade, por decorrência de ilícito criminal, caso em que a indenização não será, de regra, devida”. III- Fundamentos É pertinente cogitar-se, em tema de desapropriação, da existência de um fundamento: (a) político, que se traduz na prevalência do interesse coletivo sobre o individual, quando postos em conflito; (b) de um, jurídico-teórico, correspondente à exteriorização, dentro do ordenamento jurídico, dos princípios políticos por ele albergados; (c) de um, normativo constitucional, tal como desponta dos cânones da Carta Política em vigor, aqui já reproduzidos ou anunciados; e, por fim, (d) de um fundamento normativo infraconstitucional, que se desvenda na legislação específica, merecendo destaque o Decreto-Lei nº 3.365, de 1941, e alterações anteriores (Lei nº 4.686, de 1965, Lei nº 6.602, de 1978)que dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública, a Lei nº 4.132, de 1962, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação, o Decreto-Lei nº 1.075, de 1970, que regula a imissão de posse “initio litis” em imóveis residenciais urbanos, a Lei Complementar nº 76, de 1993, que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, para fins de reforma agrária, a Lei nº 8.257, de 1991, que dispõe sobre a expropriação de glebas nas quais se localizem culturas Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 55 ilegais de plantas psicotrópicas e dá outras providências, e a Lei nº 8.629, de 1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária. IV- Princípios básicos reguladores da atividade expropriatória Como atividade típica da Administração Pública, submete-se a desapropriação aos princípios básicos da: - legalidade - a chamada desapropriação indireta “… não passa de esbulho da propriedade particular e como tal não encontra apoio em lei. É situação de fato que se vai generalizando em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o proprietário até mesmo com os interditos possessórios. Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindicação, restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente, da maneira mais completa possível, inclusive correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho, e honorários advocatícios, por se tratar de ato caracteristicamente ilícito da Administração.” (cf. MEIRELLES, Hely Lopes, Ob. Cit. p. 509 e ss.) - moralidade - é inconcebível que a desapropriação ocorra fundada em arritmia com os princípios éticos, notadamente os da lealdade e os da boa fé, eis que à Administração é defeso qualquer “… comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos” - cf. C. A. Bandeira de Mello - Curso de Direito Administrativo, 5ª ed. p. 59 e ss., “Malheiros”, São Paulo, 1994; - impessoalidade - tampouco é aceitável que do ato expropriatório dimanem situações que se venham de caracterizar como discriminações, simpatias ou animosidades de qualquer matiz, eis que a Administração deve a todos, tratamento isônomo, aí considerados os “status” jurídicos próprios de cada administrado; - finalidade - ao administrador impõe-se que só pratique o ato para o seu fim legal, subentendido que, o fim legal “… é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal” (MEIRELLES, Hely Lopes - Ob. Cit. p. 85 e, - publicidade - sem o qual, não se realiza a isonomia, nem é possível o exercício das forma de controle constitucionalmente admitidos, nem haverá a sempre tão desejada “transparência” dos negócios e atos públicos, nem mesmo o devido processo legal será observado(veja-se a propósito - FIGUEIREDO, Lúcia Valle - Ob. Cit. p. 48 e ss.-, vetores básicos que, juntamente com outros subprincípios, que deles defluem, informam toda e qualquer atividade administrativa. V- Requisitos Constitucionais Sobressai, ainda, dos dispositivos constitucionais trazidos à colação, que o ato administrativo de desapropriação se exercita sob influxo de certos requisitos, quais sejam: - a necessidade pública - que se caracteriza quando a Administração enfrenta situações de emergência, cuja solução satisfatória, exija a urgente transferência de bens de terceiros, particulares ou não, para o seu domínio e utilização imediata; - a utilidade pública -,que avulta quando se revela conveniente (embora não imprescindível) ao público interesse, a transferência de bens de terceiros para a Administração; - o interesse social -, isto é, quando as circunstâncias impõem “… a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público” (MEIRELLES, Hely Lopes - Ob. Cit. p. 516); - a necessidade de imposição de pena -, “… pelo descumprimento da função social da 56 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba propriedade” - cf. Lúcia Valle Figueiredo, in “Curso de Direito Administrativo”, p. 203, Malheiros, São Paulo, 1994 -, tal como expressamente estatuído na própria Constituição em vigor e, - a justa e prévia indenização -, devida em quase todos os casos, em dinheiro, ou em títulos da dívida pública ou da dívida agrária, tal como já restou destacado em outros pontos desta exposição. VI- A desapropriação por interesse social A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, à conta de toda a conjuntura que se desenha no noticiário do dia a dia, é a que reclama, ao meu sentir, uma maior atenção. Em função disso, e atento às limitações próprias de uma incursão dessa natureza, é que me deterei mais nessa espécie de desapropriação, na tentativa de tracejar-lhe um perfil específico que, afastadas as peculiaridades que lhe sejam próprias, servirá ao feitio de molde ou padrão, para as demais espécies expropriatórias. Destaquei que a desapropriação é procedimento administrativo por excelência; destaco, agora, que o procedimento expropriatório pode se realizar, tão somente, na via administrativa (fase declaratória e executória processada no âmbito da própria Administração) mas pode reclamar, também, a atuação judicial (fase declaratória em sede administrativa e fase executória em Juízo). No caso específico das desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária, a utilização da via judicial é imprescindível. Há um procedimento especial, de rito sumário, tal como referido na Constituição de 1988 (§ 3º do artigo 184), para as desapropriações para fins de reforma agrária; refiro-me ao que é disciplinado na Lei Complementar nº 76, de 1993. Sem o exame desse ato normativo (ao menos de alguns dos seus tópicos) não será possível a apreensão das diversas nuanças, assim do procedimento administrativo de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, como do processo ou da fase judicial que àquele se subsegue. VII- Competência É privativa da União (LC nº 76/93 - artigo 2º, 1ª parte) o que torna competente para apreciar e decidir a lide, o Juiz Federal da Vara privativa das desapropriações para fins de reforma agrária. Em função da interiorização da Justiça Federal, em boa hora concebida e implantada, a partir de 1986, pelo eminente Ministro Lauro Leitão, à época, presidente do extinto e sempre egrégio Tribunal Federal de Recursos (TFR), talvez se pudesse cogitar no sentido de que essa competência, privativa, em princípio, dos Juízes Federais das “Varas Agrárias”, fosse atribuída, também, aos ocupantes das Varas interioranas. Se por um lado, tal poderia contribuir para a agilização procedimental (imóvel situado na sede do Juízo, com maiores facilidades para o deslocamento do Perito, por exemplo) por outro poderia, também, acarretar morosidade para a tramitação processual. É que as intimações do “INCRA” -Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária”órgão federal, cujos prepostos, ingressarão na propriedade particular, “… para levantamento de dados e informações, com prévia notificação …” (Lei nº 8.629, de 1993 - § 2º do artigo 2º) e a quem incumbirá, também, aforar “opportuno tempore”, a ação expropriatória, por exemplo, teriam de ser feitas na forma estabelecida na segunda parte do artigo 237 do vigente Código de Processo Civil (vale dizer, por carta registrada) eis que, em boa parte das comarcas, não existe órgão de publicação dos atos oficiais. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 57 Anote-se, por outro lado que, a teor do que se contém no § 1º do artigo 18 da L.C. 76, de 1993, “qualquer ação que tenha por objeto o bem expropriando será distribuída, por dependência, à Vara Federal onde tiver curso a ação de desapropriação, determinando-se a pronta intervenção da União”. Isso inviabilizaria, na prática, a tramitação célere do processo judicial, de vez que os advogados da União, hão de ser intimados, sempre, pessoalmente (Lei Complementar nº 73, de 1993 - artigo 38)! Bem se vê que, a alternativa de outorgar competência aos Juízes Federais das Varas situadas fora das Capitais dos Estados, não seria, na maioria dos casos, fórmula que pudesse contribuir para a pronta solução da lide… VIII- O Decreto declaratório Retomo os comentários em derredor do artigo 2º, da Lei Complementar nº 76, de 1993; e na segunda parte do dispositivo se estabelece que a desapropriação será procedida de decreto declarando o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária. Decretos “em sentido próprio e restrito, são atos administrativos da competência exclusiva dos Chefes do Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas de modo expresso, explícito ou implícito, pela legislação” (MEIRELLES, Hely Lopes - Ob. Cit. p. 162). Pode-se sustentar que o nosso ordenamento jurídico admite duas modalidades de decreto geral (normativo): o independente ou autônomo e o regulamentar ou de execução. O decreto que declara o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária, porque regula, sem invadir as reservas de lei, matéria possível de ser disciplinada mediante o emprego dessa espécie normativa, pode ser doutrinariamente classificado como decreto independente ou autônomo. Tal ato, até bem pouco tempo, era editado somente após a realização de levantamento aerofotogramétrico da área a ser expropriada. E porque tomava por base os resultados decorrentes do levantamento já mencionado, em que pese a possibilidade de, nesse tipo de iniciativa, consubstanciarem-se acentuadas distorções, notadamente no que diz respeito à área efetiva do imóvel objeto de desapropriação, os decretos traziam em seu bojo, as coordenadas (pontos de latitude e de longitude) de toda a área a ser expropriada. Hoje, já não é assim; o decreto que declara o imóvel de interesse social para fins de reforma agrária, contenta-se em identificar o imóvel (menciona o nome da propriedade, o município e a Unidade da Federação onde se situa, os nomes dos proprietários e a área provável), sem que haja mais qualquer menção às coordenadas da área. Disso decorrem conseqüências relevantes; menciono algumas: como já não se especificam as coordenadas do imóvel, o levantamento topográfico, sem prejuízo da realização da prova pericial onde se irá aferir a justa indenização devida torna-se, mais do que nunca, de realização imprescindível. Só a partir do levantamento topográfico, saber-se-á, com segurança, qual a área efetivamente expropriada (esse tipo de prova permite a aferição milesimal da área dos polígonos irregulares - e na maioria das vezes, as áreas a serem expropriadas se apresentam com essa conformação) o que se projeta, notadamente, na própria indenização devida. Ademais, só a perícia identificará, com exatidão, se existem benfeitorias pertencentes a posseiros e qual o justo valor a eles devido - nem sempre a vistoria administrativa apura circunstâncias dessa natureza. 58 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba IX- A declaração de interesse social Consoante o disposto na Lei nº 4.132, de 1962, a desapropriação por interesse social “… será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem-estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal” (artigo 1º - a menção ao artigo 147, remete à Carta de 1946, vigente ao tempo da edição do ato normativo ora examinado). E diz-se mais (inciso I, do artigo 2º): “Considera-se de interesse social, o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico”. Logo a seguir se esclarece que, “… o disposto no item I deste artigo só se aplicará nos casos de bens retirados de produção ou tratando-se de imóveis rurais cuja produção, por insuficientemente explorados, seja inferior a média da região, atendidas as condições naturais do seu solo e sua situação em relação aos mercados” (§ 1º do mesmo artigo). Pois bem: só a propriedade improdutiva, pode ser expropriada; mas não é difícil que se “simule”, na vistoria administrativa da qual falarei a seguir, uma situação de conflito na área (basta que “os sem terra” a invadam) e já se tornará conveniente que a Administração declare o imóvel de interesse social para fins de reforma agrária. O Supremo Tribunal Federal, em pronunciamento recente (o acórdão ainda pende de publicação) tendo em vista a prova produzida, reconheceu que a situação efetiva de um dado imóvel havia sido “maquilada” e, à conta dessa irregularidade, proclamou nulos os efeitos do ato de desapropriação. É que a Fazenda Timboré, localizada entre os municípios de Andradina e Castilho (SP.) “… anteriormente à invasão dos sem-terra, era considerada produtiva. Com a invasão, a propriedade foi fragmentada e deixou de ser produtiva, deixou de cumprir suas funções. Com isso, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) atestou que a propriedade não era mais produtiva e o presidente assinou o decreto de desapropriação”, tal como se fez noticiar na edição de 26 de março de 1996, da “Gazeta Mercantil”. Ainda segundo o noticioso, o eminente ministro relator, Celso de Mello, entendeu que o “… governo federal não pode invocar contra o proprietário uma falta de produtividade decorrente de uma invasão”. E em outro trecho fez-se sublinhar: “Esse é um caso emblemático e preocupante do crescente desprezo do governo federal pelas normas da Constituição Federal que asseguram o direito à propriedade. Elas estão descritas nos artigos 184, 185 e 186 da Constituição Federal, diz o ministro, ressaltando que a decisão do STF não é contra a reforma agrária, e sim contra essa prática ilícita, particularmente”. O raciocínio consagrado na decisão acima noticiada, há de prevalecer nos casos em que a declaração de interesse social tenha por esteio, verbi gratia, situações de conflito geradas propositadamente. Menciono, a guisa de exemplo, grupo de pessoas que, agindo em nome dos “sem-terra”, ameace invadir uma propriedade, cujos donos, resolvam exercitar, nos limites legalmente admitidos, a defesa da posse … Ou, quem sabe, rebanhos (bovinos, ovinos ou caprinos) de terceiros que, de súbito e por mera “coincidência”, resolvam pastar em uma propriedade que se pretenda expropriar … Situações como essas, encerram em si mesmas potencialidade para deflagrar instantes de tensão, o que é facilmente captado na vistoria administrativamente empreendida no imóvel (na prática, não é difícil que ocorram situações assemelhadas às do exemplo ora consignado). Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 59 A posição sufragada no colendo Supremo Tribunal Federal é, assim o reputo, da maior relevância, e se sintoniza, ao meu sentir, com o princípio da universalidade da jurisdição; afinal, ainda quando seja defeso ao expropriado discutir”… quanto ao interesse social declarado … “(artigo 9º, da L.C. 76, de 1993), se a ilegalidade residir justamente aí, não se poderá subtrair tal lesão, ou mesmo a simples e só ameaça de lesão a direito, ao controle jurisdicional da constitucionalidade e/ou da legalidade, confiado ao Poder Judiciário. X- A vistoria administrativa Extrai-se do § 2º, do artigo 2º, da Lei Complementar sob exame, a legitimidade do expropriante para empreender a vistoria e a avaliação do imóvel, inclusive com o auxílio de força policial, mediante prévia autorização do Juízo competente, responsabilizando-se os prepostos que se desincumbirem de tal mister, por eventuais prejuízos que venham de causar, sem que afaste a incidência das sanções penais compatíveis. A experiência há demonstrado que a avaliação administrativamente empreendida, quiçá por se cogitar de ato realizado de forma unilateral, e que não se beneficia, portanto, dos influxos salutares do contraditório, quase nunca aponta o justo preço, quer da terra nua, quer das benfeitorias existentes na área a ser expropriada. Ou a avaliação desses itens é risível, o que elimina a possibilidade de qualquer acordo entre as partes interessadas ou, por vezes (embora não seja freqüente), é superfectada. A propósito da ocorrência dessa última hipótese, atente-se para a publicação estampada no noticioso “Estado de São Paulo”, edição de 8-4-1996, dando conta de que em Goiás,”… o INCRA desapropriou uma área de 322,5 alqueires para fins de reforma agrária e propôs o pagamento de R$ 8.159 por alqueire”. E, segue a nota, “… segundo o juiz federal Carlos Humberto de Souza, o preço oferecido pelo mercado para a mesma região, em média, varia de R$ 2 mil a R$ 3 mil por alqueire …”. Em sã consciência, alguém duvida de que essas ou outras hipóteses, sejam possíveis de acontecer?! XI- O levantamento da oferta Caso não exista dúvida acerca do domínio, “… poderá o expropriando requerer o levantamento de oitenta por cento da indenização depositada, quitado(s) os tributos e publicados os editais, para conhecimento de terceiros, a expensas do expropriante, duas vezes na imprensa local e uma na oficial, decorrido o prazo de trinta dias” - § 2º, do artigo 6º da LC sob exame. O dispositivo legal não encerra, no concernente às exigências a serem cumpridas para que o levantamento de parte da oferta possa ocorrer validamente. Questão de ordem prática, todavia, tem surgido por conta da publicação dos editais na imprensa local. A publicação (que é custeada pelo INCRA) reclama a realização de concorrência pública. Mas é comum que as empresas que se dediquem às atividades próprias da imprensa, tenham dívidas para com a Previdência Social e, portanto, estejam impedidas de licitar enquanto não pagarem as dívidas de suas responsabilidades. Caso já se registrou em que, todas as empresas de um dado Estado-membro, deviam à Previdência; e por causa disso, nenhuma delas pode ser admitida a participação do torneio licitatório. Qual a solução possível? Privar o expropriado de efetuar o levantamento dos valores judicialmente custodiados? Paralisar a marcha processual? Ou incumbir os prepostos do 60 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba “INCRA” de desenvolverem gestões junto ao Expropriado, ao objetivo de que ele próprio arcasse com os ônus (que costumam ser expressivos) das publicações para futuro ressarcimento?! Por que não excluir a publicação dos editais da imprensa local, isto é, confiá-la, apenas, ao órgão incumbido de efetuar a publicidade dos atos oficiais, sem prejuízo da afixação de cópia do edital no átrio do Foro da Comarca de situação do imóvel a ser expropriado, e no átrio do próprio Foro Federal perante o qual tramitasse a expropriatória? Será que com isso não se evitaria a possibilidade da ocorrência de uma das causas capazes de acarretar infindáveis procrastinações na marcha processual? Fica a sugestão. XII - A prova pericial Ajuizada a ação de desapropriação, e porque a vistoria feita pelo INCRA quase nunca aponta para a justa indenização devida, surge a necessidade de se fazer realizar a prova pericial. E agora, em função do próprio conteúdo dos decretos declaratórios a que anteriormente fiz referência, essa prova pericial haverá de ter por objetivo, assim a apuração da área efetiva do imóvel a ser expropriado como a justa indenização devida (terra nua e benfeitorias, produtivas e improdutivas). Nos quadros funcionais da Justiça Federal, não figuram profissionais que detenham saber especializado das diferentes áreas do conhecimento científico, e que estejam regularmente investidos em cargos de Perito Judicial. Porque a realização da prova pericial é indispensável (salvo nos casos em que tenha havido acordo), o juiz singular se vê obrigado a garimpar, junto aos Conselhos de Fiscalização, profissionais que, mediante compromisso1 , possam fazer carrear para os autos, a apreciação técnica sobre fatos que reclamem esclarecimentos científicos, de sorte a que o juiz possa ter sobre aqueles, cognição, tanto quanto possível, a mais plena e perfeita. Caso se resolva prestigiar a tabela de honorários periciais, anexa ao Regimento de Custas da Justiça Federal (Lei nº 6.032, de 1974), aprovada pelo Conselho da Justiça Federal e, atualizada de tempos em tempos, a marcha processual ficará paralisada. É que, a remuneração prevista na tabela, é simbólica (nem mesmo um técnico em início de carreira a ela se submeteria). Os profissionais liberais de comprovada experiência, costumam cobrar pela realização da perícia, segundo os padrões remuneratórios fixados nas tabelas editadas pelos Conselhos de Fiscalização, nos quais estejam inscritos. Essa remuneração, com certeza, quase nunca será módica, eis que é definida em função de uma série de critérios: tempo a ser dispendido na perícia, complexidade dos fatos a serem periciados, necessidade ou não de deslocamentos do perito para localidades fora da sede do Juízo, tempo para a leitura dos autos e para a elaboração do laudo, dentre outros. A prova pericial é determinada pelo juiz e, segundo a regra em vigor (ver artigo 19 e ss., do 1 No inciso “III”, do artigo 9º,da Lei Complementar nº 76, de 1993, reintroduziu-se a exigência do “compromisso”, para peritos e assistentes técnicos. O “compromisso”, data vênia dos que se posicionem em sentido divergente, é ato processual de nenhuma serventia. Afinal, se o Código de Processo Civil- “CPC” cuidou de elencar os deveres do Vistor e, por igual, quais as conseqüências que poderão advir para esse auxiliar do Juízo, nos casos em que desatenda ele a preceituações legais pertinentes (ver “CPC”, artigos, 145 “usque” 148 e 420 e ss.) não será a mera aposição de uma assinatura em um formulário forense, que irá compelir o Experto a bem cumprir o múnus que lhe houver sido confiado. Quanto aos Louvados, na condição de pessoas da estreita confiança das partes, não estão obrigados a guardar eqüidistância dos interesses em confronto e, por isso mesmo, não se lhes pode argüir o impedimento ou a suspeição (ver “CPC”, artigo 422). Por isso que sustento: o compromisso é ato estéril e, data vênia, perfeitamente prescindível. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 61 “CPC”) tocará ao “INCRA” antecipar as despesas dela decorrentes. Mas as unidades do “INCRA” nos Estados, não dispõem de qualquer autonomia financeira; e porque qualquer valor tem de ser solicitado a outras unidades da Administração (a “conta”, hoje, é única, convém recordar), é corriqueiro que um simples despacho que determine a antecipação das despesas para a realização da perícia demore, muita vez, 60 (sessenta) ou mais dias para ser cumprido. Essas considerações não eliminam, data vênia, a possibilidade dos prepostos do “INCRA” terem de procurar o expropriado para que, ele próprio, antecipe o depósito da cifra que irá custear as despesas com a realização da prova pericial, para ressarcimento futuro… Solução que se me afigura plausível, residiria na criação de um quadro de peritos judiciais; as despesas com vencimentos seriam, estou certo, bem menores do que as que são feitas hoje, com a utilização de profissionais liberais sem vínculo com o Poder Judiciário. XIII- A fixação da indenização Realizada a perícia, em não sendo necessários esclarecimentos do Experto ou a produção de prova oral, encerra-se a instrução e profere-se a sentença. Vencida a fase recursal, urge liquidar a sentença segundo a regra insculpida no artigo 604 do “CPC”, isto é, o Expropriado instruirá o pedido de execução com a memória discriminada e atualizada do cálculo. Doutrinadores existem, é certo, a sustentar que não existe um procedimento de execução nas desapropriações, vale dizer, procedimento que seja, em tudo por tudo, assemelhado ao que decorra da execução de um título judicial surgido a partir do encerramento de uma ação de cognição de conteúdo condenatório. É fato que o domínio da área expropriada se transfere para o INCRA, a partir da simples expedição de mandado ao Oficial do Registro Imobiliário (L.C. nº 76/93 - artigo 17). Mas há a necessidade de liquidação do julgado; sem isso não se apura o valor, em moeda corrente, da justa indenização fixada por sentença. Que não se cogite de que essa liquidação dependerá, apenas, de “cálculo aritmético”, tal como se menciona na vigente redação do artigo 604 do Código de Processo Civil- “CPC”. Deveras, os cálculos são por demais complexos e o expropriado, a mais das vezes, elabora-los-á de forma incorreta. Não é sem razão que, informalmente, se noticia a ocorrência de equívocos (aplicações de índices indevidos de atualização monetária, por exemplo) que findam por se traduzir em indenizações sobremodo vultosas, em tudo relembrando o que ocorreu, não faz muito, em relação à Previdência, em importante Estado da Federação. Contra a Fazenda Pública, consigno vênia aos que entendam em sentido oposto, não se faz viável a execução na forma estabelecida no artigo 604 do Código de Processo Civil“CPC”. Em se cuidando de desapropriações, confiar a liquidação da sentença, quer ao expropriado, quer ao Poder Público, não parece ser a alternativa mais apropriada. A liquidação por arbitramento (o Contador do Foro, auxiliar do Juízo, poderia oficiar como árbitro) - se não se preferir reintroduzir disposição já revogada do “CPC”-, seria a solução mais confiável para todos (partes e juiz, este último, o responsável pela liberação, em favor do expropriado, das cifras devidas a título de justa indenização). Nesse modo de liquidação ora sugerido, observar-se-ia, inclusive, o disposto no manual de normas padronizadas de cálculo elaborado sob os auspícios do Conselho da Justiça Federal. 62 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Com isso, as perspectivas do surgimento de situações que justificassem a interposição de embargos seria, com certeza, bem mais reduzida. Ainda no concernente à liquidação da sentença, questão que começa a ser suscitada, relaciona-se à fixação do “dies a quo” para a contagem dos juros de mora. A teor da Súmula 70 do extinto e sempre egrégio Tribunal Federal de Recursos, fluiriam eles “… a partir do trânsito em julgado da sentença que fixa a indenização”. Na jurisprudência sumulada do colendo Superior Tribunal de Justiça, extrai-se do verbete nº 70, praticamente a mesma orientação pretoriana: “os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença”. A desapropriação indireta, já se disse no início dessas considerações, deriva de esbulho (ato ilícito da Administração Pública). A Doutrina2 se vem insurgindo contra o critério de fixação do “dies a quo” para a contagem dos juros, na desapropriação derivada da prática de ato ilícito pelo Poder Público. Pugna-se, sob amparo do que figura no artigo 962, do Código Civil (a jurisprudência já se vem demonstrando inclinada a referendar essa nova postura) Deveras, se em sede desapropriação o princípio informativo básico é o da “justa indenização”3 , não é justo nem razoável que a contagem dos juros não se faça da data do esbulho (e não do ajuizamento da ação de desapropriação indireta, que reclama a iniciativa do próprio esbulhado, sem prejuízo da observância do lapso prescricional, tal como já tem decidido o egrégio Superior Tribunal de Justiça4 nem, muito menos, da data do trânsito em julgado da decisão fixadora da justa indenização devida. Mas em se cuidando de desapropriação direta, haveria respaldo para que o termo inicial da contagem dos juros fosse fixado a contar da propositura da ação ou, pelo menos, da imissão do expropriante na posse do imóvel? O ideal é que na avaliação empreendida administrativamente pelo “INCRA”, já se sugerisse mesmo, o valor da justa indenização, devida por conta do ato de desapropriação. Se isso ocorresse, as partes transigiriam e, ao juiz, tocaria, tão somente, homologar o acordo, pondo termo ao processo. Isso, a mais das vezes, não acontece; os valores da oblação inicial são, quase sempre, irreais. A indenização há de ser prévia5 e justa; quer dizer: ajuizada a ação, a oferta há de ser custodiada à ordem do Juízo e, desde que isto ocorra, “… o autor será imitido na posse do imóvel expropriando …” (§ 1º, do artigo 6º, da LC 765, de 1993). Na prática, com a perda da posse, o expropriado priva-se do uso, gozo e disposição do bem; muito embora o domínio somente se transfira segundo os critérios estabelecidos no artigo 17, da Lei Complementar, é dizer, efetuado o levantamento, ainda que parcial, da indenização ou do depósito judicial, instante em que, será ratificada imissão de posse e expedido o mandado translativo do domínio, para o necessário registro no Cartório de Registro de Imóveis a tanto competente. Com a perda da posse, já se desfalca o patrimônio do expropriado. Ora, se tudo se orienta 2 Menciono, por exemplo, “Juros de Mora na Desapropriação Indireta”, da lavra do eminente ministro Cesar Asfor Rocha, do colendo Superior Tribunal de Justiça, disponível para consulta na “home page” Teia Jurídica no seguinte endereço eletrônico: HTTP:// WWW.ELOGICA.COM.BR/USERS/LAGUIMAR. 3 No artigo 12 da Lei Complementar nº 76/93, se diz ser “justa”, a indenização que permita ao desapropriado a reposição, em seu patrimônio, do valor do bem perdeu por interesse social. 4 Cf. REs nº 785 e 4.058-SP, rel. o em. Min. AMÉRICO LUZ, apud “Juros de Mora na Desapropriação”, Min. Cesar Asfor Rocha, loc. Cit. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 63 pelo “princípio da justa indenização”, o “dies a quo “do juros moratórios deveria ser, se não a data da propositura da ação6 , pelo menos, a data da imissão na posse (a contar desse momento a propriedade passa, de fato, a integrar o patrimônio do expropriante e, dela, se passa a fazer o compatível uso). XIV- O artigo 14 da Lei Complementar 76/93 e o Supremo Tribunal Federal Fixado o “quantum” indenizatório, o valor da indenização, estabelecido por sentença, “… deverá ser depositado pelo expropriante à ordem do juízo, em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais e, em Títulos da Dívida Agrária, para a terra nua”, consoante se expressa no artigo 14 da Lei Complementar sob enfoque. Mas nas execuções contra a Fazenda Pública, há de seguir-se o critério consagrado do artigo 730 do Código de Processo Civil- “CPC”, vale dizer, “… o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente”. Na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 1.187-1, em sede liminar, suspendeu-se “… até decisão final da ação a eficácia da expressão” em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais (in DJU. 15-2-95, p. 2.523, apud Theotônio Negrão - Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 27ª ed. p. 809, Saraiva, São Paulo, 1996). Não é difícil de se intuir qual o raciocínio que embasou a R. decisão da Alta Corte de Justiça: se a execução contra a Fazenda Pública se há de fazer “via de precatório”, ainda quando o crédito do particular derive da prática de um ato ilícito do Poder Público (a cobrança de um empréstimo compulsório cuja inconstitucionalidade tenha sido proclamada pelo Supremo Tribunal Federal, por exemplo), a fortiori assim haverá de ser, também, quando o uso inadequado da propriedade rural autorizar a que esse mesmo Poder Público, declare o imóvel de interesse social para fins de reforma agrária e, posteriormente, faça ajuizar a ação de desapropriação. Essa conclusão, todavia, parece não ter prevalecido; notícias que recolhi em contato com eminente membros do Senado da República, dão conta de que, em decisão final, a colenda Corte de Justiça houve por bem proclamar a constitucionalidade do artigo 14, da Lei Complementar nº 76, de 1993, revogando, de conseqüência, os efeitos da medida liminar até então em vigor. Desconheço as razões invocadas para supedanear essa orientação pretoriana (o V. Acórdão não foi, ainda, publicado); creio, todavia, que o espectro do princípio constitucional da indenização justa e prévia, que informa quase todas as desapropriações, tenha sido devidamente retraçado pela Corte Suprema. XV- O Ministério da Reforma Agrária A imprensa tem dado destaque à criação do Ministério Extraordinário da Reforma Agrária. É possível que a criação de mais um órgão possa contribuir de forma positiva para a realização da reforma agrária por todos ambicionada. Interpreto a criação do Ministério, como o reconhecimento expresso do esvaziamento do 5 José Carlos de Moraes Sales sustenta que não se pode considerar como prévia a indenização paga em Títulos da Dívida Agrária - cf. Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 3ª ed. p. 782 e ss., “RT”, São Paulo, 1995; essa posição doutrinária, todavia, não é pacífica. 6 Em uma das últimas decisões que proferi como magistrado monocrático, julgando uma das ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, que mais alcançou repercussão no Estado do Ceará, condenei o expropriante a pagar juros moratórios de 6% (seis por cento) ao ano, contados da imissão na posse; ao ensejo explicitei: “… despreza-se o critério fixado na Súmula 70 do colendo Superior Tribunal de Justiça, em homenagem ao preceito constitucional que estabelece o pagamento prévio e justo da indenização”; resta ver qual será a orientação jurisprudencial que a V. Instância Revisora irá imprimir em relação à matéria. 64 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba “INCRA” que, justiça seja feita, muito embora a braços com limitações de toda ordem, possibilitou, mesmo assim, a concretização de tudo o que se fez até hoje, em matéria de reforma agrária no País. Oxalá o novo ente estatal se demonstre infenso ao males que sempre costumam afetar as estruturas estatais - a tendência ao agigantamento da burocracia, com a inevitável perda da tão desejada eficiência no trato da coisa pública. Que as dotações orçamentárias sejam compatíveis com as metas de assentamentos que se venham de estabelecer, e que se desejem, de fato, cumprir. Que o Poder Legislativo, sempre sensível às grandes questões nacionais, faça introduzir, via de Lei Complementar, as modificações indispensáveis a que o procedimento especial das desapropriações por interesse social, para fins de reforma agrária, observe um rito verdadeiramente sumário - por incrível que possa parecer, a tramitação das desapropriações judiciais, quando regidas pelo Decreto-Lei nº 554, de 1969, era bem mais célere…7 O que fiz abordar aqui, contribui, estou certo, para que se possa vislumbrar o perfil atual, da atividade administrativa de desapropriação. Que as medidas governamentais ora deflagradas possam proporcionar, é com certeza o desejo de todos, de forma a mais positiva, o retracejamento de um novo perfil para essa atividade administrativa de tão magna importância: a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária. Bibliografia • • • • • • • CASILLO, João - Dano e Indenização na Constituição de 1988, in Revista dos Tribunais, vol. 660, p. 37 e ss., “RT”, São Paulo, 1990. FIGUEIREDO, Lúcia Valle - Curso de Direito Administrativo, “Malheiros”, São Paulo, 1994. MALUF, Carlos Alberto Dabus - Teoria e Prática da Desapropriação, Saraiva, São Paulo, 1995. MEIRELLES, Hely Lopes - Direito Administrativo Brasileiro, 19ª ed. “Malheiros”, São Paulo, 1994. MELLO, C. A. Bandeira de - Curso de Direito Administrativo, 5ª ed. “Malheiros”, São Paulo, 1994. ROCHA, Cesar Asfor - Juros de Mora na Desapropriação Indireta, in HTTP:// WWW.ELOGICA.COM.BR/USERS/LAGUIMAR. SALLES, José Carlos de Moraes - A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 3ª ed. “RT”, São Paulo, 1995. 7 Só o Estado Democrático de Direito, é minha a convicção, é capaz de ensejar o atingimento do “bem comum”, tal como concebido por Tomás de Aquino; esse desiderato, que há de se constituir sempre na meta derradeira do Estado - personificação própria do eticismo, relembrando a sempre atual posição de Hegel - não será alcançado enquanto não se equacionarem problemas estruturais básicos (desemprego, fome, miséria, doença, má distribuição da riqueza, e incontáveis outras mazelas, que nem vale a pena serem referidas) e não se banir da legislação (e agora falo da reforma agrária) impropriedades como as que fiz destacar, e outras tantas, das quais só resultam os mais sérios entraves para a entrega célere da prestação jurisdicional. Que não se interprete pois, a advertência, como apologia às leis de exceção, ou saudosismo de épocas onde a intolerância conduziu aos resultados de todos conhecidos. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 65 DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITOS HUMANOS João Bosco Medeiros de Sousa Juiz Federal 1ª Vara - PB Diz-se direito de petição à faculdade constitucionalmente assegurada a qualquer pessoa, física (brasileiro ou estrangeiro residente no Brasil) ou jurídica, de pleitear interesse individual ou coletivo, inclusive contra ilegalidade e abuso de poder, ou simplesmente de requerer certidões perante os poderes públicos. 2. Isso significa que, ao peticionar (representar), o interessado estará buscando direito individual ou não; esta última hipótese caracterizará o chamado interesse geral (coletivo), equivalendo dizer que o seu exercício não depende, necessariamente, de violação a direito individual (interesse próprio). 3. O direito de petição, portanto, é a um só tempo meio assecuratório de direitos e instrumento de defesa da ordem constitucional, da legalidade e do interesse geral. 4. O assunto está incluído na Constituição Federal vigente, no Título II (Dos direitos e garantias fundamentais), no seu Capítulo I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos) e veio em resposta aos anseios do indivíduo, por vezes desprotegido ante o poder infinitamente maior do organismo estatal; assim, o art. 5º, inc. XXXIV, da CF, estabelece o seguinte, textualmente: “XXXIV - São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”. 5. Pode ser dirigido a autoridades de quaisquer dos Poderes Públicos, isto é, Executivo, Legislativo ou Judiciário, sob dúplice enfoque:”pode ser uma queixa, uma reclamação, e então aparece como um recurso não contencioso (...); por outro lado, pode ser a manifestação da liberdade de opinião e revestir-se do caráter de uma informação ou de uma aspiração dirigida a certas autoridades”. (Curso de direito constitucional positivo / José Afonso da Silva — São Paulo : Malheiros, 1995, p. 421). 6. Mas, o direito de petição, no sentido aqui abordado (acessibilidade ao Poder Judiciário) não é um instituto de direito processual, civil ou penal, propriamente dito; ou seja, não é o direito de peticionar em juízo, de estar em juízo, de exigir a prestação jurisdicional, previsto aliás no inciso XXXV, do mesmo art. 5º, da CF, nos seguintes termos : “XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. De qualquer sorte, sendo este também um direito individual (fundamental), é preciso não perder de vista que o direito de petição situa-se dentre os “meios de defesa não jurisdicionais” (Direito constitucional / J. J. Gomes Canotilho - Coimbra : Almedina, 1991, p. 677). 7. A origem do direito de petição remonta à Idade Média, nos primórdios do constitucionalismo inglês, por isso mesmo perfeitamente adequado ao espírito da Common Law, ou seja, despido de maiores formalismos; o pedir ao Rei esteve na raiz desse direito desde a própria Magna Carta, de 1215; o direito de petição então conferido ao Conselho do Reino e ao Parlamento, especialmente para propor a sanção de leis, somente muito tempo depois alcançou o cidadão comum, de ordinário distanciado de Sua Majestade (o centro das decisões do Reino), o que segundo alguns registros teria acontecido através do Petition of Rights, decorrência da Revolução inglesa de 1628. 8. Também o Bill of Rights inglês, de 1689, a Constituição Francesa de 1791, assim como a First Amendment à Constituição Norte Americana, emenda datada de 1790 e ratificada em 1791, o consagraram, embora curiosamente não tenha sido contemplado 66 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba pela Declaração de 1789, da Revolução Francesa. 9. No Brasil, direito de petição chegou a ser confundido, em termos conceituais, com direito de representação, certamente por força da natureza política (direito político) que lhe é própria; em verdade, é correto entender que a representação dirigida a órgãos e/ou autoridades públicas é assegurada pelo direito de petição, a quem quer que esteja legitimado pelo caput do art. 5º, da vigente C F, donde a conclusão de que a petição (direito de) é o meio hábil para representar. Em síntese: o direito de representação é exercível via petição, daí porque o direito brasileiro consagrou a terminologia direito de petição. 10. Interessa recordar ser este um instituto jurídico sempre presente nas diversas Constituições brasileiras: Constituição do Império/1824, no art. 179, nº 30; CF/1891, art. 72, § 9º; CF/1934, art. 113, nº 10 e 35; CF/1937, art. 122, nº 7; CF/1946, art. 141, §§ 36 e 37; CF/1967, art. 150, §§ 30 e 34; e Emenda Constitucional/1969, art. 153, §§ 30 e 35; da comparação entre as referidas normas constitucionais, é bom lembrar que o art. 179, nº 30 da outorgada Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, limitava o exercício do direito de petição apenas aos cidadãos, o que de resto era compatível com a sociedade brasileira de então, dividida entre livres e escravos; mas já a partir da Constituição seguinte, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, o exercício foi alargado, no “art. 72,§ 9º. É permitido a quem quer que seja o direito de representar, mediante petição, aos poderes públicos, denunciar as irregularidades, e promover a responsabilidade dos culpados”. 11. Entretanto, se a CF atual não distingue petição de representação, a CF/1967, art. 150, §§ 30 e 34, o fizera e com isso proporcionou várias interpretações, naturalmente destituídas de importância prática, em favor de uma possível distinção teleológica entre os direitos de petição e de representação; na realidade, tanto o direito de petição, preordenado “à defesa dos direitos particulares ou públicos”, quanto o direito de representação, “mais apto à denúncia de abusos de autoridade” (Comentários à Constituição do Brasil / Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins. — São Paulo : Saraiva, 1988 - 1989, p. 167) têm a mesma fonte constitucional e sobretudo a mesma razão lógica, de forma a não recomendar a sua distinção, pena de enfraquecimento do próprio instituto. 12. Em termos de legislação ordinária, merece especial atenção a Lei nº 4.898, de 09/ dezembro/1965, que “Regula o Direito de Representação e o Processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade”, surgida já sob a influência dos tempos que trariam a CF/1967, que (cf. item 5, retro) distinguiu os direitos de petição e representação; de qualquer sorte, essa lei ainda vigente tem o mérito de viabilizar, em termos processuais, a previsão constitucional contra abuso de autoridade. 13. Em seqüência, vale esclarecer que a Lei 5.249, de 09/fevereiro/1967, que “Dispõe sobre a representação do ofendido nos crimes de abuso de autoridade”, estabeleceu o seguinte, taxativamente: “Art. 1º. A falta de representação do ofendido, nos casos de abusos previstos na Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, não obsta a iniciativa ou o curso de ação pública”. 14. Por outro lado, a obtenção pelo particular de certidões em repartições públicas nem sempre constitui empresa fácil, o que é comprovado pelo número de procedimentos judiciais (especialmente, mandados de segurança) objetivando viabilizar esse direito fundamental, nos termos do já referido art. 5º, XXXIV, b, que veio a ser regulamentado pela Lei 9.051, de 18/maio/1995, o que em sede administrativa deveria decorrer do direito de petição. 15. O direito de petição é, pois, importante instrumento de combate aos abusos contra os direitos fundamentais (individuais, coletivos, sociais e políticos, segundo a terminologia da CF em vigor) e, por extensão, contra os direitos humanos, por constituir canal de ligação entre o cidadão comum e os Poderes Públicos; falando de direitos humanos, que Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 67 é conceito absoluto e não admite exceções, é sempre importante lembrar HANNAH ARENDT, autora de um trabalho clássico, The Origins of Totalitarism, para quem o primeiro direito humano é “o direito a ter direitos” (apud A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt / Celso Lafer. — São Paulo : Companhia das Letras, 1991, p. 154). Por fim, diante do conteúdo programático das regras constitucionais consagradoras do direito de petição e da constatação de que as violações aos direitos humanos, no Brasil, na maior parte das vezes são decorrência de abuso de autoridade por agentes dos Poderes Públicos (Estado x cidadão), o jurista pode concluir que o direito de petição, se manejado com a devida habilidade, poderá constituir eficaz instrumento inibidor do aumento dos casos de violação aos direitos humanos e, o que também é importante, oferecer condições para a identificação e a punição dos culpados. 68 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba O JUDICIARY ACT OF 1789 E AS ORIGENS DA JUSTIÇA FEDERAL Alexandre Costa de Luna Freire Juiz Federal da 2ª Vara - PB A existência da Justiça Federal envolve temas que se desenvolvem ao longo de vários ramos do Direito nos países que a adotaram e cujas origens e fontes permitem análises históricas, políticas e jurídicas incessantes. Desde o seu modelo inspirador que guarda maior liame com o adotado pelo Brasil, o Judiciário Federal Americano tem origem no Judiciary Act of 1789. A criação do sistema judiciário federal é considerada uma experiência relevante para caracterização da democracia americana. Aspectos como o papel da interpretação constitucional, seus imperativos em face das considerações políticas, as ambigüidades e conflitos na divisão jurisdicional com as Cortes Estaduais, aplicações do common law no âmbito federal e a postura de independência dos juízes. Merece considerar também o enfoque interdisciplinar dos mais importantes dispositivos, com reflexos na atuação de juristas, historiadores do Direito, juízes, professores, advogados e vários outros profissionais que exercitam atividades no âmbito jurídico. A atualidade das idéias que nortearam a elaboração de importante documento que repercutiu na organização do sistema judiciário americano e em sua democracia gravou a importância das discussões e estudos, de notar a realização da Bicentennial Conference on the Judiciary Act of 1789, pela Georgetown University, e objeto de preciso e peculiar debate, de cujos anais veio a lume o livro “Origins of the Federal Judiciary - Essays on the Judiciary Act of l789”, editado por MAEVA MARCUS, pela Oxford University Press. Ao longo da publicação, textos selecionados como “The Judiciary Act of 1789: Political Compromise or Constitutional Interpretation?”, pelo autor citado; “Jurisdiction Stripping and the Judiciary Act of 1789”, por AKHIL REE AMAR; “Recovering Coterminous Power Theory: The Lost Dimension of Marshall Court Sovereignty Cases” por G. EDWARD WHITE; “United States v. Joseph Ravara: Presumptuous Evidence”, “Too Many Lawyers” e “A Federal Common Law Crime”, por JOHN D. GORDAN III; “United Sates v. Callender: Judge and Jury in a Republican Society”, por KATHRYN PREYER; “Dual Office Holding and the Constitution: A view From Hayburn’s Case”, por MARK TUSHNET; “Murdoch v. Memphis: Section 25 of the 1789 Judiciary Act and Judicial Federalism”, por WILLIAM M. WIECEK; “Temples of Justice: The Iconography of Judgement and American Culture”, por MICHAEL KAMMEN; e “The Judiciary Act of 1789 and Judicial Independence”, por GERHARD CASPER. No primeiro ensaio o questionamento reside em considerações sobre a natureza do Judiciary Act desde os debates que o criaram, tão pouco conhecidos 200 anos mais tarde, com diferentes pontos-de-vista, ao longo de artigos sucessivos. Rememorando os estatutos em cotejo com o Direito Inglês, Colonial e State Law. Considerações proeminentes sobre o papel da interpretação constitucional sobressaíram dos argumentos. Na análise titulada “Jurisdiction Stripping and The Judiciary Act of 1789” é mostrada uma teoria inspirada em pensamento do Justice JOSEPH STORY em que marca diferentes ramos de categorias jurisdicionais. No enfoque sobre a Corte, de MARSHALL, sobrelevam análises em casos tipicamente caracterizados como “nacionalismo, direitos estaduais”, a partir de ambigüidades e sobressaindo que o poder judicial de um governo efetivo pode ser coextensivo com o poder legislativo e o poder legislativo pode ser coextensivo com o poder judicial. A abordagem seguinte, envolvendo o julgamento de JOSEPH RAVARA, ocorrido em abril Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 69 de l794, cuidou de examinar, embora com poucos dados documentais sobre o processo, antiga interpretação da doutrina do federal common law e o impacto emergente, cujo processo tem sido objeto de intensivo interesse acadêmico. Na temática do Judge and Jury, em vista do julgamento pelo Sedition Act of l798, são mostradas características heterogêneas da Nação e a sociedade republicana, com específicos tratamentos sobre o Juízo e o Júri no âmbito federal e estadual. A heteronímia jurídica advém das diferentes teorias sobre a União. Duplo ofício ou dualidade jurisdicional examinada por MARK TUSHNET mostra prevalência do Judiciary Act quando outros aspectos legais compreendem incumbências adicionais por juízes federais e, ainda, diante de novo statute, cuja constitucionalidade for examinada, concluindo por não ser imprópria à época, a dualidade de atribuições. O exame do Case Murdock cuida da aplicação do capítulo do Judiciary Act que assegurou à Suprema Corte o poder de revisão de certas decisões de Cortes Estaduais. Atitudes conflitantes sobre o lugar das Cortes Federais em suas relações com as Nações e Estados. Advieram as correntes constitucionais: nacionalismo de ALEXANDRE HAMILTON, JOHN MARSHALL e JOSEPH STORY; e “o particularismo dos direitos estaduais” de THOMAS JEFFERSON, JAMES MADISON, SPENCER TOANE e JOHN C. CALHOUN, em meio a vozes e triunfos em algumas controvérsias que antecederam à Guerra da Secessão, prevalecendo a vitória dos nacionalistas. Significativo ensaio, com ineditismo em nosso Direito e em nossa história judiciária, apresenta-se a abordagem sobre os Templos da Justiça, como aguda descrição de sua imagem física, revelando a cultura de uma Nação cuja história é também a de suas instituições. As transformações de sua arquitetura e a evolução cultural a par do progresso econômico é retratada para análise e reflexão pela imagem, como revela o ensaio ilustrado, com o titulo: “The Temples of Justice: The Iconography of Judgment and American Culture”, por MICHAEL KAMMEN. Finalizando a edição comemorativa, o ensaio de GERHARD CASPER sobre a independência judicial em face do Judiciary Act of 1789, após breve remissão aos longínquos Bill of Rigths em l791 e a Constituição de 1789, sinalizando em uma das precisas passagens a opção peculiar a inclinação pela revisão judicial como ferramenta necessária para assegurar a supremacia do poder antes dos poderes: o poder constituinte do povo. As notas acima, antes de qualquer pretensão resumem-se em seu intento a uma breve resenha, como se fora uma mera ficha catalográfica, para possível releitura, homenageando a 50a edição da Revista da AJUFE, desde seus primeiros idealizadores e realizadores.∗ 70 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 9.249/95 AOS CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA Rogério de Meneses Fialho Moreira Juiz Federal da 4ª Vara - PB Professor da Faculdade de Direito da UFPB. As publicações especializadas e a imprensa em geral têm divulgado amplamente a edição da Lei nº 9.249, de 26.12.95, que voltou a incluir o PAGAMENTO DO TRIBUTO, antes do recebimento da denúncia, como causa de extinção da punibilidade, em relação aos chamados “crimes fiscais”, o que não mais se verificava desde a vigência da Lei nº 8.383/ 91. Não há qualquer dúvida a respeito da aplicação da lei nova aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, já que, em se tratando de lei penal mais benéfica ao réu, deve ser aplicada com efeitos retro-operantes, em face do disposto no art. 2º, e seu parágrafo único do Código Penal. O problema, que não tem sido enfocado em recentes artigos sobre o tema, é que a Lei nº 9.249/95, determinou apenas, verbis: “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”. Como visto, a lei nova, possivelmente por um dos chamados “cochilos do legislador”, referiu-se somente à Lei nº 4.729/65 (Sonegação Fiscal) e à Lei nº 8.137/90 (Crimes contra a Ordem Tributária, econômica e contra as relações de consumo), quando outros diplomas legais também tratam de delitos fiscais, a exemplo da Lei nº 8.212/91 (Plano de Custeio da Previdência Social). Quanto a esta última, nos últimos tempos tem sido grande a incidência de processos na Justiça Federal, notadamente quanto ao crime tipificado no seu art. 95, alínea “d”, consistente em “deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público”. A hipótese, que costumeiramente tem ocorrido, consiste na apropriação indevida, pela empresa, dos valores descontados do salário dos seus empregados, deixando-se de repassá-los aos cofres públicos. Nesse caso, e nas demais hipóteses previstas nas diversas alíneas do art. 95 da Lei 8.212/91, estaria ou não extinta a punibilidade se o agente efetuasse o recolhimento integral da contribuição previdenciária, e encargos antes do recebimento da denúncia? A primeira idéia seria a de que, se o legislador referiu-se expressamente aos tipos previstos na Lei de Sonegação e na Lei dos Crimes contra a ordem tributária, estariam excluídos da sua abrangência outros diplomas legais que também definissem crimes fiscais, já que não contemplados pelo art. 34 da Lei 9.249/95. Em face da peculiaridade, por exemplo, das contribuições previdenciárias, que servem para o custeio de prestações devidas a parcela definida de contribuintes, em geral mais carentes, seria perfeitamente razoável que o legislador, por medida de política criminal e fiscal, as tivesse excluído do favor legal. Todavia, tal interpretação não tem como prevalecer. O art. 34 da Lei nº 9.249/95 menciona expressamente as “contribuições sociais”. Ora, no atual sistema constitucional aquelas contribuições servem exatamente para o financiamento da seguridade social. Logo, não pode ter sido intenção do legislador excluir os delitos capitulados na Lei nº 8.212/91, para “proteger” a massa de segurados, pois, do contrário, não teria incluído em seu texto as contribuições sociais. A melhor solução pode ser encontrada na analogia, que serve para o suprimento das ∗ E-mail: [email protected] Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 71 lacunas legais “involuntárias”, como parece ser o caso de que cuidamos. Por essa forma de integração do sistema normativo, aplicável ao Direito Penal, por imperativo de eqüidade, desde que em favor do réu, “aplica-se ao fato não regulado expressamente pela norma jurídica um dispositivo que disciplina hipótese semelhante”, na precisa definição de MIRABETE1 . Tomemos o mesmo exemplo já citado: o do delito previsto no art. 95, “d”, do Plano de Custeio da Previdência. Antes da edição daquela norma específica, o mesmo fato nela previsto já era incriminado na Lei 8.137/90, que em seu art. 2º, II, descreve de forma genérica: “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”. Apenas em face do PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE, técnica empregada para a resolução de “conflito aparente de normas”, é que, em se tratando de apropriação de contribuição previdenciária, o agente é incriminado pela Lei nº 8.212/91, e não pela norma geral da Lei nº 8.137/90. Mas a situação fática é absolutamente semelhante, o que autoriza a aplicação da analogia in bonam partem. Não teria sentido, por exemplo, extinguir-se a punibilidade do empresário que se apropriou do imposto de renda retido na fonte do seu empregado, e prosseguir-se o processo, em relação à apropriação da contribuição previdenciária, descontada do mesmo empregado e não recolhida, quando, em ambos os casos, houve o pagamento, antes do recebimento da denúncia. As situações são análogas, e, se não fosse a norma específica da Lei 8.212/ 91, estaria o agente, de qualquer maneira, enquadrado na Lei nº 8.137/90, cujos tipos são abrangidos pelo art. 34 da Lei nº 9.249/95. Resumindo, entendo que a disposição contida no art. 34 daquele diploma, deve ser, não só aplicada retroativamente, por se tratar de novatio legis in mellius mas ainda por ANALOGIA, também aos ilícitos capitulados no art. 95 da Lei nº 8.212/91. Em relação ao momento processual para encerramento das ações penais, iniciadas antes do advento da Lei nº 9.249/95, tenho entendido que deve o Juiz decretar a extinção da punibilidade, antes mesmo da conclusão da instrução criminal, desde que o acusado comprove os requisitos previstos no art. 34 da lei nova: 1º) o pagamento integral, inclusive dos acessórios; e 2º) que o recolhimento tenha ocorrido antes do despacho de recebimento da denúncia. É que, estando extinta a punibilidade, tem o acusado direito público subjetivo ao imediato sentenciamento, independentemente do término da instrução processual, pois, do contrário, estaria sofrendo coação ilegal, amparável por habeas corpus, de acordo com disposição expressa do art. 648, VII, do Código de Processo Penal. Ocorrendo qualquer das causas enumeradas no art. 107 do CP, ou outra hipótese prevista em lei extravagante, deve o juiz, imediatamente, até mesmo de ofício, proferir sentença, numa espécie de JULGAMENTO ANTECIPADO, declarando extinta a punibilidade, sob pena de causar constrangimento ilegal ao denunciado. Saliente-se, por fim, que embora a lei se refira ao “pagamento do tributo ou contribuição social”, o col. Superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 14 da Lei nº 8.137/90, já teve a oportunidade de decidir que a concessão de parcelamento administrativo, para fins penais, tem o mesmo efeito do pagamento, inexistindo justa causa para a ação penal.2 DOS EFEITOS DA DIVISIBILIDADE OU INDIVISIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO NA AÇÃO MONITÓRIA∗ Márcio Accioly de Andrade 72 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Acadêmico de Direito da UNIPE - Universidade de João Pessoa - PB Com o objetivo de tornar mais célere, prática e eficaz a prestação jurisdicional, veio à baila a Lei. nº 9.079 de 14 de julho de 1995, dispondo sobre a Ação Monitória, que comentaremos brevemente, a título de intróito. É sabido que, preenchidos os requisitos do art.1.102a do CPC, com redação da referida lei, bem como os dos arts. 282 a 284 do CPC, o juiz determina de plano a expedição do mandado de pagamento, aqui denominado de monitório, para que o réu cumpra com sua devida obrigação, quer seja o pagamento da soma em dinheiro, quer a entrega da coisa fungível ou de determinado bem móvel no prazo de 15 dias. Se o réu cumprir sua obrigação, extingue-se o processo, com baixa na distribuição. Caso não venha a adimplir com a obrigação, poderá no mesmo prazo retro mencionado, opôr embargos, obedecendo aos requisitos da execução para entrega de coisa e execução por quantia certa contra devedor solvente (Livro II, Título II, Capítulo II e IV do CPC). O embargante pode como matéria de defesa, alegar além das hipóteses elencadas no art.741 do CPC, qualquer outra matéria que seria lícito argüir no processo de conhecimento, devendo-se notar que não é imprescindível a garantia do juízo. A partir deste momento, ou seja, da oposição dos embargos, o processo deixa o rito sumário e passa ao rito ordinário, devendo o juiz fazer o possível para recebê-los, a fim de que não haja cerceamento de defesa, por ser também considerado os embargos, uma peça contestatória, a não ser, por exemplo, que tenham sido interpostos intempestivamente, ou que lhes falte alguma das condições da ação e pressupostos processuais, caso em que, deverão ser rejeitados liminarmente. Recebidos os embargos, haverá a suspensão dos efeitos do mandado monitório até o seu julgamento, onde, caso o juiz no mérito os acolha, extinguirá o processo condenando o autor nas custas e honorários advocatícios. Por outro lado, se os embargos forem rejeitados, o juiz condenará o réu ao cumprimento da obrigação, intimando o autor para, querendo, prosseguir com o processo de execução, por ter se convertido de pleno direito o mandado inicial em mandado executivo, passando a ter aquela prova escrita inicial, força executiva. Concluída essa introdução, indagamos a respeito do EFEITO DA DIVISIBILIDADE OU INDIVISIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO na referida ação, o qual definirá sobre o procedimento a ser realizado pelo juiz com relação à extensão da defesa(embargos), porventura apresentada por um dos devedores da obrigação em relação aos demais. Mister se faz, em síntese, comentarmos sobre essa obrigação complexa, quanto ao seu objeto, se ou não divisível. Divisível é a obrigação cujo objeto é suscetível de ser dividido em quantas forem as partes. Logo, numa relação obrigacional onde o objeto é divisível a prestação poderá ser fracionada, isto é, cada devedor deve cumprir com a sua parte devida. Deve-se ter cautela ao apontar se o objeto é passível ou não de divisão, pois poderá ocorrer que o objeto em sendo divisível, com o seu fracionamento, venha a sofrer perda de seu valor ou de sua substância, o que in casu, se tornará em objeto indivisível. Assim, cumpre lembrar os ensinamentos do eminente professor SILVIO RODRIGUES, em sua obra: Direito Civil, Parte Geral Das Obrigações, pág.58 Vol.2, ed.Saraiva, in verbis: “Casos há, entretanto, em que a coisa é, por sua natureza, divisível, mas a divisão implica considerável perda de valor... 1 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal, Parte Geral, vol. 1, pág. 48. São Paulo, Atlas, 8ª edição. 2 STJ, 5ª Turma, HC nº 2.538-5-RS, rel. Min JESUS COSTA LIMA, in DJU, Seção I, 9-5-94, pág. 10.883). Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 73 ... e as obrigações que tenham por objeto prestações dessa natureza devem, ao meu ver, ser consideradas indivisíveis.” Na obrigação indivisível ou solidária, havendo conseqüentemente a pluralidade de devedores, o credor poderá cobrar de qualquer deles, o pagamento, no entanto, terá de ser efetuado integralmente, ou seja, por inteiro, por ser a natureza de seu objeto insuscetível de divisão. Se, porventura não for cumprida a obrigação, exsurge ao credor o direito a perdas e danos, onde a partir desse momento, haverá uma conversão, deixando essa obrigação de ser indivisível, tornando-se divisível, onde cada devedor será responsável apenas pela sua parte na dívida. Encontramos lições de alguns mestres, aqui transcritas: “As obrigações indivisíveis deixam de o ser quando se resolvem em perdas e danos. Havendo culpa de todos os devedores, responderão em partes iguais, mas, se, de um só, a culpa, os outros ficam exonerados, concentrando-se nêle a responsabilidade.(ORLANDO GOMES - Obrigações, pág.92, ed. Forense, 1972).” “Se a prestação indivisível for descumprida e os devedores forem condenados a perdas e danos, ela perde o caráter de indivisível e cada um daqueles só pode ser cobrado de sua parte viril, pois a responsabilidade de cada qual pelo todo, que advinha da natureza do objeto devido, desapareceu com o perecimento do referido objeto. De maneira que a obrigação, tornando-se divisível, segmenta-se entre as partes, voltando a incidir a regra concurso partes fiunt. (SILVIO RODRIGUES - Parte Geral das Obrigações, pág.69, ed. Saraiva. Vol.2).” “Não cumprida a obrigação, surge a responsabilidade que reveste a forma de cada indenização em dinheiro, um dos devedores sendo apenas responsável pela sua quota. Sendo a culpa de um só, este responderá pelas perdas e danos.(ARNOLDO WALD - Obrigações e Contratos, pág.26, 8ª edição revista, ampliada e atualizada, ed. Revista dos Tribunais).” Com relação à defesa apresentada por um dos réus, em sendo a obrigação divisível e se apenas um deles embarga, deverá o juiz suspender em relação a este, os efeitos da eficácia do mandado monitório e intimar o autor para que prossiga, querendo, com a execução da ação com relação aos outros devedores que porventura não embargaram, em razão da possibilidade da obrigação ser prestada em quotas referente a cada um dos co-obrigados. Na hipótese do objeto da obrigação ser indivisível, os efeitos do mandado monitório se reportará a todos na qualidade de devedor comum logo, os embargos porventura apresentados por qualquer um deles, aproveitará aos demais que não opuseram tal medida; da mesma forma no cumprimento da obrigação, que satisfeita inteiramente por um dos devedores, ficará extinta a obrigação não só em relação ao que pagou, como também aos demais co-obrigados, que, todavia, terá o adimplente, o seu direito assegurado contra seus co-devedores. Como o objetivo dos embargos visa tornar ineficaz um título de crédito sem força executiva, ∗ Trabalho apresentado e aprovado no IV Congresso Nacional de Direito Processual Civil, Trabalhista, Penal e Administrativo, de 02 a 04 de maio de 1996 em Recife - PE 74 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba (em sendo esta uma obrigação indivisível, eis que todos os co-devedores estão obrigados pela totalidade do quantum ou da coisa), não teria sentido por meio desse embargo, desconstituir apenas uma parte do título que, por disposição legal, é indivisível. Ademais, desconstituído o título em relação a um dos co-devedores, a todos aproveita, em face da própria natureza indivisível da coisa, razão pela qual não há em se iniciar uma execução por não haver mais título a ser executado. Torna-se imperioso dizer que, a situação dos co-devedores, não deixa de ser, de certa forma, litisconsorcial, por haverem, em ambas as situações(ação monitória e litisconsorte), duas ou mais pessoas numa mesma relação jurídica processual, interessadas no mesmo propósito, unidas pelo mesmo vínculo de indivisibilidade, quer por força de lei, quer por impossibilidade física da divisão da coisa. O insigne mestre CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, em sua obra Litisconsórcio, 3ª ed., Revista Atualizada e Ampliada, págs.39 e 157, editora Malheiros, leciona: “No contexto da categoria mais ampla, representada pela pluralidade de partes, fácil é caracterizada pela coexistência de duas ou mais pessoas do lado ativo ou do lado passivo da relação processual, ou em ambas as posições (independentemente de estarem unidas no mesmo pólo ou serem distintas as situações: v. n. ant.).” Com relação ao efeito recursal gerado nessa relação litisconsorcial, continua CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO a dispôr: “O litisconsorte vencido que não recorreu participará do processo recursal, arrazoando-o como tivesse recorrido, sustentando oralmente o recurso no tribunal, requerendo a instauração de incidente de uniformização etc. Tudo isso porque, como é sabido, ao princípio do contraditório repugna que fique a parte impedida de participar de atos ou procedimentos capazes de influir na esfera de seus direitos e interesses (v.supra, n.2, texto e esp. Nota 6). Estender os efeitos do recurso a todos os litisconsortes e privar de participação o que não recorreu equivaleria a cumprir só parcialmente o intuito unificador revelado no art. 509 do Código de Processo Civil.” Mutatis Mutandis, pode-se estabelecer para o caso de objeto indivisível na ação monitória, a regra do litisconsórcio passivo necessário, onde o efeito dos embargos apresentados por um dos devedores favorecerá a todos os ocupantes do pólo passivo indistintamente, ou seja, haverá a suspensão dos efeitos daquele mandado monitório tanto para o que embargou, como também para os demais que não se manifestaram, devendo o juiz prosseguir com o julgamento normal dos embargos. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 75 CRITÉRIO CIENTÍFICO PARA DISTINGUIR A PRESCRIÇÃO DA DECADÊNCIA E PARA IDENTIFICAR AS AÇÕES IMPRESCRITÍVEIS* Agnelo Amorim Filho Professor da Faculdade de Direito da Universidade da Paraíba SUMÁRIO: I - O problema em face da doutrina e da lei. II - Critérios que têm sido apresentados para distinguir a prescrição da decadência. III - A moderna classificação dos direitos e os direitos potestativos. IV - Críticas feitas à existência dos direitos potestativos. V - Formas de exercício dos direitos potestativos. VI - Moderna classificação das ações. VlI - Ações constitutivas. VIII Fundamentos e efeitos da prescrição. IX - Fundamentos e efeitos da decadência. X - Casos especiais de ações construtivas encontradas no art. 178 do Código Civil. XI - Ações declaratórias. XII - Ações aparentemente declaratórias. XIII - O problema da imprescritibilidade das ações. XIV - Alcance dos arts. 177 e 179 do Código Civil. XV - Conclusões. I - O Problema em Face da Doutrina e da Lei. A questão referente à distinção entre prescrição e decadência tão velha quanto os dois velhos institutos de profundas raízes romanas - continua a desafiar a argúcia dos juristas. As dúvidas são tantas, e vêm se acumulando de tal forma através dos séculos, que, ao lado de autores que acentuam a complexidade da matéria, outros, mais pessimistas, chegam até a negar - é certo que com indiscutível exagero - a existência de qualquer diferença entre as duas principais espécies de prazos extintivos. E’ o que informa De Ruggiero (<<Instituições de Direito Civil>>, vol. 1º, pág. 335, da trad. port.). Já BaudryLacantinerie e Albert Tissier declaram que são falíveis, ou imprestáveis, os vários critérios propostos para distinguir os dois Institutos. Acentuam, ainda, que não se pode, “a priori” estabelecer diferença entre prescrição e decadência, e sim examinar caso por caso, para dizer, “a posteriori”, se o mesmo é de prescrição ou de decadência. Clóvis Bevilaqua, por sua vez, afirma que “a doutrina ainda não é firme e clara neste domínio” (“Teoria Geral”, pág. 367 da 2ª ed.). Para Amílcar de Castro, é “uma das mais difíceis e obscuras questões de Direito essa de distinguir a prescrição da decadência” (“Rev. dos Tribs.” vol. 156/323). Giorgi diz que a ciência ainda não encontrou um critério seguro para distinguir a prescrição das caducidades (“Teoria de Ias obligaciones”, vol. 9º, pág. 217). E Câmara Leal, inegavelmente o autor brasileiro que mais se dedicou ao estudo do assunto, chegando mesmo a elaborar um método prático para se fazer a distinção entre os dois Institutos, diz que este é “um dos problemas mais árduos da teoria geral do Direito Civil” (“Da prescrição e da decadência”, pág. 133, 1ª ed.). É incontestável, porém, que as investigações doutrinárias, confirmadas pela grande maioria da jurisprudência, já conseguiram, pelo menos, chegar a uma conclusão: a de que os dois institutos se distinguem. Deste modo, falta apenas encontrar uma regra, um critério seguro, com base científica, para se fundamentar tal distinção, de modo a se tornar possível identificar, “a priori”, os prazos prescricionais e os decadenciais, o que, sem dúvida, não constitui empreendimento fácil. No Direito brasileiro a questão ainda se torna mais complexa e eriçada de obstáculos, pois o nosso Código Civil engloba indiscriminadamente, sob uma mesma denominação e 76 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba subordinados a um mesmo capítulo, os prazos de prescrição e os prazos de decadência. dando-lhes, conseqüentemente, tratamento igual. Por vezes, ainda, o mesmo Código faz uso de terminologia absolutamente inadequada em face dos pronunciamentos da jurisprudência e da doutrina: é aliando se refere à “prescrição do direito”, (arts. 166, 167 e 174. n. I) embora prevaleça o ponto de vista segundo o qual é a ação, e não o direito, que prescreve. Este último está sujeito é a decadência, cujos efeitos atingem a ação apenas por via reflexa. A explicação para aquele injustificável erro do nosso Código é a seguinte, segundo observação de Costa Manso: no projeto primitivo organizado por Clóvis Bevilaqua, os prazos de decadência se achavam dispersos pelo Código, nos lugares apropriados e assim foram mantidos pela comissão revisora extra-parlamentar, pela “Comissão dos XXI” da Câmara dos Deputados, e pela própria Câmara, nas três discussões regimentais. Na redação final, entretanto, a respectiva comissão, supondo melhorar o projeto, modernizandoo, transferiu para a Parte Geral todos os prazos de decadência, colocando-os ao lado dos prazos prescricionais propriamente ditos. E isso passou despercebido, não foi objeto de debate, resultando, daí, ao invés do planejado melhoramento, um erro manifesto de classificação (“Rev. dos Tribs.”, vol. 85/257). Aquela indiscriminação, que resultou de uma lamentável inadvertência, força os aplicativos do Código a decidirem contra seu texto expresso, distinguindo onde ele não distingue, infringindo-se, assim, multissecular regra de hermenêutica. É certo porém que, ou se adota essa atitude de franca rebeldia contra o texto legal, ou ter-se-á que chegar a conclusão ainda mais absurda, isto é, admitir que certos prazos classificados pelo Código como sendo de prescrição (mas que são, indiscutivelmente, de decadência), podem ser objeto de suspensão, de interrupção e de renúncia. Como exemplo entre muitos, citemos o prazo que tem o marido para anular o casamento contraído com mulher já deflorada (art. 178, § 1º). Ninguém admite, doutrinariamente, a possibilidade de ser tal prazo objeto de interrupção, suspensão, ou renúncia, mas, por outro lado, ninguém pode negar que, em face do texto do Código Civil, o mesmo prazo é suscetível de renúncia, interrupção, ou suspensão. Como situar-se o intérprete diante dessa alternativa tão paradoxal? Atentar contra a letra da lei, ou atentar contra o bom senso jurídico? A única solução é seguir aquele conselho de Carpenter: em artigos de lei, o erro, quando é demasiado grande, não prejudica, pois pode ser ladeado (“Da prescrição”, pag. 357, 1ª ed.). Deste modo, apesar do texto expresso do Código, doutrina e jurisprudência, embora divergindo as opiniões com referência a alguns casos, classificam como sendo de decadência os prazos previstos no art. 178, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, ns. I e II; § 5º, ns. I, II, III e IV; § 6º, ns. I, III, IV, V, XI, XII e XIII; § 7º ns. I, VI e VII; § 8º; § 9º, ns. I, “a” e “b” II, III, IV, V e VI; e § 10, n. VIII. Há também um outro problema de capital importância, intimamente relacionado com aquele da distinção entre prescrição e decadência, e ao qual não se tem dispensado a necessária atenção. E’ o que diz respeito às denominadas ações imprescritíveis. Como identificar tais ações? Ou - reunindo os dois problemas - como saber se determinada ação está subordinada a um prazo de prescrição, a um prazo de decadência (por via indireta), ou se ela é imprescritível? II - Critérios que têm sido apresentados para distinguir a Prescrição da Decadência O critério mais divulgado para se fazer a distinção entre os dois institutos é aquele segundo o qual a prescrição extingue a ação, e a decadência extingue o direito. Entretanto, tal critério, além de carecer de base científica, é absolutamente falho e inadequado, pois pretende fazer a distinção pelos efeitos ou conseqüências, se bem que aqueles sejam, * Tema debatido no Seminário de Direito Privado organizado pela Faculdade de Direito a Universidade da Paraíba, pelo Diretório Acadêmico “Epitácio Pessoa” e pela Seção da Ordem dos Advogados da Paraíba. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 77 realmente, os principais efeitos dos dois institutos. O critério apontado apresenta-se, assim, com uma manifesta petição de princípio, pois o que se deseja saber, precisamente, é quando o prazo extintivo atinge a ação ou o direito. O que se procura é a causa e não o efeito. Processo distintivo indiscutivelmente mais vantajoso do que aquele é o sugerido por Câmara Leal, assim resumido pelo seu autor: “É de decadência o prazo estabelecido pela lei, ou pela vontade unilateral ou bilateral, quando prefixado ao exercício do direito pelo seu titular. E é de prescrição, quando fixado, não para o exercício do direito, mas para o exercício da ação que o protege. Quando, porém, o direito deve ser exercido por meio da ação, originando-se ambos do mesmo fato, de modo que o exercício da ação representa o próprio exercício do direito, o prazo estabelecido para a ação deve ser tido como prefixado ao exercício do direito, sendo, portanto, de decadência, embora aparentemente se afigure de prescrição” (Câmara Leal, “Da prescrição e da decadência”, 1ª ed.. págs. 133 e 134). Todavia, o critério proposto por Câmara Leal, embora muito útil na prática, se ressente de dupla falha: em primeiro lugar, é um critério empírico, carecedor de base científica, e isto é reconhecido pelo próprio Câmara Leal, pois ele fala em “discriminação prática dos prazos de decadência das ações” (obra citada, pág. 434). Com efeito, adotando-se o referido critério, é fácil verificar, praticamente, na maioria dos casos, se determinado prazo extintivo é prescricional ou decadencial, mas o autor não fixou, em bases científicas, uma norma para identificar aquelas situações em que o direito nasce, ou não, concomitantemente com a ação, pois é este o seu ponto de partida para a distinção entre os dois institutos. Em segundo lugar, o critério em exame não fornece elementos para se identificar, direta ou mesmo indiretamente (isto é, por exclusão), as denominadas ações imprescritíveis. Faz-se necessário, assim, intensificar a procura de um outro critério, e temos a impressão que, tomando-se como ponto de partida a moderna classificação dos direitos desenvolvida por Chiovenda e, particularmente, a categoria dos direitos potestativos, chegar-se-á indubitavelmente, àquele critério ideal, isto é, a um critério dotado de bases científicas e que permite, simultânea e seguramente, distinguir, “a priori”, a prescrição da decadência, e identificar as denominadas ações imprescritíveis. E’ o que nos propomos demonstrar com o presente trabalho. III - A Moderna Classificação dos Direitos e os Direitos Potestativos Segundo Chiovenda (“Instituições”), 1/35 e segs.), os direitos subjetivos se dividem em duas grandes categorias: a primeira compreende aqueles direitos que têm por finalidade um bem da vida a conseguir-se mediante uma prestação, positiva ou negativa, de outrem, isto é, do sujeito passivo. Recebem eles, de Chiovenda, a denominação de “direitos a uma prestação”, e como exemplos poderíamos citar todos aqueles que compõem as duas numerosas classes dos direitos reais e pessoais. Nessas duas classes há sempre um sujeito passivo obrigado a uma prestação, seja positiva (dar ou fazer), como nos direitos de crédito, seja negativa (abster-se), como nos direitos de Propriedade. A segunda grande categoria é a dos denominados “direitos potestativos”, e compreende aqueles poderes que a lei confere a determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras, sem o concurso da vontade destas. Desenvolvendo a conceituação dos direitos potestativos, diz Chiovenda: “Esses poderes (que não se devem confundir com as simples manifestações de capacidade jurídica, como a faculdade de testar, de contratar e semelhantes, a que não corresponde nenhuma sujeição alheia), se exercitam e atuam mediante simples declaração de vontade, mas, em alguns casos, com a necessária intervenção do juiz. Têm todas de comum 78 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba tender à produção de um efeito jurídico a favor de um sujeito e a cargo de outro, o qual nada deve fazer, mas nem por isso pode esquivar-se àquele efeito, permanecendo sujeito à sua produção. A sujeição é um estado jurídico que dispensa o concurso da vontade do sujeito, ou qualquer atitude dele. São poderes puramente ideais, criados e concebidos pela lei... ; e, pois, que se apresentam como um bem, não há excluí-los de entre os direitos, como realmente não os exclui o senso comum e o uso jurídico. E’ mera petição de princípio afirmar que não se pode imaginar um direito a que não corresponda uma obrigação” (“Instituições”, trad. port., 1/41-42). Von Tuhr, por sua vez, conceitua os direitos potestativos nos seguintes termos: “Em princípio, quando se trata de modificar os limites entre duas esferas jurídicas, é necessário o acordo dos sujeitos interessados. A possibilidade que têm A e B de modificar suas relações jurídicas recíprocas, não pode, evidentemente, conceber-se como um direito, pois não pressupõe mais que a capacidade geral de produzir efeitos jurídicos. Sem embargo, distinta é a situação quando A ou B têm a faculdade de realizar a modificação em virtude de sua só vontade. Tais faculdades são inumeráveis e ilimitadamente diversas, porém sempre se fundamentam em certos pressupostos exatamente determinados. Neste caso cabe falar de direitos; são os potestativos”, (“Derecho Civil”, vol. 1º,, tomo lº, pág. 203 da tradução castelhana). Como exemplos de direitos potestativos podem ser citados os seguintes: o poder que têm o mandante e o doador de revogarem o mandato e a doação; o poder que tem o cônjuge de promover o desquite; o poder que tem o condômino de desfazer a comunhão; o poder que tem o herdeiro de aceitar ou renunciar a herança; o poder que têm os interessados de promover a invalidação dos atos jurídicos nulos ou anuláveis (contratos, testamentos, casamentos etc.); o poder que tem o sócio de promover a dissolução da sociedade civil; o poder que tem o contratante de promover a rescisão do contrato por inadimplemento (art. 1.092 do Código Civil), ou por vícios redibitórios (art. 1.101); o poder de escolha nas obrigações alternativas (art. 884); o poder de interpelar, notificar, ou protestar, para constituir em mora; o poder de alegar compensação; o poder de resgate do imóvel vendido com cláusula de retrovenda; o poder de adquirir meação de parede, muro etc. (art. 643); o poder de dar vida a um contrato mediante aceitação da oferta; o poder de requerer a interdição de determinadas pessoas; o poder de promover a rescisão das sentenças; o poder que tem o pai de contestar a legitimidade do filho de sua mulher (art. 344); o poder assegurado ao filho de desobrigar os imóveis de sua propriedade alienados ou gravados pelo pai fora dos casos permitidos em lei; o poder que têm os herdeiros do filho de pleitearem a prova da legitimidade da filiação; o poder que tem o adotado de se desligar da adoção realizada quando ele era menor ou se achava interdito; o poder assegurado ao cônjuge ou seus herdeiros necessários para anular a doação feita pelo cônjuge adúltero ao seu cúmplice. Muitos outros exemplos ainda poderiam ser citados. Da exposição feita acima se verifica facilmente que uma das principais características dos direitos potestativos é o estado de sujeição que o seu exercício cria para outra ou outras pessoas, independentemente da vontade destas últimas, ou mesmo contra sua vontade. Assim, por exemplo, o mandatário, o donatário e os outros condôminos sofrem os efeitos da extinção do mandato, da doação, e da comunhão, sem que possam se opor à realização do ato que produziu aqueles efeitos. No máximo a pessoa que sofre a sujeição pode, em algumas hipóteses, se opor a que o ato seja realizado de determinada forma, mas nesse caso o titular do direito pode exercê-lo por outra forma. Ex.: divisão judicial, quando os demais condôminos não concordam com a divisão amigável. Outras características dos direitos potestativos: são insuscetíveis de violação e a eles não corresponde uma prestação. A categoria dos direitos potestativos é conceituada por vários outros autores em termos mais ou menos equivalentes aos de Chiovenda e Von Tuhr: Ennecerus-Kipp e Wolf, “Tratado Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 79 de derecho civil”, vol. 1º, tomo 1º, trad. cast., pág. 294; Lehmann, “Tratado de derecho civil”, vol. 1º, págs. 128 e 129; Guilherme Estelita, “Direito de ação - direito de demandar”, págs. 88 e 89; Pontes de Miranda, “Tratado de direito privado”, vol. 5º, pág. 242; J. Frederico Marques, “Ensaio sobre a jurisdição voluntária”, pág. 241; Orlando Gomes, “Introdução ao direito civil”, pág. 119; e Luis Loreto, “Rev. Forense”, vol. 98/9. IV - Críticas feitas à Existência dos Direitos Potestativos A categoria dos direitos potestativos embora admitida por vários autores, principalmente na Alemanha e na Itália, também tem sido muito combatida. Entretanto, Chiovenda, ao redigir as suas “Instituições de direito processual civil”, afirmou que “... as vivas controvérsias dos últimos anos em torno aos direitos potestativos agora se aplacaram e a categoria pode considerar-se em definitivo, também na Itália, reconhecida pela doutrina e pela própria jurisprudência, que lhe consagrou a utilidade prática em importantes aplicações” (vol. 1º, pág. 43 da tradução portuguesa). As principais objeções feitas à existência dos direitos potestativos são as seguintes: alega-se que eles nada mais são do que faculdades jurídicas, ou, então, manifestações da capacidade jurídica, e que não se pode admitir a existência de um direito ao qual não corresponda um dever. Todavia, na exposição que faz da sua doutrina, Chiovenda dá resposta cabal e antecipada a todas aquelas objeções. Assim, cumpre acentuar, em primeiro lugar, que o exercício de um direito potestativo cria um estado de sujeição para outras pessoas, coisa que não ocorre com o exercício das meras faculdades. Por sujeição, como já vimos, deve-se entender a situação daquele que, independentemente da sua vontade, ou mesmo contra sua vontade, sofre uma alteração na sua situação jurídica, por força do exercício de um daqueles poderes atribuídos a outra pessoa o que receberam a denominação de direitos potestativos. Com efeito, ao fazer referência às declarações de vontade por meio das quais se exercitam os direitos potestativos, Chiovenda diz: “Têm todas de comum tender à produção de um efeito jurídico a favor de um sujeito e a cargo de outro, o qual nada deve fazer, mas nem por isso pode esquivar-se àquele efeito, permanecendo sujeito à sua produção. A sujeição é um estado jurídico que dispensa o concurso da vontade do sujeito, ou qualquer atitude dele” (“Instituições”, 1/41). É Precisamente o que ocorre com o poder, assegurado aos contratantes, de promoverem a decretação de invalidade dos contratos nulos, exemplo típico de direito potestativo. Se um dos contratantes pretende exercitar aquele direito, pode fazê-lo sem o concurso da vontade do outro, e este, embora não possa se opor, fica sujeito aos efeitos do ato: sua esfera jurídica é afetada por uma manifestação da vontade alheia, independentemente da própria vontade. Já o mesmo não ocorre com o exercício das denominadas faculdades jurídicas: tal exercício só afeta a esfera jurídica de terceiro com aquiescência deste. Ex.: O proprietário tem o poder de vender a coisa, mas só a compra quem quer - ninguém é obrigado a fazê-lo. O exercício desse poder não cria um estado de sujeição para terceiros sem a vontade destes. Tal poder é, por conseguinte, uma mera faculdade, e não um direito potestativo. Por aí se verifica que não assiste qualquer parcela de razão a Cunha Gonçalves quando identifica os direitos potestativos com as faculdades jurídicas e cita, como exemplos, os atos de andar, comer, beber, dormir, dançar, ler e escrever (“Princípios de Direito Civil Luso Brasileiro”, vol. 1º, pág. 62, e “Tratado de Direito Civil”, vol. 1º, tomo 1º, da 1ª edição brasileira). Tais atos, entretanto, são faculdades que nem sequer podem ser classificadas de jurídicas, e muito menos podem ser classificadas de direitos potestativos, pois não criam estados de sujeição para terceiros. Com referência às outras objeções feitas à existência dos direitos potestativos convém 80 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba atentar para as considerações que Chiovenda faz a respeito do conteúdo jurídico da expressão “bem”, a qual abrange, entre outras coisas, “... a modificação do estado jurídico existente, quando se tenha interesse de interromper uma relação jurídica ou de constituir uma nova”. E arremata: “... pois que (tais poderes) se apresentam como um bem, não há excluí-los de entre os direitos, como realmente não os exclui o senso comum e o uso jurídico” (“Instituições”, vol. 1º, pág. 42). Como reforço de argumentação poder-se-ia invocar, ainda, a opinião de Pontes de Miranda: “Toda permissão de entrar na esfera jurídica de outrem é direito; .............................................................................................................. A todo direito corresponde sujeito passivo, ou total, nos direitos absolutos, ou determinado nos direitos relativos. Os direitos formativos, quer geradores, quer modificativos, quer extintivos, não são sem sujeitos passivos: há sempre esfera jurídica alheia em que se opera a eficácia do exercício de tais direitos” (“Tratado de Direito Privado”, vol. V, pág. 245). E’ certo que, em virtude da grande semelhança entre os dois institutos, torna-se muito sutil, em alguns casos, a distinção entre o direitos potestativos e as meras faculdades, mas a questão fica grandemente facilitada se se levar em conta, como fator distintivo, a sujeição, pois esta só existe nos direitos potestativos. Deste modo, aqueles que não querem, de forma alguma, ver nos direitos potestativos uma categoria autônoma de direitos subjetivos, têm que admitir, necessariamente, que eles constituem, pelo menos, uma classe especial de faculdades - isto é, aquelas faculdades cujo exercício cria um estado de sujeição para terceiros. O problema se reduzirá, então, a uma simples questão de natureza terminológica. De qualquer forma, não serão afetadas as conclusões que temos em vista no presente estudo. V - Formas de Exercício dos Direitos Potestativos Os direitos potestativos se exercitam e atuam, em princípio, mediante simples declaração de vontade do seu titular, independentemente de apelo às vias judiciais, e, em qualquer hipótese, sem o concurso da vontade daquele que sofre a sujeição. Exemplos: os direitos de revogação do mandato, de aceitação da herança, de dar vida a um contrato mediante aceitação da oferta, de escolha nas obrigações alternativas, de retrovenda, de dissolução das sociedades por tempo indeterminado (art. 1.404). Em outros casos, que compõem uma segunda categoria, os direitos potestativos também podem ser exercitados mediante simples declaração da vontade do seu titular, sem apelo à via judicial, mas somente se aquele que sofre a sujeição concordar com tal forma de exercício. Se não houver concordância, o titular do direito potestativo pode recorrer à via judicial para exercitá-lo. Tal via funciona, aí, apenas subsidiariamente. Exemplos: o direito que tem o condômino de dividir a coisa comum; o direito que tem o sócio de promover a dissolução da sociedade por tempo indeterminado, antes de expirado o respectivo prazo (art. 1.408 do Código Civil); o direito que tem o doador de revogar a doação; o direito que tem o filho de desobrigar os imóveis de sua propriedade alienados ou gravados pelo pai fora dos casos expressos em lei; o direito que tem o cônjuge, ou seus herdeiros necessários, para anular a doação feita pelo cônjuge adúltero ao seu cúmplice; o direito que tem o vendedor para resgatar o imóvel vendido com cláusula de retrovenda. Finalmente, há uma terceira categoria de direitos potestativos que só podem ser exercidos por meio de ação. A ação, aqui, já não tem caráter simplesmente subsidiário ou facultativo, mas obrigatório, como forma de exercício do direito. Conseqüentemente, nessa terceira categoria não se dispensa a propositura da ação nem mesmo quando todos os interessados, inclusive aqueles que sofrem a sujeição, estão de acordo em que o direito Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 81 seja exercitado por outra forma. É por esse motivo que Calamandrei dá, a tais procedimentos judiciais, a denominação de ações necessárias, e a elas faz referência em várias passagens dos seus “Estudios sobre el proceso civil” (págs. 37, 152, 233, 238, 239 e 240 da tradução castelhana). O que tem em vista a lei, ao eleger a via judicial como forma especial e exclusiva de exercício dos direitos potestativos dessa terceira categoria, é conceder maior segurança para determinadas situações jurídicas, cuja alteração tem reflexos acentuados na ordem pública. Nessa categoria Eduardo Conture inclui, de modo geral, aqueles direitos potestativos que dizem respeito ao estado civil das pessoas (“Fundamentos del derecho procesal civil”, pág. 221). Exemplos - o direito que tem o marido de promover a anulação do casamento contraído com mulher já deflorada, e todos aqueles direitos de invalidar os casamentos nulos ou anuláveis; o direito que tem o pai de contestar a legitimidade do filho de sua mulher; o direito que tem o filho ilegítimo de pleitear o reconhecimento de sua paternidade, quando o pai não o reconheceu voluntariamente; o direito que têm determinadas pessoas de requererem a interdição de outras etc. etc. Corolário da natureza especial destas ações constitutivas necessárias é a impossibilidade de ser aplicado a elas o princípio da confissão ficta, consubstanciado no art. 209 do Código de Processo Civil. Ao propor uma daquelas ações por meio das quais são exercidos os direitos potestativos da segunda e da terceira categorias, o respectivo autor não pleiteia do réu qualquer prestação, seja prestação de dar, de fazer, de não-fazer, de abster-se, ou de outra espécie. O a que ele visa com a propositura da ação é, apenas, criar, extinguir, ou modificar determinada situação jurídica, e isso é feito independentemente da vontade, ou mesmo contra a vontade da pessoa ou pessoas que ficam sujeitas aos efeitos do ato. Assim, o réu da ação, embora não fique obrigado a uma prestação, sofre uma sujeição. E’ o que ocorre, por exemplo, com a ação proposta pelo cônjuge coacto para anular o casamento. Julgada procedente a ação, o efeito da sentença não é a condenação do outro cônjuge a uma prestação, e sim a anulação do casamento. A tal efeito o outro cônjuge fica sujeito, mesmo contra sua vontade. Como se verifica fácil e prontamente, há uma nítida diferença de conteúdo entre tais ações e aquelas outras que caracterizam a atividade jurisdicional e que são propostas exatamente com o objetivo de compelir o réu a uma prestação. VI - Moderna Classificação das Ações A concepção dos direitos potestativos induziu a substituição da tradicional classificação das ações, oriunda do Direito Romano, e que levava em conta a natureza do direito cuja defesa se pretendia com o exercício da ação (ações reais, pessoais, mistas e prejudiciais), por uma outra classificação que tivesse em vista a natureza do pronunciamento judicial pleiteado. “Classificação segundo a carga de eficácia”, conforme a conceituou Pontes de Miranda (“Tratado de Direito Privado”. 5/483). De acordo com essa orientação, Chiovenda classificou as ações em três grupos principais: condenatórias, constitutivas e declaratórias (“Instituições”, 1/67). Lança-se mão da ação condenatória quando se pretende obter do réu uma determinada prestação (positiva ou negativa), pois, “correlativo ao conceito de condenação é o conceito de prestação”. Deste modo, um dos pressupostos da ação de condenação é a existência de uma vontade de lei que garanta um bem a alguém, impondo ao réu a obrigação de uma prestação. Por conseqüência, não podem jamais dar lugar a sentença de condenação os direitos potestativos” (Chiovenda, ob. cit., 1/267). Já a ação constitutiva (positiva ou negativa) cabe quando se procura obter, não uma 82 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba prestação do réu, mas a criação de um estado jurídico, ou a modificação, ou a extinção de um estado jurídico anterior. Por aí se verifica, de pronto, que as duas mencionadas espécies de ação correspondem exatamente, com rigorosa precisão, aqueles dois grandes grupos nos quais Chiovenda divide os direitos: as ações condenatórias são meio de proteção daqueles direitos suscetíveis de violação (“direitos a uma prestação”); e as ações constitutivas são o meio de exercício daqueles direitos insuscetíveis de violação (direitos potestativos). Quanto às ações declaratórias, têm elas por objetivo conseguir uma “certeza jurídica”. Ou, segundo a conceituação de Chiovenda: “... verificar qual seja a vontade concreta da lei, quer dizer, certificar a existência do direito (já direito a uma prestação, já direito potestativo), sem o fim de preparar a consecução de qualquer bem, a não ser a certeza jurídica. .............................................................................................................. O autor que requer uma sentença declaratória não pretende conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numa prestação do obrigado, seja que consista na modificação do estado jurídico atual; quer, tão-somente, saber que seu direito existe ou quer excluir que exista o direito do adversário; pleiteia, no processo, a certeza jurídica e nada mais” (“Instituições”, 1º vol., págs. 265 e 303). Por enquanto, deve ficar bem fixada esta noção, que tem importância capital no desenvolvimento de alguns aspectos do presente estudo: o objetivo da ação declaratória é a obtenção de uma “certeza jurídica”, e nada mais. Nas declaratórias, conseqüentemente, o autor “não colima a realização do direito” (Chiovenda, obra citada, 1/302). Convém acentuar, porém, que as sentenças condenatórias e as constitutivas também têm certo conteúdo declaratório, ao lado do conteúdo condenatório ou constitutivo, pois toda sentença deve conter, necessariamente, a declaração da existência da relação jurídica sobre a qual versa. O que as distingue das declaratórias propriamente ditas é que, nestas, tal conteúdo é total, ao passo que nas outras duas espécies é parcial. Em outras palavras: as sentenças declaratórias são puramente declaratórias, ao passo que as condenatórias são, simultaneamente, declaratórias e condenatórias. O mesmo se pode dizer com referência às constitutivas: são, simultaneamente, declaratórias e constitutivas (Calamandrei, “Estudios sobre el proceso civil”, pág. 282; Luiz Machado Guimarães, “in” “Rev. Forense”, vol. 101/8; Lopes da Costa, “Direito Processual Civil Brasileiro”, 1/84, 1ª ed.; Alfredo Buzaid, “Ação declaratória”, pág. 95; e Torquato Castro, “Ação declaratória”, pág. 19). Ainda a respeito da classificação das ações faz-se necessário registrar que alguns autores admitem outras categorias além daquelas três já referidas, como, por exemplo, as ações executórias, as ações determinativas, as ações mandamentais etc. Todavia, Eduardo Couture acentua, com muita propriedade, que a classificação tricotômica abarca todas essas ações, as quais, de resto, nem sequer chegam a formar categorias particulares (citação feita por Nelson Carneiro na “Rev. Forense”, vol. 136/51). VII - Ações Constitutivas A natureza do presente estudo exige que, a esta altura, nos detenhamos um pouco na análise das ações constitutivas. Têm elas por objetivo o exercício de duas categorias de direitos potestativos: a) aqueles que, por medida de segurança dos negócios jurídicos, a lei não permite sejam exercidos mediante simples declaração de vontade, nem mesmo quando estão de acordo todos os interessados, inclusive aquele que sofre a “sujeição” (ações constitutivas necessárias, segundo a terminologia adotada por Calamandrei). Ex.: Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 83 as ações anulatórias de casamento; e b) aqueles direitos potestativos que são exercidos por meio de ação apenas subsidiariamente, isto é, quando os outros interessados não concordam em que eles sejam exercidos mediante simples declaração de vontade. Ex.: a ação de divisão. Pelo que foi dito acima já se pode concluir que as ações constitutivas têm as seguintes características: a) não pressupõem a existência de lesão a um direito, como ocorre nas ações condenatórias; b) por meio delas não se exige uma prestação do réu, mas apenas se pleiteia a formação, modificação, ou extinção de um estado jurídico; c) não são meio para se restaurar um direito lesado, mas meio pelo qual se exercitam duas classes de direitos potestativos; d) não têm por objetivo a satisfação de uma pretensão, se se entender como tal “o poder de exigir de outrem uma prestação”, pois os direitos potestativos são, por definição, “direitos sem pretensão” (quando muito há, nas ações constitutivas, uma pretensão de natureza especial, isto é, uma pretensão dirigida contra o Estado, ou uma pretensão à tutela jurídica, ou “pretensão à prestação jurisdicional”, como quer Pontes de Miranda, mas ele mesmo acentua que não se deve confundir “pretensão de direito material”, com “pretensão à tutela jurídica” - “Comentários ao Código de Processo Civil”, 1ª ed., 1º vol., pág. 19); finalmente: e) as sentenças proferidas nas ações constitutivas (positivas ou negativas) não são suscetíveis, e nem carecem de execução, pois o conteúdo de tais ações se esgota com o provimento judicial que determina a criação, modificação, ou extinção do estado jurídico. (Somente quando a ação constitutiva se encontra cumulada com uma ação condenatória é que se pode cogitar de execução, mas aí a execução diz respeito a essa última. Ex.: a ação para rescindir o contrato de compra e venda de coisa recebida com vicio redibitório, e reaver o preço pago, mais perdas e danos - art. 178, § 29, e § 59, n. IV). Convém acentuar, finalmente, que embora as sentenças proferidas nas ações constitutivas produzam, normalmente, efeitos “ex nunc”, não é contrária à sua natureza, e é até mesmo freqüente, a produção de efeitos “ex tunc”, conforme ensinam Chiovenda (“Instituições”, 1/ 286), Pontes de Miranda (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, pág. 468, da 1ª ed.), Goldschmidt (“Derecho procesal”, pág. 112), e Prieto Castro (“Derecho Procesal Civil”, tomo I, pág. 65). VIII - Fundamentos e Efeitos da Prescrição Acentua Savigny que, durante muito tempo, a prescrição foi um instituto completamente estranho ao Direito Romano, mas, ao surgir o Direito Pretoriano, passou a constituir uma exceção à antiga regra da duração perpétua das ações. Por último, a exceção se converteu em regra geral (“Sistema del derecho romano”, tomo IV, págs. 181 e 185 da trad. cast.). Tendo ainda em vista o Direito Romano, diz o mesmo autor que o principal fundamento da prescrição é a necessidade de serem fixadas as relações jurídicas incertas, suscetíveis de dúvidas e controvérsias, encerrando-se dita incerteza em um lapso determinado de tempo (ob. e vol. cite., pág. 178). Por sua vez, ensina Pontes de Miranda que o instituto da prescrição “serve à segurança e à paz públicas”, e é este, precisamente, o ponto de vista que, de modo geral, prevalece, a respeito do assunto, na doutrina e na jurisprudência, embora ainda haja quem procure apresentar, como fundamento do mesmo instituto, o castigo à negligência, a aplicação do princípio “dormientibus non sucurrit ius”. Mas há um ponto que deve ficar bem ressaltado, porque interessa fundamentalmente às conclusões do presente estudo: os vários autores que se dedicaram à análise do termo inicial da prescrição fixam esse termo, sem discrepância, no nascimento da ação (“actio nata”), determinado, tal nascimento, pela violação de um direito. Savigny, por exemplo, no capítulo da sua monumental obra dedicado ao estudo das condições da prescrição, inclui, 84 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba em primeiro lugar, a “actio nata”, e acentua que esta se caracteriza por dois elementos: a) existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em Juízo; e b) violação desse direito (obra citada, tomo IV, pág. 186). Também Câmara Leal afirma, peremptoriamente: “Sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, ou não satisfeita sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessidade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque esta tem por condição primária a existência da ação. .............................................................................................................. Duas condições exige a ação, para se considerar nascida (“nata”), segundo a expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular; b) uma violação desse direito, à qual tem ela por fim remover. .............................................................................................................. O momento de início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo, é determinado pelo nascimento da ação - “actioni nondum natae non praescribitur”. Desde que o direito está normalmente exercido, ou não sofre qualquer obstáculo, por parte de outrem, não há ação exercitável. Mas, se o direito é desrespeitado, violado, ou ameaçado, ao titular incumbe protegê-lo e, para isso, dispõe da ação...” (Câmara Leal, “Da prescrição e da decadência”, págs. 19, 32 e 256). Opinando no mesmo sentido, poderão ser citados vários outros autores, todos mencionando aquelas duas circunstâncias que devem ficar bem acentuadas (o nascimento da ação como termo inicial da prescrição, e a lesão ou violação de um direito como fato gerador da ação): De Ruggiero, “Instituições de Direito Civil”, vol. 1º,. págs. 324 e 325; Carpenter, “Da prescrição”, pág. 269 da 1ª ed.; Von Tuhr, “Derecho Civil”, vol. 3º, tomo 2º, pág. 202, da trad. cast.; Ennecerus-Kipp e Wolf, “Tratado de Derecho Civil”, tomo 1º, vol. 2º, pág. 510 da trad. cast.; Ebert Chamoun, “Instituições de Direito Romano”, pág. 68; Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, vol. VI, pág. 114; Lehmann, “Tratado de Derecho Civil”, vol. 1º, pág. 510, da trad. castelhana. Sancionando aquele entendimento, que remonta ao Direito Romano, o Código Civil alemão, depois de definir a pretensão, no seu § 194, como “o direito de exigir de outrem uma ação ou uma omissão (prestação)”, acrescenta (§ 198) que “a prescrição começa com o nascimento da pretensão”. Deste modo, também no Direito positivo alemão não são todas as ações que dão origem à prescrição, mas apenas aquelas ações nascidas da lesão de um direito. Compreende-se facilmente o motivo da escolha da lesão do direito como termo inicial do prazo de prescrição: é que a lesão dá origem a uma ação, e a possibilidade de propositura desta, com o fim de reclamar uma prestação destinada a restaurar o direito, é que concorre para criar aquele estado de intranqüilidade social que o instituto da prescrição procura evitar. Assim, com a prescrição, limita-se o prazo para exercício da ação. Esgotado o prazo, extingue-se a ação, mas somente a ação, pois o direito correspondente continua a subsistir, se bem que em estado latente, podendo até, em alguns casos, voltar a atuar. A sobrevivência do direito violado (em estado latente) por si só não causa intranqüilidade social. O que causa tal intranqüilidade é a ação, isto é, a possibilidade de ser ela proposta a qualquer momento. Deste modo, não se faz necessário extinguir o direito para fazer cessar a intranqüilidade basta extinguir a ação. E’ por isso que se diz comumente, e com procedência, que a prescrição extingue a ação e não o direito. Exemplos: o crédito correspondente a uma ação executiva cambiária prescrita pode ser cobrado por meio de ação ordinária; o proprietário que deixou prescrever a ação reivindicatória que tinha contra determinada pessoa, ainda pode exercer sua pretensão reivindicatória contra outra pessoa, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 85 se a coisa passou, depois, para a posse desta última e ela não pode invocar, em seu favor a prescrição consumada. Nos exemplos citados houve extinção da ação, mas não do direito. Deste modo, fixada a noção de que a violação do direito e o início do prazo prescricional são fatos correlatos, que se correspondem como causa e efeito, e articulando-se tal noção com aquela classificação dos direitos formulada por Chiovenda, concluir-se-á, fácil e irretorquivelmente, que só os direitos da primeira categoria (isto é, os “direitos a uma prestação”), conduzem à prescrição, pois somente eles são suscetíveis de lesão ou de violação, conforme ficou amplamente demonstrado. Por outro lado, os da segunda categoria, isto é, os direitos potestativos (que são, por definição, “direitos sem pretensão”, ou “direitos sem prestação”, e que se caracterizam, exatamente, pelo fato de serem insuscetíveis de lesão ou violação), não podem jamais, por isso mesmo, dar origem a um prazo prescricional. Por via de conseqüência chegar-se-á, então, a uma segunda conclusão importante: só as ações condenatórias podem prescrever, pois são elas as únicas ações por meio das quais se protegem os direitos suscetíveis de lesão, isto é, os da primeira categoria da classificação de Chiovenda. Se, a título de verificação do acerto daquelas conclusões, as aplicarmos aos vários prazos para propositura de ações enumerados no art. 178 do Código Civil, verificaremos o seguinte: 1º) todos os prazos do mencionado dispositivo que são classificados, pela doutrina e pela jurisprudência, como prazos de prescrição “stricto sensu”, se referem a ações condenatórias; 2º) os demais prazos do mesmo art. 178 (que são classificados pela doutrina e pela jurisprudência como prazos de decadência) não se referem a ações condenatórias. Aliás, se analisarmos o Código Civil alemão, e atentarmos para a circunstância de que ele (ao contrário do Código Civil brasileiro) não trata indistintamente os prazos de prescrição e de decadência, faremos algumas observações interessantes, que vêm confirmar, plenamente, aquelas conclusões a que chegamos com referência ao art. 178 do Código Civil brasileiro: o dispositivo do Código alemão (§ 196) que fixa os prazos especiais de prescrição enumera exclusivamente direitos pertencentes à primeira categoria da classificação de Chiovenda, isto é, <<direitos a uma prestação>>, que são os únicos suscetíveis de violação, e que são protegidos por meio de ações condenatórias. Por outro lado, convém levar em conta dois outros fatos importantes: 1º) o dispositivo do Código Civil brasileiro que fixa os prazos gerais de prescrição se refere apenas às ações reais e às ações pessoais (art. 177); 2º) as ações condenatórias (ou “ações de prestação”) são as únicas que comportam subdivisão em ações reais e ações pessoais. Por conseguinte, o mencionado art. 177 se aplica, única e exclusivamente, às ações condenatórias. As considerações feitas acima conduzem, pois, inevitavelmente, à fixação desta primeira regra, indispensável à distinção entre prescrição e decadência: Todas as ações condenatórias (e somente elas) estão sujeitas à prescrição. Passemos, agora, ao instituto da decadência. IX - Fundamentos e Efeitos da Decadência. Por que razão há prazos de prescrição e prazos de decadência? Por que há ações que conduzem à prescrição e ações que conduzem à decadência, quando seria muito mais simples unificar os conceitos e dar uma só denominação aos principais efeitos da incidência do tempo sobre as relações jurídicas? E’ exatamente porque os dois institutos, embora tendo fundamentos comuns, divergem quanto ao objeto e quanto aos efeitos. Realmente, ao conceituarem decadência, doutrina e jurisprudência, na sua grande maioria, embora não forneçam critério seguro para distingui-la da prescrição, acentuam um fato de 86 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba importância capital: o efeito imediato da decadência é a extinção do direito, ao passo que o da prescrição é a extinção da ação. Isto, porém, não basta para distinguir os dois institutos, e o problema permanece de pé. Examinemos a questão sob outro aspecto. Quando enumera os princípios concernentes ao exercício dos direitos, o Prof. Orlando Gomes inclui dois que interessam de perto à matéria em discussão: o da disponibilidade, segundo o qual o exercício dos direitos é facultativo (ninguém é obrigado a exercê-los); e o da inesgotabilidade, de acordo com o qual os direitos não se esgotam pelo não-uso (“Introdução ao Direito Civil”, pág. 122). Pode-se dizer, assim, que a exemplo do que ocorria com as ações no Direito Romano antes de nascer o instituto da prescrição, também os direitos, em princípio, têm duração perpétua. Todavia, conforme já vimos anteriormente, há certos direitos cujo exercício afeta, em maior ou menor grau, a esfera jurídica de terceiros, criando para esses um estado de sujeição, sem qualquer contribuição da sua vontade, ou mesmo contra sua vontade. São os direitos potestativos. E’ natural, pois, que a possibilidade de exercício desses direitos origine, para os terceiros que vão sofrer a sujeição, uma situação de intranqüilidade, cuja intensidade varia de caso para caso. Muitas vezes aqueles reflexos se projetam muito além da esfera jurídica dos terceiros que sofrem a sujeição e chegam a atingir interesses da coletividade, ou de parte dela, criando uma situação de intranqüilidade de âmbito mais geral. Assim, a exemplo do que ocorreu com referência ao exercício das ações condenatórias, surgiu a necessidade de se estabelecer também um prazo para o exercício de alguns (apenas alguns) dos mencionados direitos potestativos, isto é, aqueles direitos potestativos cuja falta de exercício concorre de forma mais acentuada para perturbar a paz social. Daí fixar a lei (além de outros), prazos para o exercício dos seguintes direitos potestativos: direito de preempção ou preferência; direito de propor ação rescisória; direito que têm os cônjuges de promover a anulação do casamento; direito que tem o marido de contestar a legitimidade do filho de sua mulher; direito que têm os contratantes de rescindir ou anular os contratos etc. etc. Convém acentuar, a esta altura, que nem todos aqueles prazos estão ligados à propositura de uma ação, pois, como já vimos, há direitos potestativos que se exercem por outro meio que não o do procedimento judicial, mas, mesmo assim, podem estar subordinados a um prazo. Por exemplo: o exercício do direito de preempção ou preferência não se faz por meio de ação, porém está subordinado a um prazo (art. 1.153 do Código Civil). Assim, pode-se dizer, com relação aos direitos potestativos subordinados a prazo, que o prazo não é fixado, propriamente, para a propositura da ação, mas para o exercício do direito. E se quase sempre não se atenta para esta circunstância é porque, na maioria dos casos, tais direitos, quando subordinados a prazo, se exercitam por meio de ação. Também se verifica a situação inversa: há direitos potestativos que se exercitam (facultativa ou mesmo obrigatoriamente) por meio de ação, mas, apesar disso, não estão subordinados a prazo. Exs.: os direitos potestativos exercitados por meio das ações de divisão e investigatória de paternidade. Esta observação deve ficar bem acentuada, porque é o ponto de partida para a construção da teoria da imprescritibilidade, que pretendemos expor mais adiante. Com referência, àqueles direitos potestativos para cujo exercício a lei não achou necessário fixar um prazo especial, fica prevalecendo, então, o princípio geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade (“os direitos não se extinguem pelo não-uso”), pois não há dispositivo estabelecendo um prazo geral para que os direitos potestativos sejam exercitados sob pena de extinção. Relativamente a tais direitos só há prazos especiais. Já o mesmo não acontece com os direitos da outra categoria (os “direitos a uma prestação”, da classificação de Chiovenda): as ações por meio das quais estes direitos são protegidos, ou estão subordinadas a prazos especiais no art. 178 do Código, ou estão subordinadas aos prazos gerais do art. 177, pois este último artigo só se aplica às ações condenatórias, conforme já acentuamos. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 87 As considerações feitas acima levam, inevitavelmente, à conclusão de que, quando a lei, visando à paz social, entende de fixar prazos para o exercício de alguns direitos potestativos (seja exercício por meio de simples declaração de vontade, como o direito de preempção ou preferência; seja exercício por meio de ação, como o direito de promover a anulação do casamento), o decurso do prazo sem o exercício do direito implica na extinção deste, pois, a não ser assim, não haveria razão para a fixação do prazo. Tal conseqüência (a extinção do direito) tem uma explicação perfeitamente lógica: é que (ao contrário do que ocorre com os direitos suscetíveis de lesão) nos direitos potestativos subordinados a prazo o que causa intranqüilidade social não é, propriamente, a existência da ação, mas a existência do direito, tanto que há direitos desta classe ligados a prazo, embora não sejam exercitáveis por meio de ação. O que intranqüiliza não é a possibilidade de ser proposta a ação, mas a possibilidade de ser exercido o direito. Assim, extinguir a ação, e deixar o direito sobreviver (como ocorre na prescrição), de nada adiantaria, pois a situação de intranqüilidade continuaria de pé. Infere-se, daí, que quando a lei fixa prazo para o exercício de um direito potestativo, o que ela tem em vista, em primeiro lugar, é a extinção desse direito, e não a extinção da ação. Esta também se extingue, mas por via indireta, como conseqüência da extinção do direito. O mesmo fato não é observado com referência à outra categoria de direitos (os “direitos a uma prestação”): a lei não fixa - e nem tem motivos para fixar - prazo para o exercício de nenhum deles. Com relação a estes direitos, os prazos que existem, fixados em lei, são tão-somente para a propositura das ações por meio das quais eles são protegidos. Assim, o decurso do prazo sem propositura da ação, implica na extinção desta, e não na extinção do direito que ela protege, pois - repita-se - em face dos denominados “direitos a uma prestação”, a ação funciona como meio de proteção e não como meio de exercício. Por conseguinte, também se impõe, necessariamente, a conclusão de que só na classe dos potestativos é possível cogitar-se da extinção de um direito em virtude do seu nãoexercício. Daí se infere que os potestativos são os únicos direitos que podem estar subordinados a prazos de decadência, uma vez que o objetivo e efeito desta é, precisamente, a extinção dos direitos não exercitados dentro dos prazos fixados. A conclusão imediata é, igualmente, inevitável: as únicas ações cuja não propositura implica na decadência do direito que lhes corresponde são as ações constitutivas, que têm prazo especial de exercício fixado em lei, e apenas essas, pois - insista-se - a lei não fixa prazos gerais para o exercício de tais ações, a exemplo do que ocorre com as condenatórias (art. 177). Finalmente, se, para testar o acerto daquelas conclusões, analisarmos os vários prazos especiais enumerados no art. 178 do Código Civil, verificaremos que todos aqueles classificados pela doutrina e pela jurisprudência como sendo prazos de decadência, correspondem, exatamente, a direitos potestativos e a ações constitutivas. Deste modo chegamos, por dedução, a esta segunda regra: os únicos direitos para os quais podem ser fixados prazos de decadência são os direitos potestativos, e, assim, as únicas ações ligadas ao instituto da decadência são as ações constitutivas, que têm prazo especial de exercício fixado em lei. Com a aplicação das duas regras deduzidas acima, torna-se extremamente fácil distinguir a prescrição da decadência e classificar os vários prazos enumerados no art. 178 do Código Civil: se se trata de ação condenatória, o prazo é de prescrição da ação; e se se trata de ação constitutiva, o prazo é de decadência do direito exercitado por meio dela. A seguir trataremos de alguns casos especiais que podem suscitar dúvidas. 88 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba X - Casos Especiais de Acões Constitutivas Encontrados no Art. 178 do Código Civil O primeiro caso que pode oferecer alguma dificuldade na aplicação das duas regras fixadas acima é aquele a que se referem o § 2º e o § 5º, n. IV, do art. 178; prazo para o comprador propor ação destinada a haver abatimento da preço de coisa (móvel ou imóvel) recebida com vício redibitório, ou rescindir o contrato e reaver o preço pago, mais perdas e danos. Como se verifica dos textos indicados, o comprador tem, à sua disposição, ações de natureza diversa (condenatórias e constitutivas), das quais pode fazer uso alternativamente: a) pode ele propor uma ação para haver abatimento do preço (ação condenatória), ou, b) pode propor uma ação para rescindir o contrato (ação constitutiva), cumulada com uma ação para reaver o preço pago, mais perdas e danos (ação condenatória). Como aplicar, na hipótese, o critério distintivo proposto acima, desde que estão presentes os dois tipos de ações que servem de base à distinção? O prazo é de prescrição ou de decadência? Só há uma maneira de solucionar o impasse, desde que não é possível admitir que o prazo seja, simultaneamente, de prescrição e de decadência: é verificar qual dos dois interesses deve prevalecer - o protegido pela prescrição, ou o protegido pela decadência. Ora, basta atentar para as circunstâncias de que os prazos de decadência são insuscetíveis de renúncia, de interrupção, e de suspensão, e que o seu esgotamento deve ser reconhecido de ofício pelo juiz, para se concluir que tais prazos têm um conteúdo de interesse público muito mais relevante que os prazos prescricionais. Deste modo, os prazos estabelecidos no art. 178, § 2º, e § 5º, n. IV, são prazos de decadência, e é esta, realmente, a classificação dada a tais prazos por Pontes de Miranda (“Tratado de Direito Privado”, vol. 6º, págs. 140, 340 e 341); Câmara Leal (“Da prescrição e da decadência”, págs. 145 e 146; Orlando Gomes (“Introdução ao Direito Civil”, pág. 393) e Carlos Maximiliano (“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, pág. 352). Outro prazo que merece referência especial é o do art. 178. § 6º, n. XI, do Código Civil: a ação do proprietário do prédio desfalcado contra o do prédio aumentado pela avulsão, é ação condenatória ou constitutiva? O prazo é de prescrição da ação, ou de decadência do direito a que ela corresponde? À primeira vista parece tratar-se de ação condenatória, pois afigura-se que, ao propor a ação, o autor pretende do réu uma prestação, isto é, a entrega da parte acrescida ao seu imóvel pela avulsão. Ocorre, porém, que a avulsão não resulta de ato do proprietário do imóvel beneficiado, contrário ao direito do outro proprietário, e sim de fato da natureza que tem como efeito jurídico a constituição de um direito de propriedade em favor do proprietário do imóvel beneficiado (art. 536), se não houver reclamação do outro proprietário dentro do prazo de um ano (arts. 541 e 542). Deste modo, a ação em análise não tem efeito condenatório, e sim efeito constitutivo negativo: visa a evitar que se crie um novo direito de propriedade sobre a porção de terra objeto da avulsão, ou que se crie esse novo direito independentemente de indenização (arts. 541 e 542). Trata-se, pois, de ação constitutiva, e conseqüentemente o prazo é de decadência. Este entendimento coincide com o de Pontes de Miranda (“Tratado de Direito Privado”, vol. VI, págs. 358 e 359); Carlos Maximiliano (“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, pág. 351 da 5ª ed.); e Câmara Leal (“Da Prescrição e da Decadência”, pág. 146 da 1ª ed.). XI - Ações Declaratórias. Quando expusemos a classificação das ações adotada por Chiovenda, verificamos que, ao lado das ações condenatórias (ligadas ao instituto da prescrição), e das ações constitutivas (ligadas, indiretamente, ao instituto da decadência), existe uma terceira categoria, a das ações declaratórias. Qual a posição destas últimas em face dos institutos? Estão ligadas a eles, ou a algum deles? Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 89 Conceituando as ações declaratórias e, simultaneamente, distinguindo-as das condenatórias e das construtivas, diz Chiovenda: “O autor que requer uma sentença declaratória não pretende conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numa prestação do obrigado, seja que consista na modificação do estado jurídico atual; quer, tão-somente, saber que seu direito existe ou quer excluir que exista o direito do adversário; pleiteia no processo a certeza jurídica e nada mais” (“Instituições”, 1/302 e 303). A obtenção dessa “certeza jurídica” é, no dizer do mesmo autor, a mais autônoma e a mais elevada função do processo (ob. e pág. cits.). A “certeza jurídica” surge, assim, como efeito, não apenas imediato, mas também único, daí ações e sentenças declaratórias, e é precisamente o que acentua Chiovenda quando afirma que a sentença declaratória “... não ensarta outro efeito que não o de fazer cessar a incerteza do direito...”, (obra citada, 1º vol., pág. 286). Realmente, a noção de obtenção da “certeza jurídica” está sempre ligada ao conceito de ação declaratória: Chiovenda (“Instituições”, 1º vol., págs. 286, 321, e 324; “Ensayos de derecho procesal civil”, 1º vol., pág. 32 da trad. cast.); e Torquato Castro (“Ação declaratória”, págs. 27 e 88). Por conseguinte, pode-se dizer que as sentenças declaratórias não dão, não tiram, não proíbem, não permitem, não extinguem e nem modificam nada. Em resumo: não impõem prestações, nem sujeições, nem alteram, por qualquer forma, o mundo jurídico. Por força de uma sentença declaratória, no mundo jurídico nada entra, nada se altera, e dele nada sai. As sentenças desta natureza, pura e simplesmente, proclamam a “certeza” a respeito do que já existe, ou não existe, no mundo jurídico. E’ exatamente o princípio consagrado no nosso Código de Processo Civil quando trata de tais ações: “O interesse do autor poderá limitar-se à declaração da existência, ou inexistência de relação jurídica ou à declaração da autenticidade ou falsidade de documento” (art. 2º, parágrafo único). Fixado o conceito, pergunta-se: as ações declaratórias estão ligadas à prescrição ou à decadência? Parece-nos que nem a uma coisa nem a outra, conforme se passa a demonstrar. Já vimos, anteriormente, que todo prazo prescricional está ligado, necessária e indissoluvelmente, à lesão de um direito, de modo que, se não há lesão do direito, não há como cogitar de prescrição da ação. Já vimos, igualmente, que fato semelhante ocorre com o instituto da decadência: todo prazo decadencial está ligado, também necessária e indissoluvelmente, ao exercício de um direito, de modo que só sofrem os efeitos (indiretos) da decadência aquelas ações que são meio de exercício de alguns direitos pertencentes a uma categoria especial. Ora, as ações declaratórias nem são meio de proteção ou restauração de direitos lesados, nem são, tampouco, meio de exercício de quaisquer direitos (criação, modificação ou extinção de um estado jurídico). Quando se propõe uma ação declaratória, o que se tem em vista, exclusivamente, é a obtenção da “certeza jurídica”, isto é, a proclamação judicial da existência ou inexistência de determinada relação jurídica, ou da falsidade ou autenticidade de um documento. Daí é fácil concluir que o conceito de ação declaratória é visceralmente inconciliável com os institutos da prescrição e da decadência: as ações desta espécie não estão, e nem podem estar, ligadas a prazos prescricionais ou decadenciais. Realmente, como já vimos, o objetivo da prescrição é liberar o sujeito passivo de uma prestação, e o da decadência, o de liberá-lo da possibilidade de sofrer uma sujeição. Ora, se as ações declaratórias não têm o efeito de realizar uma prestação, nem tampouco o de criar um estado de sujeição, como ligar essas ações a qualquer dos dois institutos em análise? Se o único efeito de tais ações é a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de um documento, qual a finalidade da fixação de um prazo para o seu exercício? E quais seriam as conseqüências do decurso 90 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba do prazo sem propositura da ação? A relação inexistente passaria a existir? E a existente deixaria de existir? O documento falso passaria a autêntico? E o autêntico passaria a falso? Mesmo admitindo-se, para argumentar, a possibilidade de conseqüências tão absurdas, a ação não seria, nestes casos, declaratória, e sim constitutiva. Para ficar ainda mais acentuada a incompatibilidade entre as ações declaratórias e os institutos da prescrição e da decadência, basta atentar para o seguinte: diz Chiovenda que as sentenças declaratórias podem ter por objeto qualquer direito, inclusive de natureza potestativa (“Instituições”, 1/331, e “Ensayos de derecho procesal civil”, pág. 127). Daí pode-se concluir que os direitos objeto das ações declaratórias são, também, objeto de uma das outras duas categorias de ações (condenatórias ou constitutivas), e tal conclusão dá origem a mais um argumento favorável ao ponto de vista que sustentamos. Realmente, desde que as situações jurídicas que se colocam no campo de atuação das ações declaratórias já são tuteladas por um dos outros dois tipos de ações cuja finalidade precípua é a realização do direito (condenatórias ou constitutivas) e se estas, por sua vez, já se encontram ligadas a um prazo extintivo (prescricional ou decadencial), seria absurdo admitir outro prazo de igual natureza para a ação declaratória que tivesse por objetivo a mesma situação jurídica. Se se entender de outra forma, qual dos dois prazos deve prevalecer? O da ação declaratória ou o outro? Levando em consideração o ponto assinalado, acentuam Chiovenda (“Ensayos de derecho procesal civil”, 1/129 da trad. cast.) e Ferrara (“A simulação dos negócios jurídicos”, pág. 458 da trad. port.), que quando a ação condenatória está prescrita, não é razão para se considerar também prescrita a correspondente ação declaratória, e sim para se considerar que falta o interesse de ação para a declaração da certeza. E se se levar em conta que a prescrição e a decadência têm uma finalidade comum, que é a paz social, ainda ficará mais evidenciada a desnecessidade de se fixar prazo extintivo para as ações declaratórias, pois, não produzindo elas (e as respectivas sentenças), como de fato não produzem, qualquer modificação no mundo jurídico (mas apenas a proclamação da certeza jurídica), o seu exercício, ou falta de exercício, não afetam, direta ou indiretamente, a paz social. E tanto é exata a conclusão que, entre os vários prazos extintivos encontrados no art. 178 do Código Civil, não há um só que se refira a ações declaratórias propriamente ditas. Além do mais, se se quisesse fixar um prazo extintivo para as ações declaratórias, de que natureza seria este prazo? Prescricional ou decadencial? O legislador que pretendesse fazer uma escolha se depararia com um obstáculo intransponível: como as ações declaratórias não têm por finalidade a restauração, nem tampouco o exercício de direitos, elas não podem ser atreladas nem ao instituto da prescrição nem ao da decadência. Diante de tudo isso, a conclusão que se impõe é a seguinte: as ações declaratórias devem ser classificadas como ações imprescritíveis. E é esta, realmente, a classificação dada pela maioria dos doutrinadores. Entre muitos outros: Chiovenda (“Instituições”, 1/62; “Ensayos”, 1/32); Pontes de Miranda (“Tratado de Direito Privado”, vol. 6º, págs. 129, 130 e 285) e Ferrara (”Da simulação dos negócios jurídicos”, pág. 458). XII - Ações Aparentemente Declaratórias. Problema intimamente ligado ao das ações declaratórias, e que merece exame mais detido, é o daquelas ações que poderiam receber a denominação de “aparentemente declaratórias”, em virtude de serem geralmente classificadas como declaratórias, embora sejam, na realidade, constitutivas. Em primeiro lugar examinaremos as denominadas “ações de nulidade”, isto é, aquelas ações que têm por objetivo a invalidação dos atos nulos. São tradicionalmente classificadas Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 91 como declaratórias, enquanto que aquelas outras que têm por finalidade a invalidação dos atos anuláveis são classificadas como constitutivas. Todavia, Pontes de Miranda, usando argumentos que nos parecem irretorquíveis, demonstra que as ações de nulidade (do mesmo modo que as de anulação), são constitutivas negativas. Começa ele acentuando que, classificar as ações de nulidade como declaratórias equivale a equiparar os atos nulos aos atos inexistentes, o que representa “romanismo escusado” ou “resíduo romanístico” não tolerado pelo Direito moderno. Realmente, no Direito Romano, os conceitos de ato nulo e ato juridicamente inexistente se equivaliam, e por isso a sentença que proclamava uma nulidade era de natureza puramente declaratória: limitava-se a registrar um fato (a inexistência jurídica do ato), sem produzir qualquer modificação de natureza jurídica, pois o ato nulo, que já se encontrava fora do mundo jurídico antes da sentença, lá se conservava, de vez que não era considerado ato jurídico. Hoje, porém, a conceituação é diferente, conforme acentua o mesmo autor: “ato nulo” difere de “ato juridicamente inexistente”. O ato nulo é um ato que, embora defeituosamente, penetra no mundo jurídico, tanto que recebe a denominação de “ato jurídico” (Código Civil, art. 145). “Nulo” é negação de validade no mundo jurídico, e não negação de existência no mesmo mundo. Deste modo a decisão que pronuncia uma nulidade não tem efeito apenas declaratório, e sim, também, efeito constitutivo, pois desloca o ato do mundo jurídico para o mundo fático. O ato que teve sua nulidade pronunciada por sentença, sai do mundo jurídico, por força desta sentença, e passa a ser apenas ato do mundo fático, isto é, ato juridicamente inexistente. O efeito da sentença é, pois, o de ocasionar uma modificação: transforma um ato jurídico nulo em ato juridicamente inexistente. Não ocorreu aí, apenas, a proclamação de uma “certeza jurídica”, e por isso a ação é constitutiva e não simplesmente declaratória. Por conseguinte, a nulidade é “decretável” e não “declarável”, (Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, vol. 4º, págs. 7, 9, 11 a 14, 17, 19, 20, 28, 29, 33, 75, 77, 79, 80 e 209; ,”Tratado de Direito de Família”, 1º vol., pág. 304 da 3ª ed.; “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, págs. 464 e 467 da 1ª ed.). Aliás, a distinção entre atos nulos e atos juridicamente inexistentes, estranha ao Direito Romano (v. Savigny, “sistema”, tomo 3º, pág. 351, da trad. cast.), surgiu por ocasião da elaboração do Código Civil francês (Josserand. “Derecho Civil”, tomo 1º, vol. 1º, pág. 137). Para reforçar aquelas conclusões de Pontes de Miranda, convém atentar para uma circunstância que não se concilia, de modo algum, com a pretendida equiparação dos atos nulos aos atos juridicamente inexistentes, nem com a natureza simplesmente declaratória que se quer atribuir às ações de nulidade: é que há atos nulos que produzem efeitos permanentes, e alguns chegam mesmo a convalidar por completo. Exemplos: o casamento putativo (art. 221); o casamento contraído perante autoridade incompetente, depois de decorrido o prazo de dois anos dentro do qual a nulidade deve ser alegada (art. 208); a partilha nula, depois de decorrido o prazo de decadência fixado no art. 178, § 6º, n. V, do Código Civil; o parentesco por afinidade em linha reta sobrevive a casamento nulo (art. 335). Entendemos, assim, que as ações de nulidade devem ser classificadas como constitutivas negativas. Outras ações aparentemente declaratórias são as denominadas ações de estado, também geralmente classificadas como declaratórias, mas na realidade são constitutivas, embora com uma grande carga de declaratividade. Pelo menos elas não podem ser consideradas declaratórias dentro da concepção moderna desse tipo de ações, isto é, aquelas ações por meio das quais se procura, exclusivamente, obter uma certeza jurídica. E’ o que procuraremos demonstrar. Da conceituação da ação declaratória se infere, naturalmente, que uma das suas principais características é a facultatividade ou voluntariedade: ela é utilizada quando alguém quer, apenas, estabelecer a certeza jurídica a respeito da existência ou inexistência de determinada relação jurídica, mas ninguém é obrigado a propô-la para que desta relação 92 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba decorram efeitos jurídicos. A relação jurídica existe (ou inexiste), e seus efeitos se produzem (ou não se produzem), independentemente de sua declaração judicial. Em resumo: podese dizer que não há ações declaratórias “obrigatórias”, ou “necessárias”, como as há na classe das constitutivas. Assim, por exemplo, se não há dúvidas a respeito da existência de determinada relação jurídica, isto é, se coincidem as vontades de todos os possíveis interessados, no sentido de reconhecerem a existência da relação; ou, em outras palavras, se não há incerteza a respeito da existência da mesma relação, a ação declaratória se torna desnecessária. E mesmo havendo incerteza, ou incoincidência das vontades dos interessados, não é indispensável a propositura da declaratória para que a relação jurídica exista e produza seus efeitos, pois, como já vimos, a finalidade única das ações declaratórias é a obtenção da “certeza jurídica”, e não a produção de quaisquer outros efeitos. O interessado na declaração pode até achar preferível aguardar-se para tutelar seu direito por um meio mais enérgico, que não seja apenas o declaratório. O que é certo, porém, e deve ficar bem ressaltado, é que, com ou sem ação declaratória, os efeitos jurídicos da relação se produzem da mesma forma. Tais inferências encontram pleno apoio nestes ensinamentos de Goldschmidt a respeito do “interesse declaratório” e da “incerteza jurídica”, ligados às ações declaratórias: “Desaparece o interesse na declaração se o demandado declara não pretender discutir no futuro o direito do autor, ou renunciar ao direito de que se jactou.” .............................................................................................................. “Falta esta insegurança quando a demanda deva procurar, não o esclarecimento de relações jurídicas controvertidas concretas e determinadas, e sim a declaração de relações ainda incontrovertidas” (“Derecho Procesal Civil”, pág. 107 da trad. cast.). Ora, nada do que foi assinalado acima (e que é característico das ações declaratórias), ocorre com as denominadas “ações de estado”. Assim, se se pretende obter o reconhecimento de determinado estado pessoal e a produção dos efeitos deles decorrentes, é necessário e indispensável a propositura da competente ação de estado, mesmo havendo absoluta e inabalável certeza a respeito da existência desse estado, e mesmo havendo coincidência das vontades e acordo expresso de todos os interessados possíveis e imagináveis, próximos ou remotos. Por conseguinte, única e exclusivamente por meio de ação é possível: a) o marido contestar a legitimidade do filho de sua mulher (art. 344); b) o filho, ou seus herdeiros, provarem a legitimidade da filiação na hipótese do art. 350 do Código Civil; c) o adotado se desligar da adoção realizada quando ele era menor ou se achava interdito (art. 373); d) o filho natural impugnar o reconhecimento (art. 362); e) o filho natural demandar o reconhecimento da filiação, quando os pais não o tenham feito voluntariamente (art. 363 e 355); f) o cônjuge promover a decretação da invalidade do casamento nulo ou anulável. Há, ainda, algumas outras circunstâncias observadas nas ações de estado, em geral, e que as incompatibilizam, inteiramente, com o caráter declaratório que se lhes pretende atribuir. Assim, em primeiro lugar: somente determinadas pessoas (e não todos os interessados) podem propor a ação de estado. Ora, é noção elementar, e fundamental, que as sentenças declaratórias não produzem qualquer alteração no mundo jurídico, pois elas não têm como efeito a aquisição, modificação ou extinção de direitos, e sim a proclamação da certeza jurídica. Deste modo, se as ações de estado fossem ações declaratórias, não havia razão para se permitir sua utilização apenas a determinadas pessoas, e não a todos os interessados. Se sua utilização é limitada, é porque as ações de estado têm outros efeitos que não a simples proclamação da certeza jurídica. Em segundo lugar: o Código Civil estabelece prazos extintivos para o exercício de várias ações de estado (art. 178. §§ 3º, 4º, 6º, nº XII, 9º, nº VI, e art. 208). Qual a conseqüência da extinção do prazo para exercício de uma ação de estado? A impossibilidade de ser Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 93 proclamada, daí por diante, a certeza jurídica? Isto não teria sentido, nem finalidade. O legislador não iria estabelecer, como conseqüência da extinção daquele prazo, apenas a impossibilidade de se proclamar a certeza jurídica, deixando subsistirem os efeitos inerentes ao estado objeto da ação, efeitos esses que independem da proclamação daquela certeza: a declaração da “certeza jurídica”, ou a permanência da situação de “incerteza”, não atingem, e nem podem atingir, os efeitos das relações jurídicas. Estas existem, e produzem efeitos, independentemente da proclamação da certeza jurídica, como já vimos. Em conclusão: se há prazo para o exercício de algumas ações de estado, é porque a lei tem em vista alcançar, com a extinção do prazo, não a impossibilidade de se proclamar a certeza jurídica, mas a impossibilidade de serem obtidos os efeitos decorrentes do estado objeto da ação. Conseqüentemente, a finalidade das ações de estado não é a proclamação da certeza jurídica, mas a obtenção daqueles efeitos, e assim elas devem ser classificadas como constitutivas (positivas ou negativas), e não como declaratórias. A brevidade do presente estudo não permite uma análise detalhada de todas as ações de estado, mas não resistimos à tentação de assinalar algumas particularidades observadas com relação a um dos tipos mais característicos da classe - a ação investigatória de filiação. Tais particularidades também acentuam a incompatibilidade que existe entre as ações de estado e as ações declaratórias. Assim (e devendo-se levar em conta que a sentença proferida na ação investigatória tem os mesmos efeitos do reconhecimento voluntário - art. 366): a) o filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento (art. 362); b) mesmo que exista escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente (art. 363, n. III), e mesmo que todos os interessados (inclusive os herdeiros do suposto pai), estejam de acordo com o conteúdo de tal escrito (o que, obviamente, dispensa a ação declaratória para se obter a “certeza jurídica”), ainda assim não se dispensa a propositura da ação investigatória; c) o Código Civil enumera, taxativamente, os únicos casos em que se pode demandar o reconhecimento da filiação (art. 363 e incisos); d) os filhos adulterinos e os incestuosos não podem ser reconhecidos, nem demandar o reconhecimento, a não ser, quanto aos primeiros, após a dissolução da sociedade conjugal (art. 258. e lei n. 883, de 21 de outubro de 1949); e) algumas legislações estrangeiras fixam prazo (de decadência) para ser proposta a investigatória de paternidade (Planiol, “Tratado Practico de Derecho Civil”, vol. 2º, pág. 729 da trad. cast.) e De Ruggiero (“Instituições”, vol. 1º, pág. 335), o que equivale a dizer que, decorrido o prazo, já não é mais possível obter o reconhecimento judicial do estado, nem os efeitos dele decorrentes; f) há legislações que, embora reconhecendo efeitos jurídicos ao estado de filho natural, e permitindo o reconhecimento voluntário, não admitem a ação investigatória. Era o caso da França, antes da lei de 1912, (Colin et Capitant, “Curso elemental de derecho civil”, tomo 1º, págs. 620 e segs.). Parece-nos, face ao exposto, que se impõe a conclusão de que as ações de estado não são declaratórias, e sim constitutivas (positivas ou negativas), e realmente elas se apresentam com as duas principais características das ações constitutivas: a) são meio de exercício de direitos potestativos (o direito à aquisição, modificação ou extinção do estado, e aos efeitos daí decorrentes), e b) as sentenças nelas proferidas sempre criam um estado de “sujeição” para terceiros, independentemente do concurso da vontade destes, ou mesmo contra sua vontade. Aliás, as ações de estado não são apenas constitutivas elas são constitutivas “obrigatórias” ou “necessárias”. E as ações de nulidade de casamento ainda se apresentam com uma feição particular: são constitutivas por dois motivos - porque são “ações de estado” e porque são “ações de nulidade”. O ponto de vista que sustentamos, isto é, a constitutividade das ações de estado, se ajusta perfeitamente a estas duas observações alusivas aos efeitos do reconhecimento voluntário da filiação ilegítima (e que equivalem aos da ação investigatória): “antes do reconhecimento não há, juridicamente, filiação ...” (Pontes de Miranda, “Tratado de Direito Privado”, vol. 9º, pág. 181); para Cicu, é o reconhecimento que estabelece o estado de 94 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba filiação natural (“apud” Orlando Gomes e Nelson Carneiro, “Do reconhecimento dos filhos adulterinos”, pág. 226). E’ certo que, concluindo pela constitutividade das ações de estado, nos colocamos em posição diametralmente oposta à da maioria esmagadora da doutrina e da jurisprudência, mas não nos encontramos sós. Eduardo Couture, por exemplo, situa as ações de estado entre as constitutivas necessárias (“Fundamentos del derecho procesal civil”, pág. 221 da 2ª ed.); Ricardo Reimundin (“Derecho procesal civil”, pág. 112) considera as ações de estado como “tipicamente constitutivas”, e Vicente Rão admite que há algumas ações de estado que são declarativas e outras, construtivas (“O Direito e a vida dos direitos”, vol. 2º, tomo 3º, pág. 194). No mesmo sentido: Planiol, “Tratado practico”, 1/17. Alguns outros autores limitaram seu pronunciamento às ações investigatórias de paternidade, ou ao reconhecimento voluntário, classificando-os como atos construtivos: Cunha Gonçalves (“Tratado de Direito Civil”, vol. 1º, tomo 1º, pág. 267, da edição brasileira); Sergio Sotgia (“apud” Serpa Lopes, “Tratado dos registros públicos”, vol. 1º, pág. 310 da 3ª ed.). Concluindo as considerações a respeito das ações às quais demos a denominação de “aparentemente declaratórias” (isto é, as ações de nulidade e as ações de estado), podemos dizer que elas, como constitutivas que são, seguem a sorte destas últimas com referência aos dois institutos objeto do presente estudo: estão ligadas à decadência. Finalmente, deve ficar acentuado que o fato de produzirem, quase sempre, efeitos “ex tunc”, não impede que as ações de nulidade, e as de estado, e respectivas sentenças, sejam classificadas como constitutivas, pois, de acordo com os ensinamentos de Chiovenda, Goldschmidt, Pontes de Miranda e Prieto Castro, tais efeitos não são privativos das ações e sentenças declaratórias. Eles são até muito freqüentes nas ações e sentenças constitutivas. XIII - O Problema da Imprescritibilidade das Ações São constantes, na jurisprudência e na doutrina, referências a ações imprescritíveis, e entre elas, embora variando as opiniões, são colocadas as seguintes: as ações declaratórias, algumas ações de estado (inclusive a de desquite e a investigatória de paternidade), a ação de divisão e a de demarcação, e as ações de nulidade. Entretanto, observa-se, com relação à imprescritibilidade, a mesma situação já registrada ao tratarmos da distinção entre os institutos da decadência e da prescrição: é a inexistência de um critério seguro, com base científica, que permita identificar, “a priori”, as ações imprescritíveis. A respeito do assunto Câmara Leal acentua: “Todo o estudo relativo à imprescritibilidade se ressente de um certo empirismo. Não se encontra nos autores a fixação de uma doutrina, com princípios juridicamente estabelecidos. Tudo se reduz à casuística” (“Da prescrição e da decadência”, pág. 51 da 1ª ed.). Aliás, faz-se necessário acentuar, antes de mais nada, que a admissão da existência de ações imprescritíveis no Direito brasileiro aparentemente se choca com o disposto nos arts. 177 e 179, do Código Civil. Com efeito, dizendo o referido art. 179, como diz, que os casos de prescrição não previstos no Código serão regulados, quanto ao prazo, pelo art. 177, a conclusão que se impõe, à primeira vista, é a da inexistência de ações imprescritíveis em face do nosso Direito, pois qualquer ação, necessariamente, ou estará enquadrada em um dos casos especiais do art. 178, ou a ela se aplica um dos prazos gerais estabelecidos no art. 177. Com base nesse raciocínio, cuja falsidade pretendemos demonstrar no presente estudo, há mesmo quem sustente que, na sistemática do nosso Código Civil, não existem ações imprescritíveis (“Rev. Forense”, vol. 152/480, e Brenno Fisher, “A prescrição nos tribunais”, vol. III, págs. 396 e 397). Entretanto, para demonstrar de início, e independentemente de qualquer outra consideração, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 95 que existem ações imprescritíveis no Direito brasileiro, basta atentar para as conclusões absurdas e que conduziria a adoção de ponto de vista diferente. Assim, por exemplo, um contrato firmado por um menor de oito anos, ou por um louco judicialmente declarado como tal, ou a compra e venda de um imóvel de alto valor feita por instrumento particular, apesar de serem atos nulos (art.145), passariam a produzir todos os seus efeitos, como se válidos fossem, e não poderiam mais ter sua nulidade decretada, após o decurso do prazo geral de prescrição, e depois de atravessados, com referência aos incapazes, os obstáculos legais que se opõem à fluência dos prazos prescricionais (art. 169, nº I). Outro exemplo: o casamento que um pai contraísse com sua própria filha, apesar de ser ato nulo (art. 207), passaria a produzir efeitos, como se válido fosse, e também não poderia mais ter sua nulidade decretada, depois que se consumasse o prazo prescricional geral. Ora, ninguém pode admitir conclusões tão estapafúrdias, nem mesmo invocando o texto legal. Assim, apesar do que dispõem de medo expresso os arts. 177 e 179 do Código, forçoso é concluir, desde já, no sentido da existência de, pelo menos, algumas ações imprescritíveis: aquelas ações de nulidade mencionadas nos exemplos citados. E se se admite que há algumas ações imprescritíveis, já fica aberta uma brecha no sistema que, aparentemente, resulta da letra dos mencionados dispositivos. Por aí, então, poderão ser admitidas outras ações igualmente imprescritíveis, pois outras existem. E quais são elas? Como identificá-las “a priori”? Qual o critério a adotar? São as perguntas que nos propomos responder a seguir. Antes, porém, torna-se mister examinar um assunto de natureza terminológica, que deve ser analisado antes de qualquer outro, para que o problema que temos em vista fique bem equacionado. E’ o que diz respeito à manifesta impropriedade da expressão “ações imprescritíveis”, pois tal expressão não corresponde, com exatidão, ao sentido em que ela é utilizada comumente. Costuma-se usar tal expressão com o objetivo de designar aquelas ações que não estão sujeitas, direta ou indiretamente, a qualquer prazo extintivo (prescricional ou decadencial). Este objetivo não corresponde, todavia, à compreensão lógica e gramatical da expressão. “Imprescritível” significa “que não prescreve” ou “não sujeito à prescrição”. Deste modo, lógica e gramaticalmente, a expressão abrange, não só: a) as ações não sujeitas nem a prescrição nem a decadência, como também b) as ações sujeitas à decadência “indiretamente, por força da extinção do direito a elas correspondente), pois estas últimas também são “ações que não prescrevem”. A expressão em foco tem, por conseguinte, uma compreensão mais ampla do que o sentido em que é utilizada, pois abrange uma categoria de ações (aquelas sujeitas à decadência) que não se tem em mente abranger quando se faz uso dela. Talvez a anomalia decorra da confusão que muitos fazem entre os institutos da prescrição e da decadência, ou da dificuldade que há em distingui-los. Mas, como a precisão dos conceitos é fundamental nos domínios do Direito, há necessidade de ser substituída a expressão “ações imprescritíveis” por uma outra que corresponda com exatidão à idéia que se pretende exprimir, e concilie a realidade com a lógica. Para esse fim não vemos outra melhor do que a expressão “ações perpétuas” que submetemos, neste momento, à apreciação dos doutos. Aliás, no Direito Romano, essa expressão designava, inicialmente, aquelas ações que não estejam sujeitas a qualquer prazo extintivo, e depois, quando todas as ações ficaram subordinadas a prazos, passou a designar aquelas ações sujeitas ao prazo mais longo (Savigny, “Sistema” tomo IV, pág. 185). O problema da identificação das denominadas “ ações imprescritíveis” tem sua solução grandemente facilitada com fixação daquelas duas regras, já deduzidas acima, destinadas a identificar as ações sujeitas a prescrição ou a decadência. Sendo a imprescritibilidade um conceito negativo, pode ser definido por exclusão, estabelecendo-se como regra que: são perpétuas (imprescritíveis) todas aquelas ações que não estão sujeitas nem a prescrição nem, indiretamente, a decadência. Por aí se verifica facilmente que são perpétuas (imprescritíveis): a) todas as ações meramente declaratórias; b) algumas ações constitutivas daquelas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei. Quanto às ações 96 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba condenatórias, não há, entre elas, ações perpétuas (imprescritíveis); pois todas são atingidas, ou por um dos prazos especiais do art. 178, ou por um dos prazos gerais do art. 177. Com efeito, já vimos anteriormente que não há qualquer razão para o legislador subordinar as ações declaratórias a prazos extintivos, pois o seu uso, ou não-uso, não afeta, direta ou indiretamente, a paz social, uma vez que elas nada criam e nada modificam - apenas declaram a “certeza jurídica”. Já vimos, também, que há até mesmo uma impossibilidade lógica em filiar as ações declaratórias aos institutos da prescrição ou da decadência, uma vez que elas não são meio de restauração de direitos lesados, nem meio de exercício de direitos potestativos. Um fato confirma plenamente as duas observações feitas acima: entre os vários prazos estabelecidos no art. 178 do Código Civil, não há um só que se refira à ação declaratória. Quanto às ações constitutivas, a lei só fixou prazo para a propositura de algumas delas: são aquelas que se encontram enumeradas no art. 178, ao lado de várias ações condenatórias. As demais ações constitutivas, não estando, como não estão, sujeitas a qualquer prazo extintivo, devem ser classificadas como imprescritíveis, (ou perpétuas, segundo a denominação que propusemos). Com relação aos direitos exercidos por meio destas ações constitutivas não incluídas no art. 178, fica prevalecendo o princípio geral da perpetuidade dos direitos. Convém acentuar que não existe, com referência às ações declaratórias e às constitutivas, qualquer dispositivo fixando prazo geral de extinção para aquelas não atingidas por prazos especiais, de vez que os arts. 177 e 179, conforme já acentuamos e será demonstrado mais desenvolvidamente, só se aplicam às ações condenatórias. Já temos, assim, elementos para fixar a terceira e última regra: são perpétuas (ou imprescritíveis) todas as ações declaratórias, e também aquelas ações construtivas para as quais a lei não fixa prazo especial de exercício. Os resultados da aplicação da regra deduzida acima coincidem com a opinião generalizada a respeito da imprescritibilidade das ações declaratórias, da ação de divisão, de várias ações de estado, inclusive a investigatória de paternidade; da ação de demarcação, e de quase todas as ações de nulidade. Com a mesma regra ficam, pois, eliminadas aquelas discussões irredutíveis a respeito da prescritibilidade da ação investigatória de paternidade: ela é imprescritível porque é constitutiva e não tem prazo especial fixado em lei para o seu exercício. XIV - Alcance dos Arts. 177 e 179 do Código Civil Depois da confusão que o Código Civil fez no art. 178, dos prazos de prescrição com os de decadência, talvez a inexplicável existência do art. 179 seja o fator que mais haja concorrido para dificultar, entre nós, a distinção entre os dois institutos e a identificação das ações perpétuas (imprescritíveis). Diz o mencionado art. 179 que: “Os casos de prescrição não previstos neste Código serão regulados, quanto ao prazo, pelo art. 177.” Por sua vez, o art. 177 dispõe que: “As ações pessoais prescrevem ordinariamente em vinte anos, as reais em dez, entre presentes e, entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas.” Nestas condições, faz-se necessário, em primeiro lugar, fixar os limites do campo de incidência do art. 177, e não há dúvida que ele só pode se aplicar às ações condenatórias (ou “ações de prestação” ou “ações de pretensão”), pois somente elas comportam a subdivisão em ações reais e ações pessoais. Não se pode cogitar de ações reais e ações pessoais nas classes das constitutivas e das declaratórias, de vez que estas são, por definição, “ações sem pretensão de Direito material”. Não há ações constitutivas reais ou Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 97 pessoais, do mesmo modo que não há declaratórias nas mesmas condições. Não é possível pleitear, por meio de ação constitutiva ou declaratória, qualquer prestação, pessoal ou real. Aliás, Pontes de Miranda acentua esse aspecto do problema em uma síntese feliz: “As categorias “ações reais, ações pessoais” pertencem ao Direito material. Compreendese perfeitamente o que o Código Civil, no art. 177, quis exprimir quando disse que as ações pessoais prescrevem ordinariamente em trinta anos, as reais em dez entre presentes e, entre ausentes, em vinte, contados da data em que poderiam ter sido propostas. Os conceitos e as qualificações, aí contidos, pertencem ao Direito material. “Ação” está, em tal texto, em lugar de “pretensão” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, 1/94, 1ª ed.). Ferrara, por sua vez, depois de concluir que as ações declaratórias são imprescritíveis, observa, a respeito da incidência do dispositivo do antigo Código Civil italiano, equivalente ao art. 177 do nosso Código: “Nem pode constituir obstáculo para esta dedução lógica o art. 2.135, segundo o qual todas as ações, quer reais, quer pessoais, prescrevem em trinta anos, pois é certo que se faz aqui alusão às ações de prestação ...” (“A simulação dos negócios jurídicos”, págs. 458 e 459 da trad. port.). Diante das considerações feitas acima, cabe a pergunta: e qual o alcance, ou campo de incidência, do art. 179 do Código? À primeira vista, parece que o art. 179 manda aplicar o art. 177 a todas as ações não abrangidas pelo mesmo art. 177. Assim, afigura-se, também à primeira vista, que, por força do art. 179, o art. 177 do Código Civil seria aplicável às ações constitutivas e às declaratórias. Todavia, tal conclusão, por vários motivos, não pode ser admitida. Note-se, em primeiro lugar, que o mencionado art. 179 fala em “casos de prescrição”, o que induz, desde logo, a conclusão de que somente os casos que podem ser submetidos à prescrição é que são atingidos pelo dispositivo. Ora, as ações constitutivas, exatamente porque não são “ações de prestação”, e nem estão ligadas a um direito suscetível de lesão, não podem ficar subordinadas a um prazo prescricional, pois, conforme já ficou acentuado, prescrição e lesão do direito são conceitos correlatos e inseparáveis, que se correspondem como causa e efeito. Quando o legislador quer subordinar uma ação constitutiva a prazo extintivo, tal prazo só pode ser de decadência, isto é, decadência do direito potestativo exercido por meio da ação: extinto o direito, extingue-se também, por via de conseqüência, a ação construtiva correspondente. Quanto às ações declaratórias elas não podem ser subordinadas nem a prazo prescricional nem a prazo decadencial, pois não são meio de restauração de direitos lesados (“direitos a uma prestação”), nem, tampouco, são meio de exercício de determinados direitos que podem ser exercitados por via de ação (direitos potestativos). O legislador nem sequer pode cogitar de submeter as ações declaratórias a prazos extintivos, pois não há como filiá-las, lógica e juridicamente, nem ao instituto da prescrição, nem ao da decadência. Por conseguinte, as ações constitutivas e as declaratórias não estão - e nem podem ser incluídas pelo legislador - entre aqueles “casos de prescrição” a que alude o art. 179. Mas, se, contrariando o bom senso e a lógica jurídica, se pretendesse aplicar o art. 179 às ações constitutivas e às declaratórias, ter-se-ia também que admitir, necessariamente, uma outra conclusão que já foi repelida por absurda: a inexistência de ações perpétuas(imprescritíveis), no Direito brasileiro, pois o art. 177, 178 e 179 passariam a abarcar todas as classes de ações (condenatórias, constitutivas e declaratórias). Ter-seiam, então, que admitir igualmente, aquelas conseqüências extravagantes da adoção de tal ponte de vista, já assinaladas antes: as ações de nulidade estariam sujeitas a prazo 98 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba extintivos e, por conseguinte, os contratos firmados por menores de qualquer idade, ou por loucos, e os casamentos celebrados entre pais e filhas passariam a ter validade após o decurso do prazo extintivo. Por mais este motivo, isto é, por conduzir a resultados absurdos, deve ser repelida a interpretação em foco. E se examinarmos o problema sob outro ângulo, verificaremos que não só jurídica, como também logicamente, é impossível fazer o art. 177 incidir, por força do art. 179, sobre outras ações que não as condenatórias. Com efeito, o mencionado art. 177 estabelece duas espécies diferentes de prazo, um para as ações pessoais, e outro para as ações reais, variável, este último, conforme os interessados estejam presentes ou ausentes. Se se pretender aplicar o mesmo dispositivo às ações constitutivas e declaratórias, e levandose em conta que tais ações não comportam a subdivisão em ações reais e ações pessoais, qual daqueles prazos deve ser observado? Os das ações reais ou os das ações pessoais? O código não fornece elementos para se fixar um critério de escolha, e nem seria possível fazer-se, no caso, uma escolha arbitrária. As três situações localizadas acima conduzem, inevitavelmente, a esta conclusão: os arts. 177 e 179 não se aplicam às ações constitutivas nem às declaratórias. Segue-se daí que o art. 179 é um dispositivo completamente inerte e ineficaz - sua presença não altera, do mesmo modo que sua ausência não alteraria, o campo de incidência do Código Civil. E´ precisamente a conclusão a que chega Pontes de Miranda: o art. 179 nada mais é do que uma explicitação do art. 177, perfeitamente riscável da letra do Código Civil, porque está contido na generalidade conceitual do mesmo art. 177 “(Tratado de Direito Privado”, 6/285). E’ certo que há um princípio de hermenêutica, segundo o qual as leis não contêm palavras ou dispositivos inúteis, mas é igualmente certo que existe um outro princípio, muito mais importante, segundo o qual a interpretação dos textos legais não deve conduzir a conseqüências absurdas. Se há conflito, é óbvio que deve prevalecer o princípio mais importante. XV - Conclusões Reunindo-se as três regras deduzidas acima, tem-se um critério dotado de bases científicas, extremamente simples e de fácil aplicação, que permite, com absoluta segurança, identificar, “a priori”, as ações sujeitas a prescrição ou a decadência, e as ações perpétuas (imprescritíveis). Assim: 1ª - Estão sujeitas à prescrição: todas as ações condenatórias, e somente elas (arts. 177 e 178 do Código Civil); 2ª - Estão sujeitas à decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito a que correspondem): as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei; 3ª - São perpétuas (imprescritíveis): a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias. Várias inferências imediatas podem ser extraídas daquelas três proposições. Assim: a) não há ações condenatórias perpétuas (imprescritíveis), nem sujeitas a decadência; b) não há ações constitutivas sujeitas à prescrição; e c) não há ações declaratórias sujeitas à prescrição ou à decadência. Aplicando-se aquele critério, conclui-se que são de decadência os seguintes prazos especiais fixados no art. 178 do Código Civil: § 1º, § 2º, § 3º § 4º, nºs. I e II, § 5º, nºs. I a IV, § 6º, n°s. I, III, IV, V, XI, XII e XIII, § 7º nºs. I, VI e VII, § 8º, § 9º, nºs. I, “a” e “b”, II. “a” e “b”, III, IV, V e VI, e § 10, nº VIII. Tais prazos correspondem exatamente àqueles que Câmara Leal - utilizando-se de um critério prático, mais complexo, e de mais difícil aplicação Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 99 - também classificou como prazo de decadência. Uma grande vantagem do critério aqui sugerido é que, tendo como um dos pontos de partida, para sua dedução, a categoria dos direitos potestativos, pode, contudo, ser acolhido e utilizado até mesmo por aqueles que não reconhecem essa categoria, desde que admitiam a existência de ações constitutivas, pois as duas situações são perfeitamente conciliáveis, conforme acentua Carnelutti (“Sistema de derecho procesal civil”, 1/172). Aí fica, pois, exposto o critério que, como contribuição das mais modestas para a solução do tormentoso problema, apresentamos ao exame e à crítica dos doutos. 100 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 101 JULGADOS DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA 1 - Servidor Público - Reajuste (Processo nº 95.03743-2) ................................... 109 Dr. José Fernandes de Andrade 2 - INSS - Revisão de Benefício I (Processo nº 95.05971-1) ............................... 114 Dr. José Fernandes de Andrade 3 - SFH - Cessão de Direitos - Mutuário (Processo nº 95.12199-9) .................... 120 Dr. José Fernandes de Andrade 4 - INSS - Dependência Econômica - Menor Púbere (Processo nº 95.06246-1) .. 124 Dr. José Fernandes de Andrade 5 - Concessão de Serviços (Processo nº 95.03647-0) ........................................ 126 Dr. José Fernandes de Andrade 6 - Desapropriação - Interesse Social (Processo nº 93.12093-0) ........................ 130 Dr. José Fernandes de Andrade 7 - INSS - Revisão de Benefício II (Processo nº 96.02811-7) ............................... 137 Dr. José Fernandes de Andrade 8 - Contrato - Correção Monetária (Processo nº 00.04315-0) .............................. 140 Dr. João Bosco Medeiros de Sousa 9 - INSS - Revisão de Benefícios III (Processo nº 000037039) ............................ 147 Dr. Rogério de Menezes Fialho Moreira 10 - Pensão - Direito da Companheira (Processo nº 96.03798-1) ......................... 156 Drª. Cristina Maria C. Garcez 11 - INSS - Reajuste de Benefício (Processo nº 96.00990-2) ................................ 161 Drª. Cristina Maria Costa Garcez Seção II 12 - Importação Exportação (DRAWBACK) (Processo nº 96.00273-8) ................. 165 Dr. José Fernandes de Andrade 13 - Importação - Carros Usados (Processo nº 93.01963-5) ................................. 169 Dr. José Fernandes de Andrade 14 - Ensino Superior - Convênio - Violação (Processo nº 96.04174-1) .................. 174 Dr. José Fernandes de Andrade 15 - Segurança do Trabalho (Processo nº 96.08246-2) ......................................... 177 Dr. José Fernandes de Andrade 16 - Meio Ambiente - Obra Pública (Processo nº 96.03625-0) .............................. 180 Dr. José Fernandes de Andrade 17 - INSS - Proventos - Irredutibilidade (Processo nº 96.02794-3) ......................... 185 Dr. José Fernandes de Andrade 18 - Majoração de Alíquota - Medida Provisória (Processo nº 96.06833-0) ............ 189 Dr. José Fernandes de Andrade 19 - PSS - Contribuição Social - Inativos (Processo nº 96.06191-2) ..................... 195 Dr. José Fernandes de Andrade 20 - Aposentadoria - Tempo de Serviço (Processo nº 94.08819-1) ........................ 202 Dr. Janilson Bezerra de Siqueira 21 - Tempo de Serviço - Reconhecimento (Processo nº 96.03857-0) .................... 207 Dr. João Bosco Medeiros de Sousa 22 - Concurso Público - Deficiente Físico (Processo nº 000006412) ..................... 210 Drª. Cristina Maria Costa Garcez 23 - Medicamentos - Importações - Registro (Processo nº 95.11476-3) ................ 213 Drª. Cristina Maria Costa Garcez 24 - Professor Universitário - Remoção (Processo nº 96.06406-7) ........................ 216 Drª. Cristina Maria Costa Garcez 25 - Indisponibilidade de Bens (Processo nº 95.08498-8) ..................................... 219 Dr. José Fernandes de Andrade 26 - Embargos à Execução - Alegação de Nulidade de Título (Processo nº 95.10597-7) .............................................................................. 221 Drª. Cristina Maria Costa Garcez 27 - Reparação de Danos (Processo nº 96.04529-1) ............................................ 223 Dr. João Bosco Medeiros de Sousa 28 - Construção de Barracas - Área Litorânea (Processo nº 00.01805-8) ............. 230 Dr. João Bosco Medeiros de Sousa 29 - Preservação Ambiental – Gabiões - Erosão Marinha (Processo nº 96.04138-) ................................................................................ 237 Dr. José Fernandes de Andrade 30 - Reserva Ecológica - Furto Madeira (Processo nº 00.00035-3) ....................... 245 Dr. José Fernandes de Andrade 31 - Importação de Mercadoria Estrangeira - Ausência Documentação Fiscal (Processo nº 94.05619-2) .............................................................................. 251 Dr. José Fernandes de Andrade 32 - Circulação Moeda Falsa (Processo nº 96.03177-0) ....................................... 253 Dr. José Fernandes de Andrade 33 - Difamação - Lei Imprensa (Processo nº 96.06292-7) ..................................... 260 Dr. José Fernandes de Andrade 34 - Estelionato (Processo nº 91.02176-8) ........................................................... 262 Dr. João Bosco Medeiros de Sousa 35 - Concurso Material de Crimes (Processo nº 0000215) .................................... 274 Dr. Janilson Bezerra de Siqueira 36 - Calúnia - Lei de Imprensa (Processo nº 000098) ........................................... 287 Drª. Cristina Maria Costa Garcez 37 - Furto - Concurso de Agentes (Processo nº 000096) ...................................... 290 Drª. Cristina Maria Costa Garcez 105 38 - Falso Testemunho (Processo nº 93.12016-6) ................................................ 295 Drª. Cristina Maria Costa Garcez 39 - Falsificação de Documentos (Processo nº 93.04768-0) ................................. 299 Drª. Cristina Maria Costa Garcez 106 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 107 SERVIDOR PÚBLICO - REAJUSTE Processo nº 95.03743-2 / AÇÃO ORDINÁRIA Requerente: JOSÉ LEITÃO SOBRINHO e OUTRO Requerido : UNIÃO SENTENÇA EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REAJUSTE SALARIAL. PLANOS ECONÔMICOS. VERBAS ADVINDAS DE CONTRATO LABORAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA RATIONE MATERIAE. ANUÊNIOS. PRELIMINARES DESACOLHIDAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS. I - Incompetência ratione materiae - sendo algumas das verbas pleiteadas advindas de contrato laboral, quanto a estas, este Juízo é absolutamente incompetente para apreciá-las, enviando a sua análise ao Juízo competente. II - A Lei nº 8.627/93 ao estabelecer reajuste médio de 28,86% nos vencimentos dos militares, não afrontou o art. 37, X, da Constituição Federal, posto que cuida apenas de corrigir defasagem nos soldos dos militares, parte básica de sua remuneração, não versando “revisão geral de remuneração dos servidores públicos”. III - Não há como conceder o anuênio a servidores federais regidos pelo vínculo estatutário e negar o mesmo direito aos servidores anteriormente regidos sob o regime celetista. IV - PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO Vistos etc. JOSÉ LEITÃO SOBRINHO e GEOVANI NOGUEIRA DE SOUZA, qualificados nos autos, propuseram a presente ação ordinária contra a UNIÃO objetivando receberem os seguintes percentuais: a) 16,19%, relativo a URP dos meses de abril e maio de 1988, devendo a diferença apurada ser paga ao promovente com juros e correção monetária; b) 26,05% relativa ao mês de fevereiro de 1989 e incorporação a partir de fevereiro de 1989; c) 28,86% (Lei 8.622 de janeiro de 1993), d) Anuênios, a partir de sua admissão no serviço público federal, com efeito financeiro a partir de janeiro de 1991, acrescidos de juros e correção monetária, e suas diferenças e seus reflexos nos salários vencidos e vincendos. Citada, a UNIÃO alegou preliminarmente a Prescrição do art. 7º, XXIX, “a”, CF/88, com relação ao índice de 26,05%. No mérito aduz que não houve a ocorrência dos fatos idôneos à configuração do direito adquirido aos reajustes salariais, e conseqüentemente, insubsistindo amparo legal, não há como a Administração conceder os reajustes pleiteados com base apenas em índices que foram extintos antes mesmo de suas vigências e eficácia, pois o que havia era apenas mera expectativa de direito. Concedida oportunidade para impugnação, propugnaram os autores às fls. 32/33, nos termos da exordial. O instituto do julgamento antecipado da lide é cabível, uma vez que não há necessidade de produzir outras provas além das já constantes dos autos. É o relatório. Decido. PRELIMINAR Prescrição A promovida suscitou ainda a prescrição qüinqüenal do art. 7, XXIX, “a” da Constituição Federal, com relação ao índice de 26,05% (URP do mês de fevereiro de 1989); pois, entende que são decorridos mais de cinco anos entre a data do diploma legal que o instituiu e a data da propositura da ação. Realmente, são passados mais de cinco anos considerando-se o fato acima mencionado. No entanto, convém observar que os reajustes pleiteados têm natureza alimentar, portanto de caráter sucessivo. Daí porque o que se encontra prescrito são as prestações anteriores ao qüinqüênio legal e não o fundo do direito pleiteado. Só por ocasião da prolação da presente sentença, foi constatado que as verbas pleiteadas pelos autores, referentes ao pagamento no percentual de 16,19% inerente às URP’s de abril e maio de 1988, e ao pagamento no percentual de 26,05% inerente à URP de fevereiro de 1989, remontam à época em que mantinham com a promovida vínculo celetistas, constituindo, desta forma, verbas advindas de contrato laboral, sendo este Juízo absolutamente incompetente para apreciá-las. Tal entendimento encontra-se consagrado na jurisprudência pátria. A título de exemplo, transcrevo decisão do Superior Tribunal de Justiça. EMENTA: CC - CONSTITUCIONAL - REGIME ÚNICO - LEI Nº 8.112/90 CAUSA DE PEDIR. A Lei nº 8.112/90 modificou o vínculo do trabalho para relação estatutária. A determinação da competência resulta da causa de pedir, ainda que a ação seja proposta após a vigência desse diploma legal. Assim, se o pedido encerra direito decorrente do contrato laboral, a competência será da Justiça do Trabalho. Da Justiça Federal, porém, se a demanda envolver fato acontecido a partir do status de funcionário público. (Conflito de Competência nº 5.022-7 / Relator: Min. VICENTE CERNICCHIARO publicado no DJ nº 231, de 06.12.93, pág. 26.634). Trago à colação, ainda, sobre a matéria, o verbete nº 97 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do Regime Jurídico Único.” Conseqüentemente, sendo a pretensão deduzida em Juízo de relação Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 109 trabalhista, impõem-se sejam processadas e julgadas pela Justiça Especializada. Estando, também, embutido no pedido exordial parcelas salariais referentes às vantagens posteriores ao advento da implantação do Regime Jurídico Único - Reajuste de 28,86% e Anuênios - passo então a decidir sobre seu mérito. REAJUSTE DE 28,86% A tabela de soldos dos militares, constante do Anexo V, da Lei 8.627/ 1993, não caracterizou reajuste diferenciado na ordem de 28,86% para estes, considerando que referido percentual não foi concedido em igualdade para todos os militares. Alguns tiveram seus soldos aumentados em índice superior e outros, em índice inferior. O que ocorreu foi uma reestruturação remuneratória sobre seus soldos, autorizada pelo art. 39, da CF, diante do que, não se pode falar em ofensa ao princípio da isonomia insculpido na Constituição Federal. O inciso X, do art. 37 da CF, não proíbe revisão parcial destinada a reestruturar determinada espécie de servidores. Sobre a matéria versada nos autos, decidiu o T.R.F da 5ª Região: “ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. REAJUSTE DE 28,86%. LEI Nº 8.627/93. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. A Lei nº 8.627/93, aprovada em conseqüência do determinado no art. 4º, da Lei nº 8.622/93, especificou os critérios para reposicionamento de servidores PÚBLICOS federais civis e militares, não indo de encontro ao estatuído no art. 37, X, da Constituição Federal. 2. A análise da mencionada Lei revela que tanto os servidores civis foram reposicionados em suas vantagens financeiras, recebendo aumento salarial quanto o foram os servidores militares. 3. A extensão dos percentuais financeiros decorrentes do reposicionamento que beneficiaram os servidores do Poder Executivo e os militares, dos servidores do Poder Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público Federal ocorreu porque a Lei nº 8.627/93 não os contemplou com tais vantagens. 4. Não têm, assim, os servidores do Poder Executivo direito ao acréscimo aos seus vencimentos do percentual de 28,86%, média dos aumentos de seus vencimentos que já receberam por causa do reposicionamento da Lei 8.627/93. 5. A concessão de tal percentual seria duplicar, sem qualquer autorização legal, a vantagem financeira nascida com o reposicionamento das classes e dos padrões dos servidores civis e da adequação dos postos, graduações e soldos dos servidores militares. 6. Precedente do STJ: MS n 3.074-4 (DJU de 21.02.94, pág. 2090). 7. Apelação improvida”. A disciplina jurídica da remuneração devida aos agentes públicos em geral está sujeita ao princípio da reserva legal absoluta, razão pela qual impede o Judiciário de ampliar-lhe o conteúdo normativo e a estender sua eficácia jurídica a situações subjetivas não previstas em lei ainda que a pretexto de tornar efetiva a cláusula isonômica descrita na Constituição. 110 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba ANUÊNIOS Com relação à concessão do adicional por tempo de serviço observa-se o regulado pelo art. 67 da Lei nº 8.112/90, que discorre: “art. 67 - O adicional por tempo de serviço é devido à razão de 1% (um por cento) por ano de serviço público efetivo, incidente sobre o vencimento de que trata o art. 40. Parágrafo único - O servidor fará jus ao adicional a partir do mês em que completar o anuênio”. Pela exegese do artigo acima referenciado, não há qualquer óbice ao cômputo do tempo de serviço público federal prestado sob o vínculo celetista para fins de anuênio. O direito de igualdade é princípio insculpido na Carta Magna, inclusive no que tange ao princípio da isonomia. Não há como conceder o anuênio a servidores federais estatutários e negar o mesmo direito aos servidores anteriormente regido pelo regime celetista. Como apoio dinâmico, vale citar acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, da lavra do ilustríssimo Juiz JOSÉ DELGADO, que dispõe: “EMENTA: ADMINISTRATIVO. REGIME JURÍDICO ÚNICO. ANUÊNIOS. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO PELOS CELETISTAS. 1. Afronta ao princípio insculpido na carta Magna de exigir a implantação do Regime Jurídico ÚNICO pela Administração Pública, no seu relacionamento com os servidores públicos, o estabelecimento de regras jurídicas restritivas de direito para aqueles oriundos de vínculos celetistas, diferenciando-os dos que vieram do sistema estatutário. 2. A contagem de tempo de serviço público federal, independentemente de ter sido prestado por celetistas ou estatutários, deve ser contado para fins de anuênio. 3. Não é concebível, sob pena de ferimento ao direito de igualdade, se conceder anuênio com base em tempo de serviço federal prestado sob regime federal estatutário e se negar esse mesmo direito a quem prestou serviço público federal subordinado aos ditames da CLT. 4. Apelação improvida”. (AC - 525.338-5/93 - RN / TRF DA 5ª REGIÃO - Rel. Juiz JOSÉ DELGADO - decisão unânime - DJ. 27/09/93) Com supedâneo nas lições fáticas, legais e jurisprudenciais acima expendidas, entendo que têm direito os requerentes a contagem do tempo de serviço prestado sob o vínculo celetista. Diante do Exposto, com referência ao pedido de ANUÊNIOS, julgo-o procedente, para condenar à UNIÃO a contar para fins de anuênio o tempo de serviço público federal prestado pelos requerentes sob o vínculo celetista e ao pagamento das prestações vencidas, a partir de 01/01/91, e vincendas relativas a essa vantagem, a contar da data de vigência dos efeitos financeiros da Lei nº 8.112/90, até 30 de junho de 1994, aplicando-se daí por diante a atualização monetária pela variação da UFIR, conforme as disposições legais. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 111 Com relação ao pedido referente ao pagamento no percentual de 28,86% das Leis nºs. 8.622/93 e 8.627/93, requerendo a isonomia salarial aos militares, julgo-o improcedente, face à vedação da disposição legal e da jurisprudência aludida. No que tange aos pedidos dos autores relativos ao percentual de 16,19% inerentes as URP’s de abril e maio de 1988 e ao percentual de 26,05% inerentes a URP de fevereiro de 1989, com fulcro no art. 113 do CPC, declaro, de ofício, a incompetência absoluta deste Juízo, por serem as verbas por estes pleiteadas decorrentes de contrato laboral, sendo competente a JUSTIÇA DO TRABALHO. Finalmente, condeno as partes ao pagamento pro rata de custas e honorários advocatícios, estes no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a ser apurado na liquidação. Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição. Extraiam-se cópias de todo este processo, às custas dos autores cujo pedido não foi apreciado por este Juízo, remetendo-as ao Juízo competente da Justiça Especializada do Trabalho. P.R.I João Pessoa, 19 de junho de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 112 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba INSS - REVISÃO DE BENEFÍCIO I Processo nº 95.05971-1 / AÇÃO ORDINÁRIA Autora: MARIA JOSÉ DE BARROS RIBEIRO Réu: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA EMENTA: CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. RENDA MENSAL INICIAL. REAJUSTE. REVISÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. A renda mensal inicial da aposentadoria da autora foi calculada de acordo com as disposições contidas na Lei nº 8.213/91. A Súmula 260, do extinto TRF, e o art. 58 do ADCT, não são aplicáveis aos benefícios concedidos em 1993. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Vistos etc... Cuida-se de ação de rito ordinário ajuizada por MARIA JOSÉ DE BARROS RIBEIRO, qualificada às fls. 02, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS, objetivando a revisão dos cálculos iniciais de seu benefício, bem assim, dos reajustes subseqüentes, a fim de que sejam aplicadas as disposições da Súmula 260, do ex-TFR. Aduz a autora, em síntese, que é detentora de uma aposentadoria por idade desde 12.07.93, tendo o réu calculado a renda mensal inicial (RMI) do referido benefício observando o disposto no Decreto 89.312/84 e não, no art. 202, da CF, e na Lei 8.213/91, que asseguram a atualização monetária de todas as trinta e seis contribuições. Prosseguindo, afirma que o promovido aplicou o critério da proporcionalidade no primeiro reajustamento do benefício da promovente, ocorrido em setembro/ 93, procedimento esse adotado também nos reajustes subseqüentes, o que provocou defasagem naqueles proventos, em relação à paridade inicial. Requer, a final, que seja decretada a revisão do cálculo da concessão inicial do benefício, a fim de que os salários-de-contribuição sejam atualizados monetariamente, mês a mês, levando em conta o INPC apurado pelo IBGE; que seja decretada a revisão do primeiro reajuste do benefício, determinando a aplicação do índice integral da política salarial, de acordo com a Súmula 260, do ex-TFR, a fim de manter a paridade inicial da data da concessão do benefício, e que seja o INSS condenado a pagar as parcelas vencidas e vincendas, acrescidas de juros de mora, a partir da lesão do direito, e correção monetária, mês a mês, de acordo com a Lei 6.899/81, com inclusão dos expurgos inflacionários. Juntou procuração e documentos às fls. 12/29. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 113 Citado, o INSS apresentou contestação pugnando pela improcedência do pedido, haja vista o benefício da promovente ter sido concedido e reajustado de acordo com as disposições da Lei 8.213/91 e legislação posterior. Em impugnação, a autora reiterou o pedido inicial, afirmando que o INSS não aplicou, na atualização dos salários-de-contribuição da promovente, a correção plena (expurgos) do INPC. Intimadas as partes para especificarem as provas que pretendiam produzir, apenas a suplicante se manifestou, solicitando que fosse requerido ao INSS, cópia do procedimento concessório da aposentadoria em questão, o que foi atendido, estando a referida documentação encartada às fls. 57/77. Dada vista à autora dos mencionados documentos, essa mais uma vez requereu a procedência do pedido. Assim relatados, decido. Revisão da renda mensal inicial Almeja a autora a revisão da renda mensal inicial (RMI) de sua aposentadoria, visto que o Instituto promovido não teria atualizado monetariamente todos os salários-de-contribuição da suplicante, conforme determina a Constituição Federal, em seus art. 201, §§ 3º e 4º, e 202, in verbis: “Art. 201................................................................ § 3º. Todos os salários-de-contribuição considerados no cálculo de benefício serão corrigidos monetariamente. § 4º. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. ............................................................................... Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas às seguintes condições: ..............................................................................” A fim de disciplinar a aplicação dos dispositivos acima reproduzidos, a Lei nº 8.213/91, que instituiu o novo Plano de Benefícios da Previdência Social estabeleceu que: “Art. 31. Todos os salários-de-contribuição computados no cálculo do valor do benefício serão ajustados, mês a mês, de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, referente ao período decorrido a partir da data de competência do saláriode-contribuição até a do início do benefício, de modo a preservar os seus valores reais”. Analisando o demonstrativo de cálculo da RMI da aposentadoria da autora (fls. 76), pode-se constatar que todos os salários-de-contribuição utilizados naquele cálculo 114 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba foram corrigidos monetariamente, de acordo com a variação acumulada do INPC/IRSM, como mandam a Carta Política e o Plano de Benefícios da Previdência Social instituído pela Lei 8.213/91. Ressalte-se que a própria promovente, na inicial, apresenta uma planilha em que informa qual deveria ser a RMI de seus proventos, caso o INSS tivesse calculado corretamente aquela aposentadoria (fls. 20). De acordo com a referida planilha, a RMI do benefício da promovente deveria ser CR$ 20.676.167,57 (Vinte milhões, seiscentos e setenta e seis mil, cento e sessenta e sete cruzeiros reais e cinquenta e sete centavos). Ocorre que os cálculos elaborados pelo INSS resultaram em valor superior ao pretendido pela autora, pois como se vê da carta de concessão de fls. 15, a RMI obtida pelo órgão previdenciário foi CR$ 20.844.557,80 (Vinte milhões, oitocentos e quarenta e quatro mil, quinhentos e cinquenta e sete cruzeiros reais e oitenta centavos), razão pela qual, inexiste qualquer revisão a ser feita nos proventos iniciais da autora. Quanto à aplicação dos índices expurgados na correção dos salários-decontribuição, o índice eleito pelo legislador para ser utilizado na referida atualização foi o INPC, posteriormente substituído pelo IRSM, não havendo como determinar a aplicação de critério diverso do estabelecido na legislação de regência, sob pena de comprometer o equilíbro financeiro da Previdência Social. Esse entendimento guarda harmonia com a decisão proferida pelo TRF da 4ª Região, abaixo reproduzida: “EMENTA: PREVIDÊNCIA SOCIAL. HOMOLOGAÇÃO DE CÁLCULO DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICES EXPURGADOS. Não é exigível a atualização de débito judicial com índices expurgados não aplicados às contribuições previdenciárias. A Previdência Social no país está estruturada sob o regime de caixa. A inclusão dos percentuais expurgados se ressenteria da prévia arrecadação. Criar benefícios em favor dos segurados sem a correspondente fonte de custeio total seria inviabilizar a Previdência. Apelação parcialmente provida”. (AC 93.04.13872-8/RS. Rel: Juíza Sílvia Goraieb. Julgado em 15.08.95, por maioria. Publicado no DJU nº 22, de 31.01.96, S. 2, pág. 3931). Revisão dos reajustes Pretende também a autora que seja determinada a revisão do primeiro reajuste de seu benefício, o qual foi concedido em 12.07.93, a fim de que seja aplicado o índice integral da política salarial do governo, de acordo com a Súmula 260 do ex-TFR, para que seja mantida a paridade inicial da data da concessão daquele benefício. A Súmula 260 do extinto TFR, serviu de oriente às decisões acerca do reajuste dos benefícios previdenciários ocorridos até março/89, cristalizando em seu enunciado a rejeição à aplicação na primeira majoração, de índice proporcional ao tempo que mediava entre a data de início do benefício e a de concessão do reajuste, determinando que fossem aplicados os índices integrais da política salarial, o que não significava índices de aumento do salário mínimo. O reajuste dos benefícios previdenciários pelo mesmo índice de aumento do salário mínimo, de forma a manter a equivalência inicial, constitui direito assegurado somente no período compreendido entre abril/89 e a implantação dos novos Planos de Benefícios da Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 115 Previdência Social, conforme determinação contida no art. 58 do ADCT. Esse entendimento encontra-se em harmonia com o verbete 21 da Súmula do TRF da 1ª Região, in verbis: “O critério de revisão previsto na Súmula 260 do Tribunal Federal de Recursos, diverso do estabelecido no art. 58 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988, e aplicável somente aos benefícios previdenciários concedidos até 04.10.88, perdeu eficácia em 05.04.89”. A aplicação de índice proporcional ao tempo de inatividade por ocasião do primeiro reajuste, isso com relação aos benefícios concedidos na vigência da Lei n. 8.213/ 91, não ocasiona perda do poder aquisitivo dos proventos, visto que esses são corrigidos por índice que reflete integralmente a variação dos preços, apurada a contar da data da concessão de cada benefício, de modo a assegurar o seu valor real. Quanto aos índices de preços anteriores à concessão do benefício, serão utilizados na atualização dos salários-de-contribuição do segurado, que como já fizemos menção anteriormente, serão corrigidos até a data de início do benefício. Sobre o tema, julgo oportuno transcrever a decisão proferida pelo TRF da 4ª Região na Apelação Cível 94.04.5434-8/RS, cujo acórdão encontra-se assim ementado: “EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. CRITÉRIOS. 1. O Artigo 41, II, da Lei n. 8.213, de 1991, prevê reajustamento dos benefícios ‘de acordo com suas respectivas datas de início’, com base na variação integral do INPC e, após a Lei n. 8.542, de 1992, pela variação acumulada do IRSM (art. 9º). Não há, no critério, ofensa ao princípio da isonomia em relação aos benefícios concedidos em data anterior, cujo primeiro reajuste é por percentual mais elevado. É que o artigo 31 da Lei n. 8.213, de 1991, prevê a atualização dos salários-de-contribuição pelo mesmo critério (INPC/ IRSM) ‘...até a data de início do benefício’. Assim, se é certo que o primeiro reajuste de determinado benefício é por percentual inferior ao de outros concedidos em mês anterior, não é menos certo que seu valor inicial é proporcionalmente mais elevado que o daqueles, porque calculado mediante correção, por percentual maior, dos salários-de-contribuição. 2. Apelo provido”. (Rel: Juiz Teori Albino Zavascki. Julgado em 25.10.94, à unanimidade. Publicado no D.J.U. nº 08, de 11.01.95, p. 422). A constitucionalidade da aplicação de índice proporcional à data de inativação, no primeiro reajustamento de benefício concedido após a implantação dos novos Planos de Custeio e de Benefícios da Previdência Social, foi reconhecida também pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial, relatado pelo eminente Ministro José Dantas, nos seguintes termos: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. REAJUSTE. Proporcionalidade. Sua aplicação no primeiro reajuste, como decorrência do § 1º do art. 9º da Lei 8.542/92. 116 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba (Resp 85.015/RS. Julgado em 10.06.96, à unanimidade. Publicado no DJU 125, de 01.07.96, S. 1, pág. 24066). Julgo oportuno ressaltar que a preservação do valor real dos benefícios, determinada pelo art. 201, § 2º, da CF, não implica na manutenção permanente da equivalência inicial, critério de reajustamento a ser observado apenas no período compreendido entre abril/ 89 e dezembro/91, constituindo apenas uma garantia de que as prestações previdenciárias não serão corroídas pela inflação, assegurando-se aos beneficiários da Previdência Social o repasse da variação de preços para seus rendimentos, segundo os índices definidos pelo legislador ordinário. Sabe-se que a economia brasileira apresenta uma infinidade de índices que refletem a variação de preços. Tendo em vista que cada um dos institutos encarregados de levantar essa variação utiliza metodologia diferente dos demais, há sempre divergência entre os percentuais encontrados, haja vista o número e a diversidade dos produtos pesquisados. Tanto é assim que até índices apurados pela mesma instituição, como por exemplo, o INPC e o IPC, divulgados pela Fundação IBGE, sempre apresentaram valores divergentes em relação ao mesmo período. A título de ilustração, cite-se o ocorrido no mês de janeiro/89, em que o INPC foi 35,48%, e o IPC, 70,28%. Ante a diversidade de indexadores disponíveis, e à luz do art. 201, § 2º, da CF, escolheu o legislador ordinário, como fator de reajustamento dos benefícios, a partir de janeiro/92, o INPC (art. 41, II, da Lei 8.213/91), substituindo-o posteriormente pelo IRSM de que trata a Lei 8.542/92, alterado pela Lei nº 8.880/94 e Medidas Provisórias nºs. 1.415/96, 1.463/96 e 1.463-2/96, índices esses que, tendo em vista os critérios empregados na sua apuração, podem não variar na mesma proporção do aumento do salário mínimo, mas que não devem por isso ser desprezados, sob o argumento de que não recompõem o valor real dos benefícios, expresso na quantidade de salários mínimos que representava a renda mensal na data da concessão. Saliente-se, por oportuno, que por força do art. 7º, IV, da Constituição Federal, é vedada a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, aí incluída, evidentemente, a sua utilização como parâmetro para o reajustamento dos benefícios previdenciários, que é o que realmente almeja a promovente. Sobre a matéria, destaco o entendimento dos TRFs da 4ª Região e 5ª Regiões, cujos acórdãos encontram-se assim ementados: “EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIOS. CRITÉRIOS. l. O reajuste dos valores dos benefícios previdenciários obedecem à variação integral do INPC (Lei nº 8.213, de 1991, art. 41, II), índice eleito pelo legislador com base no art. 201, § 2º, da CF, que veda a utilização do salário mínimo como indexador (art. 7º, IV). 2. Apelo provido.” (AC nº 93.04.44689-9/RS - TRF 4ª Região. Julgado em 27.09.94, à unanimidade. Publicado no D.J.U. nº 08, de ll.0l.95, pág. 36l). “EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. EQUIPARAÇÃO AO NÚMERO DE SALÁRIOS MÍNIMOS À ÉPOCA DA CONCESSÃO. 1. A equivalência entre os reajustes do salário mínimo e dos benefícios previdenciários vigorou de abril de 1989 até a efetiva implantação da Lei nº 8.213/91, em janeiro de 1992, nos termos do art. 58 do ADCT. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 117 2. Após janeiro de 1992 ficou vedada a equiparação com o salário mínimo, inexistindo direito adquirido ou redução salarial. 3. Atualização pela variação do INPC (art. 41, II, da Lei nº 8.213/91), com substituição posterior pela variação do IRSM, a partir de janeiro de 1993 (Lei nº 8.542/92). Reajuste anual em maio de cada ano, a contar de 1995, aplicando-se o IPCr acumulado nos doze meses imediatamente anteriores (Lei nº 8.880/94). 4. Apelação improvida. Vencido o MM. Juiz Relator.” (AC nº 85.437-CE - TRF 5ª Região. Rel: Juiz Ubaldo Ataíde Cavalcante (convocado). Julgado em 13.03.96, por maioria. Publicado no DJU nº 100, de 24.05.96, S. 2, pág. 34.426). Por todo o exposto, julgo improcedentes os pedidos, condenando a autora ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em 05% (cinco por cento) do valor atribuído à causa. Custas na forma do art. 14, da Lei 9.289/96. P. R. I. João Pessoa, 19 de setembro de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 118 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba SFH - CESSÃO DE DIREITOS - MUTUÁRIO Processo nº 95.12199-9 / AÇÃO COMINATÓRIA Autora: MARINEIDE SOLANGE FERREIRA RODRIGUES Réu: VALMIR JÚNIOR SILVA E CEF SENTENÇA E M E N T A: SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CESSÃO DE DIREITOS PELO MUTUÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. A cessão de mútuo hipotecário só é possível mediante consentimento prévio e expresso do mutuante, por disposição de cláusula contratual que inclusive deve ser demonstrado através de documentos. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Vistos etc. MARINEIDE SOLANGE FERREIRA RODRIGUES, qualificada nos autos, propôs a presente ação cominatória contra VALMIR JÚNIOR SILVA e a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - FILIAL NO ESTADO DA PARAÍBA, expondo em síntese que em 29 de maio de 1991, realizou um contrato de compra e venda, mútuo com obrigações e quitação parcial com a Caixa Econômica Federal, agência deste Estado, adquirindo o imóvel residencial nº 182, localizado na rua Projetada VL 07. Em 19 de maio de 1992, transferiu o imóvel financiado a Maria da Conceição Martins, que por sua vez tornou a passá-lo a Silvano Francisco da Silva, que culminou repassando-o para Valmir Júnior Silva, ora detentor do imóvel acima mencionado. Alega que pretende adquirir outro imóvel financiado, no entanto encontra óbice no fato de que o seu nome consta como mutuária perante a CEF, e nenhum dos repasses efetivados com terceiros foram efetuados perante aquela Instituição. Requer, finalmente, que os promovidos sejam instados a transferirem o imóvel para o seu nome junto à Caixa Econômica Federal, sob pena de não o fazendo pagar multa diária de um salário mínimo, até o cumprimento da obrigação. Juntou aos autos procuração e cópias de documentos (fls. 05/17). Citada, a CEF apresentou sua contestação argüindo preliminarmente a carência de ação por falta de impossibilidade jurídica uma vez que o réu não integrou o contrato de mútuo habitacional firmado pela Autora com a promovida, aduzindo ainda que o contrato faz lei entre as partes e a CF no seu art. 5º assegura a todos indistintamente que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” razões pelas quais requer o julgamento sem exame do mérito, nos termos do inciso VI do Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 119 artigo 267, do CPC. No mérito, argumenta que não existe amparo legal a pretensão da Autora e o pedido deve ser julgado improcedente. Valmir Júnior Silva foi citado e contestou a lide, afirmando que adquiriu o imóvel, conforme deduziu a Autora na inicial, mas que não fez a transferência perante a CEF, uma vez que o seu salário e o da sua esposa, não corresponde a renda mínima exigida pela promovida. Juntou aos autos procuração e documentos (fls. 35/44). Trata-se de matéria unicamente de direito, cabível o julgamento antecipado da lide (art. 330 - I do CPC). É o relatório. Decido. PRELIMINAR A promovida - CEF, requereu que a Autora fosse julgada carecedora ao direito de ação pela impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento de que Valmir Júnior Silva não haver integrado o contrato de mútuo firmado entre a promovida e a Autora, bem assim por expressa vedação legal quanto a realização de transferência de imóvel sem a anuência da CEF. A preliminar levantada pela CEF, confunde-se com o próprio mérito, pelo que deixo para apreciá-la com o seu julgamento. MÉRITO Pretende a Autora que seja efetivada pela CEF a transferência do contrato de compra e venda, mútuo com obrigações e quitação parcial, do imóvel residencial, para Valmir Júnior Silva, terceiro adquirente da chave do imóvel acima mencionado. Sobre a transferência de contratos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, dispõe os artigos 1º, 2º e 3º da Lei 8.004, de 14.03.1990, que trata da matéria relacionada ao Sistema Financeiro de Habitação: “Art. 1º - O mutuário do Sistema Financeiro de Habitação - SFH pode transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, observado o disposto nesta Lei. Parágrafo único - A formulação de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativa a imóvel gravado em favor de instituições financiadoras do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora, mediante a assunção, pelo novo mutuário, do saldo devedor contábil de operação, observados os requisitos legais e regulamentadores para o financiamento da casa própria, vigentes no momento da transferência, ressalvadas as situações especiais previstas nos artigos 2º e 3º desta Lei. Art. 2º - A transferência dar-se-á mediante simples substituição do devedor, mantidas para o novo mutuário das mesmas condições e encargos do 120 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba contrato original, desde que se trate de financiamento destinado à casa própria, cujo valor original não ultrapasse os seguintes limites: Art. 3º - Nos financiamentos contratados até 28 de fevereiro de 1986, não enquadrados nas condições fixadas no artigo anterior, a transferência será efetivada mediante a assunção, pelo novo muturário, da metade do saldo devedor contábil da operação, atualização ‘pro rata die’ da data do último reajuste até a da data da transferência. § 1º - A transferência, nos casos deste artigo, se efetivará mediante a contratação de nova operação, que deverá observar as normas em vigor relativas aos financiamentos do SFH”. Conforme se depreende do texto acima transcrito verifica-se que a transferência de contrato pode ser realizada entre o mutuário e terceiro interessado, desde que com a anuência da CEF. Tal não ocorreu no caso sub judice. A Autora repassou a chave do imóvel, para Maria da Conceição Martins, que por sua vez transferiu-a para Silvano Francisco da Silva, que concluiu passando-o para o réu Valmir Júnior Silva. Todos os atos negociais foram praticados sem a intervenção da Institutição Financiadora. A Autora realizou transação contra legem, agindo temerariamente, pois nem ao menos procurou acautelar-se das medidas necessárias para desvincular-se da obrigação assumida perante a CEF. A cessão de direitos pelo mutuário, com transferência de imóvel, só tem eficácia com a anuência do credor hipotecário, especialmente em virtude das características que norteiam o Sistema Financeiro de Habitação, que procura resguardar-se o desvirtuamento da aquisição, para fins especulativos, de várias unidades habitacionais por uma única pessoa, em contraposição ao seu caráter eminentemente social. O entendimento, acima esposado, guarda harmonia com a decisão proferida em sede de Recurso Especial nº 34.495-9-RS, em que foi Relator o Exmo. Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, cuja ementa encontra-se assentada nos seguintes termos: “EMENTA: SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - TRANSFERÊNCIA DE FINANCIAMENTO - INTERVENÇÃO DO AGENTE FINANCEIRO OBRIGATORIEDADE. - A intervenção do agente financeiro é obrigatória, na transferência de financiamentos, celebrados pelo Sistema Financeiro de Habitação. - O cessionário de financiamento regido pelo SFH carece de legitimidade para propor ação de consignação contra o agente financiador, se este não interveio na transferência (Lei 8.004/90, Art. 1º).” De outro lado, não há como o Poder Judiciário determinar que os promovidos alterem o contrato originário de compra e venda, firmado pela Autora com a CEF. Um dos princípios que norteiam o contrato é o da autonomia da vontade, por isso não se admite a coação para que se realize avença entre terceiros. Destarte, quando já existe um contrato em vigor, que deve ser respeitado pelas partes que o avençaram, não se permitindo, pois, o inadimplemento de suas cláusulas, salvo se em determinadas situações Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 121 restar comprovado que o acordo tornou-se oneroso para uma das partes, considerando-se em tela o princípio do não enriquecimento sem causa. A Autora cabe-lhe procurar resolver o impasse que contribuiu para o início do litígio com o promovido Valmir Júnior Silva, manejando a a via de ação própria, a fim de requerer o que lhe for de direito. Ante o exposto JULGO IMPROCEDENTE o pedido, nos termos do inciso I, do artigo 269 do CPC e condeno a Autora ao pagamento de honorários advocatícios que atribuo em 5% (cinco por cento) a ser calculado sobre o valor dado à causa. Custas, ex lege. P.R.I. João Pessoa, 16 de agosto de 1996 JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal Titular da 3ª Vara 122 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba INSS - DEPENDÊNCIA ECONÔMICA - MENOR PÚBERE Processo nº 95.06246-1 / AÇÃO DECLARATÓRIA Requerente: MARIA DORACY LOPES DA SILVA, assistida por sua genitora MARIA DA GLÓRIA LOPES DA SILVA Requerido : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DESTINADA A COMPROVAR A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA AUTORA, MENOR PÚBERE, EM RELAÇÃO À SUA AVÓ, PARA FINS DE PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA DE FATO QUE DEMANDA PRODUÇÃO DE PROVA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. IMPOSSIBILIDADE DE ADAPTAÇÃO AO TIPO ADEQUADO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO. 1. A ação meramente declaratória busca por termo a incerteza jurídica relativa a uma relação jurídica, não se prestando para acertamento de situação de fato, como requer a autora da presente demanda. 2. Verificada a impossibilidade de adaptação ao tipo adequado, toma-se forçoso o indeferimento da petição inicial. Cuida a hipótese vertente nos presentes autos de ação declaratória promovida por MARIA DORACY LOPES DA SILVA, menor púbere, representada por sua genitora, MARIA DA GLÓRIA LOPES DA SILVA, devidamente qualificada na petição inicial, tendo no pólo passivo da demanda o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. Pretende a autora que seja declarada a sua condição de dependente da sua avó, ADALGISA LOPES DA SILVA, falecida em 25 de janeiro de 1994. Para a comprovação da situação fática, cuja declaração judicial objetiva, requereu o “depoimento pessoal da ré, sob pena de confesso, inquirição de testemunhas, perícias e todas as demais provas necessárias...” (fls.O3). O feito seguiu o regular processamento, com a citação do requerido (fls. 39) (após três emendas à exordial), a contestação (fls. 40/45), impugnação aos termos da contestação e documentos a esta acostados (fls. 47/48). Conclusos os autos, passo a DECIDIR. A ação meramente declaratória, direito potestativo previsto no art. 4º da Lei, Adjetiva Civil, busca a declaração quanto à existência ou inexistência de uma relação jurídica ou a autenticidade ou falsidade de um documento. Em outras palavras, visa tomar certo o que é incerto no que tange a uma relação jurídica. No caso ventilado nos presentes autos a autora busca o reconhecimento Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 123 de sua condição de dependente de sua falecida avó, para fins de percepção de benefício previdenciário, matéria que, apesar de juridicamente relevante é refratária de apreciação por meio de ação declaratória por constituir-se em questão de mero fato que poderá, por sua relevância, ser apreciada por meio dos procedimentos adequados à espécie. O nó górdio da questão posta a deslinde é o fato de ter a autora vivido sob a guarda e dependência de ADALGISA LOPES DA SILVA, sua avó, situação fática que não se compadece com o feito declaratório que somente deve ser usado quando por outro meio processual não houver a possibilidade de resolver o problema, o que não se constitui, em absoluto, a hipótese dos autos. Acerca dos limites e da pertinência da ação declaratória, assim se manifestou a vetusta jurisprudência dos tribunais, em acórdãos que soam: “A ação declaratória não se presta à elucidação de fatos controvertidos ou passíveis de alguma dúvida sobre a real existência dos mesmos, salvo no que se refere à falsidade ou autenticidade de documento. (RT. 645178)” “Os fatos não são suscetíveis de acertamento por meio de declaratória.” (RJTJERGS 133/251) Mutatis mutandis, as lições pretorianas acima delineadas caibam à fiveleta no presente feito, onde a autora pretende, por meio de prova testemunhal e pericial, comprovar a sua relação de dependência da sua falecida avó, para fins de percepção de benefício previdenciário. É sabido e consabido que processo é direito público e que a forma do procedimento não é posta no interesse das partes, mas sim, da justiça. Daí porque é dever do juiz corrigir a impropriedade de procedimento adequado, sendo irrelevante o nomem iuris atribuído ao feito, eis que o autor deve narrar os fatos e o juiz deduzir a norma jurídica que destes se irradia. Entrementes, existem determinadas situações onde é impossível ao magistrado adaptar o feito ao tipo adequado, o que ocorre no presente caso, apesar da boa vontade deste juízo e da relevância da matéria, inclusive, robustecida pelo início de prova levantado. Feitas essas considerações com supedâneo no art. 295, V indefiro a petição inicial e julgo extinto o feito sem exame do mérito, conforme dispõe o art. 267, I, para que produza seus jurídicos e legais efeitos, facultado à autora os meios e procedimentos inerentes à satisfação de sua pretensão e, ainda, o traslado de peças do presente feito mediante a substituição por fotocópia autenticada. Condeno à autora ao pagamento da verba honorária que fixo, de logo, em 5% (cinco) por cento sobre o valor atribuído à causa e ao pagamento das custas processuais. P.R.I. João Pessoa, 20 de agosto de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 124 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba CONCESSÃO DE SERVIÇOS Processo nº 95.03647-0 / AÇÃO ORDINÁRIA Requerente: TUT - TRANSPORTES LTDA Requerido: UNIÃO SENTENÇA EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA: TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. PEDIDO DE CONCESSÃO DE LINHA. IMPOSSIBILIDADE DE O JUDICIÁRIO PRATICAR UM ATO DISCRICIONÁRIO POR NATUREZA. 1. o serviço de transporte interestadual de passageiros é da competência da UNIÃO, cuja exploração pode ser transferida a particulares mediante concessão ou permissão, através de procedimento licitatório. (art. 21, XII, “e” da CF/88, c/c o art. 175 do mesmo Diploma Legal) 2.concessão de linha de transporte interestadual é um ato administrativo discricionário por excelência, onde somente o agente público administrativo é quem pode aferir os critérios de conveniência e oportunidade para iniciar ou não o processo licitatório pertinente, razão pela qual não pode é o Judiciário se sub-rogar em autoridade administrativa e, numa atitude abusiva, invadir a seara de outro Poder constituído, substituindo-o na observância dos critérios de conveniência e oportunidade. 3. Improcedência do pedido. Cuida-se de ação ordinária intentada pela TUT - TRANSPORTES LTDA, qualificada na exordial, tendo por requerida a UNIÃO - Departamento de Transportes Terrestres, sob os fatos e fundamentos a seguir desnovelados: Aduz a autora, empresa estabelecida no ramo de transporte coletivo de passageiros, com sede em CUIABÁ/(MT), que exerce sua atividade operando há mais de treze anos, sendo titular de várias linhas interligando o Estado do Mato Grosso a diversas Unidades de Federação. Como parte de sua atividade empresarial, vem explorando, há mais de 10(dez) anos, a linha interestadual CUIABÁ(MT)/JOÃO PESSOA (PB). Por essa razão, requereu, em 20 de agosto de 1991, com base no Decreto 92.353/86, a regularização da mencionada linha, haja vista a exploração ser feita de maneira tácita, com a devida permissão do DNER e, posteriormente, de seu sucessor, o DTT. Argüi que seu pedido, no entanto, não foi apreciado, denotando a inércia e omissão desses órgãos no sentido da regularização da linha. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 125 Protesta, ainda, pelo fato de haver sofrido constantes ações por parte da fiscalização, consubstanciadas na apreensão de seus veículos e lançamentos de autos de infração e multas. Enfileira, em prol da sua tese, argumentos doutrinários e jurisprudenciais. Ao final, requer a procedência do pedido, determinando a regularização dos serviços rodoviários interestaduais, mediante a outorga à autora da permissão para a exploração da linha CUIABÁ (MT) /JOÃO PESSOA (PB), o itinerário descrito no petitório, condenado-se à ré a arcar com o ônus da sucumbência. Acostou aos autos a procuração e documentos. A liminar foi indeferida. Citada, a UNIÃO contestou a lide, alegando que a concessão de serviços de transporte interestadual deve ser feita mediante LICITAÇÃO sendo, destarte, defeso ao Poder Judiciário imiscuir-se nas atribuições constitucionalmentes atribuídas ao Executivo. Ao final, requer a improcedência do pedido, condenando-se à requerente a arcar com o ônus da sucumbência. Conclusos. D E C I D O. Ao cuidar da competência para a autorização, concessão e permissão de transporte interestadual, a Constituição Federal, em seu art. 21, XII “e”, dispõe que: “Art. 21. Compete à União: XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão. e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;” Mais adiante, ao se referir aos regimes da concessão e da permissão, o Pacto Político de 1988, preceitua que: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da Lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Da exegese do contido nos artigos suso transcritos, conclui-se, sem muito esforço, que o serviço de transporte interestadual de passageiros é da competência da UNIÃO, cuja exploração pode ser transferida a particulares mediante concessão ou permissão, através de procedimento LICITATÓRIO. O Decreto 952, por sua vez, buscando regulamentar o texto Constitucional, no que tange à concessão de serviços de transporte interestadual, dispõe que: “Art. 2º. A organização, a coordenação, o controle, a outorga e a fiscalização dos serviços de que trata este Decreto caberá ao Departamento de Transportes Rodoviários do Ministério dos Transportes.” Das regras insertas nos textos normativos trazidos à colação, observa-se 126 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba a falta de plausibilidade da pretensão explicitada pelo requerente na presente medida cautelar inominada. Somente o Departamento de Transportes Rodoviários, órgão atrelado ao Poder Executivo, é quem pode, em observância aos princípios da conveniência e da oportunidade, decidir sobre a necessidade ou de concessão de uma linha de transporte interestadual e, em caso positivo, levar a efeito o competente procedimento licitatório para habilitar a empresa que preencha as condições estabelecidas. O que não pode é o Judiciário se sub-rogar em autoridade administrativa e, numa atitude abusiva, invadir a seara de outro Poder constituído, substituindo-o na observância dos critérios de conveniência e oportunidade. Consoante já ventilado no despacho denegatório da cautela liminar, entendo que a concessão de linha de transporte interestadual é um ato administrativo discricionário por excelência, onde somente o agente público administrativo é quem pode aferir os critérios de conveniência e oportunidade para iniciar ou não o processo licitatório pertinente. Atender aos reclamos do requerente seria errar duas vezes: primeiro por invadir a competência de outro Poder e praticar um ato administrativo, ao invés de jurisdicional. Segundo, prescindir do procedimento licitatório para um ato que a Carta Magna expressamente o recomenda. Como dinâmico apoio, valho-me de decisões Pretorianas da 1ª Região, apontando no sentido da tese esposada por este Juízo: “CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. LIMINAR EM AÇÃO CAUTELAR CONCEDENDO PERMISSÃO PARA EXPLORAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL. ILEGALIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA PARA ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A AGRAVO AVIADO CONTRA LIMINAR ILEGAL. A autorização, concessão ou permissão de serviço de transporte rodoviário é ato exclusivamente administrativo, não cabendo, jamais, ao Juiz substituir a autoridade administrativa em providência dessa natureza. Ilegalidade flagrante da liminar que, em ação cautelar concede, inaudita altera parte, permissão para exploração de linha de transporte rodoviário interestadual. Segurança concedida para atribuição de efeito suspensivo ao agravo aviado contra liminar ilegal”. (DJ de 01.06.92, Rel. Juiz Hércules Quasimodo). “ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO JUDICIAL. LIMINAR AUTORIZANDO EXPLORAÇÃO DE LINHA DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL. ILEGALIDADE FLAGRANTE. A 1ª Seção do TRF da 1ª Região firmou entendimento pela ilegitimidade de liminar que, em ação cautelar, concede permissão para exploração de linha de transporte rodoviário interestadual de passageiros, porquanto a autorização, concessão ou permissão de serviço de transporte rodoviário é ato exclusivamente administrativo, dependente de prévia licitação, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 127 consoante o art. 175 da Constituição Federal, sendo defeso ao Judiciário substituir-se à autoridade administrativa, em providência de tal natureza”. (DJ de 13.10.94, Rel. Juíza Assusete Magalhães). Isto posto, verificando a impossibilidade de o Judiciário praticar um ato administrativo por natureza, torna-se imperiosa a exegese apontando no sentido da falta de plausibilidade das alegações da autora, razão pela qual julgo improcedente o pedido. Condeno a autora ao pagamento da verba honorária que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa e ao pagamento das custas processuais. P.R.I. João Pessoa, 20 de agosto de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 128 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba DESAPROPRIAÇÃO - INTERESSE SOCIAL Processo nº 93.0012093-0 / AÇÃO DESAPROPRIAÇÃO Expropriante: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA Expropriado: FELIPE JOÃO LUNDGREN e LUIZ HERCÍLIO LUNDGREN SENTENÇA EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. REFORMA AGRÁRIA. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES ARGÜIDAS PELO EXPROPRIADO. PRINCÍPIO DA JUSTA INDENIZAÇÃO. PERÍCIA AVALIATÓRIA. 1. No Juízo da desapropriação não são discutidas questões outras que não as referentes ao quantum e a nulidade de natureza formal. Não cabe ao Judiciário interferir quanto à “causa determinante” quando enquadrada em uma das espécies legais. 2. INDENIZAÇÃO. Norteia a sistemática da desapropriação o princípio da indenização justa, segundo mandamento constitucional (art. 184). 3. TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA. A indenização da terra nua e cobertura vegetal não economicamente explorada dever ser efetuada por meio de TDA, a prazo, sem qualquer deságio, como manda o CF/88. 4. BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS. A indenização das benfeitorias úteis e necessárias devem ser indenizadas diferentemente da terra nua e cobertura vegetal não economicamente explorada, ou seja, em dinheiro, nos moldes do parágrafo primeiro do art. 5º, da Lei nº 8.029, de 25 de fevereiro de 1993, c/c o parágrafo primeiro do art. 184 da CF/88. 5. JUROS COMPENSATÓRIOS. A 12% a.a., incidentes desde a imissão na posse, calculados, até a data do laudo, sobre o valor simples da avaliação e, desde então, sobre o referido valor corrigido monetariamente (Súmulas 74 e 110 /TRF e 164/STF), destinados a ressarcir os prejuízos que os expropriados tiveram com o não uso dos bens. 6. JUROS MORATÓRIOS. Á taxa de 6% a.a., incidindo de forma cumulativa com os compensatórios, a partir do trânsito em julgado da sentença (Súmula 70 do TFR), com o objetivo de cobrir o prejuízo sofrido pelos expropriados com a demora do pagamento da indenização. 7. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Arbitrados em 10% sobre a diferença entre o valor da indenização e do depósito, devidamente atualizados (Súmula 141/TFR). 8. CORREÇÃO MONETÁRIA. Incidente a partir do laudo, de acordo com Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 129 os índices oficiais que medem a inflação, até a data do efetivo pagamento da indenização (Súmula 75/TFR). 9. Ação procedente sujeita ao duplo grau de jurisdição. Vistos etc. Cuida-se de Ação de Desapropriação proposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA, contra FELIPE JOÃO LUNDGREN e LUIZ HERCÍLIO LUNDGREN, tendo por objeto o imóvel rural denominado “CORVOADA OU FAZENDA CORVOADA”, descrito às fls. 04 dos autos e localizado no município de Pitimbu, no estado da Paraíba, expondo as razões fáticas e jurídicas de sua pretensão, conforme delineado abaixo: Alega o promovente que o imóvel, objeto da ação, tem área registrada de 342.8915 ha. (trezentos e quarenta e dois hectares, oitenta e nove ares e quinze cintiares), todavia, a área planimetrada é de 337.0000 ha. (trezentos e trinta e sete hectares), ficando a retificação do registro imobiliário para ser procedida após a realização da perícia. Ainda, que este terreno foi declarado de interesse social para fins de reforma agrária através do Decreto Federal de 08.07.93, publicado no D.O.U., de 09.07.93. Informa que incide sobre o referido imóvel uma inscrição hipotecária feita com o Banco do Brasil S/A, débito para com o Imposto Territorial Rural - ITR, dos exercícios de 1987, 1988, 1989, 1991 e 1992, e ainda, uma penhora resultante da Reclamação Trabalhista nº 627/90, tramitando na 3ª JCJ de João Pessoa/PB. Aduz que a avaliação procedida resulta na oferta de Cr$ 22.466.736,88 (vinte e dois milhões, quatrocentos e sessenta e seis mil, setecentos e trinta e seis cruzeiros reais e oitenta e oito centavos), correspondendo ao valor de 7.112 (sete mil e cento e doze) TDA’s (Títulos da Dívida Agrária), para indenização da terra nua e da cobertura natural e, de Cr$ 6.127.262,10 (seis milhões, cento e vinte e sete mil, duzentos e sessenta e dois cruzeiros reais e dez centavos), equivalente às benfeitorias e cobertura natural. Por fim, requer seja expedido o mandado de imissão na posse, garantindo ao Expropriante a posse do imóvel em questão, evitando que o mesmo venha a ser novamente invadido por terceiros. Acostou aos autos a documentação de fls. 11 usque 39. Despachando nos autos, o MM. Juiz Federal da 3ª Vara, às fls. 41/43, determinou, a citação dos expropriados, que fosse oficiado o douto Juiz da Comarca de Alhandra e nomeado perito o Dr. Gilberto Souto Muniz de Albuquerque, e ainda, que deixaria para determinar a imissão na posse do imóvel, somente quando levada a efeito a avaliação provisória pelo perito. O INCRA, na petição de fls. 48/50, reiterou a indicação dos seus assistentes técnicos, mencionados na exordial, e, apresentou seu quesitos. O INCRA juntou aos autos (fls. 52) comprovante de depósito no valor de Cr$ 6.127.262,10 (seis milhões, cento e vinte e sete mil, duzentos sessenta e dois cruzeiros reais, e dez centavos), referente ao valor da oferta pelas benfeitorias e culturas existentes no imóvel. O MM. Juiz ARAKEN MARIZ, do TRF da 5ª Região, ao apreciar mandado 130 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba de segurança impetrado pelo INCRA contra ato deste juízo da 3ª Vara (PB), decidiu no sentido de conceder a liminar requerida na inicial, a fim de que o impetrante seja imitido na posse do imóvel expropriado, (decisão via fax fls. 57/58). As informações, como de estilo, foram prestadas (fls. 59/60). No despacho de fls. 62, foi determinada a expedição de averbação, bem como edital de citação de terceiros interessados e que fosse oficiado o douto Juízo da Comarca de Alhandra e ao Cartório da referida Comarca. Auto e Imissão na Posse (fls. 67). Mandado de Averbação (fls. 68). Na contestação de fls. 136, os expropriados, alegaram preliminarmente a insuficiência do depósito, eis que os trabalhos de vistoria foram concluídos no dia 30 de julho de 1993 e o depósito efetivado em 21.11.1993, o que resultou em um prejuízo de 2.322 TDA’s, sendo o mesmo comportamento adotado com relação à indenização da benfeitorias. Contestam ainda outros itens do laudo de avaliação. No mérito, diz que a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, é uma previsão constitucional, que assegura que o pagamento oferecido deve ser prévio e justo. Nomeados aos assistentes técnicos do Expropriante e do Expropriado. O expropriado requereu, por intermédio da petição de fls. 238, o levantamento de 80% (oitenta por cento) do valor da indenização levantada, conforme autoriza a Lei Complementar 76/83, sendo deferido às fls. 241. O INCRA apresentou seus quesitos às fls. 239/24 e requereu a substituição do assistente técnico. O Sr. Carlos Alves do Nascimento Lundgren vem às fls. 247, denominandose inventariante dos bens deixados pela morte de seu pai, Hercílio Alves Ferreira Lundgren, requerer que não se admita o levantamento dos valores depositados, “Eis que encontra-se em vias de promover ação de rompimento de doação inoficiosa”. Na petição de fls. 276/278, o Sr. Carlos A. N. Lundgren vem, novamente, alegar a conexão da presente desapropriação com a ação similar tramitando na 1ª Vara desta Justiça Federal, requerendo que este Juízo decline de sua competência, encaminhando os autos à 1ª Vara. Acerca dos pedidos manifestaram-se os expropriados às fls. 280/282 e 289/297. No despacho de fls. 307/309, foi mantida a decisão que concedia o levantamento de parte da importância depositada e rejeitada a alegação de conexão, face tratar-se de ações distintas, onde as partes e a causa de pedir eram diversas, e finaliza determinando a continuidade do feito. Na petição de fls. 312, os expropriados juntaram aos autos os comprovantes de quitação do Imposto Sobre Propriedade Territorial Rural - ITR, exercícios de 92 e 93, bem como da Certidão Negativa de ônus sobre a Fazenda Corvoada. Os expropriados às fls. 318 requereram o apensamento da Medida Cautelar de Produção Antecipada de Provas, processo nº 93.0010644-9, em tramitação nessa mesma Vara da ação de desapropriação, visto que desta Medida constam os recentes laudos de Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 131 vistoria e avaliação do imóvel objeto da presente desapropriação. Na certidão de fls. 319, houve a informação do decurso de prazo sem que tivesse qualquer interposição de recurso, e ainda, de que a ação cautelar, mencionada na petição de fls. 318, já havia sido proferida sentença. No despacho de fls. 319, foi indeferido o pedido de apensação dos autos. O engenheiro Agrônomo, Dr. Roberto Djalma Guedes Pereira, foi indicado como novo perito, face o Oficial de Justiça não conseguir localizar o perito indicado anteriormente. Os expropriados apresentaram seus quesitos às fls. 344/345. No despacho de fls. 414, entendo-se indispensável a realização de prova pericial, foi determinado ao INCRA que complementasse o depósito dos honorários do perito e fixado o prazo de 30 (trinta) dias para entrega do laudo. O Perito oficial apresentou o Laudo Técnico (fls. 421/435), respondendo as respostas formuladas pelas partes. Os expropriados se pronunciaram (fls. 430/435), em discordância com os dados periciais contidos no Laudo Técnico. O expropriante - INCRA - se pronunciou (fls. 437/439), também, discordando em parte do Laudo Técnico. É o relatório. DECIDO. Todos sabem que declarar a perda da propriedade é um problema político e jurídico dos mais sérios e contravertidos na ordem social e histórica. O instituto da desapropriação longevo como é, ainda não se pacificou no espírito do homem que é marcado por reações que nem o dinheiro paga ou convence o expropriado. O certo é que o instituto da desapropriação tem como idéia fundamental a prevalência do público sobre o privado. O interesse social, no caso dos autos, é o motivo nuclear da desapropriação do imóvel denominado “CORVOADA OU FAZENDA CORVOADA”. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 184, procura entender a propriedade condicionada ao bem-estar social, recepcionando o princípio que se pode definir como de justiça distributiva. In casu, enxergo presentes os pressupostos basilares que norteiam o procedimento expropriatório, ou seja: a) Relação processual saneada; b) Objetos da demanda perfeitamente identificados; c) Laudo Pericial oficial indicando os elementos necessários à fixação da justa indenização. É regra basilar do procedimento expropriatório o instituto da justa indenização, insculpido no art. 5º, XXIV, da CF/88. Corresponde, no dizer do mestre CELSO 132 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO, in verbis: “àquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é a que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exima de qualquer detrimento.” (In Curso de Direito Administrativo, 4ª edição, Malheiros Editores, p. 382/ 383) É sabido e consabido que, em sede de ação expropriatória, há de se discutir apenas o quantum da indenização desde que, o que se constitui o caso dos autos, estejam presentes os pressupostos autorizativos do processo de desapropriação. Com respeito ao pagamento da indenização aos expropriados, registro o entendimento que se norteia na sistemática da desapropriação, o princípio da indenização justa, cujo valor real deve ser preservado, segundo mandamento Constitucional (art. 184), que não pode sofrer desrespeito por norma de escalão inferior. Assim, determino que a indenização obedeça aos seguintes critérios: I - A extensão de terra desapropriada para efeito de indenização deve obedecer à área descrita na planta de fls. 17 dos autos, em consonância com o pronunciamento do louvado oficial de fls. 424, pelo que tenho como desapropriada a área de 337 ha. II - Quanto ao Valor da terra nua para efeito de indenização com Títulos da Dívida Agrária (TDA), acosto-me ao laudo do perito oficial que, levando em conta fatores da dinâmica econômica, chegou ao quantum de 1.100,00 (hum mil e cem reais) por hectare, a fim de garantir uma justa indenização aos expropriados e preservar o Poder Público de um preço abusivo e, para tanto, levo em conta não só o valor da terra nua, como também a realidade da economia brasileira e a situação sócio-geográfica do objeto da desapropriação. A fixação desse valor, atualizado e em moeda corrente, expressando o preço de mercado da terra expropriada, somados aos critérios de juros e correção monetária adotados no presente decisum, que põem fim à controvérsia quanto à insuficiência do depósito e à mudança do padrão monetário, bem como o transcurso do lapso temporal entre a primeira avaliação e o depósito das TDA’s. III - Quanto à indenização das benfeitorias, adoto os seguintes critérios, levando em conta que, entre o primitivo estado dos bens por ocasião do início do processo expropriatório e o atual, ocorreram fatores sociais que levaram à depredação de parte das benfeitorias, conforme se depreende do cotejo dos laudos acostados e das deduções dos Expropriados: a - Edificações: Adoto a avaliação constante no item 7.11 do laudo oficial (fls. 425), no valor de R$ 81.365,40. b - Equipamentos e Instalações: 1. Transformador - Valor descrito no item 7.2.1 do laudo oficial - fls. 426. 2. Rede elétrica - Valor descrito no item 7.2.2 do laudo oficial - fls. 426. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 133 3. Rede de drenagem na várzea - levando em consideração que o grau de depreciação (0,90) não se deu por conta dos expropriados, mas dos fatores sociais ocorridos na propriedade após a expropriação, arbitro, tomando por base os dados colhidos na Medida Cautelar de Produção Antecipada de Prova nº 93.10644-9, em R$ 500,00 (quinhentos reais) o total de depreciação da rede de drenagem na várzea. 4. Rede viária interna - Valor apurado no laudo oficial, até porque não houve grande depreciação dessas benfeitorias. Item 7.2.4 - fls. 426. IV - Culturas Indenizáveis 1. Cana-de-açúcar - Tenho por correta a avaliação do perito oficial, inclusive ao tomar por conta a 6ª folha, o que compensaria o critério da indenização pela raiz e os lucros cessantes reclamados pelos Expropriados. Item 8.1 - fls. 427. 2. Coqueiros - Adoto o valor encontrado pelo perito oficial e a quantidade de coqueiros adultos. Quanto aos coqueiros novos, fico com os valores encontrados na Medida Cautelar de Produção Antecipada de Prova, ou seja, 851 coqueiros novos e o valor constante do laudo oficial (item 8.2 fls. 428 - 2º vol.). 3. Fruteiras diversas - Tomo por base as quantidades e valores encontrados pelo perito oficial. Item 8.3 - fls. 428. V. Os juros compensatórios de 12% (doze por cento) ao ano devem incidir desde a imissão na posse, calculados, até a data do laudo, sobre o valor simples da avaliação e, desde então, sobre o referido valor corrigido monetariamente (Súmulas 74 e 110 do TFR e 164 do STF), destinados a ressarcir os prejuízos que os expropriados tiveram com o não uso dos bens depois da colheita da última safra. VI. Os juros moratórios, à taxa de 6% (seis por cento) ao ano, devem incidir de forma cumulativa com os compensatórios, a partir do trânsito em julgado da sentença (Súmula 70/TFR), com o objetivo de cobrir o prejuízo sofrido pelos expropriados com a demora do pagamento da indenização. Essa incidência dos juros sobre juros não constitui, no caso, anatocismo, não se subsumindo a hipótese dos autos à prevista na Súmula 121 do STF, segundo precedentes dessa Colenda Suprema Corte. VII. Arbitro a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre a diferença do valor entre o preço oferecido e depositado e a indenização, ambas as parcelas devidamente corrigidas, computando-se as relativas aos juros moratórios e compensatórios (Súmula 141/ TFR). Quanto aos honorários do assistente técnico dos expropriados, fixo-os em 1% (hum por cento) dos devidos ao advogado dos expropriados, apurados em liquidação de sentença. VIII. A correção monetária fixada, a partir do laudo de avaliação (Súmula 75/TFR), de acordo com os índices oficiais que medem a inflação, até a data do efetivo pagamento da indenização. Rejeito, por descabida, a indenização dos demais itens pleiteados. Tenho que nos incisos acima a reparação integral não considera apenas o valor da coisa desapropriada, senão aquele valor somado ao dano conseqüente, direto e imediato da expropriação, como os supra elencados, que os expropriados ficaram privados. Os danos que devem ser indenizados no processo expropriatório são os efetivos e não os prováveis, problemáticos ou apenas possíveis. Para o julgador da desapropriação o que importa é encontrar o justo preço, não havendo, para isso, regras absolutas ou rígidas, estando embutido, no caso em julgamento, 134 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba os lucros cessantes. Não encontrei, quer nos presentes autos, quer na Medida Antecipada de Prova outros bens a serem indenizados. O STJ interpreta a jurisprudência das leis federais nos tribunais brasileiros, desde o advento da CF de 88 e segundo os Ministros AMÉRICO LUZ, PÁDUA RIBEIRO, JOSÉ DE JESUS e HÉLIO MOSIMANN, em julgados incertos na Revista do STJ, não se pode mais fixar para baixo o valor da desapropriação, situação que chegou a representar um tormento as milhares de pessoas que se consideram “vítimas” de desapropriação em todo o País. Assim, a indenização deve corresponder ao verdadeiro valor real do bem expropriado sob pena de haver enriquecimento de uma parte em detrimento da outra, a mais fraca. Em julgado recente, disse o Min. PEÇANHA MARTINS que: “Não cabe na cabeça de ninguém possa o expropriado adquirir bem semelhante ao de que foi desapossado, por metade do preço legítimo e honradamente arbitrado”. E disse mais: “Não é justo que perca mais, compelido a viver na rua da amargura, para que com sua ruína, se concretize o interesse coletivo. Não é outro o teor do art. 12, da Lei nº 8.629/93 que, ao conceituar a justa indenização, diz: “Art. 12. Considera-se justa a indenização que permite ao desapropriado a reposição em seu patrimônio do bem que perdeu por interesse social”. Observe-se que a inscrição hipotecária feita com o Banco do Brasil, noticiada às fls. 06 dos autos não mais existe, conforme a Certidão de fls. 316. Por fim, condeno a expropriante ao pagamento das custas do processo como única solução justa para preservar os expropriados de despesas que acarretariam uma diminuição na indenização, bem como à luz do Art. 19 da Lei Complementar nº 76/93. Sentença sujeita ao reexame necessário. P.R.I. João Pessoa, 31 de agosto de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 135 INSS - REVISÃO DE BENEFÍCIO II Processo nº 96.02811-7 / AÇÃO ORDINÁRIA Autor: ALÍPIO BEZERRA DE MELO Réu: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. EQUIVALÊNCIA DOS PROVENTOS COM O SALÁRIO-DECONTRIBUIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Não existe norma legal fixando o valor do benefício em igual número de salários mínimos a que correspondia o salário-de-contribuição do segurado. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Vistos etc... Cifra-se a controvérsia Ação Ordinária proposta por ALÍPIO BEZERRA DE MELO contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, visando obter a revisão de seu benefício. O autor, que percebe proventos do Instituto promovido desde junho de 1984, alega que durante quarenta anos, contribuiu para a Previdência Social sobre vinte salários mínimos, e que ao ser aposentado, passou a receber proventos equivalentes a 8,78 salários mínimos. Requer, a final, a intimação do Ministério Público, e que seja o INSS condenado a rever os proventos do suplicante, a partir da concessão, e a pagar as diferenças vencidas e vincendas. O réu apresentou contestação às fls. 15/21, suscitando a preliminar de inépcia da inicial, sustentando, também, a prescrição do direito de ação, pugnando pela improcedência do pedido, caso ultrapassada a prejudicial de mérito. Instado a se manifestar sobre a defesa do réu, o promovente não se manifestou. Observo que há pedido do autor para que seja intimado o Ministério Público. Embora não apreciado oportunamente, prejuízo não houve, ante a impossibilidade de se atender a tal pleito, seja em face da vedação contida no art. 129, IX, da Constituição Federal, seja porque a matéria travejada nos autos não envolve interesse público relevante, a justificar a intervenção do parquet na lide. Tratando-se de matéria controvertida unicamente quanto ao direito aplicável, é possível o julgamento antecipado da lide. 136 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Conclusos é o relatório, decido. Preliminar: Inépcia da inicial Argüiu o réu a preliminar de inépcia da inicial, por não ser possível de sua leitura chegar a qualquer conclusão lógica. É certo que a petição inicial sofre de um certo grau de incoesão, mas é possível concluir que o que o autor pretende é receber proventos equivalentes aos seus saláriosde-contribuição, ou seja, 20 (vinte) salários mínimos, pelo que, REJEITO a preliminar suscitada pelo INSS. De meritis Sustentou o INSS a prescrição do direito de ação, uma vez que transcorridos mais de doze anos entre a data de concessão do benefício e o ajuizamento da ação. A jurisprudência dos Tribunais já se consolidou no sentido de que, em se tratando de benefício previdenciário, o direito de pleitear a revisão do benefício não prescreve, mas tão-somente, o direito às parcelas anteriores ao ajuizamento da ação. Trata-se de aposentadoria por tempo de serviço concedida antes do advento da nova Constituição Federal, regendo-se, portanto, pelas regras do Decreto nº 83.080/79, que instituiu o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, que dispunha: “Artigo 41. O valor da renda mensal do benefício de prestação continuada, ou da sua parcela básica, mencionada na letra a do item II do artigo 40, é calculado mediante a aplicação dos coeficientes seguintes: ...................................... IV- aposentadoria por tempo de serviço: a) 80% (oitenta por cento) ou 95% (noventa e cinco por cento) do saláriode-benefício, conforme, respectivamente, o sexo masculino ou feminino do segurado que comprova 30 (trinta) anos de serviço; b) para o segurado do sexo masculino que continua em atividade após 30(trinta) anos de serviço, 80% (oitenta por cento) do salário-de-benefício, mais 3% (três por cento) para cada novo ano completo de atividade abrangida pela previdência social urbana, até o máximo de 95% (noventa e cinco por cento), aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço”; O salário-de-benefício, por sua vez, correspondia à média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição do segurado, sendo que destes, apenas os vinte e quatro primeiros sofriam atualização monetária (art. 37, § 1º, do Decreto suso referido). Inexiste, portanto, qualquer norma legal amparando a pretensão do autor de ter seus proventos fixados no mesmo valor de seu salário-de-contribuição. Nesse sentido, destaco a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento da Apelação Cível 94.04.20108-1/RS, assim ementada: EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. CRITÉRIOS. 1. Inexistência de direito à identidade de valor entre o salário-de-contribuição e a renda mensal inicial do benefício. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 137 2. Apelo improvido. (Rel: Juiz Teori Albino Zavascki. Julgado em 25.10.94, à unanimidade. Publicado no D.J.U. nº 08, de 11.01.95, Seção II). Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, nos termos do art. 269, I do CPC, condenando o autor ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em 05% (cinco por cento) do valor da condenação. Custas na forma estatuída no art. 14, da Lei 9.289/96. P.R.I. João Pessoa, 12 de setembro de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 138 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba CONTRATO - CORREÇÃO MONETÁRIA Processo nº 00.04315-0 - AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA Autora: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF Ré: L.M.N SENTENÇA Vistos etc. A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, por advogado legalmente constituído(s) (fls. 06), propôs ação ordinária de cobrança contra LUIZ MOTTA NETO, também qualificado nos autos, objetivando a cobrança de Cz$ 8.407.254,25 (oito milhões, quatrocentos e sete mil, duzentos e cinqüenta e quatro cruzados e vinte e cinco centavos), valor histórico apurado em 17/julho/1987, com juros, correção monetária e cominações legais. 2. seguintes. Fundamentou o seu pedido no CPC, artigos 274 c/c o artigo 282 e 3. Na petição inicial (fls. 02/05), que trouxe aos autos documentação pertinente (fls. 06/81) à pretensão deduzida, alegou textualmente que: “Através de contrato, a SUPLICANTE abriu na sua agência Cidade Antiga, em 10.02.87, em nome do SUPLICADO, a c/c 001.1063-7 e em 13.04.87 na mesma conta foi efetivado um CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO EM CONTA CORRENTE, com limite de cz$ 10.000,00 (dez mil cruzados). (Doc. 01 a 03) O SUPLICADO extrapolando os limites de seu crédito e desrespeitando as cláusulas contratuais e disposições legais, efetuou até 29.05.87, na c/c 001.1063-7 saques na ordem de cz$ 5.775.804,18 (cinco milhões, setecentos e setenta e cinco mil, oitocentos e quatro cruzados e dezoito centavos) valor este que acrescido de juros e encargos financeiros, contratualmente estabelecidos, perfazem, conforme apuração em 17.07.87 no Proc. Administrativo 13.13.0110/87, a quantia de cz$ 8.407.254,25 (oito milhões, quatrocentos e sete mil, duzentos e cinqüenta e quatro cruzados e vinte e cinco centavos), assim discriminada: saldo apurado em 29.05.87 cz$ 5.775.804,18; juros: 2.600.951,60; IOF: 30.498,47; Dívida em 17.07.87: 8.407.254,25. O SUPLICADO para efetuar tal vultosa movimentação, agiu de forma indevida, ou melhor dizendo, ilícita. A partir de abril/87, começou a fazer depósitos de valores significativos mediante cheques de outras praças Belém/PA e Santa Inês/MA - emitidos por Moacir Ribeiro Júnior, Laércio Ronaldo Batista e Venildo Pereira dos Santos Júnior, sendo aqueles cheques sistematicamente devolvidos por falta de fundos. (Doc. 04 a 54) Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 139 Como para a prática desses atos, o SUPLICADO contou necessariamente com a participação de empregado da SUPLICANTE, esta instaurou processo administrativo nº 13.13.0110/87, a fim de apurar as responsabilidades pertinentes a qualquer empregado seu, nesses episódios.” 4. Pagas (fls. 71) as custas iniciais (Lei nº 6.032/74, RCJF, artigo 13, tab. I, nº II), foi determinada citação da R. (fls. 86), que ofereceu contestação (fls. 89/102), argüindo o seguinte: 4.1 - preliminarmente, a inépcia da inicial, por conter valores arbitrariamente atribuídos pela A., que não refletem os extratos de conta que instruem a postulação; 4.2 - ainda preliminarmente, impõe-se o chamamento para integrar a lide como litisconsortes passivos necessários dos emitentes de cheques mencionados na inicial, Moacir Ribeiro Júnior, Laércio Ronaldo Batista, Venildo Pereira dos Santos Júnior, Darlene do Socorro dos Anjos Azulay e a sociedade comercial INORFIL - Indústria e Comércio Representações Santa Inez LTDA; 4.3 - no mérito, a improcedência da ação, tendo em vista cobrança de valores indevidos. 5. Sobre a contestação, manifestou-se a A. (fls. 114/120), afirmando em essência que restaram incontestados os argumentos da inicial, vez que o R. limitou-se a questionar o valor cobrado. 6. Juntou à impugnação o original do contrato de abertura de crédito rotativo em conta corrente (fls. 121). 7. Facultada às partes a apresentação de provas, requereu o R. (fls. 123), a realização de perícia contábil; a A., por sua vez, pediu o depoimento pessoal do R., como também a juntada de cópia do Relatório Pericial efetuado nos autos da Ação Penal nº 672, em tramitação na 3ª Vara, desta Seccional. 8. Despacho posterior (fls. 126) deferiu o pedido da A. e intimou o R. a dizer se persistia o interesse na realização da perícia contábil. 9. Novo despacho (fls. 127) determinou à A. a apresentação do laudo pericial, do qual requereu juntada; o que foi atendido (fls. 128/158). 10. O R. insistiu (fls. 160) na realização da perícia contábil, a qual foi deferida (fls. 161), sendo determinada a indicação de perito e a intimação das partes a apresentarem assistentes técnicos. 11. O R. (fls. 165/169) e a A. (fls. 171/172), apresentaram assistentes técnicos e formularam quesitos para efetivação da perícia. 12. Nomeados (fls. 173) perito e assistentes técnicos e depósitada a verba honorária respectiva (fls. 186), foram os experts intimados a apresentarem pareceres técnicos, o que foi cumprido apenas pelo primeiro (fls. 191/194) e pela assistente técnica da A. (fls. 197/210). 140 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 13. Intimadas as partes sobre os laudos apresentados, a A. (fls. 212) manifestou concordância, enquanto que o R. (fls. 214) entendeu contraditórios alguns pontos dos ditos laudos, protestando por esclarecimentos em audiência (artigo 435, do CPC); o R. protestou ainda por depoimento pessoal de representante da A. (fls. 219), indicando o economiário RÔMULO A. GOMES DE LIMA, que, na ocasião dos fatos, ocupava a gerência da agência bancária. 14. Em seguida, manifestou-se o R. (fls. 227/228), sobre o documento (fls. 121) acostado aos autos pela A., reconhecendo ser o mesmo o Contrato de Abertura de crédito rotativo em conta corrente, porém, apontou diversas irregularidades, tais como a falta de registro em Títulos e Documento e finalizou desconsiderando tal documento como necessário para o deslinde da questão. 15. Após intimações (fls. 237 e 238), veio a audiência de instrução e julgamento (fls. 240/241), com o depoimento do representante legal da CEF, Rômulo Antônio Gomes de Lima, testemunha arrolada pelo R., que declarou, em síntese, que houve participação de empregado da CEF na conversão dos depósitos efetuados em cheque para dinheiro, permitindo o saque em prazo inferior ao determinado pelo Banco Central do Brasil e que o referido funcionário era o substituto legal do Gerente da Agência, no caso o depoente; disse ainda que o R. reconheceu a dívida, compareceu a Agência e se propôs a pagá-la, porém, oferecendo uma quantia inferior ao valor levantado pela CEF. 16. Em cumprimento a anterior despacho (fls. 242), certificou a secretaria (fls. 244) sobre o andamento da Medida Cautelar de Exibição de Documento (nº 00.4274-9), promovida pelo R. LUIZ MOTTA NETO contra a CEF, e da ação penal nº 00.0876-1, movida contra o mesmo LUIZ MOTTA NETO, sendo que a primeira encontra-se extinta e a segunda foi julgada procedente. 17. Sem mais incidentes, vieram-me os autos conclusos para decisão. Relatados. DECIDO. 18. De início, afasto as preliminares levantadas pelo R., diante das razões seguintes, todas de especial relevância em termos processuais: 18.1 - a inicial atendeu a todos os pré-requisitos de admissibilidade, ex vi do CPC, artigo 282, e além disso o R.não se insurgiu propriamente contra a dívida cobrada (=principal), mas sim contra o “demonstrativo de cálculo da dívida e dos encargos de conta” (sic), vale dizer, contra o acessório, não contra o principal; 18.2 - conseqüentemente, os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo informam a presente ação ordinária; 18.3 - não há carência da ação por parte da A., que demonstrou legítimo interesse na demanda; 18.4 - o litisconsórcio necessário preconizado pelo R. não procede porque, segundo alegou, os pretensos litisconsortes passivos são meros emitentes de cheques depositados pelo R. em conta corrente de que era (ele mesmo) o titular. 19. No mérito, a vexata quaestio implica saber se o R. efetuou saques na c/c nº 001.1063-7, aberta em agência bancária da A., a descoberto, ou seja, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 141 independentemente de provisão de fundos, já que o quantum antes referido - devidamente corrigido e atualizado - representa o valor pecuniário da demanda. 20. Na hipótese, irreleva perquirir quanto à alegada participação de empregado da A. nas operações bancárias efetuadas, já que esse aspecto refoge dos parâmetros desta ação de cobrança e, por outro lado, as jurisdições civil e criminal são independentes, donde descaber indagar quanto ao processo criminal em que o R. foi denunciado (fls. 98/127). 21. Mas, o que importa verificar é se houve os alegados saques a descoberto, o seu valor e a autoria desses mesmos saques; as afirmativas respostas a tais questionamentos constam principalmente: 21.1 - da prova documental (fls. 06/81). 21.2 - da prova pericial (fls. 91/194 e 197/210), destes autos. 22. Sim, essa prova pericial, cujo laudo do expert oficial (fls. 191/194) é por demais conclusivo, militando desfavoravelmente ao R., já que aponta os seguintes aspectos principais: 22.1 - o saldo devedor do extrato computadorizado corresponde ao saldo devedor com os depósitos em cheques não compensados; 22.2 - o saldo devedor corresponde ao disponível após a desconsideração dos depósitos em cheques não compensados; 22.3 - o R. utilizou crédito superior ao contratado com a A. e os cálculos efetuados por esta obedeceram aos termos do contrato firmado entre os litigantes; 22.4 - o R. efetivamente promoveu depósitos, em sua conta corrente, de cheques de terceiros, sem provisão de fundos; 22.5 - a A. não montou extrato paralelo da conta corrente 00.3180-4, ao contrário do pretendido pelo R; 22.6 - “a conta 003180-4 apresentava um saldo credor de cz$ 268,20 e a partir daquela data não houve mais movimentação. Exclareço que o saldo credor existente em 29.05.87 tinha como origem os depósitos em cheques de outras praças, que posteriomente foram devolvidos por insuficiência de fundos. Na devolução dos referidos cheques, os mesmos foram debitados na conta 1063-7 de Luiz Motta Neto, já que o saldo da conta 003180-4 era insuficiente para cobrir tais débitos. Este procedimento da CEF em debitar um cheque devolvido, na conta 1063-7, quando os mesmos foram depositados na conta 003180-4 é um tanto irregular, mas que em nada altera o resultado devedor nas duas contas, visto ser da mesma pessoa reponsável e demais circunstâncias inerentes ao processo.” (fls. 194, in verbis) 23. O laudo do assistente técnico da A. (fls. 197/210) não difere em essência do laudo do perito oficial, merecendo todavia expressa transcrição três quesitos formulados pelo R. e as respectivas respostas: “3º Quesito - À vista dos extratos de conta emitidos pelo Serviço de Processamento de Dados da CEF, lançamentos e registros contábeis, a CEF lançou na referida conta 1744-2, um cheque nominal a LUIZ MOTTA 142 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba NETO, de nº 636668, no valor de Cz$ 12.000.000,00 emitido por Laercio Ronaldo Batista, datado de 26.05.1987, contra o Banco do Estado de Goiás S/A, agênica Belém(PA)? Qual a natureza dessa conta? Resposta - Essa conta, conforme se constata pela denominação escrita no verso do cheque 636668, é puramente contábil, o que pode ser facilmente constatado se observarmos o Plano de Contas Contábil da CEF onde encontramos a referida Conta no Ativo Circulante, grupo Relações Interdepartamentais, no subgrupo Agências - Conta Movimento, cuja finalidade é registrar em caráter transitório o movimento das Fichas de Compensação em Trânsito entre a Unidade Centralizadora de Compensação e a Unidade da CEF, destinatária das referidas fichas, bem como registrar os cheques acatados no SIDEC (Sistema de processamento dos documentos de depósitos da CEF) na rotina de Compensação Antecipada e os cheques recebidos pelas Unidades Integradas de Compensação na troca local, com a finalidade de permitir a sumultaneidade de lançamentos na subconta ‘COMPENSAÇÃO’. O cheque nº 636668 no valor de Cz$ 12.000.000,00 foi contabilizado nessa Conta, tendo em vista a devolução por insuficiência de fundos de uma série de cheques de numeração seqüencial idêntica a este, possivelmente de um mesmo talonário, os quais tinham sido anteriormente depositados nas contas correntes do cliente LUIZ MOTTA NETO e de sua firma DON LUIGI COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES MOTTA NETO LTDA. Diante do ocorrido, a Unidade Financeira da CEF deduziu que possivelmente aquele cheque (636668) também poderia ser devolvido e assim, visando resquardar o patrimônio da CEF de conseqüências que certamente lhe trariam prejuízos, orientou a Agência para registro contábil do mesmo na rubrica 1744-2 COMPENSAÇÃO A CREDITAR - TRÂNSITO até que houvesse a compensação do referido documento, finda a qual o valor estaria disponível na conta corrente do cliente. Ressalta-se no entanto que o cheque nº 636668 foi devolvido pela compensação por Insuficiência de Fundos, confirmando assim a previsão feita pela Unidade Financeira da CEF e justificando as medidas tomadas no registro contábil do mesmo. 6º Quesito - Em 18.05.1987, a conta nº 1063-7, de LUIZ MOTTA NETO, apresentava saldo credor, de acordo com os elementos do Serviço de Processamento de Dados da CEF? Se positivo a resposta, qual o saldo naquela data? Resposta - De acordo com os extratos emitidos pelo Serviço de Processamento de Dados da CEF, em 18.05.1987 a conta nº 1063-7 de LUIZ MOTTA NETO apresentava um saldo credor no valor de Cz$ 19.392.291,87 (dezenove milhões, trezentos e noventa e dois mil, duzentos e noventa e hum cruzados e oitenta e sete centavos), embora que a quase totalidade desse valor se referisse a depósitos em cheques os quais estavam pendentes de confirmação por parte do Serviço de Compensação de Cheques. 8º Quesitos - Na movimentação da conta nº 1063-7, LUIZ MOTTA NETO fez todos os saques sobre os saldos efetivamente disponíveis? Resposta - Não. Durante o período de movimentação da conta nº 1063-7, LUIZ MOTTA NETO fez saques sobre Depósitos Bloqueados, cujos cheques depositados estavam pendentes de confirmação pelo Serviço de conpensação, podendo ser citados como exemplo os saques efetuados Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 143 nos dias 04,05 e 06.05.1987 através dos cheques nºs 981537 no valor de Cz$ 8.559.000,00 sacado sobre depósito bloqueado no valor de Cz$ 9.205.000,00; 981540, no valor de Cz$ 9.305.000,00 sacado sobre o depósito bloqueado no valor de 8.609.000,00 e o cheque nº 981583 no valor de Cz$ 8.610.000,00 sacado sobre depósito bloqueado no valor de Cz$ 8.000.000,00. Houve ainda alguns casos de Saque a Descoberto efetuados através de cheques compensados, como pode ser facilmente observado pelo Saldo Devedor apresentado na referida Conta nos dias 06, 08 e 09.04.1987 conforme extrato emitido pelo Serviço de Processamento de Dados da CEF.” 24. Desse mesmo laudo, merece transcrição, por oportuno, as respostas aos seguintes quesitos formulados pela própria A.: “1º Quesito - O saldo devedor constante do extrato computadorizado, coresponde ao saldo devedor com os depósitos em cheque não compensados? Resposta - Sim. No extrato emitido pelo Serviço de Processamento de Dados da CEF estão contidos todos os depósitos efetuados na conta nº 1063-7 titulada por LUIZ MOTTA NETO, portanto, no SALDO DEVEDOR constante do referido extrato estão incluídos os depósitos efetuados com cheques compensados e não compensados, bem como toda a movimentação da citada conta. Quando da montagem do extrato paralelo é que foram desconsiderados os depósitos cujos cheques não foram compensados, para efeito de apuração do Saldo Devedor real do cliente. 2º Quesito - O saldo devedor encontrado pela CEF corresponde ao saldo disponível após a desconsideração dos depósitos em cheques não compensados? Resposta - O SALDO DEVEDOR encontrado pela CEF, corresponde ao saldo contábil da conta, incluindo valores disponíveis e bloqueados, após serem desconsiderados os depósitos cujos cheques não foram compensados, isto é, que foram devolvidos, uma vez os mesmos tinham caráter meramente numérico, sem nenhuma expressão financeira, não representando recursos para a conta em questão, sendo apenas um jogo de cheques, tendo sido considerados apenas os depósitos em cheques efetivamente confirmados pelo Serviço de compensação. 8º Quesito - Os cálculos levados a efeito pela CEF obedeceram às normas internas da mesma e aos termos do contrato vigente entre a CEF e o cliente LUIZ MOTTA NETO? Resposta - Todos os cálculos foram efetuados de acordo com as normas internas estabelecidas pela CEF para as operações de Adiantamentos a Depositantes e Crédito Rotativo. Quanto aos cálculos relativos à operação Crédito rotativo, embora no contrato firmado entre a CEF e o cliente LUIZ MOTTA NETO estivesse estabelecido que a cobrança dos encargos seria efetuada de acordo com a variação da ORTN’s acrescida dos juros contratuais e do IOF, para efeito de cálculo desses encargos levamos em consideração as taxas de juros estabelecidas semanalmente para a operação, sendo aplicada a taxa de juros vigente na data da implantação da conta na sistemática de Crédito rotativo através do Serviço de Processamento de Dados. Vale ressaltar que a variação mensal da ORTN/ OTN na época, estava em torno de aproximadamente 20% e que este 144 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba parâmetro foi desconsiderado no cálculo dos encargos.” 25. Interessa aduzir que o assistente técnico do R. não apresentou o seu laudo técnico, conforme certificado nos autos (fls. 211). 26. O mesmo R., intimado (fls. 211) a falar sobre os laudos apresentados, apontou “desencontros nos mencionados laudos” (fls. 214), pediu esclarecimentos, mas não compareceu à audiência para tal fim designada (fls. 240/241). 27. Sem qualquer dúvida, o R. não desconstituiu a matéria de prova produzida pela A., demonstrada via documentos e perícia. 28. Isto Posto, fundamentado no artigo 201, do CPC, julgo procedente a ação para condenar o R. LUIZ MOTTA NETO pague à A. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL CEF, a importância de Cz$ 8.407.254,25 (oito milhões, quatrocentos e sete mil, duzentos e cinqüenta e quatro cruzados e vinte e cinco centavos), dos quais Cz$ 2.600.951,60 (dois milhões, seiscentos mil, novecentos e cinqüenta e um cruzados e sessenta centavos) correspondem a juros e Cz$ 30.498,47 (trinta mil, quatrocentos e noventa e oito cruzados e quarenta e sete centavos) correspondem a IOF, valores esses apurados até 17/julho/1987, devendo ser o total, a partir de então, acrescido de juros legais e correção monetária. 29. Condeno, ainda, o R. ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (CPC, artigo 20). 30. Custas, ex lege. 31. P. R. I. João Pessoa, 21 janeiro 1997. JOÃO BOSCO MEDEIROS DE SOUSA Juiz Federal da 1ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 145 INSS - REVISÃO DE BENEFÍCIO III Processo nº 37039 / AÇÃO ORDINÁRIA Autor: ANTÔNIO AUGUSTO SILVA Réu: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS SENTENÇA EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. Renda mensal inicial. Cálculo pela média dos últimos 36 salários de contribuição, corrigidos, mês a mês. CF/88, art. 202, caput e Lei nº 8.213/ 91, art. 41. Benefício concedido após a vigência do Novo Plano de benefícios da Previdência Social, com aplicação do critério de atualização monetária das contribuições. Teto-limite do salário-de-contribuição. Legalidade na fixação do limite máximo do salário-de-contribuição pelo INSS. Lei nº 8.213/91, arts. 29, § 2º, 33, caput, 53 e 135 e Lei 8.212/91 art. 28, § 5º. Inexistência de afronta ao art. 202, da Constituição de Federal de 1988. Paridade com o número de salários mínimos da época da concessão. Preservação do valor real do Benefício. Os arts. 194, IV e 201, parágrafo segundo da Constituição não asseguram a equivalência do benefício ao salário mínimo. Os critérios de preservação, em caráter permanente, do valor real, são os estabelecidos em lei ordinária. Primeiro reajuste. Índice proporcional. Súmula 260 do TFR e Portarias do INSS. O enunciado sumulado somente se aplica aos benefícios concedidos antes de outubro de 1988. Revogação da legislação que a suportava. Portarias editadas pela Previdência, após a vigência da Lei nº 8.212/91, determinando a aplicação de índices proporcionais aos meses em que o segurado estivesse em inatividade. Legalidade, em face da anterior correção dos salários-de-contribuição, com base na nova legislação e art. 201, parágrafo terceiro da CF/88. Proporcionalidade prevista expressamente no art. 41, II da Lei 8.212/91. A aplicação do índice integral representaria dupla correção. Improcedência do pedido. Vistos etc. ANTÔNIO AUGUSTO SILVA, devidamente qualificado(a) nos autos, titular 146 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba de benefício com data de início (DIB) após agosto de 1993, propõe contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS a presente ação ordinária objetivando a revisão do benefício percebido, com pedido de pagamento de diferenças atrasadas, acrescido dos encargos legais. Alega a petição inicial, em resumo, que: a) o autor contribuiu para a previdência social no limite de 18(dezoito) salários-mínimos, sem qualquer impugnação do INSS. Todavia, quando do cálculo para a concessão de seu benefício foi verificado o estabelecimento, ilegal e abusivo, pelo Institutopromovido de limites no salário-de-contribuição que refletiram, conseqüentemente, na definição do salário-de-benefício. Aduz, portanto, serem inconstitucionais os arts. 29, parágrafo 2º, 33, caput, 53 e 135 da Lei 8.213/91 e art. 28, § 5º da Lei 8.212/91, já que limitaram o salário-decontribuição e o salário-de-benefício, limitações estas não previstas na Carta Magna. b) quando da feitura dos cálculos da concessão inicial do benefício, estes não foram realizados de acordo com o que dispõe o art. 202, caput, da CF/88 c/c o art. 41, I e II da Lei 8.213/91, já que o INSS não corrigiu todos os 36 últimos salários de contribuição pelo INPC, calculado pelo IBGE; c) no primeiro reajuste do benefício, o Instituto-promovido aplicou índice proporcional, com base em portarias administrativas, em desrespeito aos ditames da Súmula 260, do extinto TFR; d) não vem sendo mantida a paridade inicial com o número de salários mínimos da época da concessão do benefício, em afronta ao princípio da preservação permanente do valor real, prevista no art. 201, parágrafo 2º da Constituição Federal. Requer a revisão do benefício e, ainda, que seja aplicada “por analogia a Súmula 71, do ex-TFR, correção monetária também de acordo com a Súmula 71, até o ajuizamento da ação, e desta data em diante pela Lei 6.899/81, incluindo-se, ainda, os índices inflacionários EXPURGADOS pelo Governo, de 84,32% em março/90, 44,50% em abril/90, 7,87% em maio/90 e 21,50% em fevereiro/91, medidos pela Fundação IBGE”. Citado, o INSS apresentou contestação, sustentando que o benefício do(a) promovente foi concedido já na vigência da Lei nº 8.213/91 e que a renda mensal inicial foi corretamente calculada, com atualização monetária dos 36 últimos salários de contribuição. Alega, ainda, que no caso sub examine, é inaplicável o contido na Súmula 260, do extinto TFR, conseqüentemente ficando sem amparo o pedido de paridade inicial da concessão do benefício. Não havendo o que revisar, pede a improcedência do pedido. O(A) autor(a) apresentou réplica à contestação. Determinada a especificação de provas, nada foi requerido, vindo-me os autos conclusos para julgamento. É o relatório. Passo a fundamentar e ao final DECIDO. 1 - DO TETO DO SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO: Afirma a petição inicial ser ilegal qualquer limitação, a título de teto, para Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 147 o salário-de-benefício. Ao proferir julgamento na ação ordinária nº 93.0004916-0, ajuizada por CLÓVIS EUGÊNIO OLIVEIRA MELO, este magistrado, em entendimento do qual atualmente se penitencia, decidiu pelo acolhimento de tese idêntica à ora debatida, em sentença assim ementada: “EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. TETO MÁXIMO APLICÁVEL À APOSENTADORIA. LEI Nº 8.213/91, ARTIGOS 29, § 2º E 33. Renda mensal inicial. Cálculo pela média dos últimos 36 salários de contribuição, corrigidos, mês a mês. CF/88, art. 202, caput. Autoaplicabilidade. Súmula 09, do TRF 5ª Região. Precedentes do Col.STF. Dispositivo constitucional que prevê todos os critérios para a fixação do valor inicial da aposentadoria. Inexistência de qualquer limitação. Inconstitucionalidade dos dispositivos de lei ordinária que fixam teto ao valor do salário-de-benefício”. Contudo, melhor estudando a matéria, cheguei a conclusão diversa. Na verdade, o legislador ordinário poderia perfeitamente estabelecer contingenciamento, notadamente quando resguardada a razoabilidade, como feito no parágrafo 2º do art. 29 da Lei 8.213/91, que, de modo perfeitamente lógico, estabeleceu a paridade com o próprio saláriode-contribuição, verbis: “Art. 29 (...) § 2º. O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição na data de início do benefício”. Assim como para o salário-de-benefício, a Lei nº 8.213 também estabeleceu o mesmo teto para a renda mensal inicial, em dispositivo que mantém a harmonia do sistema de equivalência entre o financiamento da seguridade e a contraprestação securitária: “Art. 33. A renda mensal do benefício de prestação continuada que substituir o salário-de-contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado não terá valor inferior ao do salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição, ressalvado o disposto no art. 45 desta Lei”. Nenhuma inconstitucionalidade reside naqueles dispositivos. Em alentada sentença sobre o tema, o eminente Juiz Federal Substituto, Dr. JOSÉ MANUEL ZEFERINO GALVÃO DE MELO, assim se pronunciou sobre o tema, inclusive acrescentando a inexistência de contradição com o disposto no art. 136 da Lei 8.213/91: “Na sua dicção, o art. 136 afastou a incidência de limites para cálculo do salário-de-benefício, sendo o valor deste, porém, ou seja, o valor final (que é coisa diversa), limitado ao do maior salário-de-contribuição (art. 29, § 2º).” 148 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Não há, já daí se observa, incompatibilidade entre os arts. 29, § 2º, e 136 da Lei 8.213, quando o primeiro reafirmou o limite máximo ao salário-de-benefício e este último aboliu a sistemática de limites dentro do próprio cálculo daquela base, tal como ocorria - e o exemplo deixa bem evidente a procedência do argumento - à luz dos arts. 23, inciso II, e 29, par.único, da CLPS (expedida com o Dec. 89.312/84). Em todo caso, considere-se ainda o disposto no art. 33 da mesma Lei 8.213, pelo qual a renda mensal inicial do benefício do Autor, de qualquer modo, não ultrapassaria o limite máximo do salário-de-contribuição. Nenhum processo hermenêutico, acrescente-se, autoriza dizer-se que o parágrafo 5º do art. 201 da Carta Federal, ao vedar valor de benefício inferior ao salário mínimo, tenha obstado, por isto, a fixação de limite máximo por norma infraconstitucional: desiderato daquele dispositivo foi, tão-somente, garantir aos beneficiários aquele mínimo condigno a sua subsistência. Correto, destarte, o procedimento da Autarquia Ré ao fixar o valor da renda mensal inicial, precisamente, em correspondência ao “teto” tantas vezes referido. Trata-se de controle atuarial que, de resto, dentro do sistema de custeio, implica em justiça distributiva, na medida em que garante a higidez do sistema como um todo, se bem que não atenda ao ideal dos segurados, como no caso em exame. WLADIMIR NOVAES MARTINEZ, que comenta lucidamente o Plano de Benefícios, anota muito bem esses dois pontos da questão, dizendo : “A partir da vigência da Lei nº 8.213/91, os coeficientes do segurado são aplicados diretamente ao valor do salário de benefício, não mais subsistindo os limites fixados no art. 23, II, b, da CLPS, nem o estabelecido no seu art. 25. O menor valor-teto desapareceu para todos os fins, mas o maior valor-teto, sob o título de limite do salário de benefício continua existindo, definido no art. 29, § 2º, do PBPS. Na verdade, sabendo o legislador dessa idealização (para contribuir quem adota uma certa base de cálculo espera receber um benefício aferido em função dessa mesma base de cálculo), em vez de antipaticamente reduzir a renda mensal inicial deveria aumentar a alíquota e preservar a correlatividade entre o salário de contribuição (base da contribuição) e o do salário de benefício (base do benefício). (autor citado, Comentários à Lei Básica da Previdência Social, LTR, 2ª edição, pg. 397/398).” De outra parte, em janeiro de 1992 já incidia a regra, específica aos benefícios, do art. 41 da Lei 8213, por cujo inciso II as rendas mensais seriam reajustadas pela variação do INPC e não do salário mínimo, donde a impertinente invocação, para a hipótese, do art. 20 da Lei 8212: o art. 58, in fine do ADCT, aliás, foi expresso em que a paridade do valor dos benefícios com o número de salários-mínimos vigeria até a implantação do Plano de Benefícios, o que ocorreu, em definitivo, com o Decreto 357, de 07.12.91. Finalmente, observa-se do demonstrativo de fls. 10 que foi obedecido, na revisão procedida, o § 3º ao art. 201 da Carta Federal, posto que todos os salários-decontribuição foram considerados e devidamente corrigidos. (Sentença proferida em 17.5.95, nos autos da ação ordinária 94.00044828- 6ª Vara-PE). Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 149 É, portanto, perfeitamente válido o limite máximo previsto em lei. 2. DA CONCESSÃO INICIAL DO BENEFÍCIO: O(A) autor(a) pretende, ainda, que, ao cálculo da renda mensal inicial do benefício de que é titular, seja aplicada a correção monetária dos 36 últimos salários de contribuição, pelos índices do INPC. Entretanto, restou demonstrado, por documento elaborado pela DATAPREV que, ao benefício em análise, concedido após agosto de 1993, a Previdência aplicou a correção monetária das 36 últimas contribuições, em obediência ao disposto na Constituição Federal de 1988, artigo 202, e na Lei nº 8.212/91. Ressalte-se que não se discute, no caso, sobre a auto-aplicabilidade ou não da regra constitucional, por se tratar de benefício posterior à regulamentação do art. 202, caput, da Constituição. Não há o que revisar. Não restou demonstrado que o benefício não tenha sido corretamente calculado, ressalvando-se a possibilidade de existência de algum erro material que poderá, a qualquer tempo, ser retificado. 3. DA SÚMULA 260: Requer o(a) autor(a) a aplicação da Súmula 260 do Tribunal Federal de Recursos, que determinava: “Súmula 260. No primeiro reajuste do benefício previdenciário, deve-se aplicar o índice integral do aumento verificado, independentemente do mês da concessão, considerado, nos reajustes subseqüentes, o salário mínimo então atualizado”. Aquela construção jurisprudencial surgiu em interpretação da legislação que, à época, disciplinava os reajustes dos benefícios previdenciários. O Decreto-Lei nº 2.171, de 13 de novembro de 1984, então vigente, alterou a sistemática prevista no art. 25 da CLPS (Dec. 89.312/84). O critério passou a ser o da “política salarial”. Determinava o D.L. 2.171/84: “Art. 1º. O reajuste dos benefícios de média ou longa duração a cargo da Previdência Social far-se-á sempre que for alterado o salário mínimo, sendo devido a contar da data em que este entrar em vigor. Art. 2º. Os índices de reajustamento serão os mesmos da política salarial, considerando-se como mês básico o do início da vigência do novo salário mínimo. § 1º Para fins de enquadramento do valor do benefício nas faixas adotadas pela política salarial será considerado, a partir da vigência do presente Decreto-Lei, o novo salário mínimo”. O critério previsto no referido Decreto-Lei foi estendido aos benefícios relativos ao período de novembro de 1979 a maio de 1984, em razão da Lei nº 7.604, de 28 de maio de 1987. Todavia, aquela legislação, que suportava a interpretação dada pela Súmula 150 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 260, no que tange à forma de reajuste dos benefícios, foi derrogada pela Constituição Federal de 1988. Com efeito, determina o art. 58 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Art. 58. Os benefícios de prestação continuada, mantidos pela previdência social na data da promulgação da Constituição, terão seus valores revistos, a fim de que seja restabelecido o poder aquisitivo, expresso em número de salários mínimos, que tinham na data de sua concessão, obedecendose a esse critério de atualização até a implantação do plano de custeio e benefícios referidos no artigo seguinte”. Desse modo, somente então, instaurou-se a equivalência entre os reajustes do salário mínimo e dos benefícios previdenciários, a partir de abril de 1989, até a efetiva implantação da Lei nº 8.213/91, em janeiro de 1992, nos termos do art. 58 do ADCT. Ressaltese que anteriormente, mesmo na vigência da Súmula 260, o critério de reajuste era a “política salarial”, o que não implicava em equiparação ao salário mínimo. Se não bastasse a derrogação dos antigos critérios de reajustamento pela CF/88, toda a legislação que suportava o enunciado da Súmula 260 do TFR (art 89 do Decreto nº 89.312/84; Lei 3.807/60; Decreto 83.080/79 e Decreto 2.171/84; art. 153 do RBPS), encontra-se inteiramente revogada pelas Leis 8.212/91 e 8.213/91. No caso em julgamento, o benefício do(a) autor(a) foi concedido, inclusive, após outubro de 1988, não se podendo sequer falar em eventuais diferenças, anteriores ao novo texto constitucional. Improcede, portanto, o pedido de reajuste, na forma da Súmula 260, em face daquele enunciado não mais vigorar, desde o advento da Constituição Federal de 1988. 4. DAS PORTARIAS QUE INSTITUÍRAM CRITÉRIOS PROPORCIONAIS: Sustenta a petição inicial que, quando do primeiro reajuste, deveria ter sido aplicado o “índice integral”, da variação do INPC. Seriam ilegais as Portarias que instituíram critérios proporcionais, ou fatores de redução para o indexador. Ocorre que é o próprio art. 41, II, da Lei nº 8.213/91, que introduz um critério, que não constitui um “fator de redução”, mas um mecanismo para que se evite mais de uma atualização, verbis: “Art. 41. O reajustamento dos valores de benefícios obedecerá às seguintes normas:(...) II- os valores dos benefícios em manutenção serão reajustados, de acordo com suas respectivas datas de início, com base na variação integral do INPC, calculado pelo IBGE, nas mesmas épocas em que o salário mínimo for alterado, pelo índice da cesta básica ou substituto eventual”. Logo, não se estabeleceu qualquer REDUÇÃO do valor real do benefício, em função da data da sua concessão. Pelo contrário, a aplicação proporcional do INPC é mesmo necessária, de modo a que, no cálculo do benefício, não incida dupla correção. Isto porque, o período anterior à data da concessão já fora corrigido, quando da fixação da renda mensal inicial, em atendimento ao disposto no art. 201, parágrafo 3º da Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 151 Constituição Federal,que determina a correção de todos os salários de contribuição computados no cálculo do benefício. Logo, ao se computar novamente o INPC do período anterior (já levado em consideração no cálculo do benefício), ocorreria dupla correção, em intolerável bis in idem. Nesse sentido, registro precedente da eg. 3ª Turma do eg. TRF - 5ª Região, em Acórdão da lavra do eminente Juiz Ridalvo Costa: “EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. REAJUSTE DE BENEFÍCIO. LEI 8.213/ 91, ART. 41, II. PROPORCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. - O critério de reajuste previsto na Lei 8.213/91, art. 41, não implicou em proporcionalidade, uma vez que o período anterior já foi devidamente corrigido em função do art. 201, parágrafo 3º da CF/88. - Apelação improvida”. (Dec. unân. 3ª Turma, TRF-5ª Região. Juiz Rel. Ridalvo Costa, na AC nº 77922-PE, julgamento em 18.05.95). Desse modo, as Portarias da Previdência foram editadas com base na legislação previdenciária, que não padece de qualquer inconstitucionalidade. A situação é distinta da que ocorria quando da vigência da Súmula 260, quando os critérios de PROPORCIONALIDADE eram MERAMENTE ADMINISTRATIVOS, sem base em qualquer lei. 5. DA PARIDADE COM O SALÁRIO MÍNIMO / DO SISTEMA ATUAL DE REAJUSTE: Pretende a inicial que, mesmo após a vigência do Novo Plano de benefícios da Previdência Social, mantenha-se a paridade do benefício com o número de salários mínimos da época da concessão. Não existe, porém, óbice constitucional em que a legislação ordinária fixe indexador para os benefícios previdenciários, distinto da variação do salário mínimo, já que o critério previsto no art. 58 do ADCT foi provisório. A Constituição Federal não vincula os benefícios mantidos pela Previdência Social aos percentuais ou às datas de reajuste do salário mínimo. A majoração do salário mínimo somente é relevante em relação aos benefícios de prestação mínima, em face da regra de que “Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho terá valor mensal inferior ao salário mínimo” (CF, art. 201, § 5º). Quanto aos demais, é a lei ordinária que fixa as épocas e índices para a recomposição, desde que mantido o “VALOR REAL” do benefício (CF, art. 201, § 2º). Não há que se falar em direito adquirido, já que o art. 58 do ADCT contém disposição expressa quanto à sua provisoriedade. Os critérios adotados pelo legislador ordinário, até o momento, são baseados em indexadores da economia, não havendo, portanto, violação à regra da preservação permanente do poder de compra: 152 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 1º) A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, em obediência aos dispositivos constitucionais já mencionados, definiu como critério de reajuste a variação do INPC, calculado pelo IBGE (art. 41,II). Correspondendo à inflação do período, mantém, sem dúvida, o “valor real do benefício”, estando o art. 41 do Plano de Benefícios em perfeita harmonia com a exigência contida no art. 201, § 2º, da CF/88. 2º) A partir de janeiro de 1993, o reajuste passou a seguir a variação do IRSM, nos termos da Lei nº 8.542/92, conforme autorização contida no art. 41, § 1º, da Lei 8.213/91. 3º) Com a instituição da Unidade Real de Valor-URV, os benefícios passaram a ser revistos de acordo com os critérios da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994, em que se converteu a Medida Provisória nº 434, de 27 de fevereiro de 1994. Determina o art. 29 daquele diploma legal, verbis: “Art. 29. O salário mínimo, os benefícios mantidos pela Previdência Social e os valores expressos em cruzeiros nas Leis nº 8.212 e nº 8.213, ambas de 1991, serão reajustados, a partir de 1996, inclusive, pela variação acumulada do IPC-r nos doze meses imediatamente anteriores, nos meses de maio de cada ano. § 1º Para os benefícios com data de início posterior a 31 de maio de 1995, o primeiro reajuste, nos termos deste artigo, será calculado com base na variação acumulada do IPC-r entre o mês de início, inclusive, e o mês imediatamente anterior ao reajuste. § 3º O salário mínimo, os benefícios mantidos pela Previdência Social e os valores expressos em cruzeiros nas Leis nº 8.212 e nº 8.213, ambas de 1991, serão reajustados, obrigatoriamente no mês de maio de 1995, em percentual correspondente à variação acumulada do IPC-r entre o mês da primeira emissão do Real, inclusive, e o mês de abril de 1995, ressalvado o disposto no § 6º. § 4º Para os benefícios com data de início posterior à primeira emissão do Real, o reajuste de que trata o parágrafo anterior será calculado com base na variação acumulada do IPC-r entre o mês de início, inclusive, e o mês de abril de 1995”. Assim sendo, o critério legal passou a ser o de reajuste, em maio de cada ano, a partir de maio de 1995, pela variação acumulada do IPC-r, nos doze meses anteriores, ou entre a data da concessão e a data-base, se recente o benefício. 4º) Com o advento do atual padrão monetário, através da Medida Provisória nº 542, de 30.6.94 (sucessivamente reeditada), foi observada a PARIDADE prevista no art.1º, § 3º daquele diploma, sendo a APOSENTADORIA mantida “congelada”, até maio de 1995, quando houve o primeiro reajuste dos benefícios previdenciários, pela variação acumulada do IPC-r. Em resumo, a Súmula 260, cuja aplicação é pleiteada na inicial, não mais prevalece desde a efetiva implantação do art. 58 do ADCT. A revisão, procedida pelo INSS, com base naquele dispositivo transitório, foi realizada administrativamente. Não se Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 153 pode falar sequer em eventual diferença, com base na Súmula 260, já que o benefício do autor foi concedido após a vigência do art. 58 do ADCT. Atualmente, o salário mínimo não mais é utilizado como referência para os reajustamentos dos benefícios previdenciários. A preservação, em caráter permanente, do valor real do benefício, não significa paridade com o número de salários mínimos da época da concessão. As Portarias editadas pelo INSS encontram fundamento no art. 41, II da Lei nº 8.213/91 e não constituem expurgo de índices de correção, mas apenas uma forma de evitar a dupla correção, tendo em vista que os salários-de-contribuição já são atualizados, com base na nova legislação previdenciária e art. 201, parágrafo 3º da CF/ 88. Não foi indicada qualquer defasagem a reparar. Não se demonstrou que a autarquia venha mantendo a prestação do benefício, em desacordo com a legislação vigente. Por fim, no que tange ao requerimento de aplicação, quando da atualização monetária dos atrasados, do critério contido na Súmula 71, do ex-TFR, bem como a inclusão dos índices inflacionários expurgados pelo Governo, de 84,32%, 44,50%, 7,87% e 21,50%, fica prejudicado em face da improcedência total do pedido. ISTO POSTO, julgo improcedente o pedido, condenando o(a) autor(a) nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, devidamente corrigido. PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE. Campina Grande, 02 de outubro de 1996. ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA Juiz Federal da 4ª Vara/PB 154 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba PENSÃO - DIREITO DA COMPANHEIRA Processo Nº 96.03798-1 / AÇÃO ORDINÁRIA Autora: MARLI DAS NEVES BANDEIRA Réu: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL SENTENÇA EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO ANTERIOR À LEI 5.890/73. DIREITO DA COMPANHEIRA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA AUTARQUIA RÉ NA IMPLANTAÇÃO DA PENSÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO, COM ARRIMO NO ART. 159 DO CÓDIGO CIVIL, POSTO QUE O NÃO DEFERIMENTO DA PENSÃO POR MORTE, NA VIA ADMINISTRATIVA, POR SI SÓ, NÃO GERA DIREITO À INDENIZAÇÃO, PRIMEIRO PORQUE CONTROVERTIDA A MATÉRIA, SEGUNDO PORQUE NÃO APONTADA QUALQUER ILICITUDE NO AGIR DA ADMINISTRAÇÃO. Juros de mora, à base de 1% ao mês, desde a data do débito. Precedentes do Eg. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Juros compensatórios indevidos por falta de amparo legal e não se enquadrar a hipótese sub judice na construção jurisprudencial (desapropriação direta e indireta). Correção monetária, a partir do requerimento administrativo, com base na Lei 8.213/91, com a redação dada pela legislação superveniente. MARLI DAS NEVES BANDEIRA, qualificada na inicial, ajuizou ação de rito ordinário, cumulada com pedido de tutela antecipatória, contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, objetivando a condenação da autarquia ré na implantação da pensão por morte de seu ex-companheiro e segurado obrigatório da Previdência Social, ALFREDO MARQUES DA SILVA, acrescida a condenação do pagamento de todos os valores que deixaram de ser pagos, desde o requerimento administrativo, mais juros moratórios e compensatórios, à base de 1% ao mês, desde a lesão do direito e correção monetária. Pediu, ainda, indenização correspondente a um salário mínimo pelo período que deixou de auferir a prestação, a teor do art. 159 do Código Civil, custas, verba honorária e, por fim, a gratuidade judiciária. Sustenta, que na qualidade de ex-companheira do falecido servidor da Prefeitura Municipal de João Pessoa, ALFREDO MARQUES DA SILVA, requereu, administrativamente, pensão por morte do ex-companheiro, restando o pedido sem apreciação pela Administração até a data do ajuizamento desta ação. Aduz, ainda, que intentou Justificação Administrativa, com o fim de provar a união estável com o de cujus e sua dependência econômica, também sem solução, daí haver ingressado com pedido de Justificação Judicial, distribuída a esta 3ª Vara, onde ouvidas Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 155 as testemunhas do fato. Por fim, aduz que além da prova testemunhal, há prova material da união estável, como se vê da certidão de nascimento da filha que teve com o ex-segurado, ANA LÚCIA MARQUES DA SILVA. Instruiu a petição inicial com procuração, autos da Justificação Judicial, certidão de nascimento, petição inicial da Justificação Administrativa de fls. 08 a 31. Em juízo de admissibilidade da ação, determinei a emenda à inicial, para que a autora trouxesse aos autos prova de que requisera o benefício junto ao INSS. Cumprida a determinação, conclusos os autos, em decisão fundamentada às fls. 42/45, deferi a tutela antecipatória, em parte, no sentido de determinar ao INSS a implantação da pensão por morte à autora. Regularmente citado, o Instituto Nacional do Seguro Social não contestou o feito. Expediente de fls. 51/53, da Procuradoria Autárquica, noticia o cumprimento da decisão. Às fls. 54/63 apresentou a autarquia ré cópia da petição de agravo de instrumento interposto contra a decisão concessiva da tutela. Comunicação do Eg. Tribunal Regional Federal da Quinta Região, às fls. 67/72, acerca do recebimento do recurso, sem pedido de liminar, solicitando informações. Informações prestadas (fls. 73/77), e tratando-se de matéria predominantemente de direito, passo ao julgamento antecipado da lide. DECIDO. Observo que a autora requereu os benefícios da justiça gratuita, não enfrentado quando do despacho inicial, pelo que o examino neste ato, deferindo-o, à luz da Lei 1.060/50. No mérito, trata-se de pedido de pensão por morte requerida por excompanheira de segurado da Previdência Social, morto em 1959, não solucionado na via administrativa. O feito não foi contestado. Porém, segundo se depreende da cópia da petição de agravo de instrumento junta aos autos às fls. 60/63, o obstáculo ao reconhecimento do pedido, deve-se ao fato de que, à época do óbito do segurado instituidor da pensão, a legislação básica da Previdência não contemplava a companheira como beneficiária de pensão. Este o único óbice levantado em desfavor do pedido, restando incontroversos a convivência entre a autora e ex-segurado, em estado more uxorio, durante longos anos e sua dependência econômica, fatos, ademais, sobejamente demonstrados em prova documental e testemunhal produzida na Justificação Judicial que instrui os pedidos. Examinemos, pois, a lei de regência vigente no tempo do óbito, o Decreto nº 32.667, de 01.05.53, art. 136, verbis: “Art. 136 - Para os efeitos deste Regulamento, consideram-se dependentes do segurado, na seguinte ordem de preferência: 156 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba a) a esposa, o marido inválido, os filhos de qualquer condição, quando inválidos ou menores de 18 (dezoito) anos e as filhas solteiras de qualquer condição, quando inválidas ou menores de 21 (vinte e um) anos; b) a mãe e o pai inválido, os quais poderia, mediante declaração expressa do segurado, concorrer com a esposa ou esposo inválido; c) os irmãos inválidos ou menores de 18 (dezoito) anos e as irmãs solteiras, quando inválidas ou menores de 21 (vinte e um) anos; § 1º - A dependência econômica das pessoas indicadas e das demais enumeradas deve ser comprovada. § 2º - Em falta de dependentes enumerados na alínea “a” deste artigo poderá o segurado inscrever, para fins de percepção de benefício, pessoa que vive sob sua dependência econômica e que, por sua idade, condição de saúde ou encargos domésticos, não possa angariar meios para seu sustento. § 3º - Não existindo a declaração que alude o parágrafo anterior, servirá para comprovar a condição de dependente a designação constante da carteira profissional. § 4º - A existência de dependente de uma das classes exclui do benefício os das classes subseqüentes, ressalvada a hipótese da alínea “b” deste artigo.” Como se vê dos dispositivos acima transcritos, a lei vigente à data do óbito do instituidor da pensão, não contemplava, expressamente, a companheira, no rol de dependentes do segurado, ignorando-a enquanto realidade de fato. A norma, é cediço, não disciplina com instantaneidade as relações sociais em constante mutação. Mas não se pode, entretanto, negar à companheira seu direito ao benefício, à luz da norma acima referida, posto que esta mesma norma contempla a pessoa que vive sob a dependência econômica do segurado. Em outras palavras, a companheira, a sociedade de fato que a realidade social brasileira de há muito conhece, mas que à época, o ordenamento jurídico preferiu ignorar até o advento da Lei 5.890, de 08.06.73, que veio garantir o direito à percepção de pensão por morte à companheira. Com o advento da Constituição Cidadã de 1988, restou superada toda e qualquer possibilidade de interpretação restritiva da norma, garantida a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. Daí a Lei nº 8.213/91, em sintonia com a nova ordem constitucional, também assegurar, em seu art. 16, o direito da companheira, como beneficiária do Regime Geral da Previdência Social, na condição de dependente do segurado. Dependência essa, ressalte-se, presumida, por força de lei. Por último, ressalto que o conflito sub judice não é estranho ao Judiciário, que, em inúmeros julgados, interpretando teleologicamente a norma, tem prestigiado a união estável do homem e da mulher, concluindo pelo direito próprio da companheira aos benefícios previdenciários, a despeito de não encontrar amparo expresso na legislação de regência à época do óbito do instituidor do benefício. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 157 Destaco, entre inúmeros, o acórdão adiante ementado, da lavra do eminente JUIZ CASTRO MEIRA: “PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO. COMPANHEIRA. ÓBITO ANTERIOR À LEI 5.890/73. - A ocorrência de óbito anterior à vigência da Lei 5.890/73 não é óbice à concessão de pensão à viúva que conviveu mais de dez anos com o segurado sob sua dependência. - Todavia, havendo sido deferido o benefício em favor de seus filhos menores, determina-se que o pagamento se dê proporcionalmente, a medida que cada um atinja a maioridade, ressalvadas as parcelas já atingidas pela prescrição. - Apelação parcialmente provida”. (Apelação Cível nº 0508237-CE, 1ª Turma, TRF 5ª Região, Coleção JURISCD, 1ª EDIÇÃO). Aliado ao fato de restarem incontroversas a convivência em estado more uxorio e a dependência econômica, há prova nos autos de que a autora era companheira do ex-segurado, ALFRÊDO MARQUES DA SILVA, com quem teve uma filha, hoje maior, de nome Ana Lúcia Marques da Silva, como se vê da certidão de nascimento de fls. 21, tendo sido declarante o próprio genitor. Prova material que por si só, já dá um grau de probabilidade máxima da relação marital entre a autora e o segurado, reforçada, inclusive, pela prova testemunhal produzida na Justificação Judicial que instrui a peça vestibular (fls. 15 a 31), harmônica e rica de detalhes quanto à existência da relação marital por muitos anos e a dependência da autora ao então segurado da Previdência. Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido de condenação do INSS na implantação da pensão por morte, requerida por MARLI DAS NEVES BANDEIRA. Condeno, ainda, a autarquia ré no pagamento das parcelas vencidas, a partir do requerimento administrativo, em 23.05.95, protocolado sob o nº 35172.002225/95-01 (fls. 36), até a data da efetiva implantação da pensão, acrescidas de juros de mora, à base de 1% ao mês, a partir do requerimento administrativo (AC 19973-PE, Rel. JUIZ MANOEL ERHARDT, unânime, AC 32812-PE, Rel. JUIZ JOSÉ DELGADO, unânime). Incabíveis os juros compensatórios, por falta de amparo legal e por não se enquadrar a hipótese sub judice nos casos abrangidos pela construção jurisprudencial (desapropriação direta e indireta). A correção monetária deve ser calculada, a partir do requerimento administrativo, pelos índices definidos na Lei 8.213/91, com a redação dada pela legislação superveniente. Quanto ao pedido de indenização, julgo-o improcedente, posto que o não deferimento da pensão por morte, na via administrativa, por si só, não gera direito à indenização, primeiro porque controvertida a matéria, segundo porque não apontada qualquer ilicitude no agir da Administração, que, vinculada ao princípio da legalidade, interpretou a norma como se lhe apresentou como dever. 158 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Dado que o pedido da autora não foi inteiramente acolhido, mas levando em consideração o trabalho do seu patrono, que incluiu seu acompanhamento na via administrativa, ajuizamento de justificação judicial, resposta ao recurso de agravo de instrumento, e porque aplicável à hipótese o § 4º do art. 20 do CPC (STJ, 1ª, RESp 12.077RJ,DJU 21.10.91, pág.14.732), fixo a verba honorária em 12% sobre o valor da condenação, assim distribuída: 10% a ser suportada pela autarquia ré e 2% pela autora. Sem custas adiantadas a ressarcir. P. R. I. João Pessoa, 16 de setembro de 1996. CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ Juíza Federal Substituta da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 159 INSS - REAJUSTE DE BENEFÍCIO Processo Nº 96.00990-2 / AÇÃO ORDINÁRIA Autor: EDNALDO CARDOSO DA SILVA Réu: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL SENTENÇA EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. Reajuste de benefício previdenciário para manutenção da equivalência entre o número de salários mínimos a que correspondia a RMI na data da concessão. Prescrição qüinqüenal. Obediência ao princípio constitucional da preservação do valor real. Interpretação dos arts. 194, IV, 201, § 2º e 202, todos da Constituição Federal. Resíduo da correção monetária dos 147,06%. Juros de mora, a base de 1% ao mês, a partir do vencimento da dívida, dada sua natureza alimentar. Correção monetária. Aplicação da Lei 6.899/81, quanto aos índices, com marco inicial a partir do vencimento da dívida. Procedência dos pedidos. EDNALDO CARDOSO DA SILVA, qualificado na petição inicial e documentos que a instruem, ajuizou ação de rito ordinário contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, objetivando sua condenação na revisão de seu benefício para preservar, em caráter permanente, o valor real que tinha na data da concessão, a partir de abril de 1989, com o pagamento das parcelas vencidas e vincendas atualizadas monetariamente, com base na Lei nº 6.899/81, a partir do pagamento frustado e juros moratórios, à base de 1% ao mês, a partir da lesão do direito. Pediu, ainda, a condenação da autarquia ré no pagamento do resíduo da correção monetária sobre as parcelas atrasadas dos 147,06%, verba honorária e ressarcimento de custas. Sustenta, em resumo, na bem elaborada petição inicial, o decesso em seus proventos, desde a revisão procedida com o advento da Lei 8.213/91, em afronta flagrante aos princípios constitucionais da irredutibilidade de proventos e seu reajuste para manutenção, em caráter permanente, do valor real, com apoio nos arts. 194, inc. IV, §§ 2º e 3º do art. 201, 202, todos da Constituição Federal, além de precedentes jurisprudenciais do Cl. Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais. Instruiu a inicial com procuração e documentos de fls. 18 a 22. Regularmente citado, o Instituto Nacional do Seguro Social contestou o feito, argüindo, preliminarmente, carência de ação, em face da impossibilidade jurídica do pedido e, no mérito, a prescrição qüinqüenal e improcedência do pedido, por não restar violado o princípio da manutenção do valor real do benefício ou reajuste proporcional, uma vez que obedecidos aos comandos da Lei 8.213/91 e alterações. 160 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Sem impugnação à contestação e tratando-se de matéria eminentemente de direito, DECIDO. Sustenta a autarquia ré, em preliminar, que o autor é carecedor do direito de ação, face a impossibilidade jurídica do pedido. Não tem razão. O direito à revisão dos benefícios previdenciários, para manutenção, em caráter permanente, do seu valor real, está previsto, expressamente, no art. 201, § 2º, da Constituição Federal, daí resultar que o pedido é juridicamente possível, por fundado, em tese, no ordenamento jurídico vigente. Rejeito, portanto, a preliminar levantada. Os benefícios previdenciários, em face de sua natureza alimentar, são imprescritíveis, daí só se haver falar em prescrição das parcelas anteriores ao qüinqüídio do ajuizamento da ação. No mérito, pede o autor o reajuste de sua aposentadoria para preservação do valor real, com arrimo nos arts. 194, inc. IV e 201, § 2º, da Constituição Federal. Segundo análise dos documentos que instruem a inicial, está a situação do autor em confronto com o direito adquirido na data da concessão de seu benefício, tomandose por critério o preconizado no art. 58, do ADCT: NOME EDNALDO CARDOSO DA SILVA VALOR DO BENEFÍCIO NA DATA DA CONCESSÃO, EM NÚMERO DE SALÁRIOS MÍNIMOS .................................................................................... 4,88 VALOR DO BENEFÍCIO EM SETEMBRO/95 ............................................................................................ 4,06 Em casos semelhantes a este, vinha julgando improcedente o pedido, por entender que o reajuste dos benefícios previdenciários pelo mesmo índice de aumento do salário mínimo, de forma a manter a equivalência inicial, constituiria direito assegurado somente no período compreendido entre abril/89 e a implantação dos novos Planos de benefícios da Previdência Social, conforme determinação contida no art. 58, do ADCT. Pautava-me no entendimento de que a própria Constituição havia remetido ao legislador ordinário a fixação dos critérios para preservação do valor real, daí não ter vislumbrado pela aplicação dos sucessivos índices (INPC, IRSM, IPCr, IGP-DI), a alegada ofensa aos arts. 194, IV e 201, § 2º, da Constituição Federal. Tal entendimento, hoje, não se me afigura o mais correto, diante da triste realidade que aflige todos os “beneficiários” da Previdência Social - a perda do poder aquisitivo dos proventos, em face da aplicação de índices de inflação, que apenas lhe recompõem, parcialmente, o valor, como bem demonstra o quadro acima. Tantos índices e tantos os critérios diferenciados para sua aferição, não conseguiram registrar a perda real da expressão monetária frente à inflação, é um fato. De conseqüência, o repasse da variação de preços para os benefícios, não lhes protegeu da corrosão provocada pelo processo inflacionário. A título de ilustração, cite-se o ocorrido no mês de janeiro/89, em que o INPC foi 35,48%, e o IPC, 70,28%. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 161 A preservação do valor real dos benefícios está constitucionalmente garantida aos segurados da Previdência Social, não podendo tal garantia ser violada ou reduzida, de forma direta ou indireta, pela legislação infraconstitucional, como bem decidiu a MM. JUÍZA LUÍSA DIAS CASSALES, em acórdão, assim ementado: “PREVIDENCIÁRIO. REAJUSTE DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PROPORCIONALIDADE. SUM-260 / TFR. 1. O REAJUSTE DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVE MANTER O VALOR REAL DA ÉPOCA DA APURAÇÃO DA RMI. O PRINCÍPIO DO REAJUSTAMENTO PROPORCIONAL CAUSA DEFASAGEM NO VALOR REAL DO BENEFÍCIO, MOTIVO PELO QUAL DEVE ELE SER FEITO NA FORMA ESTABELECIDA PELA SUM-260 / TFR.” (AC NUM:0452311 ANO:94 UF:RS TURMA:05 REGIÃO:04, DECISÃO:0903-1995, In Coleção JURIS-CD, 9ª EDIÇÃO) Creio, portanto, que a melhor exegese é aquela que aponta para a preservação do número de salários mínimos que tinha o benefício na data da sua concessão, por ser este PISO o tradutor do mínimo do VALOR REAL prescrito no art. 201, § 2º, da Constituição Federal; o critério que, até alteração da legislação infraconstitucional reguladora dos reajustes, melhor atende aos princípios constitucionais da irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 194, IV) e o seu reajuste para preservação, em caráter permanente, do valor real. Nesse sentido, colho trecho do voto do Eminente JUIZ PETRUCIO FERREIRA, nestes termos: “Não se discute que o art. 58 do ADCT determinou a atualização dos benefícios por equivalência ao número de salários mínimos até a implantação do Plano de Custeio e Benefícios e, também, que o salário mínimo não possa ser utilizado como índice para qualquer efeito, ante a vedação do art. 7º, IV do Texto Constitucional, entretanto, não podemos fechar os olhos diante do princípio da preservação do valor real do benefício, prevista, também, no referido texto, diante da solicitação em juízo de aposentados que perderam o poder aquisitivo dos seus proventos, apesar da aplicação do INPC, posto que houve redução do número de salários mínimos que percebiam na data de sua concessão. Se todos concordam que o salário mínimo é um valor insuficiente para a subsistência humana diante da realidade econômica brasileira, como poderemos concordar que uma parcial atualização diminua, ainda, mais o seu poder real, respeitandose apenas o limite de tal defasagem o fato de não ser inferior a um salário mínimo. Importa posicionar-se no sentido de que ocorrendo um novo índice específico que, em sua aplicação, não preserve o valor real do benefício, há de proceder-se à devida atualização, observando-se o limite mínimo que seria a equivalência em salários mínimos. Tal preocupação com a conservação do valor real do benefício está prevista no § 2º do art. 41 da lei nº 8.213/91, quando determina que ‘na hipótese de se constatar perda do poder aquisitivo com a aplicação do disposto neste artigo, o Conselho Nacional de Seguridade Social-CNSS poderá propor reajuste extraordinário para recompor esse valor, sendo feita igual recomposição das faixas e limites fixados para os salários - de - contribuição’. Assim, se por um lado, não se pode vincular a atualização dos benefícios determinando 162 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba como índice o salário mínimo, que em futuros momentos poderia ser até prejudicial ao aposentado, por outro lado não se pode aplicar um índice de atualização que defase o valor real, impondo-se como solução a freqüente atualização pela equivalência do número de salários da data da concessão quando o índice não atinja o objetivo de preservação do poder aquisitivo”. (grifo nosso) (AC 90546/95-PB, 95.05.32710-2, julgada em 19.12.1995) Quanto ao pedido da condenação do INSS no pagamento do resíduo da correção monetária dos 147,06% sobre as parcelas pagas com atraso de dois meses; reconhecida a dívida, com o pagamento administrativo parcelado, é de se aplicar o enunciado da SÚMULA 05 do Eg. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, verbis: “Súmula 05 - As prestações atrasadas reconhecidas como devidas pela Administração Pública devem ser pagas com correção monetária”. Isto posto, JULGO PROCEDENTE a demanda para condenar o INSS a reajustar o benefício do autor, a partir de abril de 1989, preservando-lhe, em caráter permanente, o valor real, quando da aplicação dos índices previstos na Lei 8.213/91 e alterações, observando como parâmetro mínimo o número de salários mínimos da data da concessão. Condeno, ainda, a autarquia ré no pagamento das diferenças das prestações vencidas e vincendas, deduzindo-se os índices aplicados pelo INSS, nos meses correspondentes, afastadas as parcelas atingidas pela prescrição qüinqüenal, com correção monetária, pelos índices fixados pela Lei nº 6.899/81 e alterações, a partir do vencimento de cada parcela, em face do caráter alimentar do débito, além de juros de mora, à base de 12% ao ano, desde a data do débito, conforme orientação firmada pelo Eg. TRF da 5ª Região (AC 19973-PE, Rel. JUIZ MANOEL ERHARDT, AC 32.812, Rel. JUIZ JOSÉ DELGADO), e resíduo de correção monetária sobre o pagamento parcelado dos 147,06%, a ser apurado na fase de liquidação, além de suportar o reembolso das custas antecipadas e verba honorária, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, atendendo ao disposto no § 4º do art. 20, do CPC. P. R. I. João Pessoa, 18 de setembro de 1996. CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ Juíza Federal Substituta da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 163 IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO (DRAWBACK) Processo nº 96.00273-8 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: USINA MARAVILHAS S/A Impetrado: INSPETOR DO PORTO DE CABEDELO/PB SENTENÇA EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO. REGIME DE DRAWBACK. ÁLCOOL ETÍLICO IMPORTADO E QUE TEVE SEU TEOR ALCÓOLICO MODIFICADO. PRODUTO NACIONALIZADO. OCORRÊNCIA DE HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. 1. Para que uma mercadoria entre no campo de incidência do imposto de exportação é necessário que esta seja nacional ou nacionalizada (art. 221, caput, do Decreto 91.030/85). 2. O álcool importado pelo impetrante sob o regime especial do drawback, lógico, não é nacional. Porém, foi nacionalizado, eis que passou por um processo de modificação do seu teor alcóolico, que se consubstancia em industrialização por beneficiamento, consoante o disposto no art. 3º, do Decreto nº 87.981/82. 3. Destarte, por ser o álcool em tela produto nacionalizado, entra no campo de abrangência do imposto de exportação. 2. Segurança que se denega. Cuida-se de Mandado de Segurança cumulado com pedido liminar, impetrado por USINA MARAVILHAS S/A, devidamente qualificada, contra suposto ato ilegal do INSPETOR DO PORTO DE CABEDELO-PB, consubstanciado na exigência de pagamento do imposto de exportação de mercadoria remetida pela impetrante ao exterior, à alíquota de 40% (quarenta por cento). Alega a empresa impetrante, no desenvolvimento de suas atividades industriais e mercantis, ingressou junto à Receita Federal com pedido de constituição de regime de drawback para internação e posterior exportação, após reprocessamento de 12.760,31m3 de álcool etílico, o que lhe foi concedido. Aduz que, à medida que o álcool era reprocessado, efetuou a devolução no prazo assinado nos atos concessórios de 10.038,310m3, restando-lhe devolver o total de 2.211,597 m3 do produto. Diz que a autoridade impetrada ameaça proceder à cobrança do imposto de exportação sobre as remessas já efetuadas na alíquota de 40% (quarenta por cento), na 164 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba forma instituída pela RESOLUÇÃO DO BACEN nº 2.136/94. Na tentativa de sustar tal ato, por acreditar que sua mercadoria não fora importada com ânimo definitivo, requer a impetrante, a concessão de liminar e por fim, seja concedida a segurança para assegurar o seu pretenso direito líquido e certo de não recolher sobre o álcool enviado ao exterior o imposto de exportação. Acostou aos autos a procuração e os documentos de fls. 13/70. A liminar foi concedida às fls. 74/75. Notificado para prestar informações, o impetrado afirma que o álcool importado pela impetrante sob o regime de drawback fora submetido a um processo de beneficiamento que alterou seu teor alcoólico para volume igual ou superior a 80 GL VOL. Destarte, tal beneficiamento é nada mais é do que industrialização, conforme informa o Regulamento do Imposto sobre produtos industrializados, aprovado pelo Decreto 87.981, de 23.12.82, no seu art. 3º, o que torna o produto nacionalizado e, desta forma, passível de incidência do imposto de exportação. Alega, ainda, que o referido álcool a ser exportado é mercadoria diversa daquela anteriormente importada, com o que cai por terra a tese do impetrante de que a importação não seria à título definitivo. O parecer da Douta Procuradoria da República, na palavra do ilustre Procurador LUCIANO MARIZ MAIA é no oriente da denegação da segurança face ao beneficiamento a que foi submetida a mercadoria, que, desde então, passou a ser um produto industrializado e nacionalizado, sujeito ao imposto sobre exportações. É o relatório. Decido. O drawback, palavra derivada da língua inglesa (to draw - tirar e back outra vez) é um benefício fiscal que consiste na suspensão, isenção e restituição do imposto de importação de mercadorias importadas para posterior reexportação tem por escopo o incentivo às exportações e abrange só e tão somente o imposto de importação e obrigações fiscais decorrentes dessa operação, não ocorrendo, em detrimento desse regime especial, qualquer isenção ou redução no imposto de exportação. O imposto de exportação, por sua vez, nos termos do art. 221 do Regulamento Aduaneiro, tem seu campo de incidência assim definido: “Título IV DO IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO Capítulo I Incidência Art. 221. O imposto incide sobre mercadoria nacional ou nacionalizada destinada ao exterior (Decreto-Lei nº 1.578, art. 1º)”. No particular caso dos autos, o impetrante procedeu à importação, com o benefício do drawback de 12.760,320 m3 de álcool etílico desnaturado com um teor alcoólico em volume igual ou superior a 80 GL (Gay-Lussac) VOL e, para adequá-la ao consumo, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 165 modificou o seu teor alcoólico mínimo para 95 G.L., efetuando a devolução de 10.038,310 m3 para o país de origem. Em consonância com o preclaro Representante do MPF, entendo que a alteração no teor alcóolico do bem importado sob o regime de drawback, para adequar o álcool importado à fins medicinais e/ou carburantes, o tornou um produto nacional, fato que o colocou no campo de incidência do imposto de exportação, consoante o disposto no art. 211 do Regulamento Aduaneiro, supra transcrito. O álcool importado sob o regime de drawback, foi beneficiado, para que se adequasse a fins medicinais e/ou carburantes, o que é, nada mais, nada menos do que um processo de industrialização, previsto no Regulamento do Imposto Sobre Produtos Industrializados, aprovado pelo Decreto nº 87.981/82 que, em seu art. 3º, preceitua e ensina: “art. 3º. Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para o consumo, tal como: II - a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento ou a aparência do produto. (beneficiamento)”. Destarte, não é preciso muito esforço lógico nem mental para se concluir que a alteração do teor alcóolico do álcool importado -imprestável para o consumo medicinal e/ou carburante - de modo a torná-lo útil para essas finalidades, constitui um beneficiamento, fato que torna o produto nacionalizado e, desta feita, sujeito à incidência do imposto de exportação. Ao contrário do que ventila o impetrante na sua petição inicial, quando diz que importou o álcool para “internação e posterior reexportação”, a hipótese retratada nos autos não é de admissão temporária que se destina a bens que precisam ingressar no território nacional, permanecer durante certo tempo e retornarem ao exterior da mesma forma como entraram, ou seja sem que tenha havido beneficiamento ou industrialização. O álcool importado pelo impetrante, conforme ele próprio afirma “inservível para usos medicinais ou carburantes” (fls. 03) foi beneficiado e exportado para esses fins e, portanto, teve sua essência alterada, transformando-se em mercadoria nacionalizada, sobre a qual incide o imposto de exportação. Destarte, pode se construir no caso dos autos o seguinte silogismo: Premissa maior: Para que uma mercadoria entre no campo de incidência (esteja ao alcance ou chegada efetiva) do imposto de exportação é necessário que esta seja nacional ou nacionalizada. Premissa menor: o álcool importado sob o regime especial do drawback, lógico, não é nacional. Porém, foi submetido processo de industrialização através da modificação no seu teor alcóolico de modo a adequá-lo a fins medicinais e/ou carburantes, o que o tornou nacionalizado e, portanto, dentro do campo de incidência do imposto de exportação. Isto posto, por ser o álcool em questão (mercadoria importada sob o regime de drawback para posterior reexportação), produto nacionalizado, torna-se imperiosa a conclusão de que sobre ele incide o imposto de exportação, razão pela qual, em harmonia com o parecer ministerial, cassada a liminar concedida, denego a segurança requerida. Isento de honorários (Súmula 512, STF). 166 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Custas, ex lege. João Pessoa, 25 de março de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 167 IMPORTAÇÃO - CARROS USADOS Processo nº 93.019.63-5 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: ORNILDO JOAQUIM PESSOA Impetrado: GERENTE DA CARTEIRA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO BANCO DO BRASIL S/A - CACEX SENTENÇA EMENTA: ADMINISTRATIVO - TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE CARROS USADOS. PORTARIA DO DECEX 06/90. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE REJEITADA. DENEGAÇÃO DO WRIT. 1- O gerente da CACEX é parte legítima para figurar no pólo passivo da relação processual do presente mandamus. Preliminar rejeitada. 2-Não viola o princípio constitucional da Isonomia, a legislação específica que proíbe a importação de veículos usados. 3- A proibição de importação de bens usados visa proteger a economia nacional, tem amparo constitucional e faz parte do Poder Discricionário da Administração Pública. 4- Denegação do mandamus. Vistos etc. Cuida-se de mandado de segurança cumulado com medida liminar, impetrado por ORNILDO JOAQUIM PESSOA, devidamente qualificado na inaugural, contra ato do GERENTE DA CARTEIRA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO BANCO DO BRASIL S/A CACEX, consubstanciado na negativa de aceitação de guia de importação referente a automóvel de propriedade do impetrante. Aduz o impetrante que foi estudante nos Estados Unidos por mais de 02 (dois) anos, tendo seus bens sido desembaraçados normalmente, exceto veículo de sua propriedade. Sustenta que com a edição da Portaria nº 06, da CACEX, permissiva de entrada de veículos automotores, resolveu reinvindicar à autoridade federal a liberação do veículo de sua propriedade, que se encontra nos Estados Unidos. Porém apesar de várias tentativas nesse sentido não logrou êxito, sendo iterativametne negada, pela autoridade impetrada, a aceitação da guia de importação, devido ao fato da aludida Portaria privilegiar apenas os importadores de veículos novos, tendo esses a obrigação de pagar o Imposto de Importação e o ICMS, respectivamente. Esclarece que já existem, atualmente, liminares concedendo a liberação de carros usados. 168 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Por fim, entendendo presente os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora, requer a concessão de medida liminar inaudita altera pars no sentido de determinar à autoridade impetrada aceitar a guia de importação e, cumprindo o tramitar regular do feito, a concessão da segurança definitiva, confirmando a liminar, bem como isentando o impetrante do recolhimento do IPI e ICMS referentes à operação. Colacionou aos autos a procuração de fls. 05 e os doc. de fls.06/07. Verificando o caráter supina e escancaradamente satisfativo do procedimento acautelatório requerido, foi indeferida a liminar pleiteada, determinada a notificação da autoridade impetrada e, em seguida, vista ao douto órgão do parquet federal (fls. 09). Regularmente notificada, a autoridade apontada como coatora prestou as informações de fls.12/14 onde, em síntese, alega que a Portaria nº 06/90, da Secretaria Nacional de Economia, contra a qual se insurge o impetrante, “só permite a importação de carros novos, fabricados pelo país de procedência, por Pessoas Jurídicas, devidamente registradas junto ao Departamento de Comércio Exterior, e desde que os automóveis sejam exportados diretamente pelos fabricantes ou pelas empresas por eles credenciadas”. Pugna também pela sua ilegitimidade ad causam, eis que entende praticar meramente atos executórios, eis que é um mero executor da determinação contida na norma de importação, bem como a determinação da citação da União para compor a lide, na qualidade de litisconsorte passivo necessário. Por fim, requer a denegação do mandamus face a inexistência de direito líquido e certo a amparar a impetração. O parecer da douta Procuradoria da República, da lavra do Dr. FRANCISCO CHAVES DOS ANJOS NETO é no oriente de, preliminarmente, a extinção do processo sem julgamento do mérito ante a ausência de prova pré-constituída de direito líquido e certo a embasar a pretensão do impetrante que não trouxe aos autos a prova de propriedade do veículo. De meritis, opina pela concessão da segurança, face ao Princípio da Isonomia e aos ditames da Portaria nº 56/90, do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. Às fls. 19, foi determinada a baixa dos autos em diligência para juntada de petição, em seguida foi dada nova vista ao MPF que mutatis mutandis, reiterou o parecer inserto no ventre dos autos. Em seguida, os autos foram novamente baixados em diligência, às fls. 32, para proceder à notificação da União Federal para compor a lide na qualidade de litisconsorte necessário. Notificada a Procuradoria da Fazenda Nacional, esta esclareceu que a liminar requerida era realmente impossível, registrando o acerto por parte deste juízo. Alega também, a Fazenda Nacional, que o impetrante não preenche nenhuma das condições necessárias à importâção de bens objeto de liberação por parte da Portaria nº 06/90, do DECEX. CONCLUSOS. É o relatório. Decido. Por primeiro, cumpre apreciar a preliminar suscitada pela autoridade Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 169 impetrada. A tese de ilegitimidade ad causam verberada pelo GERENTE DA CARTEIRA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO BANCO DO BRASIL não tem como prosperar, eis que este possui poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída, ou seja, tem competência para autorizar ou não a importação do automóvel do impetrante, com a conseqüente aceitação da guia de importação. A autoridade coatora, conforme entendimento pacífico e remansado na jurisprudência dos tribunais, não é o superior que recomenda ou baixa normas de execução, mas o que ordena ou omite a prática do ato, pelo que rejeito a preliminar suscitada pela autoridade impetrada. De meritis. As alegações feitas pelo impetrante, a respeito do descumprimento do Princípio da Isonomia, não comove este juízo, visto que a aplicação deste princípio requer a observação de alguns parâmetros que possam representar o seu real sentido, pois para se aplicar o Princípio da Isonomia, deve-se tratar igualmente os que estão na mesma situação de igualdade e desigualmente os desiguais, sempre na proporção de suas desigualdades, e no entendimento deste juízo, isto foi observado pelo Gerente da CACEX, visto que o impetrante não pode ser igualado a pessoas que se revestem de todas as qualificações impostas pela legislação. Insurge-se a impetrante contra as vedações impostas pela Portaria DECEX 08/91, que proíbe a importação de pneumáticos usados, por considerá-la ilegal, pelo fato de inexistir dispositivo de lei que dê suporte à sua aplicabilidade. A Portaria nº 06/90, da Secretaria Nacional de Economia, em seu artigo 1º, incisos I e II, trata das possibilidades de importação de veículos, in verbis: Art. 1º.......(omissis) I- Somente serão admitidas importações de veículos novos, procedentes dos países de origem (fabricação) e exportados diretamente pelos fabricantes ou por empresas por ele credenciadas; II - Somente serão admitidas como importadores pessoas jurídicas registradas junto ao Departamento do Comércio Exterior, na forma da regulamentação em vigor; III -.........(omissis) IV -......... (omissis) Ora, os interesses pessoais do impetrante passam completamente ao largo das definições legais de possibilidade de importação, visto que as vedações impostas pela legislação se referem a parâmetros que devem ser observados não só com relação às pessoas que importam, mas também no que se refere aos bens que são importados, portanto é impossível enquadrar o impetrante nas previsões do artigo transcrito acima, pois o mesmo não é pessoa jurídica registrada no DECEX, o bem a importar não é novo e nem procede do país de fabricação. A jurisprudência encontra-se dividida ao meio, entretanto este juízo ousa dissentir do entendimento do eg. TRF da 5ª Região e opta por abraçar os julgados do eg. TRF da 4ª Região, por entender que estes julgados mais se coadunam com o interesse nacional. 170 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Trago a colação jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, como forma de embasar e fortificar o entendimento deste juízo, que ensina o seguinte: EMENTA. ADMINISTRATIVO. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULOS USADOS. CONTROLE. RESTRIÇÃO. LEGALIDADE. Não há afronta ao princípio da isonomia e nem ao princípio da legalidade no ato administrativo que proíbe a importação de veículos de passeio usados, sendo decorrência lógica o indeferimento da expedição da guia de importação. Precedentes. Remessa oficial provida. Segurança cassada. (AC; 3ª Turma do TRF da 4ª Região; Apelação em Mandado de Segurança nº 93.04.02530-3-PR; J. 08/02/94). EMENTA. ADMINISTRATIVO. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO ESTRANGEIRO USADO. PORTARIA DECEX Nº 08/91. 1- O gerente do Setor de Crédito Exterior do Banco do Brasil S/A está legitimado passivamente para responder pela impetração. 2- É legítima a Portaria nº 08, de 13 de maio de 1991, que, por entender prejudicial “à defesa dos interesses fazendários nacionais”, proibiu a importação de veículos estrangeiros usados. (AC; 3ª Turma do TRF da 4ª Região; Apelação em Mandado de Segurança nº 93.04.28187-3/PR; J. 09/11/93). Sabe-se que a finalidade precípua do tributo é arrecadatória, pois fornece ao Estado receitas financeiras para o seu custeio. No entanto, existem tributos que embora mantenham fidelidade absoluta à definição do art.3º do CTN, por serem compulsórios, em moeda, cobrados mediante atividade administrativa plenamente vinculada, não têm, strictu sensu, função arrecadatória, pois se prestam mais a utilização como instrumentos de política econômica, possibilitando ao Estado o protecionismo da economia nacional, evitando que esta fique exposta a uma concorrência desleal, quer seja com a utilização de alíquotas diferenciadas, ou até mesmo com a própria proibição de importação de certos bens, como é o caso de veículos usados. A utilização de uma política ditada pelo liberalismo econômico vem sendo gerida pelo governo brasileiro, fazendo com que haja uma certa diminuição no nível de controle protecionista do Estado, fato este que em certos casos não deixa a Nação a mercê do mercado internacional, gerando uma concorrência desleal, muito pelo contrário, pois impulsiona o desenvolvimento interno da economia, visando não só a diminuição dos preços, como também, o aumento da qualidade dos produtos. Um exemplo bastante explícito da face positiva deste liberalismo é o caso da liberação para importação de carros novos, pois, incontestavelmente, induziu o incremento da indústria nacional que desencadeou numa concorrência de incomensurável importância para o país, pois os nossos carros melhoraram acentuadamente devido à competitividade do produto estrangeiro. Por outro lado, certas limitações a esse liberalismo econômico são deveras essenciais para o equilíbrio econômico da Nação, pois impedem determinadas importações que viriam a desestruturar a economia interna, por vezes gerando um quadro caótico. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 171 Em economias de primeiro mundo, onde as remunerações da força de trabalho são de grande vulto, ocorre uma grande desvalorização dos bens de consumo duráveis após serem utilizados, fato este que pode ser observado em países como o Japão, onde o surgimento diário de novas tecnologias aliado ao alto poder aquisitivo do povo gera a inutilização quase que instantânea dos bens, mesmo antes de serem depreciados pelo uso ou pelo tempo. Nos Estados Unidos, por exemplo, carros com pouco tempo de uso sofrem decréscimos de valor surpreendentes quando comparados com a realidade de nosso país, onde os carros usados têm valores relativamente mais altos. O baixo valor dos carros usados nos Estados Unidos pode ser comprovado pela própria guia de importação do bem do impetrante (fls. 06). Diante destes fatos, este juízo tem a plena convicção de que a liberação da importação de carros usados seria catastrófica para a economia do país, pois muitos iriam preferir, em igualdade de condições, adquirir um carro importado usado, a adquirir um carro popular nacional novo, gerando assim, um desvio exorbitante do fluxo de consumo dos produtos internos, o que certamente iria causar uma considerável diminuição do Produto Nacional Bruto, devido ao escoamento das divisas do país para o resto do mundo. Em virtude das razões acima expendidas, fica demonstrado cabal e irrefutavelmente que a adoção deste protecionismo pela legislação aduaneira é legítimo, pois visa a proteção da economia do país como princípio indispensável à defesa dos interesses nacionais pela administração pública. Ante o exposto, denego a segurança, condenando o impetrante nas custas processuais. Sem honorários, à luz do disposto na Súmula 512 do STF. João Pessoa, 02 de agosto de 1994. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 172 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba ENSINO SUPERIOR - CONVÊNIO - VIOLAÇÃO Processo nº 96.0004174-1 / AÇÃO MANDAMENTAL Impetrante: HUBERT MARCOS TORRICO VALÊNCIA Impetrado: PRO-REITOR DE GRADUAÇÃO UFPB - COORDENADOR DO PROGRAMA DE ESTUDANTE CONVÊNIO SENTENÇA EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. ENSINO SUPERIOR. ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. ESTUDANTE CONVÊNIO. AQUISIÇÃO DO VISTO PERMANENTE. VIOLAÇÃO AOS TERMOS DO CONVÊNIO. LEGALIDADE DO DESLIGAMENTO DO IMPETRANTE. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. 1. Ao ingressar no PROGRAMA ESTUDANTE CONVÊNIO, o impetrante tomou ciência das normas regimentais do IES, às quais ficou subordinado, dependendo a manutenção de sua condição de aluno conveniado da observância das regras que regem o instituto. 2. O impetrante, por sua vez, contraiu núpcias com uma brasileira (fls. 14) e adquiriu o visto permanente, em clara violação ao item 2.4, “c” do Programa Estudante-Convênio, o que justifica o seu desligamento do Curso de Medicina da UFPB. 3. Denegação da segurança. Vistos etc. Cuida a hipótese dos autos ação mandamental impetrada por HUBERT MARCOS TORRICO VALÊNCIA, qualificado, contra suposto ato ilegal e abusivo imputado ao PRO-REITOR DE GRADUAÇÃO UFPB - COORDENADOR DO PROGRAMA DE ESTUDANTE CONVÊNIO, consubstanciado no indeferimento do pedido formulado pelo impetrante de matrícula no Curso de Medicina da UFPB, na qualidade de ESTUDANTE CONVÊNIO (PEC/ GRADUAÇÃO). Alega o impetrante que ingressou na UFPB no ano de 1982, através do programa de Estudantes-Convênio - PEC, matriculando-se no Curso de Medicina, pelo que passou a freqüentar o curso dentro das regras estabelecidas no convênio. Aduz que, no final de 1994, teve sua matrícula para o semestre subseqüente impedida por despacho do impetrado, sob a alegação de que o impetrante havia adquirido o visto de permanência e não mais poderia continuar no curso. Sustenta que, continuando a assistir às aulas, recorreu ao CONSEPE Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 173 que, em 14.02.96, manteve o cancelamento da matrícula do impetrante. Entende que tal ato fere direito líquido e certo seu, pelo que requer a concessão de medida liminar inaudita altera parte, para que se suspenda o ato impugnado e, ao final, a concessão da segurança, confirmando a liminar. Acostou aos autos procuração e documentos. A liminar foi indeferida - fls. 51/52. As informações foram prestadas no prazo legal - fls. 55/58. O MPF, em parecer da lavra do Dr. LUCIANO MARIZ MAIA, aconselha a denegação da segurança e ventila a decadência do direito de ajuizamento do mandamus. Assim relatados, decido. Por primeiro, entendo que não houve decadência, por parte do impetrante, do direito de ajuizar o mandamus. O dies a quo para o ajuizamento da ação mandamental inicia-se a partir do momento em que o ato se torna operante e exeqüível, ou seja, que produz seus efeitos práticos. No caso dos autos, o indeferimento da matrícula do impetrante só produziu efeitos práticos a partir de 14.02.96, haja vista este ter continuado a assistir às aulas do curso, até a decisão final do CONSEPE. Portanto, a impetração foi ajuizada no prazo legal. No mérito, melhor sorte não assiste ao impetrante. Ao ingressar no PROGRAMA ESTUDANTE CONVÊNIO, o impetrante tomou ciência das normas regimentais do IES, às quais ficou subordinado, dependendo a manutenção de sua condição de aluno conveniado da observância das regras que regem o instituto. É o que se depreende do item 2.1.2 do Manual do Programa Estudante-Convênio. Pois bem, dentre essas regras, destaca-se a obrigação de: “Não pode ser estudante-convênio o estrangeiro portador de visto de turista, diplomático ou permanente, nem o brasileiro dependente de pais que, por qualquer motivo, estejam prestando serviço no exterior”. O visto do estudante-convênio é o temporário, que deve ser renovado sempre que for preciso, e dentro dos prazo legais. Tal condição deriva da própria finalidade do convênio que é capacitar estudantes para exercerem a profissão no seu País de origem, não concorrendo, destarte, com os estudantes graduados no nosso País. Por essa razão, o Diploma dos estudantesconvênio não é válido no Brasil (item 2.1.4 “a” do Manual do Programa Estudante-Convênio). O impetrante, por sua vez, contraiu núpcias com uma brasileira (fls. 14) e adquiriu o visto permanente, em clara violação ao item 2.4, “c” do Programa Estudante-Convênio 174 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba que dispõe, in verbis: “O estudante-Convênio permanecerá na IES, para realizar o curso como participante do PEC-G, desde que: a)................................................................... b)................................................................... c) mantenha o visto temporário, renovando-o, sempre que for preciso e dentro dos prazos, pois se este for transformado em permanente, por uma das situações previstas, perderá a vaga no PEC-G e será desligado da IES”. Demais disso, como bem afirma e comprova o impetrado em suas informações, o impetrante violou diversas regras do convênio, tais como reprovação em mais de uma disciplina no mesmo período letivo e extrapolação do prazo de conclusão do curso, fatos que per se, já renderiam ensejo ao desligamento. Portanto, o impetrado nada mais fez senão cumprir o que foi avençado. A partir daí, por maior que seja a boa vontade deste juízo e, mesmo levando em conta a situação subjetiva do impetrante, não há como conceder uma segurança contra flagrante disposição normativa positiva, pelo que, ao fim e ao cabo, denego a segurança requerida. Isento de honorários, à luz da Súmula 512 do STF. Custas, ex lege. P.R.I. João Pessoa, 20 de agosto de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 175 SEGURANÇA DO TRABALHO Processo nº 96.08246-2 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: MANTÉM ENGENHARIA E INSTALAÇÕES LTDA Impetrado: CHEFE DA SEÇÃO DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO DA DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO SENTENÇA EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SEGURANÇA DO TRABALHO. NOTIFICAÇÃO DO IMPETRANTE PELA NÃO INSTALAÇÃO DE ELEVADOR DE SEGURANÇA. OBRIGATORIEDADE A PARTIR DO 12º PAVIMENTO OU ALTURA EQUIVALENTE. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1. A norma jurídica não prevê e abarca todas as situações que merecem a sua tutela, a sua proteção. Por isso, para que se determine o sentido e a extensão da lei, descobrindo os elementos significativos que entram na sua compreensão e reconhecendo os casos em que se estende a sua aplicação, entra em cena o juiz-exegeta, procurando reconstituir a mens legis, entendendo corretamente o sentido da lei e suprindo-lhes as lacunas porventura existentes. 2. No particular casos dos autos, a legislação que rege a espécie determina a instalação de elevador de segurança para edifícios a partir do 12º pavimento ou altura equivalente. Destarte, não é preciso muito esforço mental para se concluir que, até o 12º pavimento ou altura a este correspondente, é despiciendo o elevador de segurança. 3. Concessão da segurança. MANTÉM ENGENHARIA E INSTALAÇÕES LTDA, pessoa jurídica de direito privado, qualificada na inicial, impetrou Mandado de Segurança contra ato supostamente ilegal e abusivo, atribuído ao CHEFE DA SEÇÃO DE SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO DA DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO, consubstanciado na exigência de instalação de um elevador para pessoas no condomínio residencial que está sendo construído pela impetrante, denominado TOULOUSE. Aduz a empresa impetrante que está edificando condomínio residencial de 14 pavimentos, denominado TOULOUSE, atualmente no 6º pavimento, ocasião em que sofreu fiscalização do MINISTÉRIO DO TRABALHO, que passou a exigir a instalação de um elevador para pessoas. Sustenta que a legislação que rege a matéria prevê a construção de elevador de segurança (destinado ao transporte de cargas e pessoas) nos edifício com mais de 12 pavimentos, o que não é o caso do condomínio ora em construção, que se encontra no 176 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 7º pavimento. Discorre longamente sobre o ato administrativo, os requisitos da concessão de medida liminar e tutela antecipatória e, ao final, requer a concessão de medida liminar para a suspensão dos efeitos do ato administrativo atacado, que requer seja cassado na sentença de mérito. Juntou procuração e documentos. A liminar foi deferida pelo Dr. JANILSON BEZERRA DE SIQUEIRA, Juiz Federal Substituto em exercício na 2ª Vara. Notificado, o impetrado prestou as informações de fls. 54/57, onde alega que há uma enorme distinção entre elevador de segurança (transporte de pessoas) e elevador de materiais, razão pela qual foi a empresa impetrante notificada a providenciar a instalação do primeiro, “a fim de resguardar a condição primeira que é, a segurança e a saúde do trabalhador”. O MPF, em parecer da lavra do Dr. LUCIANO MAIA, aconselha a concessão da segurança, por entender que a exigência de elevador de segurança somente se impõe quando o construtor for erigir o 12º pavimento, ou a edificação alcançar altura equivalente a isto. O feito foi processado perante a 2ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba e, por suspeição do MM. Juiz Titular, redistribuído a esta 3ª Vara. Assim relatados, decido. A questão posta a deslinde pode ser assim disposta: O impetrado notificou a empresa impetrante por esta não haver instalado no condomínio residencial que vem construindo um elevador de segurança, destinado ao transporte de cargas e pessoas. Emerge dos autos que a impetrante dispõe de um elevador de materiais, cujo transporte de pessoas é proibido pelo subitem 18.11.18 da NR-18. Pois bem, é certo que, nos edifícios com mais de 12 pavimentos, ou altura equivalente, está o construtor obrigado a instalar um elevador de segurança, destinado ao transporte de cargas e pessoas. É esse o comando expresso na NR 18, subitem 18.11.27. Entretanto, a norma jurídica, em face da prodigiosa diversidade dos fatos, não prevê e abarca todas as situações que merecem a sua tutela, a sua proteção. Por isso, para que se determine o sentido e a extensão da lei, descobrindo os elementos significativos que entram na sua compreensão e reconhecendo os casos em que se estende a sua aplicação, entra em cena o juiz-exegeta, procurando reconstituir a mens legis, ou seja, a vontade do legislador, entendendo corretamente o sentido da lei e suprindo-lhes as lacunas porventura existentes. Segundo SAVIGNY, interpretar é a reconstrução do pensamento contido na lei. No particular casos dos autos, a legislação que rege a espécie determina a instalação de elevador de segurança para edifícios a partir do 12º pavimento ou altura equivalente. Destarte, não é preciso muito esforço mental para se concluir que, até o 12º pavimento ou altura a este correspondente é despiciendo o elevador de segurança porque, até este patamar os operários e demais pessoas que necessitem se locomover no prédio podem, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 177 perfeitamente, subir sem maiores problemas. Seria até ilógico que, mesmo que um prédio tivesse 30 (trinta) andares, fosse obrigatória a construção do elevador a partir da construção do primeiro pavimento. Faço minhas as lúcidas considerações do representante do MPF que, de forma lapidar, aduz que: “Previu esta norma a proibição de elevadores de carga serem usados como transporte de pessoas (subitem 18.11.18), mas só exigiu elevadores de segurança, para transporte de cargas e pessoas, quando os edifícios, em construção, tivessem mais de 12 (doze) pavimentos, ou altura equivalente. Isso de modo claro e objetivo quer dizer que enquanto a construção não alcançar o 12º pavimento ou altura equivalente, não incide a norma do subitem 18.11.27. A contrário senso, quando tiver início a construção do 12º pavimento, ou quando tiver início a construção de pavimento de altura equivalente, será obrigatória a instalação do referido elevador de segurança”. (fls. 66). Isto posto, concedo a segurança requerida para tornar sem efeito à notificação imposta a impetrada ante a não instalação do elevador de segurança no edifício TOULOUSE. Sem honorários (SÚMULA 512 STF). Custas, ex lege. Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição. P. R. I. João Pessoa, 20 de agosto de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 178 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba MEIO AMBIENTE - OBRA PÚBLICA Processo nº 96.3625-0 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: MUNICÍPIO DE CABEDELO Impetrado: SUPERINTENDENTE DO IBAMA SENTENÇA EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. OBRA PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE GABIÕES PARA A CONTENÇÃO DA EROSÃO MARINHA.OBRA DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA, SEM A QUAL A ORLA CABEDELENSE SERIA DESTRUÍDA. ESTUDO TÉCNICO APRESENTADO PELO IMPETRANTE QUE SE LEVA EM CONSIDERAÇÃO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1. Não há outra tecnologia em todo o mundo para deter a avalanche do oceano, a não ser os espigões de praia adentro. Os ora construídos em Cabedelo vão ficar como dedos de concreto dentro d’agua apontando para os de Angola, lá na mãe África, como a dizer: Vamos deter a fúria do Atlântico. O resto é questiúncula, própria de campanário ou paroquial como queiram. 2. A ausência do estudo prévio de impacto ambiental foi suprimida pelo estado caótico da orla cabedelense que entra pelos olhos adentro. Entre a cidade e sua orla serem engolidas pelo oceano e o desejo insopitável da juventude bronzeada passear pela orla e dos bugres roncarem na areia, este juízo fica com a primeira hipótese. 3. Segurança que se concede. Cuida-se de ação mandamental impetrada pelo MUNICÍPIO DE CABEDELO, representado legalmente por seu prefeito constitucional, visando obter prestação judicial reparadora a pretenso direito líquido e certo, supostamente violado por ato tido como ilegal, atribuído ao SUPERINTENDENTE DO IBAMA NA PARAÍBA, consubstanciado no embargo da obra de construção de gabiões nas praias de Cabedelo, sob alegação de inexistência de prévio estudo de impacto ambiental. Aduz a requerente que o processo de erosão marítima tem progredido rapidamente, destruindo os bens materiais dos habitantes do litoral cabedelense e também devastando os coqueirais e demais componentes do ecossistema daquela área. Por essa razão, foi decretada situação de emergência na orla marítima cabedelense, por meio dos Decretos municipais nºs 46/95 e 64/95, ocasião em que passou o Município a envidar esforços junto aos Governos Federal e Estadual em busca de saídas para o problema. Sustenta que daí, resultou a assinatura de dois convênios para a Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 179 construção de gabiões nas praias cabedelenses (entre o Município e o Estado da Paraíba e entre este e o Governo Federal), nos quais os convenentes liberariam recursos a serem destinados à construção dos referidos gabiões, e, ao serem iniciadas as obras em epígrafe, alguns moradores ocasionais de Cabedelo provocaram a ação da SUDEMA e do IBAMA, no sentido de sua paralisação, o que resultou o embargo da obra pelo IBAMA, sob a alegação de que não havia sido realizado um prévio estudo de impacto ambiental. Alegando estarem presentes os requisitos legais, requereu a concessão de medida liminar com o fim de suspender o embargo, bem como a concessão do mandamus e a continuidade da execução da obra. Juntou procuração e documentos. A liminar foi deferida. Irresignada, a autoridade impetrada requereu junto ao Eg. TRF. da 5ª Região a suspensão da segurança, o que foi deferido, por ato do Excelentíssimo Senhor Presidente da Corte. Provocado pelo impetrante, o Pleno do referido Tribunal, em sede de agravo regimental decidiu pelo restabelecimento da liminar. As informações foram prestadas (fls. 118/128). O parecer do MPF, da lavra do Dr. LUCIANO MAIA, aconselha a denegação da segurança, ante a ausência de prévio estudo de impacto ambiental para a construção dos gabiões. Conclusos, Decido. IBAMA e o MPF se entrincheiram no argumento repetido de falta de prévio estudo de impacto ambiental. É este só e tão-somente o argumento contra os trabalhos levados a efeito pela impetrante. Impacto ambiental maior não pode haver do que os olhos desarmados do homem do povo pode enxergar. Basta um passeio a pé pela orla marítima desde o enrocamento do Porto de Cabedelo, do lado contrário ao ancoradouro, até o final da praia de Ponta de Campina, para bem se enxergar o estrago que o mar fez a parte norte e também a leste de Cabedelo, aliás, as partes mais antigas e habitadas por pessoas menos potentadas. Será que era preciso esperar que a força bravia do oceano avançasse de tal forma que as águas acabassem com a parte velha da cidade? Há outra tecnologia mais avançada para que se detenha o furor das ondas que não os gabiões? Será que somente se teria estudos de impacto ambiental se antes o IBAMA e o MPF fossem ouvidos ou se a preservação da cidade, cuja devastação pelo mar é fato público e notório, também não representa um modo de se concluir como uma salvaguarda expressa e clara de impacto ambiental? Qual foi o estudo apresentado pelo impetrante? Foi de há sete anos passados. Se o estudo fosse dos dias atuais, mais forte razão teria a Prefeitura de efetuar os trabalhos, pois desde àquele tempo para cá, o oceano fez mais estragos na cidade. 180 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Este magistrado recebeu informalmente uma jovem estudante de direito aflita, residente numa das praias chics de Cabedelo que vinha fazer uma peroração para que os trabalhos fossem suspensos, sob o fundamento de que após a implantação dos gabiões, o mar havia expelido uma camada de sargaço de mais de 15 centímetro nas praias de Camboinha e adjacências e que não se podia mais andar a beira mar, argumentos tolos e sem consistência. Outro pior, e de um jovem, foi o de que a juventude bronzeada não podia mais percorrer a orla com seus bugres, como se o bugre e beira-mar fossem coisas que se completassem. Quando autorizei liminarmente o prosseguimento da obra, estive no local, anonimamente, ouvindo pessoas do povo e, da leitura que fiz dos documentos acostados pela impetrante não tive a menor dúvida de que a liminar tinha de ser concedida e assim o fiz. Agora, após a decisão do TRF da 5ª Região, no julgamento do agravo regimental dando conta do acerto da liminar aqui concedida, bem se compreende que este julgador andou pela trilha segura do convencimento acertado. Ademais, se esse estudo de impacto ambiental prévio, que não foi realizado, tivesse de ser feito, qual o órgão mais capaz de fazê-lo? Creio que o Instituto de Pesquisas Hidroviárias. Em que estudo se baseou a impetrante? Em estudo realizado por esse instituto. Acaso a devastação que o mar vinha fazendo em Cabedelo antes da instalação dos gabiões, fosse nas praias nobres de Camboinha, Poço e Intermares, certamente que o Estado e a União teriam sido acicatados pela nobreza dessas praias no sentido de adotar providências para conter o avanço do mar. Como a destruição foi na parte antiga da cidade, onde os moradores são de pequenas posses, quer-se, serra acima, obstaculizar uma obra que serve à parte já afetada como àquela de possível destruição. Argumentam, também, IBAMA e MPF da desnecessidade de ser a obra executada no seu todo, mas só e tão-somente na parte já atingida. A alegação não tem como ser aceita. Os estudos levados a efeito dão conta da necessidade da realização de todo espaço litorâneo neles contidos. Atribuir-se o fato de que a obra poderá vir afetar a ponta do Cabo Branco, ou seja, passando a erosão a atingir o ponto mais oriental das Américas é apena alegação de leigos representantes do IBAMA e MPF, pois, não demonstraram através de estudo procedido por especialistas, tal fundamento. Ao contrário, a impetrante trouxe para os autos elementos de prova importantes, chumbados na experiência de órgão encarregado de defesa da costa, bem assim a execução da obra por empresa de grande know how (experiência) em obras desse porte internacionalmente. Vale lembrar também de que em Angola, como mostram as fotografias acostadas aos autos, a resposta contra a violência do Atlântico foi a construção de gabiões. É certo que há uma perda inicialmente por parte dos veranistas de Camboinha, Poço e Intermares, mas no futuro próximo esses gabiões serão aterrados pelas areias e, então, a obra vai ser ovacionada. Conversei com velhos moradores de Tambaú e que me disseram que antes mesmo de o então governador Pedro Gondim haver levantado gabiões na praia de Manaíra, já o então governador José Américo, na década de 50 havia erigido uns gabiões de madeira, em Manaíra, que o povo denominava de quebra-mar. Não há outra tecnologia em Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 181 todo o mundo para deter a avalanche do oceano, a não ser os espigões de praia adentro. Os ora construídos em Cabedelo vão ficar como dedos de concreto dentro d’agua apontando para os de Angola, lá na mãe África, como a dizer: Vamos deter a fúria do Atlântico. O resto é questiúncula, própria de campanário ou paroquial como queiram. Como foi lembrado na liminar e agora como mandamento definitivo desta sentença, cabe a impetrante concluir a obra até onde os órgãos técnicos entenderem necessário, bem assim promover a Prefeitura a urbanização da área recuperada com a construção de calçadão onde se fizer possível, bem assim com ajuda da comunidade a plantação de coqueiros, os quais foram engolidos ao longo do tempo pela ação do mar e do maior devastador do meio ambiente - o homem. Uma obra pode ser edificada sem o prévio estudo de impacto ambiental e ser nociva ao meio ambiente; outra não, pode ser construída com base em estudo prévio e atender as regras ambientais, como é o caso versado na questão deduzida nos autos onde houve um estudo de um Instituto especializado. Já é tempo de se acabar com esse frisson ou calafrios de que estão possuídos o IBAMA e o MPF com a construção dos gabiões. Acabou a farra que impuseram à mídia. É preciso deixar de barulho pela Imprensa. Parece a este julgador que o princípio da lógica não foi incluído nos argumentos expendidos pelo Impetrado e MPF. Apenas sustentam teses amparadas no possível e no pode acontecer, enquanto as da impetrante estão alicerçadas em dados provados e já ocorridos, ou seja, a devastação da praia e a continuação da erosão marinha, além dos estragos já realizado nas vias urbanas de Cabedelo. Em demandas desse porte o MPF faria maior e melhor proveito de estivesse acolitado no pólo ativo da demanda do que estar a esgrimir o fato de que não foi elaborado o exame prévio. Ora, a ausência do estudo prévio de impacto ambiental foi suprimida pelo estado caótico da orla cabedelense que entra pelos olhos adentro. Entre a cidade e sua orla serem engolidas pelo oceano e o desejo insopitável da juventude bronzeada passear pela orla e dos bugres roncarem na areia, este juízo fica com a primeira hipótese. Não resta a menor sombra de dúvida que nisso tudo há um perde e ganha. O público ganha na preservação da cidade e suas praias, o particular perde nos passeios dos banhistas e bugreiros pelas areias. Entre os dois não há como este julgador ficar ao lado do interesse particular em detrimento do bem público. O resto é chorumela que o tempo e as ondas com as areias hão de apagar cobrindo as costeletas dos gabiões, hoje expostas. A importância do meio ambiente cresceu muito depois da Constituição de 88 do ECO RIO 92. Há necessidade de criação de conselhos e comissões de desenvolvimento sustentável, juntando sociedade civil e governo. Há notícias de que nos países mais avançados do hemisfério norte de que todos as prefeituras estão em vias de conclusão de suas agendas para um desenvolvimento sustentável. Nossas cidades parece que crescem mas incham. Aqui temos endemias epidérmicas, enchentes, secas, favelização, soterramento de população por desmoronamento de barreiras e em poucas cidades há uma sociedade civil organizada para minorar as conseqüências desastrosas ao meio ambiente. Toda cidade pode ter uma comissão sem fim lucrativo formada pelo padre, promotor, pelo delegado de polícia, pelos presidentes das sociedades civis com o fito de estudar as melhorias da coletividade sem qualquer vínculo com o poder público, mas para a este ajudar. Cabedelo pode ter a sua Comissão. A impetrante através de seu prefeito pode muito bem organizar uma comissão de cidadãos notáveis para ajudar o poder público na 182 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba defesa do meio ambiente. Só basta vontade política na mais alta expressão do termo. Isto posto, confirmando a liminar, concedo a segurança requerida para garantir a continuidade da obra, desconstituindo a multa imposta à edilidade. Sem honorários (Súmula 512 STF). Sentença sujeita ao reexame necessário. Custas, ex lege. João Pessoa, 20 de agosto de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 183 INSS - PROVENTOS - IRREDUTIBILIDADE Processo nº 96.02794-3/ MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: VALDEMAR JOSÉ DA SILVA Impetrado: SUPERINTENDENTE REGIONAL DO INSS NA PARAÍBA SENTENÇA EMENTA: CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - IRREDUTIBILIDADE DE PROVENTOS - AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. A garantia insculpida no art. 194, IV, da CF, aplica-se aos benefícios regularmente concedidos, e não àqueles calculados em desacordo com a legislação de regência. Facultada ao impetrante oportunidade para, em processo judicial, comprovar a regularidade das contribuições vertidas por ele à Previdência Social, permanecendo esse segurado inerte, não há que se falar em ausência de devido processo legal. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. Vistos etc... Cuida-se de mandado de segurança, cumulado com pedido de liminar, impetrado por VALDEMAR JOSÉ DA SILVA, qualificado às fls. 02, contra o SUPERINTENDENTE REGIONAL DO INSS NA PARAÍBA, objetivando que seja restabelecido o pagamento integral dos seus proventos, até o trânsito em julgado da sentença proferida na Ação Ordinária nº 94.0011305-6, que se encontra na fase recursal. Expõe, em síntese, que ajuizou a referida ação ordinária de revisão de concessão inicial dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por invalidez cumulada com medidas de correção dos reajustes dos cálculos, com base na Súmula 260 do ex-TFR, por entender que seus proventos devem corresponder a 7,83 salários mínimos, e não, 7,40 salários mínimos, como lhe foi concedido. Afirma que mesmo estando a matéria sub judice, a autoridade coatora, sem conceder ao impetrante o direito de defesa, reduziu abruptamente seus proventos, sob a alegação de que ele, impetrante, recolheu as contribuições previdenciárias sem observância da escala de salário-base de que trata a Lei 5.890/73. Prosseguindo, sustenta que requereu junto ao INSS, com fundamento na Lei 6.332/76, seu reposicionamento para a classe 10, da referida escala, tendo, inclusive, firmado compromisso por escrito nesse sentido perante o órgão previdenciário, o que também foi feito pelo segurado JOSÉ CLEMENTINO ALVES FILHO. 184 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Sustentando que a CF assegura a irredutibilidade do valor dos benefícios, requer a concessão de liminar inaudita altera pars e da segurança, no sentido de que seja decretada a nulidade do ato administrativo que reduziu em parte os proventos do impetrante, ante o princípio insculpido no art. 194, IV, da CF/88, e que seja restabelecido o valor dos proventos que vinha percebendo o impetrante, até o trânsito em julgado da sentença proferida na ação ordinária acima referenciada. Juntou aos autos a procuração e os documentos de fls. 10/30. Distribuídos os autos para a 2ª Vara, desta Seção Judiciária, ordenou o MM. Juiz Titular a redistribuição do feito para esta Vara, tendo em vista a correlação entre o objeto do presente mandamus com o da referida ação ordinária. Em face do contido na certidão de fls. 35, determinei à Secretaria que trasladasse para os autos a petição inicial e a sentença exarada naquela ação ordinária, o que foi providenciado às fls. 36/55. A liminar foi indeferida (fls. 57/58). Notificada, a autoridade apontada como coatora apresentou informações acompanhada de documentos (fls. 62/84), suscitando, preliminarmente, a decadência do direito à impetração, pugnando pela rejeição do writ. O Ministério Público, equivocadamente, ofertou parecer atinente à suspensão de aposentadoria por invalidez (fls. 88/91). É o relatório. Decido. Suscitou o impetrado a preliminar de decadência do direito à impetração, posto que transcorridos mais de cento e vinte dias entre a data da realização do ato de revisão do cálculo de concessão do benefício do impetrante (JULHO/95) e o ajuizamento da ação. Razão não assiste à autoridade coatora: o pedido do impetrante envolve prestações de trato sucessivo, hipótese em que o prazo decadencial renova-se a cada mês, em face da redução procedida nos proventos daquele segurado. A respeito do tema, observese jurisprudência nesse sentido: “Art. 18: 13. O prazo decadencial para impetração do mandado de segurança renova-se a cada ato lesivo que envolva prestações de trato sucessivo”. (RTFR 121/370). Nesse sentido: TFR - 5ª turma, AMS 107.461RJ, rel: Min. sebastião Reis, j. 18.09.85, deram provimento, v.u., DJU 10.10.85, p. 17779, 1ª Col., em. (Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor, Theotônio Negrão, Editora Saraiva, 16ª Edição, 1995, pág. 1143). Em sendo assim, REJEITO a preliminar suscitada pelo impetrado. Requer o impetrante, fundamentado no art. 194, IV, da Carta Política que este Magistrado declare a nulidade do ato do impetrado que reduziu o valor da aposentadoria do primeiro, assegurando a este o direito de receber seus proventos como vinham sendo pagos antes da revisão efetuada pelo INSS, até o trânsito em julgado da sentença proferida na ação ordinária acima referenciada. O impetrante, em 16.12.94, ajuizou a mencionada ação ordinária contra o Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 185 INSS, visando ao recálculo das rendas mensais iniciais (RMI) do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez na qual aquele foi transformado, bem assim, à revisão dos reajustes concedidos a ambos os benefícios. Sustentou o impetrante, naqueles autos, ter ocorrido erro material no cálculo da renda mensal inicial do auxílio-doença, que deveria ter sido fixada em Cr$ 34.837,94, correspondentes à época a 7,83 salários mínimos, e não, em Cr$ 32.958,00 (7,4 salários mínimos), como apurou o réu. Asseverou, ainda, o promovente, que o equívoco no cálculo do primeiro benefício refletiu sobre o valor inicial da aposentadoria por invalidez, requerendo, por fim, que este Magistrado determinasse a revisão dos cálculos dos dois benefícios, a fim de que ambos tivessem suas rendas mensais iniciais fixadas em 7,83 salários mínimos, haja vista ambos possuírem idêntica fórmula de cálculo. Em sua resposta, o INSS informou que procedeu à revisão das RMI’s dos benefícios do suplicante, constatando, todavia, que aquelas haviam sido calculadas incorretamente, apresentando valor superior ao realmente devido àquele segurado, posto que não foi levado em conta que o autor, contribuinte autônomo, não havia obedecido aos interstícios previstos na escala de salário-base, colacionando aos autos documentos relativos à inscrição e às contribuições daquele segurado perante a Previdência Social. Intimado, o autor não rechaçou a afirmação do réu, no tocante à não observância dos referidos interstícios, limitando-se a informar que havia ingressado na Previdência Social como empregador, passando o INSS a exigir dele, impetrante, contribuições em razão do pro labore retirado da empresa, “nunca chegando a 15 (quinze) salários mínimos, isto é, no período de Dezembro de 1979 a Novembro de 1980”. Ora, o impetrante na mencionada ação ordinária requereu que a renda mensal inicial do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez na qual aquele foi transformado fosse fixada em 7,83 salários mínimos, mantendo-se a referida equivalência nas majorações subseqüentes dos proventos. Não tendo aquele segurado comprovado a regularidade das contribuições recolhidas ao INSS, este Magistrado REJEITOU o pedido inicial, uma vez que acolher tal pretensão implicaria em computar no cálculo do benefício, contribuições recolhidas em desacordo com a escala de salário-base de que trata o Decreto 83.081/79. Ressalte-se que naquela ação ordinária em nenhuma oportunidade o suplicante alegou que tinha firmado compromisso por escrito com o INSS, visando seu posicionamento na classe 10, da escala de salário-base, conforme facultado no art. 11, da Lei 6.332/76, estando aventando tal matéria somente agora, na exordial destes autos. Obviamente tivesse o autor ventilado naquela ação ordinária que os valores recolhidos por ele ao INSS encontravam amparo na Lei 6.332/76, este Juízo teria levado em conta tal informação, oferecendo ao autor oportunidade para comprovar esse fato, pelo que, não sensibiliza este Magistrado a tese do impetrante de que a redução dos seus proventos afronta a garantia insculpida no art. 194, IV, da Constituição Federal, que a meu ver, se dirige aos benefícios regularmente concedidos. Como o impetrante não colacionou aos autos da ação ordinária nem do presente writ qualquer prova de que tenha manifestado a opção prevista na Lei 6.332/76, sendo sabido e consabido que a via estreita do mandado de segurança não admite dilação probatória, entendo ser inaplicável ao caso vertente a garantia do pré-falado inciso IV, do art. 194, da Carta Política, porquanto não comprovada a regularidade da concessão dos cálculos iniciais de sua aposentadoria. 186 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Pelas mesmas razões acima elencadas, também não julgo pertinente a ponderação do impetrante no sentido de que seus proventos foram reduzidos abruptamente, sem oportunidade de defesa, pois teve ele, impetrante, oportunidade de impugnar na mencionada ação ordinária os fatos trazidos à colação pelo INSS, mas não o fez, pelo que não antevejo o direito líquido e certo do impetrante, a justificar o restabelecimento do pagamento integral de sua aposentadoria, até o trânsito em julgado da Ação Ordinária suso referida. Não é despiciendo lembrar que a revisão praticada pelo INSS, que resultou na redução dos proventos do impetrante, encontra respaldo no verbete 473 da súmula do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogálos, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Como o impetrante não demonstrou neste Juízo que contribuiu para a Previdência Social nos termos fixados na legislação de regência, inexiste direito adquirido dele continuar percebendo sua aposentadoria com base em cálculo efetuado pelo INSS em desacordo com a referida legislação, já que os atos ilegais não geram direitos, como já decidiu o Excelso Pretório. Finalmente, quero salientar que a decisão proferida na Ação Ordinária nº 94.11305-6 não obsta que o impetrante venha a buscar nas vias próprias o reconhecimento da regularidade das contribuições recolhidas por ele à Previdência Social, uma vez que este Magistrado apenas valeu-se das informações trazidas pelo INSS, as quais, repito, não foram impugnadas pelo autor, para verificar se as rendas mensais iniciais do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez havia apresentado valor inferior ao devido àquele segurado, concluindo, a vista das referidas informações, não ser possível atender o pedido do promovente, que pretendia receber proventos equivalentes a 7,83 salários mínimos, e não, 7,4 salários mínimos, como originalmente foi concedido pelo órgão previdenciário. Ajunte-se a isso que este Magistrado, após entender naquela ação ordinária que a aposentadoria do impetrante foi concedida em desacordo com os ditames legais, não pode ir de encontro à sua própria decisão, proferida nos referidos autos, e determinar que esse segurado continue recebendo proventos equivalentes a 7,4 salários mínimos até o trânsito em julgado daquela sentença, restando ao impetrante aguardar o julgamento da apelação por ele interposta perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Por todo o exposto, DENEGO A SEGURANÇA, sem embargo de o impetrante pleitear nas vias ordinárias o reconhecimento da regularidade das contribuições vertidas por esse segurado à Previdência Social. Isento de honorários - Súmula 512 do STF. Custas na forma estatuída na Lei 9.289/96. P. R. I. João Pessoa, 30 de agosto de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 187 MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA - MEDIDA PROVISÓRIA Processo nº 96.06833-0 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: VÂNIA MARIA CARTAXO GUIMARÃES Impetrado: GERENTE DO ESCRITÓRIO REGIONAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE NA PARAÍBA e OUTRO SENTENÇA EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. PSS. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA POR FORÇA DE MEDIDA PROVISÓRIA E SUAS POSTERIORES REEDIÇÕES. INCONSTITUCIONALIDADE RENOVAÇÃO DE MATÉRIA JULGADA INCONSTITUCIONAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ATRAVÉS DA ADIN 790-4-DF. DESRESPEITO AO PRAZO NONAGESIMAL. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DA MP 560/94 E SUAS REEDIÇÕES. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1. A medida provisória 560/94 e todas as suas reedições, nada mais são que a reprodução da norma suspensa pela Suprema Corte, demonstrando, à evidência, a renitência do Executivo em impor ao servidor o custeio da contribuição, na forma em que declarada, pela Cúpula do Judiciário, inconstitucional. 2. Como se não bastasse a inconstitucionalidade material, há ainda a destacar a infringência ao prazo nonagesimal, que resulta da exigência da contribuição, através da edição da MP 560, em 26 de julho de 1994, sem observância da vacatio legis de noventa dias e o que é pior, com efeitos retro-operantes. 3. Concessão da segurança. Vistos etc. VÂNIA MARIA CARTAXO GUIMARÃES, qualificada na exordial, impetrou Mandado de Segurança contra ato supostamente ilegal e abusivo, atribuído ao GERENTE DO ESCRITÓRIO REGIONAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE NA PARAÍBA, tendo por litisconsorte passivo necessário a UNIÃO, consubstanciado no desconto incidente sobre seus vencimentos, a título de contribuição para o PSS (Plano de Seguridade Social do Servidor Público Civil dos Poderes da União, das Autarquias e das Fundações), à alíquota majorada, com base na Medida Provisória 560, de 26.07.94 e reedições. Alegando contra a ilegalidade e abusividade do ato, sustenta, em resumo, que: a) a exigência da aludida contribuição, através de Medida Provisória sistematicamente reeditada, nada mais é que a reprodução da norma contida no parágrafo 1º do art. 231 da Lei 8.112/90, com a redação dada 188 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba pelo art. 9º da Lei 8.162/91, suspensa pelo Cl. Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 790-4, publicada no DJU de 27.10.92; b) a Medida provisória 560/94 entrou em vigor com efeitos retro-operantes, não cumpriu o prazo nonagesimal para exigibilidade, além de inadequada para alterar ou instituir contribuição nova. Instruiu a petição inicial com procuração e documentos de fls. 07/10, pugnando pela segurança, para que a autoridade apontada como coatora se abstivesse dos descontos da contribuição em causa, na forma prevista na MP 560/94 e suas reedições, procedendo à dedução nos moldes da legislação pretérita, tal como disposto no art. 249 da lei 8.112/90. No despacho de fls. 12, foi determinado que a impetrante requeresse a citação da União como litisconsorte passivo necessário. Na petição de fls. 13, a impetrante requereu a citação da União como litisconsorte passivo necessário. A liminar foi INDEFERIDA (fls. 23), sendo também, determinada a citação da União. Notificada, a autoridade impetrada não se pronunciou. Citada, a União ofereceu contestação, argüindo, preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam e a carência de ação, por entender que a impetração se bate contra lei em tese e por se achar ilegítima para figurar no pólo passivo da impetração, por se tratar de matéria de natureza fiscal. No mérito, sustenta a inexigibilidade de lei complementar, porque a contribuição em tela tem por fundamento o art. 149, combinado com o parágrafo 6º do art. 40, ambos da Constituição Federal. No mais, sustenta a legalidade do ato impugnado. O Ministério Público Federal, em Parecer da lavra do culto Procurador da República, Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS, opinou pela concessão da segurança. Relatados, DECIDO. Por primeiro, cumpre deslindar as prejudiciais de mérito suscitadas. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO DA UNIÃO A União é parte legítima, na qualidade de litisconsorte passiva necessária, eis que divide com o servidor público o custeio da seguridade social, (art. 40, parágrafo 6º da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda 3/93), daí seu interesse, já que sofrerá a repercussão dos efeitos patrimoniais da sentença, se concessiva. Aliás, citada, a União atendeu à convocação, defendendo a manutenção do ato impugnado. Mantenho-a, pois, na relação jurídica processual, inclusive, prevenindo nulidade e, destarte, entendo despicienda a convocação à lide da PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL. Ademais, não existe a pessoa jurídica FAZENDA NACIONAL, razão pela qual não poderia ser chamado a integrar a lide um ente despersonalizado. Caso haja na lei que criou a Advocacia Geral da União procuradores específicos para determinada matérias que seja o feito a eles remetido por ato interna corporis da repartição. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 189 MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE A impetração não se volta contra lei em tese, posto que os impetrantes atacam ato concreto, que, executando a previsão legal (Medida Provisória 560/94 e reedições), determina o desconto em seus vencimentos, à alíquota majorada, da contribuição para o PSS, configurando, a toda vista, violação de direito individual, que viabiliza a propositura do Mandado de Segurança. Rejeito, por essas razões, a preliminar invocada pela União. MÉRITO No mérito, razão assiste à impetrante. Por primeiro, cumpre tecer as seguintes considerações: 1°) A interpretação sistemática da C.F. informa que as contribuições sociais não estão sujeitas à lei complementar; 2º) Com respeito à irredutibilidade de vencimentos também não se tem como cogitar de transgressão do art. 37, XV da C.F. no que majoradas as alíquotas da contribuição social. A jurisprudência sedimentada no STF é no sentido da plena harmonia dos descontos assistenciais com o princípio da irredutibilidade de vencimentos; No mais, razão assiste à impetrante. O Plano da Seguridade dos Servidores Públicos instituído pela Lei 8.112/ 90 (art. 231, parágrafo único) tem sobrevivido de forma tortuosa, desde a sua regulamentação pela Lei 8.162/91, que introduziu alíquotas variáveis, de 9 a 12%, sobre a remuneração mensal do servidor, antes fixada em 6%. Nota-se que até a vigência da Lei 8.162/91, os servidores públicos contribuíam, por força da Lei nº 6.439/77, regulamentada pelo decreto 83.081/79, alterado pelo decreto-lei nº 1.910/81, com a alíquota de 6%, correndo à custa do Tesouro Nacional o ônus decorrente das aposentadorias. O projeto que resultou na Lei nº 8.112/90, reafirmou o princípio de que a responsabilidade pelo custeio integral da aposentadoria integral dos servidores públicos federais cabe ao Tesouro Nacional, § 2º do art. 231. Esse dispositivo foi vetado, pois se entendia que a matéria estaria disciplinada nos arts. 183 e 231 caput. Em 08 de janeiro de 1991, foi editada a Lei 8.162 estabelecendo alíquotas variáveis, a expressar a contribuição mensal dos servidores, de 9% a 12%, art. 9º. Ocorre que a seguir o Congresso Nacional, em abril de 1991, derrubou, dentre outros vetos, o relativo ao § 2º do art. 231, prevalecendo, portanto, o quadro pretérito atinente a contribuições e benefícios previdenciários, ou seja, o custeio da aposentadoria como de responsabilidade integral do Tesouro Nacional, devendo, destarte a alíquota a cargo do servidor voltar a ser na ordem de 6%. Nesse diapasão, se pronunciou o STF, ao declarar inconstitucional, no julgamento da ADIn 790-4-DF, a majoração da alíquota, ante a inexistência de causa suficiente à elevação da contribuição do servidor para o PSS, entendimento esse cristalizado na seguinte ementa: “CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. MAJORAÇÃO PERCEN-TUAL. CAUSA 190 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba SUFICIENTE. DESAPARECIMENTO. CONSEQÜÊNCIA. SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. O disposto no art. 195, parágrafo 5º, da Constituição Federal, segundo o qual “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio”, homenageia o equilíbrio atuarial, revelando princípio indicador da correlação entre, de um lado, contribuições e, de outro, benefícios e serviços. O desaparecimento da causa da majoração do percentual implica o conflito da lei que a impôs com o texto constitucional. Isto ocorre em relação aos servidores públicos federais, considerado o quadro revelador de que o veto do Presidente da República relativo ao preceito da Lei 8.112/90, prevendo o custeio integral da aposentadoria pelo Tesouro Nacional, foi derrubado pelo Congresso, ocorrendo, no interregno, a edição da lei - a de nº 8.162/91- impondo percentuais majorados”.(RTJ 147, p. 921). Daí a convicção de que os acréscimos combatidos passaram a ser uma tributação adicional sobre a remuneração dos servidores, após a derrubada do veto do § 2º do art. 23, persistindo o móvel da majoração das contribuições previstas no art. 9º da Lei 8.162/ 91, contrariando a regra implícita correspondente ao § 9º do art. 195 da Carta Magna. Entretanto, tal vício foi ressuscitado pelo Poder Executivo, pelo que se vê do texto da Medida Provisória 560/94 e todas as suas reedições (já passam das dezoito), que nada mais são que a reprodução da norma suspensa pela Suprema Corte, demonstrando, à evidência, a renitência do Executivo em impor ao servidor o custeio da contribuição, na forma em que declarada, pela Cúpula do Judiciário, inconstitucional. Dita inconstitucionalidade, declarada em alto e bom som pela Corte Suprema deveu-se à falta de motivação para o aumento das contribuições previdenciárias dos servidores públicos, eis que, derrubado o veto do Presidente da República ao § 2º do art. 231, da Lei 8.112/90, o Tesouro voltou a custear as aposentadorias, desaparecendo a causa determinante do aumento das alíquotas - cobrir a parcela do Tesouro nas aposentadorias. A premissa de toda contribuição social é a necessidade de custeio da seguridade. A seguridade social é financiada por toda a sociedade de forma direta e indireta, nos termos da lei. À regra segundo a qual nenhum benefício poderá ser criado majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total, corresponde a relativa à exigibilidade de causa suficiente para a majoração sob pena desta última discrepar do móvel que lhe é próprio, ligado ao equilíbrio atuarial entre contribuições e benefícios, implicando nesse aspecto, um adicional sobre a renda do trabalhador. Da mesma forma que não pode ser criado um benefício sem a sua respectiva fonte de custeio, não se justifica um aumento na alíquota de contribuição dos servidores públicos civis se inexiste despesa a ser coberta. Ainda como fundamento, faço minhas as oportunas e percucientes considerações do Parecer Ministerial da lavra do douto Procurador Regional da República, EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA, exarado em feito análogo ao presente, acerca do equilíbrio autarial entre custeio de despesa, que transcrevo e adoto, também, como razão de decidir: “O equilíbrio entre as fontes de custeio e os valores dos benefícios pagos pela seguridade social reputa-se, atualmente, em mais uma limitação ao arbítrio do legislador, impedindo que novas obrigações sejam criadas sem Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 191 a respectiva majoração nos benefícios. Criou-se, portanto, uma verdadeira relação custo-benefício, a ser respeitada, de modo incondicional. Historicamente, o percentual de 6% sobre o salário-base do funcionalismo público sempre foi tido como suficiente ao regular funcionamento do sistema securitário a que este faz jus. Se com o veto presidencial ao § 2º do art. 231, da Lei nº 8.112/90, era imprescindível a criação de uma nova fonte de custeio, com a sua derrubada pelo Congresso Nacional foi mantida a responsabilidade integral do tesouro nacional pelo custeio da aposentadoria, não havendo mais porque majorar as alíquotas do desconto na remuneração do funcionário público civil. Se fosse mantido o aumento, estaria sendo instituído um adicional sobre a renda, em flagrante afronta aos artigos 149 e 153, da CF. Assim sendo, o equilíbrio autarial, invocado para o aumento das alíquotas, não tem, portanto, razão de ser, já que não houve modificação substancial no volume de benefício pago pela seguridade social”. Como se não bastasse a inconstitucionalidade material, há ainda a destacar a infringência ao prazo nonagesimal, que resulta da exigência da contribuição, através da edição da MP 560, em 26 de julho de 1994, sem observância da vacatio legis de noventa dias. É que, com a suspensão do art. 9º da Lei 8.162/91, a matéria passou a ser regulada, desta feita pela Lei 8.688/93 que, apesar de respeitar a vacatio legis de noventa dias para exigibilidade, teve sua existência limitada até o dia 30 de junho de 1994 (art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.688/93). Ora, esgotado o prazo de vigência da referida lei, exsurge a inconstitucionalidade da manutenção da contribuição às alíquotas majoradas pela lei morta, através de medida provisória publicada quase um mês depois, 27.07.94, que, atribuindo-se efeitos retro-operantes, antecipou sua vigência para 1º de julho de 1994, em flagrante descumprimento à vacatio legis de 90 dias. Não há como uma medida provisória, ato normativo precário e transitório, que perde sua eficácia se não for transformado em lei no prazo de 30 (trinta) dias, a partir de sua publicação (art. 62, § 2º da CF/88), respeitar o prazo nonagesimal para a vigência da contribuição previdenciária, prazo este que é o triplo da existência efêmera da medida provisória não convertida em lei. Quando do escoamento do prazo nonagesimal já teriam de ter sido editadas 03(três) medidas provisórias sobre a matéria, que igualmente teriam de respeitar o prazo nonagesimal. Parafraseando THOMAS MALTHUS, enquanto a vigência da medida provisória dá-se em progressão aritmética, o prazo nonagesimal se multiplica em progressão geométrica. Isto posto, CONCEDO A SEGURANÇA, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 1º da Medida Provisória 560/94 e determinando à Autoridade impetrada se abstenha de deduzir dos vencimentos da impetrante as contribuições para a seguridade social, na forma prevista na MP 560/94 e suas reedições, procedendo à dedução nos moldes da legislação anterior, ou seja, à alíquota de 6%. Sem honorários (SÚMULA 512 STF). Custas, ex lege. 192 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição. Correções cartorárias. P. R. I. João Pessoa, 20 de novembro de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3a. Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 193 PSS - CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - INATIVOS Processo nº 96.06191-2 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL NO ESTADO DA PARAÍBA Impetrado: CHEFE DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS - DNOCS (2º DISTRITO DE ENGENHARIA RURAL) e OUTRO. SENTENÇA EMENTA. MANDADO DE SEGURANÇA - PREVIDENCIÁRIO - PLANO DE SEGURIDADE SOCIAL - INATIVOS - INCLUSÃO REGULAMENTADA POR MEDIDA PROVISÓRIA E SUAS POSTERIORES REEDIÇÕES INCONSTITUCIONALIDADE - CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1. Extensão aos proventos dos servidores públicos inativos, da incidência da contribuição para o custeio da Previdência Social. Incabimento. 2. A aposentadoria deve ser custeada pela contribuição da União e dos servidores ativos. (Inteligência do art. 40, § 6º da Constituição Federal). 3. A Lei nº 8.112/90, em seu art. 2º, define servidor como sendo a pessoa legalmente investida em cargo público. 4. Uma vez concedida a aposentadoria deverá esta conservar o poder aquisitivo inicial, produto de ato jurídico perfeito consumado. 5. As Medidas Provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação (art. 62, § 2º da CF). 6. Concessão da segurança. Vistos etc. SINDICATO DOS TRABALHADORES EM SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL NO ESTADO DA PARAÍBA - SINTSERF/PB, qualificado na inicial, na qualidade de substituto processual de seus associados, impetra o presente mandado de segurança coletivo contra suposto ato ilegal e abusivo, atribuído ao CHEFE DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS - DNOCS - 2º DISTRITO DE ENGENHARIA RURAL, tendo por litisconsorte passivo necessário a UNIÃO, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 7º da Medida Provisória nº 1.415/96 e do art. 7º da Medida Provisória 1.463-2/96 para sustar sua eficácia e determinar à autoridade coatora a abstenção de quaisquer descontos relativos à contribuição social sobre os proventos dos servidores aposentados. Alegando contra a ilegalidade e abusividade do ato, sustentam, em resumo, 194 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba que: a) a exigência da aludida contribuição, através de Medida Provisória sistematicamente reeditada, pretende obter resultado idêntico ao do Projeto de Lei enviado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo em 30 de agosto de 1995, recebido sob o nº 914, de 1995, e rejeitado pelo Plenário da Câmara dos Deputados; b) que tal medida deu nova redação ao art. 231 da Lei nº 8.112/90 visando incluir os inativos dentre os responsáveis pelo custeio do Plano, passando a exigir dos aposentados a contribuição exigidas aos servidores públicos civis regidos pela Lei nº 8.112/90, ocupantes de cargos efetivos. c) o referido dispositivo infringe o direito adquirido, constitucionalmente assegurado, dos inativos ao não custeio do Plano de Seguridade Social, (arts. 195 e 40 da Constituição Federal). Instruiu a petição inicial com procurações e documentos de fls. 13/48, pugnando pela segurança, para que seja declarada incidentalmente a inconstitucionalidade das Medidas Provisórias 1.415/96 e 1.463-2/96 e, que a autoridade apontada como coatora se abstivesse dos descontos da contribuição em causa, na forma prevista nos art. 7º das referidas Medidas. A liminar foi indeferida fls. 51/53. Citada, a União ofereceu contestação, argüindo, preliminarmente a ilegitimidade passiva ad causam, por se tratar de matéria de natureza fiscal e a carência de ação, por entender que a impetração se bate contra lei em tese. No mérito, sustenta a inexigibilidade de lei complementar, porque a contribuição em tela tem por fundamento o art. 149, combinado com o parágrafo 6º do art. 40, ambos da Constituição Federal. No mais, sustenta a legalidade do ato impugnado. Notificada, a Autoridade impetrada prestou informações de estilo, onde, preliminarmente, argüi a sua ilegitimidade passiva ad causam por não ter poder decisório em relação a alíquota do PSS dos servidores do órgão. No mérito, alega a legitimidade do ato uma vez que a Medida Provisória tem força de lei enquanto não for rejeitada pelo Congresso. O Ministério Público Federal, em brilhante parecer da lavra do culto Procurador da República, Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS, opinou pela concessão da segurança. Relatados, DECIDO. PRELIMINARES LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO DA UNIÃO e ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM A União é parte legítima, na qualidade de litisconsorte passiva necessária, eis que divide com o servidor público o custeio da seguridade social, (art. 40, parágrafo 6º da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda 3/93), daí seu interesse, vista que sofrerá a repercussão dos efeitos patrimoniais da sentença, se concessiva. Aliás, citada, a União atendeu à convocação, defendendo a manutenção do ato impugnado. Mantenho-a, pois, na relação jurídica processual, inclusive, prevenindo nulidade e, destarte, entendo Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 195 despicienda a convocação à lide da PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE A impetração não se volta contra lei em tese, posto que os impetrantes atacam ato concreto, que, executando a previsão legal (Medidas Provisórias 1.415/96, 1.463/ 96 e reedições), determina o desconto em seus proventos, da contribuição para o PSS, configurando, a toda vista, violação de direito individual, que viabiliza a propositura do Mandado de Segurança. Rejeito, por essas razões, a preliminar invocada pela União. ILEGITIMIDADE DO IMPETRADO Não prospera. Autoridade coatora, segundo esmerada doutrina e jurisprudência, é aquela que, dentro de sua esfera de competência, possui poder decisório e pode corrigir o ato inquinado com a pecha de ilegal e abusivo. No caso presente, o impetrado, na qualidade de ordenador de despesa do órgão a que pertencem os substituídos pode sustar a cobrança do PSS e, destarte, figurar no pólo passivo da demanda, razão pela qual rejeito a preliminar ventilada. MÉRITO A pretensão do impetrante insurge-se contra os termos das Medidas Provisórias nºs 1.415/96 e 1.463/96 e suas reedições que entre outras disposições, em seu art. 7º, alterou a redação do art. 231 da Lei nº 8.112/90, que instituiu a cobrança da contribuição social para os servidores inativos da União. As Medidas Provisórias nºs 1.415/96 e 1.463/96 e suas reedições, dispõem sobre o reajuste do salário mínimo e dos benefícios da Previdência Social, alteram alíquotas de contribuição para a Seguridade Social e institui contribuição para o servidores inativos da União, sendo este último o cerne da questão no presente mandumus. Pois, o art. 7º das referidas medidas, traz: “Art. 7º - O artigo 231 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 231. O Plano de Seguridade Social do servidor será custeado com o produto da arrecadação de contribuições sociais obrigatórias dos servidores ativos e inativos dos três Poderes da União, das autarquias e das fundações públicas. ........................................... § 3º A contribuição mensal incidente sobre os proventos será apurada considerando-se as mesmas alíquotas e faixas de remuneração estabelecidas para os servidores em atividade.” A inovação trazida pela medida provisória em relação ao texto anterior são as expressões ativos e inativos, pois, a redação alterada apenas continha a expressão servidores de forma isolada. Para melhor se entender tais aditivos, necessário se torna compreender o significado de servidor. A própria Lei nº 8.112/90, em seu artigo 2º, assim define: “Para efeitos desta lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público.” 196 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Para Celso Antônio Bandeira de Mello, servidor tem a presente definição: “A designação servidores públicos abarca todos aqueles que entretêm com o Estado e entidades de sua administração indireta ou fundacional relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência.(Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, 4ª ed., pág.124)” E, para o mestre Hely Lopes Meirelles servidores públicos representam: “... os servidores públicos constituem em subespécies dos agentes públicos administrativos, categoria que abrange a grande massa de prestadores de serviços à Administração e a ela vinculados por relações profissionais, em razão de investidura em cargos e funções, a título de emprego e com retribuição pecuniária. (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 18ª ed., pág. 358)” Depreende-se desses conceitos que servidor público é aquele investido em cargo público que, face a prestação de serviço, mantém uma relação de trabalho. Quanto ao cargo público a legislação é expressa (art. 3º da Lei nº 8.112/ 90): “Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor”. No presente feito, os impetrantes são todos aposentados e, não ocupam mais cargo público e nem prestam mais seus serviços a administração. Entendo como descabido, face os conceitos acima, considerar os aposentados como servidores, uma vez que já não prestam mais os seus serviços à administração pública - direta ou indireta -, como bem leciona o mestre Hely Lopes Meirelles, na obra já citada, a aposentadoria para o servidor público “é a garantia de inatividade remunerada reconhecida aos servidores que já prestaram longos anos de serviço, ou se tornaram incapacitados para suas funções.” Logo, o servidor inativo não é mais um agente público, haja visto que não exerce qualquer função, ou seja, não está sujeito a qualquer atribuição ou responsabilidade, não participa da estrutura organizacional e nem está investido em cargo público. O atual regime jurídico único distingue, com nitidez, entre a condição de servidor, de ativo (arts. 5º e 182); e a de beneficiário da seguridade social, de aposentado (arts. 186 a 195), a que chama de inativo (art. 189, parágrafo único). No art. 197, refere-se ao servidor inativo, para abranger o disponível. No art. 226, alude a servidor aposentado, ou seja, ao ex-servidor, que não mais presta serviços (cf. art. 4º). E, sobre a aposentadoria a Constituição em seu art. 40, § 6º, diz que os proventos dos aposentados serão custeados por recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, senão vejamos: “Art. 40. O servidor será aposentado: ........................................... § 6º. As aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores na forma da lei”. O presente texto constitucional é claro ao afirmar que as aposentadorias Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 197 são custeadas pela União e pelos servidores em atividade (que permanece no exercício de serviço público), não incluídos os aposentados como pretende o Poder Executivo ao editar a Medida Provisória nº 1.415/96 e suas reedições. Nesse sentido trago como ilustração ensinamentos do professor Celso Ribeiro Bastos, onde diz que para o servidor público, a aposentadoria tem caráter previdenciário e pode constituir-se em direito decorrente do exercício da função pública, financiado inteiramente pelo Estado, ou seja: “... A aposentadoria é uma contraprestação do Estado por serviços prestados, nas condições especificadas em lei, ainda que não haja contemporaneidade entre a prestação do serviço e os proventos; daí falarem os doutrinadores que os proventos da aposentadoria correspondem a vencimentos diferidos, ou seja, uma parcela dos vencimentos não paga na atividade para ser paga quando da aposentadoria (pf. J. E. Abreu de Oliveira - Direito Administrativo, cit. P. 323-4) (Comentários à Constituição do Brasil, Editora Saraíva, art. 40 págs. 205/206)”. Nessa obra ainda, o constitucionalista Celso Bastos cita (pág. 206) o conceito de aposentadoria segundo o mestre Themístocles Cavalcanti, que defende este instituto como uma garantia geral para os servidores, in verbis: “O instituto da aposentadoria é, antes de tudo, uma conquista social, fundada em um princípio de justiça que não permite ao abandono na miséria, depois da velhice ou da invalidez, daquele que prestou o seu serviço ao Estado”. Dessa forma, o Executivo ao editar a Medida Provisória, ora em questão, foi um tanto quanto incongruente, equiparando o aposentado com o servidor ativo e, ainda, estipulando o recolhimento de uma contribuição social que a própria Constituição define que deve ser custeada pela União e pelos servidores em exercício. Ora, o inativo já não é servidor porque deixou o serviço público com a aposentadoria. Com relação a contribuição social, há de se analisar, ainda, o texto constitucional que diz: “Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; II - dos trabalhadores; III - sobre as receitas de concursos de prognósticos;” Portanto, mais uma vez, o próprio texto constitucional é claro ao afirmar que a seguridade social será financiada pelos trabalhadores e, não pelos aposentados como bem quer o Executivo. Em consonância com os argumentos até aqui defendido, há de observar, também, a questão da irredutibilidade do valor dos proventos, que conforme J. Cretella Jr. (in Comentários à Constituição de 1988, vol. VIII, pág. 4.302, 2ª ed., Forense Universitária), devem ser mantido o poder aquisitivo inicial, in verbis: “A irredutibilidade do valor dos benefícios é outro dos pilares orientadores 198 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba do Poder Público, na organização da seguridade social. Assim, uma vez concedido, deverá o benefício manter-se inalterado, ou seja, conservando o poder aquisitivo inicial.” Por conseguinte, o aposentado se encontra em situação subjetiva, geradora de direitos adquiridos, produto de ato jurídico perfeito, consumado, aperfeiçoado no passado. Estando o núcleo dos direitos do aposentado radicalizado na percepção dos proventos, como retribuição dos serviços pro labore facto, já prestados pelo ex-servidor, ora inativo, e, portanto estipêndio de que não pode ser privado seu titular, eis que objeto de direito adquirido. Acrescento que outro ponto a ser verificado é o fato da incompatibilidade das reedições das Medidas Provisórias com a regra de eficácia ab initio da medida não convertida em lei (art. 62, parágrafo único da Constituição Federal). Sobre essa matéria, acompanho o entendimento do tributarista Hugo de Brito Machado, que assim leciona: “Parece-nos que a reedição de medida provisória não apreciada não pode disciplinar as relações jurídicas decorrentes da medida anterior, porque isto viola, flagrantemente aliás, a regra da Constituição, segundo o qual compete ao Congresso Nacional regular as relações jurídicas decorrentes da medida provisória não convertida em lei. Por outro lado, a reedição, com tal convalidação de efeitos da medida anterior, implicaria clara e induvidosa prorrogação do prazo de trinta dias, constitucionalmente fixado, e, portanto, em modificação, pelo Presidente da República, de uma norma expressa da Constituição, o que, no plano estritamente jurídico, não é razoável admitir-se.(Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988, Editor Revista dos Tribunais, 2ª edição, pág. 33)”. Não é demais adicionar o entendimento, do Eminente Ministro JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, do Supremo Tribunal Federal sobre as edições das Medidas Provisórias, publicado no jornal a “Folha de São Paulo” do dia 18 de novembro de 1996, quando expressa: “... a cada momento uma conduta de desprezo à Constituição. As medidas provisórias são emblemáticas da posição típica de um presidencialismo imperial. Não é correto tornar a medida provisória um expediente ordinário de atividade legislativa. Sob esse aspecto, a medida provisória tem um inquestionável componente autoritário. Nada mais é do que a manifestação formal da vontade unilateral do príncipe, vale dizer, do governante. É ele quem, por uma manifestação unilateral de vontade, impõe determinadas prescrições à observância de toda a coletividade. E isso não é aceitável no contexto de uma formação social democrática, especialmente quando o chefe do Executivo é um homem que tem uma formação democrática. Isso me surpreende e me preocupa porque é prática que se tornou crônica na esfera da Presidência da República”. Dessa forma, reconheço que o aposentado não é destinatário de pagamento de contribuição previdenciária como previsto nas Medidas Provisórias nºs. 1.415/ 96 e 1.463/96 e suas reedições, por sua escancarada ilegitimidade passiva. Ainda, o aposentado está claramente amparado pelo princípio da segurança ou certeza jurídica, bem assim como dos princípios da legalidade, moralidade e legitimidade para que seja reconhecida a preservação de sua situação jurídica consolidada no tempo, sem imposição da contribuição previdenciária. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 199 Suficiente relevância, pois, da questão travejada nestes autos, ou seja, no Juízo definitivo, para o fim de se concluir pela concessão do mandumus. Isto posto, CONCEDO A SEGURANÇA, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 7º das Medidas Provisórias nºs. 1.415/96 e 1.463/96 e de suas reedições, determinando à autoridade impetrada que se abstenha de deduzir dos proventos dos impetrantes-substituídos, nominados na relação constante dos autos, as contribuições para a seguridade social. Sem honorários (SÚMULA 512 STF). Custas, ex lege. Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição. P. R. I. João Pessoa, 27 de novembro de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 200 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba APOSENTADORIA - TEMPO DE SERVIÇO Processo Nº 94.08819-1 – MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: GUILHERMO CAMPOS PEREZ Impetrado: REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB SENTENÇA I – RELATÓRIO (CPC, art. 458, I) Vistos etc... GUILHERMO CAMPOS PEREZ, qualificado na exordial, impetra através de advogado legalmente habilitado mandado de segurança contra ato reputado abusivo e ilegal imputado ao Sr. REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA, visando obter proteção judicial reparadora contra o indeferimento de pedido de aposentadoria a que alega ter direito, por cumprimento do tempo de serviço exigido por lei. 2. Aduz que, na qualidade de brasileiro naturalizado, exerce as funções de professor adjunto da UFPB há mais de 15 (quinze) anos e conta mais 20 (vinte) anos, 9 (nove) meses e 16 (dezesseis) dias de serviço prestado em seu País de origem, o Chile, conforme faz certo a documentação trazida em anexo e o tratado internacional sobre a matéria assinado entre os dois Estados. 3. Segundo, entende o Acordo de Previdência Social concluído entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Chile, assinado na capital Santiago aos 10 de outubro de 1980, teve aprovação pelo Decreto Legislativo nº 27, de 1982, autorizando a contagem do tempo de serviço pretendida, nos termos da Constituição. 4. Argüi que o seu pleito foi indeferido com base em dois pareceres das assessorias jurídicas da UFPB e do Ministério da Educação e Desportos, no sentido de que o tratado sob comento não teria a abrangência que lhe pretende emprestar o impetrante e que, para a contagem do tempo de serviço prestado na República do Chile, exigível se torna o pagamento da contribuição respectiva junto ao INSS. 5. Processado sem liminar, à inicial foram juntados os documentos necessários ao conhecimento e julgamento do pedido, com guia de recolhimento de custas e regular instrumento de procuração. 6. Notificada, prestou a autoridade impetrada as informações de estilo (fls. 38/40), sustentando a regularidade e legalidade do seu procedimento e a inexistência de qualquer direito a proteger em favor do impetrante, especialmente: a) que o impetrante não contribuiu para a Previdência Social pelo tempo de serviço prestado em lei para a aposentadoria de docente (trinta anos); Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 201 b) que o Tratado sob o qual se funda o pedido condiciona textualmente a contagem à observância da “legislação do País onde tenham sido prestados os serviços respectivos”, autorizando cada parte celebrante a aplicar suas respectivas leis. 7. O ilustrado Procurador da República que atua no feito advoga a rejeição do writ, aduzindo que o Acordo tem aplicação restrita aos trabalhadores regidos pela CLT, não se assemelhando o serviço prestado no estrangeiro a tempo trabalhado no âmbito federal, estadual ou municipal, dependendo a eficácia do tratado de “ajustes administrativos”, que o complementariam. A seguir, vieram–me conclusos os autos para sentença, que, relatados, DECIDO. II - FUNDAMENTOS (CPC, art. 458, II) 9. Trata–se, como se vê, de examinar–se sobre a possibilidade ou não de contagem de período de trabalho prestado ao governo do Chile por cidadão de origem chilena, naturalizado brasileiro, para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço, presentes as normas internacionais emanadas do Acordo de Previdência Social oficializado entre a República Federativa do Brasil e o Governo da República Andina, em confronto com a legislação previdenciária nacional. 10. Diga–se, de início, que nenhum dos documentos juntados pelo impetrante foi impugnado, seja pela autoridade reputada coatora, seja pelo ilustrado órgão ministerial, estando a demonstrar efetivamente o tempo de serviço prestado ao governo do Chile, regularmente trazidos, autenticados e devidamente traduzidos e aquele prestado no Brasil. 11. Para ser correto e por rigor ao sistema e à técnica da Constituição, tem-se como nacional a legislação fundada em tratados e acordos bilaterais de que participe o Brasil, respeitado o devido processo legislativo estabelecido pela Carta. 12. A legislação brasileira, assim, não resta dúvida, assegura ao professor empregado na iniciativa privada ou integrante do serviço público aposentadoria por tempo de serviço com rendimento mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício ou proventos integrais, respectivamente, contados 30 (trinta) anos de efetivo serviço ou em caso de enfermidade, conforme definido em lei. Nesse sentido, o texto da Carta de 1988, arts. 40, inciso III, alínea “b” e 202, inciso III; o Regulamento de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213, de 24.7.1991), art. 56; e o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei nº 8.112, de 11.12.1990), art. 186, inciso III, alínea “b”. 13. No caso dos autos, o tempo de serviço do impetrante encontra–se devidamente demonstrado pela documentação colacionada e, afora o texto do Acordo citado, tem-se como inexistente qualquer previsão categórica da legislação que especifique o direito à contagem do tempo de serviço externo para os efeitos requeridos, no Brasil. 14. Ainda assim, tenho que a aposentadoria do servidor encontra-se amparada pela legislação constitucional e infraconstitucional brasileira, senão vejamos. 15. A Constituição de 1988, como as anteriores recentes, dentre os direitos sociais dos trabalhadores públicos e privados (CF, arts. 7º, inciso XXIV e 40, inciso III, alínea “b”), assegurou ao brasileiro nato, como ao naturalizado, o direito à aposentadoria, regulada nos termos dos Diplomas legais antes citados. 202 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 16. Para a contagem de tempo de serviço prestado no estrangeiro, tanto a Constituição quanto a legislação infraconstitucional brasileiras foram omissas, dando ensejo a iniciativa das relações exteriores de ambos os países no sentido de suprirem essa lacuna, mediante assinatura e inclusão no sistema positivo de cada Estado de legislação pertinente, consubstanciada in casu no Acordo Internacional de Previdência Social antes mencionado. 17. A disciplina do tratado internacional no sistema constitucional brasileiro, como as normas definidoras dos direitos e garantias individuais, tem aplicação imediata no Brasil tão logo aprovados pelo Congresso mediante Decreto Legislativo (quando se trate de atos que acarretem encargos ou compromissos gravosos), ou em data neste fixada, mantidos os seus efeitos mesmo quando não previstos ou não decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição (CF, art. 5º, §§ 1º e 2º). 18. O texto aprovado pelo Congresso estabelece “normas que regulam as relações entre os dois países, em matéria de Previdência Social” (Preâmbulo) e fala em “trabalhadores chilenos no Brasil e... brasileiro no Chile”. Por isso, o d. Procurador entendeu excluídos os “trabalhadores” sujeitos ao regime estatutário, por não utilizada especificamente a palavra “servidor” no diploma inter-Estados. 19. Em que pese a inteligência desse entendimento, tenho para mim, com respaldo em REZEK (Direito Internacional Público – Curso Elementar, Saraiva, 3ª edição, 1993, pág. 9), que a exegese mais correta dos tratados e acordos internacionais deve levar em conta especialmente os costumes e os princípios gerais de direito, utilizadas a jurisprudência e a doutrina apenas como meios auxiliares, não descartada, ainda, a eqüidade. 20. Ora, a orientação que vislumbra interpretação restritiva para a expressão “trabalhador” como o indivíduo unicamente vinculado a um regime jurídico de trabalho é própria do sistema jurídico brasileiro, que distingue entre “trabalhadores” celetistas e servidores estatutários, que não pode prevalecer nas relações internacionais. Aqui, a particularidade do sistema e a realidade específica decerto que são diversas daquela reinante no Chile e, com certeza, em outros países. 21. Aliás, o próprio Acordo se encarrega de elencar as exceções à sua vigência, não incluindo nestas nenhuma nota específica quantos aos regimes jurídicos de qualquer dos dois países. 22. Certo, pois, com a devida venia, que tal não significa apenas matéria pertinente a trabalhadores regidos pelas normas de direito privado, havendo um conteúdo de abrangência mais geral para os dois Estados, segundo o qual as disposições envolvem todos os sistemas previdenciários relativos aos regimes adotados no Chile e no Brasil, sendo neste o celetista e o estatutário. 23. Quanto ao tratamento a ser dado ao tempo de serviço, firmou-se: “ARTIGO VII –“ “1. Os períodos de serviço cumpridos em ambos os Estados Contratantes poderão, desde que não sejam simultâneos, ser totalizados para a concessão das prestações que estabeleça o Ajuste Administrativo.” “2. O cômputo desses períodos se regerá pela legislação do país onde tenham sido prestados os serviços respectivos.” 24. E no artigo VIII: Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 203 “1. Cada Entidade Gestora determinará, de acordo com a sua própria legislação e com base no total dos períodos cumpridos em ambos os Estados Contratantes, se o interessado reúne as condições necessárias para a concessão de prestação.” “2. Em caso afirmativo, determinará o valor da prestação como se todos os períodos tivessem sido cumpridos sob a sua própria legislação e calculará a parcela a seu cargo, na proporção dos períodos cumpridos exclusivamente sob essa legislação”. 25. A pretensa lacuna existente no “direito interno” deixou então de existir, uma vez editado o Decreto Legislativo referenciado, que tornou obrigatória no Brasil a observância do texto do Acordo firmado entre os seus signatários, autorizando-se a contagem do tempo de serviço relativamente à “concessão das prestações que estabeleça o Ajuste Administrativo”. 26. Vê-se, daí, que apenas a concessão das prestações é que deverá ser estabelecida no Ajuste, e não a contagem do tempo trabalhado. Este é direito assegurado, independentemente de qualquer outra formalidade pelas leis brasileiras, em consonância com o item 2 do ARTIGO VII suso transcrito. 27. Visto isso, à legislação brasileira é que caberá estabelecer como será concedida a aposentadoria. Para os trabalhadores sujeitos ao regime privado, exige-se um período de carência, variável de acordo com o benefício pleiteado. Para os servidores públicos, tem-se apenas a exigência do tempo de serviço, ou, em caso específicos, como a aposentadoria compulsória, a conseqüência da proporcionalidade. No caso do impetrante, a carência exigida no âmbito da Previdência Social aplicável aos trabalhadores sob o regime privado – 180 (cento e oitenta) prestações, de acordo com o art. 25, inciso II, da Lei nº 8.213/ 91 – foi integralmente cumprida, resultado do período de 15 anos trabalhado para a UFPB. 28. Não teria sentido interpretar-se de maneira diversa o texto do Acordo em causa, que perderia eficácia justamente para o fim maior que visou proteger, ou seja, o tratamento isonômico previdenciário dos nacionais de ambos os países, significando o entendimento em contrário, especialmente para trabalhadores com idade mais avançada como o impetrante, verdadeira impossibilidade de aposentar-se, a não ser pela compulsória, ainda assim com proventos proporcionais ao tempo de serviço “prestado no Brasil”. 29. Sem contar o humanitarismo que encerra a matéria versada, entendo que, em termos de interesses multinacionais, a execução do Acordo desperta maior apelo da parte do Estado brasileiro do que do Chile, na medida em que as colônias de nacionais desses países provavelmente penderá mais para o Brasil do que para este último, consideradas as medidas geográficas e populacionais, conquanto não se encontre em julgamento este aspecto, próprio que é das autoridades do Executivo. Não há, pois, como negar–se bom direito à impetração. III - DISPOSITIVO (CPC, art. 458, III) 31. ISSO POSTO, desarmônico com o douto parecer ministerial, acolho o pedido deduzido na peça vestibular e concedo integralmente a segurança, para reconhecer o direito à contagem do tempo de serviço prestado ao governo chileno pelo impetrante, para efeito de aposentadoria, determinando o processamento do pedido administrativo, cujo exame dos demais requisitos ficará a cargo da instituição autárquica de ensino superior paraibana, a 204 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba UFPB. 32. Sentença sujeita a reexame necessário. 33. Sem honorários (STF e STJ, Súmulas nº 512 e 105, respectivamente). 34. Custas ressarcíveis pela UFPB, de quem é agente a autoridade coatora. P.R. I. João Pessoa, 19 de dezembro de 1994. JANÍLSON BEZERRA DE SIQUEIRA Juiz Federal Substituto da 1ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 205 TEMPO DE SERVIÇO - RECONHECIMENTO Processo nº 96.03857-0 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: AVANI DANIEL DE ASSIS Impetrado: DIRETOR DA DIVISÃO DE SEGURO SOCIAL DO INSS SENTENÇA Vistos etc. AVANI DANIEL DE ASSIS, qualificado nos autos, por advogado legalmente constituído (fls. 12), impetrou mandado de segurança com pedido de liminar contra ato do DIRETOR DA DIVISÃO DE SEGURO SOCIAL DO INSS, também qualificado, objetivando cadastrar-se como segurado-facultativo-estudante, perante a Previdência Social, retroativamente, pelo período correspondente a maio/1963 a abril/1973. 2. Fundamentou o pedido na CF, artigo 5º, LXIX, na Lei nº 1.533/51 e em legislação de natureza previdenciária. 3. Na petição inicial (fls. 02/10), que trouxe aos autos documentação (fls. 12/16) pertinente à pretensão deduzida, alegou textualmente que: “No dia 26 de março de 1996, a Impetrante protocolizou junto à Superintendência Estadual do INSS na Paraíba, (...) endereçado à Diretora da Divisão de Seguro Social do INSS, pleiteando autorização para efetuar o recolhimento como segurado facultativo-estudante, nos termos dos Decretos nºs 83.081/79 e 90.817/85, combinados com os decretos-lei nºs. 611/92 e 612/92, correspondente ao período de maio de 1963 a abril 1973, conforme documento nº 02 que segue em apenso. No dia 06 de maio de 1996, foi notificada através de um pedaço de papel que o seu pleito não encontrava amparo legal face ao disposto no memo ‘circular nº 13.700.0/02/96’, tendo juntado ao comunicado um parecer apócrifo, documento 03 e 04 que vão em anexo (...).” 4. Pagas as custas iniciais (Lei nº 6.032/74, RCJF, artigo 13, tab. I, nº II), foi indeferida (fls. 19) a liminar e determinada a notificação do impetrado para prestar informações (Lei nº 1.533/51, artigo 7º, inciso I). 5. essencialmente que: O impetrado, em tempestivas informações, argüiu (fls. 22/25) “(...) ao Segurado-Facultativo-Estudante, não estendeu a permissividade de reconhecimento e conseqüente recolhimento de contribuições, de períodos anteriores à Lei nº 8.213/91. Constata-se, de modo irrefutável, que o reconhecimento do período 206 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba questionado na qualidade de Segurado-Facultativo-Estudante, como deseja a Impetrante, é data-venia juridicamente impossível, por falta de previsão legal, haja vista que, somente após o advento da Lei nº 8.213/91, tal categoria foi inserida nas demais abrangidas pela Previdência Social (art. 8º, “c”). Não obstante, quando do requerimento do reconhecimento de tempo de serviço, além do recolhimento das contribuições correspondentes, faz-se necessário que a atividade exercida já esteja abrangida pelo Regime de Previdência Social Urbano. Portanto, o início da contagem de tempo de serviço dessa categoria darse-á, a partir da edição da mencionada Lei, com a primeira contribuição relativa à inscrição (...).” 6. O d. MPF, como parte pública autônoma, pronunciou-se (fls. 31/33) pela denegação da segurança, em parecer que recebeu a seguinte ementa: “EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉCONSTITUÍDA DAS SITUAÇÕES E FATOS QUE EMBASAM O DIREITO INVOCADO PELA PARTE-IMPETRANTE. CONSEQÜÊNCIA. SEU DESCABIMENTO”. 7. sentença. Sem incidentes, os autos vieram-me conclusos (fls. 34 verso) para Relatados, DECIDO. 8. A discussão, portanto, está resumida em saber-se da existência de direito líquido e certo, “apto a ser exercido no momento da impetração” (Mandado de Segurança e Ação Cautelar./Hely Lopes Meirelles, 7ª ed. ampl., São Paulo, Ed. RT, 1980, p. 10/11), resultante de ato coator certo, capaz de ser comprovado, de plano, por documento inequívoco, o que restou indemonstrado nos autos. 9. No caso, desenganadamente, inexiste qualquer comprovação que de estar o impetrante amparado por disposição legal ou por direito adquirido; entretanto, à vista do documento expedido pelo INSS (fls. 16), que teoricamente pode ser elevado à categoria de ato coator, deixo de rejeitar preliminarmente o mandamus. 10. No mérito, a pretensão do impetrante está compreendida em duas vertentes principais, a saber: 10.1 - cadastrar-se como Segurado-Facultativo-Estudante, indenizada a Previdência Social, referentemente ao período maio/1963 a abril/1973; e, 10.2 - ver contado esse tempo de serviço, para os fins previstos em lei. 11. Em verdade, o reconhecimento da condição de segurado, para fins de filiação de estudante, apesar das disposições legais referidas - Dec. Nº 611/92, art. 8º, § único, alínea “c”, art. 15, VI, art. 58, VI, art. 188, art. 189, § único, art. 190, art. 191 e art. 198; Dec. Nº 612/92, arts. 10 e 13, § único, alínea “c” - e da predisposição do impetrante em indenizar a Previdência Social, esbarram na lacuna atualmente existente no direito positivo a respeito da matéria, já a Lei nº 7.004/82, instituidora do Programa da Previdência Social aos Estudantes restou derrogada, no particular, pela Lei nº 8.213/91, por sua vez regulamentada pelo Dec. Nº 611/91, o chamado Regulamento Geral da Previdência Social; vale ressaltar que o art. 137, da referida Lei 8.213/91, foi taxativo quanto à revogação do Programa da Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 207 Previdência Social aos Estudantes. 12. Por oportuno, interessa frisar que o caso dos autos não é enquadrável nas hipóteses seguintes, as quais, em tese, infirmariam o raciocínio antes expendido: 12.1 - de aluno-aprendiz de Escola Técnica Federal, com percepção de retribuição pecuniária; nem tampouco, 12.2 - de estudante-universitário que haja contribuído, nessa finalidade, para o referido Programa de Previdência, ao tempo da sua vigência. 13. Portanto, não há o pretendido direito líquido e certo do impetrante, já que apenas através da Lei nº 7.004/82, mais especificamente no seu art. 1º, e segs., a categoria estudantes foi abrangida pela Previdência Social. 14. Isto Posto, fundamentado na Constituição Federal, artigo 5º, LXIX, no CPC, art. 269, I, na Lei nº 1.533/51 e demais legislações referidas, denego a segurança impetrada por AVANI DANIEL DE ASSIS contra ato do DIRETOR DA DIVISÃO DE SEGURO SOCIAL DO INSS, diante da inexistência de direito líquido e certo. 15. - STF). Sem honorários advocatícios por incabíveis na espécie (Súmula 512 16. Custas, ex lege. 17. P.R.I. João Pessoa, 20 de agosto de 1996. JOÃO BOSCO MEDEIROS DE SOUSA Juiz Federal Titular da 1ª Vara 208 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba CONCURSO PÚBLICO - DEFICIENTE FÍSICO Processo Nº 6412 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: SEVERINO DANTAS FERNANDES Impetrado: DIRETOR DA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SOUSA-PB SENTENÇA Ementa: Constitucional e Administrativo. Mandado de Segurança. Concurso Público. Portador de deficiência física. Art. 37, VIII, CF e art. 5º, parágrafo 2º da Lei 8.112/90. O parágrafo 2º do art. 5º da Lei 8.112/90 não regulamentou por completo o dispositivo constitucional, pois apenas fixou o percentual de reserva de vagas, sem contudo, definir os critérios de admissão no serviço e de aferição da compatibilidade dos cargos com as deficiências de que são portadores os candidatos. Inexistência de ilegalidade ou abuso no ato impetrado. Segurança denegada. SEVERINO DANTAS FERNANDES, qualificado, impetrou Mandado de Segurança contra ato do SR. DIRETOR DA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SOUSA, que, após todas as etapas do Concurso Público para Assistente Administrativo da EAFSousa-PB, classificou o impetrante, deficiente físico, em 17º (décimo sétimo) lugar e não assegurou sua vaga na reserva legal de que trata o Edital do referido certame. Alega que se inscreveu no Concurso Público para Técnico Administrativo, na categoria de assistente administrativo da Escola Agrotécnica Federal de Sousa-PB, e por ser portador de DISTROFIA MUSCULAR, inscreveu-se na qualidade de deficiente físico, para o preenchimento das vagas reservadas para tal situação. Acontece que no dia 17 de dezembro de 1994, foi divulgada a lista dos candidatos aprovados e classificados, constando o nome do impetrante somente entre os candidatos habilitados, não constando qualquer referência aos candidatos aprovados nas vagas destinadas aos portadores de deficiência física. Sustenta, ainda, o impetrante que sua irresignação decorreu do fato de ser o único candidato aprovado nas vagas de deficiente físico, o que lhe faria manter a colocação de primeiro lugar dentre essas vagas, para que, quando fosse feita a classificação geral, constando os candidatos aprovados sem deficiência e os aprovados ditos deficientes, seu nome apareceria logo na totalidade de uma provável lista geral de aprovação final, o que não aconteceu, pelo que requer a concessão de liminar inaudita altera parte, no sentido de suspender temporariamente as nomeações já realizadas e que seja concedida em definitivo a segurança para que se determine à autoridade coatora a sua nomeação para ocupar o cargo de técnico administrativo na vaga do sexto nomeado. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 209 Liminar indeferida, fls. 32. Ao prestar informações, aduz a autoridade impetrada que o Edital do Concurso observou a reserva legal de 20% das vagas destinadas aos portadores de deficiência física como manda o disposto no parágrafo 2º, art. 5º, da Lei 8.112, representando o cumprimento à ordem constitucional posta no art. 37, VIII, da Carta Magna. Além do mais, o impetrante, em 16 de janeiro de 1995, ingressou com Processo Administrativo, que lhe assegurou a vaga, sendo, então, condicionado o seu direito à realização de perícia médica por junta oficial, que decidirá normativamente sobre a qualificação do candidato deficiente, para o fim de detectar o grau de deficiência capacitante para o exercício do cargo para o qual fez jus. Parecer da douta procuradoria Regional da República, da lavra do ilustre procurador EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA, é no oriente da denegação da Segurança, face a ausência de direito líquido e certo do impetrante a amparar o presente WRIT, ante a inexistência de prova pré-constituída. É o relatório. DECIDO. Por primeiro, cumpre assinalar que o não cumprimento do mandamento legal, quando da publicação de lista geral de aprovados, sem destaque à reserva legal destinada aos portadores de deficiência física, restou sanado no orbe administrativo (cf. fls. 33 a 54), com a reserva da vaga destinada a portador de deficiência física em favor do Impetrante. Esclarecido este ponto, cumpre examinar o cerne da impetração que reside em aferir se a aprovação de portador de deficiência física em vaga decorrente da reserva legal do parágrafo 2º do art. 5º, da Lei 8.112/90, implica em imediata nomeação. Transcrevo o dispositivo que trata do tema: “Às pessoas portadoras de dificência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para o provimento de cargos cujas atribições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadores; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.” (art. 5º, parágrafo 2º, da Lei 8.112/90) Ainda que de defeituosa redação, como bem enfatiza o mestre IVAN BARBOSA RIGOLIN, em “Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis, Saraiva Editora, pág. 28”, ao assinalar que: “Trata-se de um artigo sem a mínima condição de auto-executoriedade, de eficácia absolutamente contida pela falta de regulamentação, à qual o artigo, com sua técnica fraquíssima, nem sequer se refere. Parece ter sido o parágrafo redigido às pressas, apenas para dar cumprimento a mandamento constitucional, já que assunto tão importante jamais poderia ter sido tratado com semelhante rapidez e frivolidade pela lei. Esta com todo efeito, precisaria ter disposto sobre maior número de institutos, e disposições capitais acerca do serviço de deficientes na administração federal”. De sua leitura, não se pode abonar a tese defendida pelo impetrante. É que, mesmo informado pelo princípio constitucional anti-discriminatório de acesso a cargos públicos por trabalhadores portadores de deficiência, o dispositivo legal, sujeita à investidura 210 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba o implemento de uma condição, qual seja, a compatibilidade entre a deficiência que apresenta o candidato aprovado e as atribuições do cargo a prover. Este o critério que deverá nortear sua admissão. Está, portanto, a nomeação do candidato portador de deficiência física condicionada à aferição da deficiência e da compatibilidade desta com o exercício normal do cargo. Caso contrário, ver-se-ia a Administração na absurda situação de nomear o servidor para, após, ter que dispensá-lo por não atender à aptidão mínima necessária à consecução do trabalho. Mostra-se, assim, perfeitamente sintonizado com a lei, o edital do concurso, ao dispor em seu item 13.6.1, que: “Os candidatos deverão declarar, quando da inscrição, serem portadores de deficiência, especificando-a, e submetendo-se, quando convocados, à perícia médica por junta oficial, que terá decisão terminativa sobre a qualificação do candidato com deficiência ou não, e sobre o grau de deficiência capacitante para o exercício de cargo.” (art. 5º, parágrafo 2º do REJUR) Assim fundamentado, e não apresentando o impetrante, nestes autos, prova da deficiência de que é portador e sua compatibilidade com o Cargo de Assistente de Administração, não há como se acolher a segurança pleiteada, por inexistente ilegalidade ou abuso de poder no ato impugnado. Isto posto, com base no art. 269, I, do CPC, denego a Segurança, ressalvando ao impetrante o uso dos meios idôneos para alcançar sua pretensão. Sem honorários, a teor do enunciado nº 105 da Súmula do cl. Superior Tribunal de Justiça. Custas pelo impetrante. P.R. I. João Pessoa, 29 de abril de 1996. CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ Juíza Federal Substituta da 3a Vara, em auxílio à 4ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 211 MEDICAMENTOS - IMPORTAÇÃO - REGISTRO Processo Nº 95.11476-3 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante: EVEC-COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES LTDA Impetrada: COORDENADORA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, NA PARAÍBA SENTENÇA EVEC- COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES LTDA, qualificada na inicial, impetrou Mandado de Segurança contra ato da Sra. COORDENADORA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, NA PARAÍBA, consistente na apreensão definitiva e proibição de comercializar o produto importado - MELOTONIN - (Melatonina), com fundamento no comando do art. 12 da Lei 6.360/76, que exige para a comercialização de produtos importados o prévio registro no Ministério da Saúde. Sustenta a impetrante, em resumo, a inaplicabilidade do art. 12 da Lei 6.360/76 ao caso sub judice, eis que a MELATONIN é suplemento alimentar, não se enquadrando no rol dos produtos regulamentados naquele diploma legal. Alega ainda que, mesmo desnecessário o pedido de registro, foi este efetivado em 20.12.94, restando de há muito superado o prazo de 90 (noventa) dias, estabelecido no parágrafo 1º do art. 12 da Lei 6.360/76, sem qualquer pronunciamento do Ministério da Saúde. Instruiu a inicial com os atos constitutivos da empresa e alterações, instrumento de procuração e documentos diversos (fls. 07 a 38). Liminar indeferida, às fls. 42/43. Notificada, a autoridade impetrada deixou transcorrer em branco o decêndio legal para informações. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do douto Procurador Regional da República, LUCIANO MARIZ, opinou pela concessão do Writ, aduzindo, em resumo, que: “Ementa: Administrativo. Medicamentos. Importação. Registro. A importação de medicamentos e conseqüente comercialização requerem registro do produto perante o Ministério da Saúde (Lei 6.360/76, arts. 10 e 12). Uma vez requerido, a concessão do registro é obrigatória, e deve ser realizada dentro de 90 dias da entrega da documentação pertinente (Lei 6.360/76, art. 12, parág. 3º). A denegação do registro é ato vinculado, e, para ser válida, há de ser manifestada dentro daquele prazo, e 212 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba fundamentadamente, por inobservância da lei ou dos regulamentos (Art. 12, parág. 3º, parte final). Comerciante local, que expõe à venda medicamento importado, com comercialização autorizada por força de medida liminar de Juiz Federal da sede da empresa importadora, não pode sofrer apreensão de ditos medicamentos, sob pena de haver constrangimento ilegal, passível de correção pela via do Mandado de Segurança. Parecer pela concessão da Segurança”. Relatados, DECIDO. Por primeiro, cumpre analisar o argumento de que a Metalonina tem importação exclusiva pela empresa Pantheon Comercial Ltda, autorizada a comercializar o produto em todo o território nacional, por força de liminar concedida pela 15ª Vara Federal de São Paulo, daí a aquisição e venda pelo comerciante local, no caso, a impetrante, encontrarse sob o manto do pronunciamento monocrático. Em que pese o lúcido argumento, não há como se o acolher, à míngua de elementos probatórios que o sustentem, atenta ao fato de que o mandado de segurança não comporta dilação probatória, nem se presta para dirimir situações de fato controvertidas, senão vejamos: No expediente de fls.36, dirigido à Secretaria de Saúde Pública da Paraíba, sustenta a impetrante que o pedido de registro da Metalonina foi efetivado, em 20.12.1994, pela empresa Pantheon Comercial Ltda, distribuidora exclusiva da SOURCE NATURALS, fabricante nos Estados Unidos da Metalonina. Nenhum documento há nestes autos que comprove essa assertiva. Ademais, é a própria impetrante que, no mesmo expediente, afirma ter importado a Metalonina, o que a afasta do alcance da liminar obtida pela empresa paulista. Verifico, ainda, que as metaloninas apreendidas (termo de apreensão à fls. 35) não provêem, exclusivamente, da Source Naturals, mas também de outros fabricantes, como o Progressive Laboratories e Nutrition-Therapy. Afastado esse óbice, razão também não assiste à impetrante, ao sustentar a inexigibilidade do registro previsto no art. 12 da Lei 6.360/76, no tocante à melatonina importada, posto que se trata de suplemento alimentar. Como já fundamentado na decisão que rejeitou o pedido de liminar, a própria prova pré-constituída produzida com a inicial, descreve o produto que se quer ver liberado e comercializado (jornais e revistas nacionais: Jornal Correio/PB, Revista Isto é, Revista Vip/Exame; ensaio de autoria do Dr. Arnoldo Velloso da Costa publicado na Revista de Oxiologia, Set/Out 1995, págs. 10 a 16), não como um suplemento alimentar, mas como um medicamento descrito como uma versão sintética do hormônio natural melatonina, secretado pela glândula pineal, localizada na parte posterior do cérebro, contra-indicado para mulheres grávidas ou que estejam amamentando. Assim, sem adentrar no mérito da droga, que se quer capaz de diminuir a insônia, combater o câncer e retardar o envelhecimento, não vejo como enquadrá-la no conceito de suplemento alimentar, apenas pelo fato de constar, também, como componente de sua fórmula, a vitamina B6 Coenzimato (f. 30). Medicamento que é, o registro da metalonina é obrigatório, a teor dos arts. 10 e 12 da Lei 6.360/76. Desta forma, não se há falar em ilegalidade no ato de apreensão e proibição Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 213 de comercialização do produto importado, inclusive, porque inerente ao poder de polícia, na defesa e proteção da saúde individual e coletiva. Não impressiona também a alegação de que superado o prazo para apreciação do pedido de registro, este é tido como realizado, porque o silêncio da autoridade competente, ainda que condenável, não induz à aprovação tácita do produto alienígena que se pretende comercializar. Tal modalidade de aprovação, nos termos da lei, só ocorre na hipótese de revalidação do registro, a teor do parágrafo 6º da Lei 6.360/76, verbis: “Art. 12. Nenhum dos produtos de que trata esta lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde. ............................................................................................ Parágrafo 6º. A revalidação do registro deverá ser requerida no primeiro semestre do último ano do qüinqüênio de validade, considerando-se automaticamente revalidada, independentemente de decisão, se não houver sido esta proferida até a data do término daquela.” Isto posto, com base no art. 269, I, do CPC, denego a Segurança. Custas, pela impetrante. Sem honorários, a teor do enunciado 105 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. P. R. I. João Pessoa, 15 de março de 1996. CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ Juíza Federal Substituta da 3ª Vara 214 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba PROFESSOR UNIVERSITÁRIO - REMOÇÃO Processo nº 96.06406-7 / MANDADO DE SEGURANÇA Impetrante.: DIRCEU MARQUES GALVÃO FILHO Impetrado.: REITOR DA UFPB SENTENÇA EMENTA: Mandado de Segurança. Administrativo. Professor universitário. Remoção. Acompanhamento de cônjuge. Indeferimento. Ilegalidade. Concessão da ordem. O servidor público tem o direito à remoção, a pedido, para outra localidade, a fim de acompanhar o cônjuge (art. 36, da Lei 8.112/90). O interesse da Administração não pode se sobrepor à preservação da unidade familiar, daí por que fere direito líquido e certo o ato que indefere o pedido de remoção de professor, dentro da mesma instituição de ensino, com prejuízo à convivência marital. - Ordem concedida. Vistos etc. DIRCEU MARQUES GALVÃO FILHO, já qualificado nos autos, por seus procuradores e advogados, impetrou o presente MANDADO DE SEGURANÇA contra ato considerado ilegal do MAGNÍFICO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA, nesta Capital, pelos seguintes motivos: O impetrante é professor universitário, lotado no Centro de Ciências Jurídicas e Sociais, Campus VI, da cidade de Sousa - PB, tendo sido afastado das atividades docentes desde julho de 1993 até o mês de julho deste ano, a fim de participar de curso de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em razão da sua transferência para a cidade de São Paulo, sua esposa, funcionária pública federal, acompanhou-o, passando ambos a residir naquela Capital durante todo o curso. Ao término do mestrado, momento em que o impetrante deveria retornar às suas atividades docentes na cidade de Sousa, viu-se surpreendido com a transferência de sua esposa para esta Capital, por não existir vaga na cidade de Cajazeiras - PB, na repartição onde estava lotada anteriormente. Administrativamente, requereu a sua remoção do Campus VI, Sousa PB, para o Campus I, em João Pessoa - PB, com fundamento no art. 36, caput, e parágrafo único da Lei 8.112/90. Porém foi-lhe negado o pedido. Posteriormente, o impetrante requereu junto à Procuradoria da UFPB, parecer sobre a sua situação, tendo obtido daquele órgão opinião favorável a sua situação. Contudo, o Reitor da Universidade, ora impetrado, indeferiu a remoção pleiteada, ferindo, segundo o impetrante, com ato ilegal, direito líquido e certo, razão pela qual impetrou o presente writ of mandamus. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 215 Requereu medida liminar para que fosse determinada a sua remoção do Campus VI para o Campus I, e no mérito, declarada a invalidade do ato que indeferiu a sua remoção. Após as informações, foi deferida a medida liminar, garantindo a remoção do impetrante para o Campus I (fls. 52/53). Às fls. 48/50, o impetrado informou que a Universidade Federal vinha enfrentando sérias dificuldades quanto à permanência de professores nos diversos campi do interior, tendo em vista as várias licenças e aposentadorias e que a grande maioria preferia ser removida para a Capital, onde há “melhores opções de conforto, lazer, etc., etc.” (sic). Alegou que a esposa do impetrante é que deveria acompanhá-lo, quando este retornasse do curso de mestrado para o Campus VI, em Sousa, já que ambos residiam anteriormente na cidade de Cajazeiras - PB. Argumenta, também, que o Departamento de origem não concordou com a remoção, por não ter substituto para o professor impetrante. Portanto, não tendo preenchido os requisitos da lei, não estava a Universidade Federal obrigada a aceitar a remoção pleiteada, razão pela qual esperava a denegação da segurança. Com vista dos autos, o ilustre representante do Ministério Público Federal opinou pela concessão do mandamus (fls. 59/62). É o relatório, em síntese. Decido. Conforme consta dos autos, o impetrante Dirceu Marques Galvão Filho e sua esposa Márcia Virgínia Nasiasene Lins Marques são servidores públicos federais. Ele, professor universitário; ela, vinculada ao INSS. Verifica-se, também, que ambos estavam residindo em São Paulo - SP; o impetrante, realizando curso de mestrado, e a sua esposa, trabalhando em repartição do INSS. Ocorreu que o cônjuge do autor, na época em que deveriam retornar a este Estado, foi transferida de São Paulo para esta Capital, em razão de não existir vaga na cidade de Cajazeiras - PB, onde estava lotada anteriormente. O impetrante, por sua vez, diante dessa situação, requereu sua remoção do Campus VI para o Campus I, a fim de acompanhar sua esposa para a nova localidade. O pedido foi negado. A situação fática que se apresenta é típica da hipótese legal, ou seja, o deslocamento de um servidor, no âmbito do mesmo quadro, para outra localidade, para acompanhar cônjuge (art. 36, da Lei 8.112/90). A esposa do impetrante já se encontra efetivamente residindo nesta Capital. Obstacular o convívio familiar, pela forçada separação geográfica, é o cúmulo da insensatez, é negar a proteção constitucional à família. É certo que a Administração deve se ater ao princípio da legalidade de seus atos, mas também não pode se esquecer de que não deve incursionar por devaneios subjetivistas, a ponto de adentrar a intimidade do servidor, vendo em sua atitude uma maneira de se furtar à vida precária do interior, bem como a invadir a órbita administrativa de outra repartição para criticar seus atos. Observe-se que no lúcido parecer da Procuradoria Jurídica da Universidade Federal, foi analisada a questão, concluindo-se pela remoção do servidor, no caso o impetrante, pois, entendimento diferente “significaria deixar de atender à finalidade social dos dispositivos legais referidos e causar injustificável prejuízo ao casal” (fls. 35). Com efeito, na aplicação da lei, deve-se levar em conta os fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum (art. 5º, LICC). Parodiando o apóstolo Paulo, diria eu que a letra mata, mas o direito é vivo, independente das interpretações pessoais que se possa dar à lei. Não pode o impetrado retrotrair para apurar circunstâncias passadas. O fato que se apresenta na atualidade, e que gera o direito para o impetrante, é que a sua esposa foi transferida para esta Capital — por sinal bastante distante da cidade onde o impetrado pretende manter o impetrante —, devendo o autor acompanhá-la na condição de 216 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba cônjuge que é. Entre o interesse da Administração e a preservação da célula mater da sociedade, fico com a segunda opção. Diz o art. 36, da Lei 8.112/90, in verbis: “Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede. Parágrafo único. Dar-se-á remoção, a pedido, para outra localidade, independente de vaga, para acompanhar cônjuge ou companheiro, ou por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou companheira ou dependente, condicionada à comprovação por junta médica.” Como se vê, a uma simples leitura desse artigo constata-se a aplicação da primeira parte do parágrafo ao caso sob exame. Arrematando, a Corte Suprema já decidiu: “Constitucional. Administrativo. Mandado de segurança. Remoção. Acompanhamento de cônjuge ou companheiro. Ausência de vagas. Indeferimento de pedido administrativo. Ilegalidade. Ordem concedida. Diante da impossibilidade de serem conciliados, como se tem na espécie, os interesses da Administração Pública, quanto à observância da lotação atribuída em lei para seus órgãos, com os da manutenção da unidade da família, é possível, com base no art. 36 da Lei 8.112/90, a remoção do servidor-impetrante para o órgão sediado na localidade onde já se encontra lotada a sua companheira, independentemente da existência de vagas. Mandado de Segurança deferido”. (STF, MS n. 21893, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 02.12.94, p. 33198). Dessa forma, caracterizado e demonstrado o direito líquido e certo do impetrante, patente o ato ilegal da autoridade coatora, não resta outra alternativa, senão a concessão da segurança. Isto posto, concedo a segurança, ratificando a liminar, e, em conseqüência, declaro inválido o ato que indeferiu a remoção do impetrante do Campus VI para o Campus I da Universidade Federal da Paraíba. Determino à autoridade impetrada que proceda à remoção do impetrante para o Campus I da UFPB — Centro de Ciências Jurídicas e Sociais — em João Pessoa. Isento de honorários (Súmula 512, do STF). Custas na forma do art. 14, da Lei 9.289/96. Sentença sujeita ao reexame necessário. P. R. I. João Pessoa, 27 de novembro de 1996. Cristina Maria Costa Garcez Juíza Federal Substituta da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 217 INDISPONIBILIDADE DE BENS Processo nº 95.8498-8 /AÇÃO CAUTELAR FISCAL Requerente: FAZENDA NACIONAL. Requerido: RODRIGUES E CORDEIRO LTDA. SENTENÇA EMENTA: CAUTELAR FISCAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. PRESENÇA DOS REQUISITOS ESSENCIAIS AUTORIZATIVOS. INTELIGÊNCIA DA LEI 8.397/92. À presença dos pressupostos da Lei 8.397/92, impõe-se a confirmação de liminar requerida de indisponibilidade do bem com propriedade demonstrada nos autos. CAUTELA CONCEDIDA. Cuida-se de ação cautelar fiscal promovida PELA FAZENDA NACIONAL contra RODRIGUES E CORDEIRO LTDA, com fulcro na Lei nº 8.397/92, incidental à Execução Fiscal nº 93.7344-3, objetivando, liminarmente, seja oficiado o Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN-PB, no sentido de realizar a constrição judicial no bem pertencente ao executado e abster-se de realizar qualquer transferência, a qualquer título. Aduz que promoveu a execução fiscal supracitada contra a requerida fundamentada na Certidão de Dívida Ativa da União nº 42593000047-23, relativa à multa por infração ao art. 42 da CLT. Alega que, apesar das diligências realizadas através de Oficial de Justiça, a requerida não foi localizada, tendo, inclusive, sido citada através de Edital, publicado em 18.12.93, expedido às fls. 12 dos autos da execução supracitada. Informa, ainda, que obteve informações de que a promovida é proprietária de um veículo VW/KOMBI - Tipo Caminhonete, ano/modelo 89 - Cor Branca - Chassi 9BWZZZ23ZKPO11135 - Renavan 181713802 - Placa XI 077O - PB, conforme documento expedido pelo Departamento Estadual de Trânsito DETRAN-PB, acostado às fls. 11. Ao final, pugna pela concessão da cautela, decretando-se indisponíveis os bens da requerida até o limite da satisfação da obrigação, conforme art. 4º e seguintes, da Lei nº 8.397/92. Juntou aos autos os documentos de fls. 05/30. Medida liminar concedida às fls.31, decretando a indisponibilidade dos bens da empresa-requerida até o limite do crédito cobrado na execução fiscal acima 218 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba mencionada. Devidamente oficiado o DETRAN-PB da decisão de fls. 31, conforme consta das fls. 34. Ofício do Departamento Estadual de Trânsíto (fls.35), com informações acerca do devido cumprimento da medida liminar supracitada. Citação feita através do Edital publicado no DJE de 17.02.96, com decurso do prazo legal sem apresentação de defesa pela promovida, conforme certidão lavrada às fls. 39. É o relatório. Decido. A demanda versa sobre pedido cautelar fiscal incidental, ancorado na Lei nº 8.397/92, no sentido de, através de constrição judicial, tornarem-se indisponíveis os bens da requerida a fim de garantir o crédito tributário objeto do executivo fiscal promovido pela Fazenda Nacional contra a promovida, suso mencionada. Como já ventilado no despacho concessivo da cautela liminar, a hipótese dos autos está acudida pelos pressupostos autorizativos da medida cautelar, estatuídos nos arts. 798 e ss. do CPC, a saber: O fumus boni juris, representado pela certeza, liquidez e exigibilidade conferida ao título executado, somado à autorização legal expressa à medida cautelar fiscal, representada pela Lei nº 8.397/92 e pelo enquadramento do caso dos autos na hipótese abstratamente prevista no art. 2º da referida Lei, materializado na citação editalícia da executada/requerida que, além de não ter sido localizada, não foram encontrados bens para garantir o processo executivo. O periculum in mora, consubstanciado na possibilidade de lesão irreparável, ou pelo menos de difícil reparação ao exeqüente, eis que o lapso temporal demandado no processamento da ação executiva favorece àqueles que se escondem e, o mais grave, apaga os vestígios que possibilitem encontrar bens necessários a satisfação do crédito. À presença dos pressupostos da Lei nº 8.397/92, impõe-se a confirmação da liminar requerida de indisponibilidade do bem com propriedade demonstrada nos autos. Isto posto, a fim de garantir o débito executado, confirmando a liminar, concedo a cautela requerida de indisponibilidade do bem, qual seja, o veículo descrito no documento de fls. 36 do presente feito. Deixo de condenar a requerida no pagamento dos honorários advocatícios, em face da inexistência do contraditório. Oficie-se ao DETRAN-PB. Traslade-se cópia para os autos principais. P. R. I. João Pessoa, 15 de agosto de 1996. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 219 JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 220 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba EMBARGOS À EXECUÇÃO ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE TÍTULO Processo nº 95.10597-7 / EMBARGOS À EXECUÇÃO Embargante: JOSÉ HÉLIO DE LUCENA Embargado: CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMÓVEISCRECI SENTENÇA EMENTA: EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. Alegação de nulidade do título executivo por falta de notificação. Inocorrência. O não pagamento da contribuição devida ao CRECI constitui infração à Lei 6.530/78. Rejeição dos Embargos. JOSÉ HÉLIO DE LUCENA, qualificado nos autos, ajuizou Embargos à execução que lhe move o CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMÓVEIS-CRECI, objetivando desconstituir a certidão de dívida ativa que instrui a petição da execução fiscal, sustentando, preliminarmente, nulidade do título, porque não precedido do devido processo legal. No mérito, argüi que apesar de inscrito no Órgão de fiscalização nos termos da Lei 4.116/72, nunca exerceu a profissão de corretor de imóveis, daí não caber a exigência do pagamento da anuidade. Ademais, já havia requerido baixa da inscrição, sem que tal providência fosse efetivada. Instruiu a inicial com procuração e cópias das peças do processo principal. Impugnando os embargos, aduz o Conselho Embargado que o Embargante foi notificado do débito, sendo-lhe, na oportunidade concedido o prazo de 30 (trinta) dias para defesa, sem que tenha exercido tal direito. No mérito, sustenta que, uma vez deferida a inscrição, o seu cancelamento fica condicionado ao cumprimento das obrigações sociais do corretor perante aquele Órgão. No mais, sustenta que as anuidades em atraso, conforme disciplina do art. 6º da Resolução do COFECI 12/78, sujeitam-se à inscrição na Dívida Ativa, sob pena de responsabilidade. Em especificação de provas, nada foi requerido. Tratando-se de matéria predominantemente de direito, e havendo nos autos prova documental suficiente ao conhecimento da demanda, decido. Não procede a alegação do Embargante de que lhe foi supressa a garantia constitucional ao devido processo legal. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 221 O Embargante foi notificado do débito, oportunidade em que lhe foi deferido o prazo de 30 (trinta) dias até sua inscrição na dívida ativa, sem que houvesse satisfeito a obrigação ou discutido sua validade (docs. de fls. 18 a 21), daí não resultar o vício apontado na inscrição da dívida. No mérito, melhor sorte não lhe assiste. Restou incontroverso que o Embargante estava regularmente inscrito no Conselho Embargado, sujeitando-se, pois, às normas que regulam o exercício da profissão de corretor de imóveis, inclusive no que dispõem sobre o pagamento da contribuição devida (Lei 6.530/78), sob pena de inscrição na dívida ativa. Não afasta a obrigação quanto ao pagamento da anuidade vencida e não paga de 1993 a alegação do Embargante de que nunca exercera a profissão, uma vez que o pressuposto de direito restou preenchido - a inscrição nos quadros do Conselho Regional, como Corretor de Imóveis. Regularmente inscrito, teve à sua disposição o exercício dos direitos que o status de Corretor de Imóveis lhe conferia, ficando a seu talante exercitá-los ou não. Ressalte-se, inclusive, que o pedido de revalidação de sua inscrição, em 1987, como aduz o próprio suplicante, não corrobora a sua alegação, inclusive pelo pagamento das anuidades nos anos anteriores. Finalmente, quanto à alegação de que requisera baixa da inscrição, sem contudo obtê-la, não se mostra apta a desconstituir a dívida exeqüenda, que goza de presunção de liquidez e certeza. É que a defesa se fez de forma genérica, sem se situar no tempo, sem qualquer relação de causa e efeito com a dívida exeqüenda, além de destituída de qualquer documento hábil a elidir a legalidade da cobrança. Com efeito, não ficou caracterizado que a contribuição cobrada na execução tenha seu fato gerador ocorrido após o alegado pedido de cancelamento do registro, o que, por certo, violaria direito fundamental do Embargante, na medida em que ninguém pode ser compelido a associar-se ou a permanecer associado (art. 5º, XX, da Constituição Federal). Acresça-se que, conferida oportunidade para indicação das provas com que pretendia comprovar os fatos constitutivos de seu direito, o Embargante permaneceu inerte. Isto posto, rejeito os Embargos, determinando o prosseguimento da execução. O Embargante suportará as custas finais e verba honorária que fixo em 10% sobre o valor da execução atualizado. P. R. I. João Pessoa, 17 de setembro de 1996. CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ Juíza Federal Substituta da 3ª Vara 222 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba REPARAÇÃO DE DANOS Processo nº 96.4529-1 / AÇÃO SUMARÍSSIMA Autora: G.M.S.S. Ré: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS ECT SENTENÇA Vistos etc. G.M.S.S., qualificada nos autos, por advogados legalmente constituídos (fls. 19), propôs ação de indenização por dano material, lucro cessante e dano moral, com pedido de tutela antecipada (procedimento sumário) contra a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT, também qualificada, objetivando ressarcimento nos valores de R$ 33.609,58 (trinta e três mil, seiscentos e nove reais e cinqüenta e oito centavos), a título de despesas realizadas e a realizar, R$ 96.056,28 (noventa e seis mil, cinqüenta e seis reais e vinte e oito centavos), por lucros cessantes, e indenização de 10.000 (dez mil) salários mínimos, ou uma pensão vitalícia de 20 (vinte) salários mínimos mensais, por danos morais, mais custas, despesas processuais e honorários advocatícios. 2. Fundamentou as suas pretensões, principalmente, no Código Civil Brasileiro, arts. nºs 159, 1.059 e 1.060 e no CPC, art. 275, II, letra “d”. 3. Na petição inicial (fls. 02/18), que veio acompanhada de documentação pertinente (fls. 19/58), alegou o seguinte, textualmente: “(...) é funcionária do Hotel Litoral (nome de fantasia) de propriedade da empresa privada Litoral Hotéis Turismo Ltda, com sede na Avenida Cabo Branco, nº 2.172, Praia do Cabo Branco, nesta Capital, desde 1º de março de 1995, consoante se observa na sua Carteira Profissional (Documento1), onde exerce o cargo de encarregada do Escritório. Ocorre que, no dia 10 de novembro de 1995, às 9 (nove) horas da manhã, trafegava pela Avenida Marechal Esperidião Rosas em direção à Avenida Epitácio Pessoa, no veículo, tipo caminhonete Saveiro, de placa NS-2940/ PB (adquirida através de “leasing” da empresa B. B. Leasing Arrendamentos Mercantil), a serviço da empresa, conduzido pelo seu colega de trabalho, o motorista Ricardo Luiz de Oliveira Santos, quando a citada camionete foi violentamente abalroada pelo veículo, tipo Kombi, de placa MH-7951/PB, de propriedade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos-ECT, que trafegava pela Avenida Júlia Freire, dirigido na ocasião pelo motorista W.A.G., a serviço da mesma. (.........................................................) Examinando-se o Boletim da CPTRAN, verifica-se que houve imprudência, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 223 negligência e excesso de velocidade por parte do condutor do veículo de propriedade dos Correios e Telégrafos - ECT. No item referente à ação do condutor 01 (Motorista da ECT), o citado Boletim é taxativo ao dizer: houve desrespeito ao sinal PARE ou dê a preferência. E, mais adiante, arremata o citado documento que houve flagrante desrespeito ao art. 175, inciso I do Decreto nº 62.127, de 16.01.1986 - Regulamento do Código Nacional de Trânsito - RCNT (...)” 4. Dentre os documentos (fls. 19/58) acompanhantes da petição inicial destacam-se, pela importância para o deslinde da questão, os seguintes: 4.1 - cópia de contrato de controle em CTPS da A. (fls. 20); 4.2 - boletim de acidente de trânsito (fls. 21); 4.3 - relatório de inquérito policial (fls. 25/27); 4.4 - exame de corpo de delito (fls. 30); 4.5 - laudos médicos (fls. 31/34); 4.6 - recibos de despesas (fls. 34/43); 4.7 - orçamentos diversos (fls. 44/46); 4.8 - concessão de auxílio-doença por acidente de trabalho (fls. 48) e 4.9 - fotografias do local do acidente (fls. 55/58); 5. Posterior despacho (fls. 61/62), aliás irrecorrido, devidamente fundamentado, indeferiu a pretendida tutela antecipada. 6. A seguir, foi designada (fls. 62) audiência de instrução, conciliação e julgamento, na forma do CPC, art. 277, determinada a citação da R. e a intimação da A. e de seu advogado. 7. Na audiência (fls. 71/73), não houve a conciliação do art. 277, § 1º, do CPC, e a R. contestou (fls. 74/91) através de memorial, acompanhado de documentação (fls. 92/98); da referida contestação, que trouxe preliminar de denunciação da lide, consta textualmente o seguinte, quanto ao mérito: “Pretende a Autora uma indenização por danos no valor de R$ 96.056,28 a título de lucros cessantes. Quantia essa relativa a uma suposta diferença entre o suposto salário de R$ 480,00 que ganhava antes do acidente e o que efetivamente pagaria o INSS em termos de aposentadoria R$ 183,53. Ora Exa. Tal indenização é totalmente desprovida de fundamento, pelas razões de fato e de direito a seguir delineadas. (.......................................................................................) A princípio seria devida uma indenização de 8% (oito por cento) correspondente a diferença existente entre o salário-de-contribuição no dia do acidente e o auxílio doença concedido pelo INSS. Como a indenização tem por fim repor a vítima na sua situação econômica anterior, ou naquela a que poderia aspirar se não fora o acidente, e considerando que se constitui no justo ressarcimento daquilo que perdeu, mas sem vantagem alguma a mais, porque reparação não implica lucro, conclui-se que a autora não faz jus nem a diferença dos 8% (oito por 224 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba cento) retro citado, uma vez que o auxílio-doença concedido pelo INSS no valor de R$ 186,56 é superior ao salário que a autora percebia no dia do acidente, conforme ofício INSS-84/96 (doc. fls. 01/02). Não resta dúvidas de que o acidente provocou lesões corporais na senhora G.M.S.S. Nestas circunstâncias, a indenização é calculada, em conformidade com o disposto no Art. 1538 do Código Civil (...) (.......................................................................................) Observa-se que com o afã exacerbado de se obter lucros em cima de um infortúnio, não se avaliou sequer as conseqüências dos atos praticados, visto que a declaração do L. Hotel (doc. fls. 47 dos autos) é uma confissão em juízo de crime de sonegação fiscal (não recolhimento das contribuições previdenciárias devidas pelo empregador). Se a autora percebia uma remuneração de R$ 480,00, obviamente o seu auxílio-doença, em razão do acidente de trabalho sofrido, seria de R$ 441,60. Neste caso, seria devido pela Ré uma complementação mensal no valor de R$ 38,40 enquanto perdurasse a concessão do auxílio-doença. (.......................................................................................) Ora, a vítima já retornou ao trabalho, em 07.05.96, conforme ofício INSS84/96 (doc. fls.01). Como pleitear então uma indenização mensal, por lucro cessante, até a autora completar 65 anos de idade, se esta vinha percebendo auxílio-doença em um montante superior ao que percebia como se em atividade estivesse, conforme já demonstrado. (...................................................................................) Da mesma sorte que a outra indenização anteriormente analisada verificase que a quantia pleiteada no valor de 10.000 (dez mil) salários mínimos ou renda mensal vitalícia de 20 salários mínimos é por demais exorbitante (...)” 8. processuais: Nessa mesma audiência aconteceram ainda os seguintes atos 8.1 - impugnação (fls. 71/72) à contestação e documentos acostados; 8.2 - indeferimento (fls. 72) da preliminar de denunciação à lide; 8.3 - interposição, pela R. (fls. 72), de agravo retido; 8.4 - manutenção da decisão agravada; 8.5 - juntada aos autos de cinco documentos (fls. 99/102 e 106/107), pela A., sem oposição da parte adversa; 8.6 - renovação, pela A. (fls. 72), do pedido de tutela antecipada; 8.7 - renovação do indeferimento da tutela antecipada; 8.8 - concessão de prazo (fls. 73) de cinco dias para regularização da representação processual da R. 9. Os litigantes não requereram novas provas em audiência. 10. A seguir, sem incidentes, os autos vieram-me conclusos para decisão Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 225 (fls. 114). Relatados, DECIDO. 11. Tratam os autos, pois, de litígio envolvendo o tema responsabilidade civil da Administração Pública (a R. é uma empresa pública, cujo capital pertence exclusiva e integralmente à União Federal), à vista de pretensos danos materiais e morais causados a particular, no caso à A., em razão de conduta comissiva de preposto da R. 12. De logo, ressalto que a preliminar de denunciação da lide (fls. 75) já foi decidida em audiência (cf. item 8.2, retro), de forma a possibilitar o exame direto do mérito, nesta oportunidade. 13. Da instrução do feito (fls. 21/33) restou desenganadamente comprovada a ocorrência de acidente automobilístico (fls. 22/27) vitimando a A. (fls. 30), que suportou, conseqüentemente, danos de variada ordem, inclusive prejuízos materiais (fls. 31 e segs.); nesse sentido, à unanimidade das provas documental (fls. 21, 25/27, 28, 29, 31/58), pericial (fls. 30) e testemunhal (fls. 23/24). 14. A contestação (fls. 74/91) não negou o acidente e parte dos danos dele decorrentes, embora haja procurado discutir, em preliminar, a responsabilidade - inclusive penal - do condutor (= preposto) do veículo, de tal forma que, no mérito, é possível entender dita contestação como parcial. 15. Os autos demonstraram os três requisitos básicos e indispensáveis à pretendida indenização, ao menos parcialmente: 15.1 - o ato ilícito (abalroamento no veículo transportador da A., por veículo da R.); 15.2 - o dano (prejuízos) daí decorrente; e 15.3 - o nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano. 16. A A., contudo, comprovou dados, isto é, despesas materiais: 16.1 - transporte próprio (fls. 34/35) - ambulância e táxi: R$ 1.015,00 (mil e quinze reais); 16.2 - frete de uma cama (fls. 36): R$ 40,00 (quarenta reais); 16.3 - exames laboratoriais (fls. 37/38), referente a exame médico e às tomografias: R$ 605,67 (seiscentos e cinco reais e sessenta e sete centavos); 16.4 - medicamentos (fls. 39): R$ 30,47 (trinta reais e quarenta e sete centavos); 16.5 - consulta e honorários médicos (fls. 40/41): R$ 3.550,00 (três mil, quinhentos e cinqüenta reais); 16.6 - aluguel de cama com colchão (fls. 42): R$ 160,00 (cento e sessenta reais); 16.6 - internação hospitalar - materiais e serviços - (fls. 43): R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais); 16.7 - TOTAL: R$ 8.901,14 (oito mil, novecentos e um reais e quatorze 226 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba centavos). 17. reconhecidas, pois: À vista dos autos, as demais verbas pretendidas não podem ser 17.1 - despesas a realizar: por inexistirem demonstrações de sua ocorrência e necessidade, tecnicamente falando; 17.2 - lucros cessantes: por não demonstrados; demais a mais, a A. beneficiou-se de auxílio-doença (fls. 48/49) em valores superiores ao do seu próprio salário (fls. 92), e retornou ao trabalho (fls. 92); 17.3 - renda mensal ou pensão vitalícia: tanto pelo retorno da A. ao trabalho (cf. sub-item anterior), como porque não ficaram esclarecidos os pretendidos danos morais, que não são sucedâneos ou corolários dos danos materiais. 18. Neste passo, importante ressaltar não ser possível conferir ao sofrimento induvidosamente suportado pela A. — de resto, imensurável em termos financeiros —, durante seu tratamento, a indenização tal qual pretendida, porque desamparada legalmente; noutras palavras, é-lhe devida indenização quanto a despesas efetivamente feitas (cf. sub-itens 16, retro). 19. O direito da A., tem sede em norma constitucional, art. 37, § 6º, consagrador da responsabilidade civil objetiva sob a modalidade do risco administrativo, que diz textualmente: Constituição Federal: “Art. 37. (...........................................................................) § 6.º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” 20. A melhor doutrina reconhece a responsabilidade civil do Estado (lato sensu), em caso como o dos autos: “Só louvores merece a nova diretriz constitucional, mantida na vigente Constituição (art. 37, § 6º), que harmoniza os postulados da responsabilidade civil da administração com as exigências sociais contemporâneas, em face do complexo mecanismo do Poder Público, que cria riscos para o administrado e o amesquinha nas demandas contra a Fazenda, pela hipertrofia dos privilégios estatais (...) Desde que a Administração defere ou possibilita ao seu servidor a realização de certa atividade administrativa, a guarda de um bem ou a condução de uma viatura, assume o risco de sua execução e responde civilmente pelos danos que esse agente venha a causar injustamente a terceiros.” (Direito Administrativo Brasileiro/Hely Lopes Meirelles. - 14ª ed., atual. pela Constituição de 1988. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1989, pp. 553/554). 21. A matéria ressarcimento de danos independentemente de culpa (stricto sensu), por ato ilícito, aparece disciplinado pelo mesmo Código Civil nos arts. 160, 1.520, 1.540, além dos arts. 560, 564 e 568, estes três últimos referentes a situações impostas Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 227 pelo direito de vizinhança; a respeito, estabelecem também os arts. 159 e 1.538, do Código Civil Brasileiro, textualmente: Código Civil: “ART.159 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, artigos 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.” “Art. 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente. § 1º Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade. § 2º Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito.” 22. Outro não é o entendimento jurisprudencial, conforme o seguinte julgado, mutatis mutandis aplicável ao caso dos autos: “EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. I - A responsabilidade civil da administração pública é objetiva, seus agentes causarem aos particulares. II - Comprovado que o veículo abalroado por funcionário da ECT, funcionava como táxi e encontrava-se em serviço, é de serem deferidos os lucros cessantes, que foram estipulados razoavelmente, além da indenização pelos danos causados. III - Não há cerceamento de defesa se o indeferimento da perícia se fundamenta na suficiência de outros meios de prova bastantes a formação do convencimento judicial, e na desnecessidade de sua realização que nada de novo traria aos outros. IV - Voto vencido que dava pelo indeferimento do pedido de lucros cessantes que entendia haverem sido estipulados por presunção. V - Apelação improvida.” (AC nº 0504884-90/CE, TRF-5ª Região, 2ª Turma, DJ em 08-02-91, p. 01675) 23. Isto Posto, com fundamento na Constituição Federal, artigo 37, § 6º, e demais legislações referidas, julgo parcialmente procedente a ação para condenar a R. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT a ressarcir à A. G.M.S.S. o prejuízo decorrente de acidente causado por veículo de propriedade daquela, no valor originário de R$ 8.901,14 (oito mil, novecentos e um reais e quatorze centavos) — cf. sub-itens 15, retro —, a ser devidamente corrigido na forma da lei. 24. 228 Sobre a condenação incidirão juros moratórios a partir da data do Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba acidente, ex vi do art. 962, do Código Civil Brasileiro. 25. Condeno, ainda, a R. ao pagamento de honorários advocatícios, conforme o CPC, artigo 20, parágrafo 3º, à base de 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação (STF - 1ª Turma, RE 80.350-GB - DJU 26/setembro/75, p. 6897). 26. Custas, ex lege. 27. P.R.I. João Pessoa, 21 de janeiro 1997. JOÃO BOSCO MEDEIROS DE SOUSA Juiz Federal Titular da 1ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 229 CONSTRUÇÃO DE BARRACAS - ÁREA LITORÂNEA Processo nº 00.1805-8 - MEDIDA CAUTELAR Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL/PB Requerido: MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA, UNIÃO FEDERAL e OUTROS SENTENÇA Vistos etc. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, através de digno Procurador da República, promoveu medida cautelar contra o MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA, a UNIÃO FEDERAL, o MUNICÍPIO DE CABEDELO/PB, o CLUBE DE ENGENHARIA e mais FRANCISCO TARGINO DA SILVA, LINDEMBERG BORGES GUEDES, SÉRGIO DE ALBUQUERQUE SMITH, MARIA DO SOCORRO COSTA, CLOVIS JOÃO DA SILVA, JOSÉ ALVENILDO DA SILVA, ALÍRIO CARDOSO DE LUCENA, JOSÉ XAVIER DA SILVA, MANOEL BEZERRA DA SILVA, EDUARDO CARVALHO DE MELO, MARIA DA GLÓRIA MACEDO DE AZEVEDO, PETRÔNIO CABRAL GONDIM, JOSÉ ROBERTO GOMIDES, CAUBY HONÓRIO JÚNIOR, JOSÉ ANTÔNIO MENEZES CRISPIM, FRANCISCO SOLANIEL TRIGUEIRO, ANTÔNIO BARBOSA DOS SANTOS, SEBASTIÃO CÂNDIDO DA SILVA, ROBERTO FREITAS JARDIM, VALDETE RITA FERNANDES, ANTÔNIO SANTOS SILVA, MARIA DE FÁTIMA ALVES DA SILVA, MARIA JOSÉ FARIAS, WALLACE DE SOUSA NASCIMENTO, ADAUTO TAVARES DE MELO, MARIZA PEREIRA DUARTE, HAROLDO PINHO DE ALENCAR, LUIS DE GONZAGA GOMES, ANTÔNIA DE LIMA SILVA, JOSÉ FERREIRA DOS SANTOS, MARIA DO CARMO FILHO, JOSENALDO FELISBELO DE SOUZA, RAIMUNDA NUNES RIBEIRO, MARIA DE FÁTIMA SANTIAGO, ALBENOR LIMA, CLEONCIO LUCENA, JOÃO ALVES TENÓRIO, ANTÔNIO DE PÁDUA DE ANDRADE PEIXOTO, ANTÔNIO INALDO BARBOSA, SÉRGIO CARDOSO DE LIMA, ROBERTO LAURENTINO PINTO, HUMBERTO MADRUGA DO NASCIMENTO, EDMUNDO GOMES DE MEDEIROS, SÉRGIO MURILO BARBOSA, LUIS MONTEIRO, LINDUÁRIO JOSÉ COSTA DE SANTANA, GERALDO FLOR DE OLIVEIRA, BENEDITO GOMES DA SILVA, BENEDITO BATISTA DOS SANTOS, JOSÉ ALVES DE SOUSA, MARIA JOSÉ DA SILVA LIMA, GISÉLIA RODRIGUES DOS SANTOS, SEVERINA FIDELIS RODRIGUES, SEBASTIÃO VITAL DOS SANTOS, PAULO PONTES DA COSTA, JOÃO JUSTINO DA SILVA, PAULO HÉLIO FERREIRA DE CASTRO, LAÉRCIO TEODORO RODRIGUES, OTÁVIO XAVIER LEITE, MARICELIA SAMUEL HAARDMAN, MAGNO LUNA DE OLIVEIRA, RAIMUNDO PEDRO DA SILVA, GUTEMBERG JUSTINO DE MELO, PEDRO ROSENDO GOMES, GONÇALO VIEIRA THEODÓSIO, ALTO PEREIRA LIMA, MARCOS ANTÔNIO LOPES DE AGUIAR, IVAN FILHO DE FRANÇA, MANOEL MIGUEL DOS ANJOS, JÚLIO MARTINS DO CARMO, ZEZITA AGRIPINA DA SILVA, JOSÉ RICARDO DA SILVA, FRANCISCO LUIZ BARBOSA, LUCIANO BEZERRA DE LIMA, IVANILDO ANTÔNIO SALES, CARLOS FERREIRA DA SILVA, IVALDO BEZERRA DIAS FILHO, SEVERINO JOSÉ DO NASCIMENTO, GENIVAL TRAJANO DA SILVA, JOSÉ GOMES DA SILVA, MARCELO AMORIM BARBOSA DE SOUZA, JOSÉ ADAUTO DA SILVA, ANTÔNIO JUSTINO DA SILVA, ANTÔNIO DOMINGOS DA SILVA, GILVAN GOMES DA SILVA, MARIA DA GLÓRIA PEREIRA DA SILVA, ANTÔNIO GALDINO DOS SANTOS, MARLI ALICE DA CONCEIÇÃO CABRAL, 230 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba ELIZA MARTINS GOMES, MARIA DA PENHA FERNANDES DE SOUZA, JOÃO SEBASTIÃO DA SILVA, ANTÔNIO FIRMINO DA CRUZ, MAURÍCIO RAMOS NEVES, DEUZENIR WANDERLEY, MARCO ANTÔNIO MENDES, ONILDO GUILHERME DA SILVA, FRANCISCO DE ASSIS ANDRADE, JÚLIO URBANO MAIA, JOÃO BATISTA OLIVEIRA DE MELO, MANUEL ALÍPIO MONTEIRO, CARLOS ALBERTO OLIVEIRA DE MELO, LUIZ FERNANDES DA MOTA, HOSANA BARBOSA DA SILVA, EDUARDO FREIRE DOS SANTOS, JOÃO ANTÔNIO RIBEIRO, MARIA DA PENHA CAVALCANTE DE OLIVEIRA, DIJALMA PAES DE SOUSA, MARIA ROSINEIDE COSTA DA SILVA, MARIA JOSÉ COSTA DE BRITO, GENOVEVA DOS SANTOS SILVA, ANTÔNIO RIBEIRO, MÁRIO RODRIGUES DUARTE, PAULO CAÇULA DA SILVA, JOÃO BATISTA RAMOS DOS SANTOS, ROZILDA MARIA DA CONCEIÇÃO, HERONILDES PEREIRA DA SILVA, JOSÉ MANOEL DO NASCIMENTO, MARIA DAS NEVES MATIAS, MARIA DO CARMO FÉLIX, CARLOS LAURINDO DO NASCIMENTO, PAULO GOMES DA COSTA, EDMILSON LUSTOSA DE FRANÇA, FRANCISCO SALVADOR DA SILVA, ODALÍCIO FARIAS, JOÃO ALVES DA SILVA, JOÃO MOISES DOS SANTOS, ANTÔNIO MANOEL FERREIRA, JOAQUIM PEREIRA DA SILVA, MAURÍCIO GONÇALVES, AMÉLIA ALVES, IZETE SILVA DE FARIAS e MARIA JOSÉ DA SILVA NASCIMENTO, também qualificados (fls. 163/295), objetivando interdição ou embargo preventivo da construção de barracas e outros prédios de alvenaria, nas praias de Tambaú e do Cabo Branco, nesta Capital, assim como em praias do Município de Cabedelo. 2. Fundamentou o pedido no CPC, artigo 796 e seguintes, e na Lei nº 7.347/85, artigos 4º e 19. 3. Na petição inicial (fls. 02/17), que trouxe aos autos documentação (fls. 18/119) pertinente à pretensão deduzida, alegou basicamente e em síntese que: 3.1 - a Associação Paraibana dos Amigos da Natureza, pessoa jurídica de direito privado, integrante do Sistema Municipal de Defesa do Meio Ambiente, pediu providência da Procuradoria da República para evitar a construção de barracas de alvenaria, na praia de Tambaú, porque tais edificações ferem o direito dos cidadãos de usufruírem de um bem estético, turístico e paisagístico; 3.2 - no sentido de verificar os fundamentos necessários para propositura de ação civil pública, requisitou informações de diversos órgãos federais, estaduais e municipais; 3.3 - constatou, então, que há algum tempo, estão sendo erigidos bares em terreno de marinha, em praias de João Pessoa e de Cabedelo, na verdade palhoças e barracas, em que são comercializadas bebidas alcoólicas, refrigerantes e frutos do mar, entre outros; 3.4 - a disseminação dos mencionados botequins facilita o surgimento de efeitos adversos sobre os valores das terras das praias e das águas do oceano; as descargas livres, a céu aberto, de resíduos sólidos, apresentam, por seu intenso volume, perigos e acarretam poluição das águas subterrâneas e, por conseguinte, do mar; estimulam a proliferação insetos, roedores e de fungos, gerando odores nauseabundos de fermentação, prejudicando, assim, a beleza da paisagem natural das praias e interferindo no desenvolvimento do potencial turístico do litoral; além do mais, afetam a tranqüilidade dos moradores daqueles bairros e das famílias que eventualmente buscam as praias, pois são comuns as cenas de violência nas freqüentes brigas entre os ébrios que para lá se deslocam; 3.5 - as praias são bens públicos de uso comum do povo (CC, artigo 66, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 231 inciso I), não podendo ser privatizadas através de construções limitadoras de sua utilização pela comunidade, mormente quando se sabe que tais edificações ocasionam danos à paisagem natural e ao desenvolvimento do turismo, à higiene e ao meio ambiente, numa cidade que, sem possuir usinas de detritos e sem ter um serviço de coleta apropriado, tem no lixo um dos seus principais problemas; 3.6 - não se deve permitir que o R. MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA, sem licenças dos órgãos federais competentes, utilize o dinheiro arrecadado dos contribuintes para construir, em plena beira-mar, prédios que ocasionem danos ao meio ambiente, mormente quando se sabe que poderá ser condenada a reconstituir, demolindo as construções, os bens lesados e, para tanto, usará mais uma vez o dinheiro do povo; 3.7 - liminarmente, pediu a interdição ou embargo preventivo para suspender a construção das barracas e outros prédios de alvenaria, nos locais indicados, bem como, a citação do MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA e da UNIÃO FEDERAL, como litisconsortes ativos, a produção de prova pericial, testemunhal, além da juntada dos documentos (fls. 118/119) e, no mérito, a procedência da ação, condenando o promovido no ônus da sucumbência. 4. Em decisão fundamentada (fls. 120), o MM. Juiz Federal que então presidia o feito deferiu a liminar e as citações requeridas, assim como a expedição de ofício comunicando a concessão da liminar. 5. O R. MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA, agravou de instrumento (fls. 145) da decisão referida, mas o recurso foi julgado prejudicado, posteriormente, conforme nos autos (fls. 340). 6. Regularmente citado, o MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA contestou a ação (fls. 124/132), argüindo: 6.1 - preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, porque se a contestante invadiu terreno de marinha ao construir bares, lanchonetes, sem autorização da Delegacia do Serviço do Patrimônio da União, somente à UNIÃO FEDERAL assiste o direito de postular em Juízo o restabelecimento do status quo ante, repelindo o esbulho possessório, e não ao Ministério Público Federal, com fundamento na Lei 7.347/85; 6.2 - preliminar de indeferimento da citação da UNIÃO FEDERAL, vez que essa citação não é condição para eficácia da sentença; se, de acordo com o artigo 5º, da Lei nº 7.347/85, a UNIÃO FEDERAL tem legitimidade para propor o mesmo tipo de ação, poderá integrar a lide como litisconsorte voluntário, não como litisconsorte necessário, como quer o A; 6.3 - no mérito, não necessita de licença ou de autorização de órgão federal ou estadual, no que concerne à organização dos serviços públicos locais; ademais, no conjunto, predomina a solução de arquitetura tropical, cujo valor primitivo avulta como o de melhor conhecimento da tecnologia moderna, em plena harmonia com a construção civil; assim, o invento se cristaliza no espaço criado artificialmente, em perfeita adequação com o sítio ao qual se insere e ao estender o espaço público do passeio já existente (calçada), nessa pequena extensão de piso, com a mesma padronagem da preexistente, erguem-se as pequenas barracas, que ao invés de provocarem qualquer dano, proporcionam um novo e natural ponto de apoio ao cidadão pessoense e aos turistas que procuram a orla 232 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba marítima; 6.4 - a solução de esgotamento sanitário, ao contrário do que noticia a inicial, foi encontrada através da interligação dos dutos subterrâneos da obra (barracas), ao sistema geral de esgoto já implantados pela CAGEPA no sub-solo do leito da Av. Tamandaré, tratando-se, portanto, de mais uma economia, sem a menor possibilidade de provocar saturação do sistema citado (coletor público) ou poluir as águas mediterrâneas; como, então, falar na geração de odores nauseabundos ou remessa de objetos para o oceano? qual a melhor opção: as novas barracas higiênicas e acomodadas à beleza ambiental ou a manutenção de botecos infectos e trailers ocupando a via pública? 6.5 - implanta, no interesse da comunidade, obra criteriosamente estudada, no sentido da solução alternativa à tipologia predominante na construção civil que se realiza na Capital; não se trata, absolutamente, de construção em alvenaria, na acepção integral do termo, pois alia no espaço físico, o valor cultural e o conhecimento tecnológico disponível, materializando no espaço - sem qualquer dano ao meio ambiente, ao estético e ao paisagístico - um abrigo de rara beleza e enaltecer os valores locais na forma e no emprego de materiais nativos; e, 6.6 - finalmente, requereu o deferimento das preliminares, e em caso contrário à improcedência da ação com a condenação do A. no ônus da sucumbência, protestando pela produção de prova testemunhal, pericial, inspeção judicial, além da juntada de documentos. 7. O A, intimado (fls. 146) para falar sobre a contestação supra e os documentos que a acompanham, apresentou a réplica (fls. 147/152), pedindo a condenação do R. nos termos dos artigos 16, 17 e 18, do CPC, a juntada de documentos e a apensação da presente cautelar aos autos da ação principal, ratificados os termo da inicial. 8. Em cumprimento a r. despacho (fls. 157v/158), o A. requereu (fls. 159) a citação do CLUBE DE ENGENHARIA, do MUNICÍPIO DE CABEDELO e dos proprietários de estabelecimentos localizados na beira-mar, qualificados no relatório de missão constante dos autos da ação principal, e reiterou o pedido de apensação formulado. 9. O MM. Juiz Federal indeferiu o pedido de apensamento e ordenou a citação dos litisconsortes (fls. 296/297). 10. Seguiu-se comunicado (fls. 307) da suspensão da liminar pelo então Presidente do e. Tribunal Federal de Recursos. 11. Intimado (fls. 349) para falar sobre a certidão (fls. 325/328) do Sr. Oficial de Justiça, o A. requereu a citação editalícia dos RR. não encontrados, o apensamento destes autos aos do processo principal, a realização de audiência e de perícia, bem como a solicitação, ao e. TFR, de informações sobre o julgamento do agravo, da decisão que suspendeu a liminar concedida. 12. Foi deferida (fls. 359) a citação editalícia e a solicitação de informações requeridas e indeferida, mais uma vez, a apensação. 13. Conforme comunicação (fls. 367), foi negado provimento ao agravo regimental interposto pelo MPF. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 233 14. Posteriormente, foi exarado despacho declarando suspeição do MM. Juiz Federal que até então presidia o feito (fls. 399v). 15. Citados os litisconsortes passivos, apenas ROBERTO FREIRE JARDIM (fls. 300/302), JOÃO MOISÉS DOS SANTOS (314/315), ODALÍCIO FARIAS (fls. 329) e LINDEMBERG BORGES GUEDES (fls. 345/346) contestaram a ação, através de advogado constituídos; FRANCISCO TARGINO DA SILVA e outros, revéis, citados por edital, contestaram (fls. 397/398) por curadora nomeada, tendo, todos, argüido as preliminares de ilegitimidade e inépcia da inicial, pedindo, por fim, a extinção da ação, na forma do artigo 267, incisos IV e VI, do CPC e a condenação do autor no ônus da sucumbência. 16. Manifestando-se sobre a contestação (397/398), o A. requereu a rejeição das preliminares e o apensamento destes autos aos da ação principal. 17. O MM. Juiz Federal reservou-se (fls. 406) para apreciar as preliminares, quando de julgamento final e indeferiu, novamente, o pedido de apensamento, facultando às partes à especificação de provas. 18. A R. UNIÃO FEDERAL não contestou a ação, conforme certidão (fls. 418vº), assim como o MUNICÍPIO DE CABEDELO e o CLUBE DE ENGENHARIA, conquanto devidamente citados (fls. 328). 19. Após o trânsito em julgado da decisão retro, sem manifestação das partes, vieram-me os autos conclusos para decisão. Relatados, DECIDO. 20. Tratam os autos, pois, de hipótese em que é possível o julgamento antecipado da lide, ex vi do artigo 330, do CPC, que é a terceira hipótese de “julgamento conforme o estado do processo” (CPC, capítulo V, seção I), em especial porque os litigantes não têm provas a produzir em audiência. 21. De início, afasto integralmente as preliminares argüidas pelos diversos RR., pelas razões seguintes: 21.1 - R. MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA (fls. 124/131): 21.1.1 - ilegitimidade ativa ad causam, porque é evidente que a legitimidade e o interesse (CPC, artigo 3º) do A. é conseqüência do interesse público, que “é perceptível (...) haja vista que o fenômeno em si transcende, extrapola os estreitos limites do indivíduo, e alcança a esfera do social”. (A intervenção do ministério público no processo civil brasileiro/Antônio Cláudio da Costa Machado. - São Paulo: Saraiva, 1989, p. 277); 21.1.2 - indeferimento da citação da UNIÃO FEDERAL, por se tratar de edificações erigidas em terrenos de marinha, vale dizer, do patrimônio público nacional, daí porque foi facultada a sua integração à relação processual; 21.2 - RR. FRANCISCO TARGINO DA SILVA e OUTROS (fls. 397/398). 21.2.1 - ilegitimidade ativa ad causam, pelos mesmos motivos referidos no sub-item 21.1.1, retro; 21.2.2 - ilegitimidade passiva ad causam, por serem os RR. ocupantes 234 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba irregulares de terrenos de marinha; 21.2.3 - inépcia da inicial, porque estão presentes todos os requisitos do CPC, artigos 282, incisos I a VII, e 283, caput). 21.3 - R. ODALÍCIO FARIAS (fls. 329): 21.3.1 - ilegitimidade passiva ad causam, porque, malgrado a sua alegada condição de comerciante ambulante, e um ocupante da área de marinha, logo é interessado no deslinde da causa; 21.3.2 - inépcia da inicial, porque estão presentes todos os requisitos do CPC, artigos 282, incisos I a VII, e 283, caput. 21.4 - ROBERTO FREITAS JARDIM: 21.4.1 - ilegitimidade passiva ad causam, pelos mesmos motivos apreciados no sub-item 21.3.1; 21.4.2 - inépcia da inicial, pelas exatas razões expostas no sub-item 21.3.2, retro. 22. Por via de conseqüência, persiste à decisão apenas a essência da própria medida cautelar. 23. No mérito, observo que o A. pretende fundamentalmente evitar a construção de bares, geralmente sob a forma de palhoças e barracas em áreas de praia, alegando que a disseminação de tais edificações “facilita o surgimento de efeitos adversos sobre os valores das terras das praias e das águas do oceano” e, para tanto, pediu interdição ou embargo preventivo sobre mencionadas construções. 24. Em verdade, os terrenos sobre os quais estão erigidas as construções de que fala a petição inicial são bens nacionais (públicos) de uso comum, logo insuscetíveis de direito de propriedade (res extra commercium), “podendo ser utilizados por quisque de populo, desde que o uso de cada um não impeça o de outrem. (...) Enfim, o princípio geral que rege a utilização dos bens de uso comum é o de que o uso de um seja transitório e precário, não impedindo o uso dos demais, reservando-se a Administração, em casos especiais, o direito de utilização privilegiada quando se trata de interesse público” (Bens públicos/J. Cretella Jr. - São Paulo: EUD, 1975, p. 258 e 179); portanto, afigura-se incabível que a Prefeitura Municipal de João Pessoa (rectius, o R. MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA) indevidamente privilegie terceiros com autorização para o comércio em tais áreas, pois na verdade falece-lhe competência para tanto, conforme o Código Civil, artigo 678, e o Decreto-Lei nº 9.760/46, artigo 64; daí, então vale colacionar a seguinte doutrina: “A Administração Pública tem obrigações especialíssimas no capítulo das terras de marinha, uma vez que a ela compete fiscalizar, prover e zelar, não só as marinhas aforadas, como aquelas que ainda não foram objeto de contratos de aforamento ou de regularização de ocupação. O domínio da União, isto é, seu direito sobre tais terras, não decorre das leis orçamentárias, que a partir do ano de 1831, passaram a destacar na receita a renda delas proveniente. Esse direito vem de princípios imemoriais que nortearam o comportamento administrativo, princípios de Direito Histórico, que, bem sabemos, só poderiam ser revogados por cláusula expressa da lei constitucional.” (Terras de Marinha / Rosita de Sousa Santos. - Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1985, 1ª edição, pág. 77). 25. Daí vem a constatação de que a pretensão do A. não tem caráter satisfativo, - porquanto a sua eventual concessão, não será antecipadora de decisão em ação principal - e não esvaziará, de conseqüência essa prestação jurisdicional futura; é mais do que certo que o poder de cautela do Juiz, no particular, é limitado pela necessidade, que é corolário do bom-senso, e sempre adstrito aos pressupostos do fumus boni juris e do Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 235 periculum in mora, concomitantes, contemporâneos e presentes no caso dos autos. 26. Portanto, sendo a cautelar mero processo preparatório de uma ação principal - vem daí a sua denominação -, a pretensão se enquadra à tese de que a sua finalidade é obter segurança que torne possível a prestação jurisdicional de conhecimento e de execução; nesse sentido, iterativa jurisprudência, mutatis mutandis aplicável à espécie, da qual é destacável o seguinte julgado: “EMENTA: - PROCESSUAL CIVIL. PODER DE CAUTELA DE JUIZ. - A finalidade da medida cautelar é garantir a utilidade e eficácia da futura prestação jurisdicional. No particular, o juiz deve atuar com parcela de discricionariedade, cujo limite é o requisito da necessidade. - Se está em curso ação ordinária com pretensão de rescindir contrato de compra e venda e mútuo, não há lugar para que se dê curso a execução forçada desse mesmo pacto.” (AI nº 59.748-REG. Nº 8800737145-1E., Rel. Min. José Delgado, 5ª T. TFR., DJU de 26.689, pág. 11158) 27. De todo modo, a presente cautelar haverá de impedir a proliferação de tais construções, mantido o status quo, até decisão de mérito na ação principal. 28. Excluo da relação processual o CLUBE DE ENGENHARIA DA PARAÍBA, por não vislumbrar a sua legitimidade passiva ad causam; excluo também a UNIÃO FEDERAL, apesar de não haver contestado (conforme o item 7, retro) e tratar-se de direito indisponível, por não entendê-la com legitimidade ativa para postular, neste caso, já que as autorizações para as construções de que falam os autos foram autorizadas pelos Municípios RR. 29. Isto Posto, fundamentado no artigos 269, I, e 804, do CPC, julgo parcialmente procedente a medida cautelar preparatória proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra o MUNICÍPIO DE J0ÃO PESSOA e OUTROS e, nesse sentido, determino a suspensão de obras de construção de barracas e prédios de alvenaria, em terrenos de marinha situados nas praias de Tambaú e de Cabo Branco, em João Pessoa, e em praias de Cabedelo desde que não autorizadas na forma da legislação federal vigente; determino ainda, aos RR. MUNICÍPIOS DE JOÃO PESSOA e de CABEDELO não mais concedam licenças e/ ou alvarás de construção para a instalação de bares nas referidas áreas e, finalmente, aos demais RR. ocupantes de tais estabelecimentos determino se abstenham de ampliar ou modificar os já existentes, até o deslinde da ação principal. 30. De conseqüência, condeno os RR. em honorários advocatícios de 10% (dez por cento) do valor da causa, ex vi do artigo 20, do CPC e dos artigos 3º e 11, parágrafo 2º, a Lei nº 1.060/50 (JTA 88/183). 31. Custas, ex lege (Lei nº 1.060/50). 32. P.R.I. João Pessoa, 31 de março de 1993. JOÃO BOSCO MEDEIROS DE SOUSA Juiz Federal da 1ª Vara 236 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba PRESERVAÇÃO AMBIENTAL Processo nº 96.4138 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA Promovente: IBAMA Promovida: PREFEITURA MUNICIPAL DE CABEDELO – PB e CONTRUTORA GAMA LTDA SENTENÇA EMENTA: Ação Civil Pública. Gabiões. Risco ao meio ambiente não caracterizado. Inexistência do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental. Existência de pesquisa feita por instituto especializado. Matéria reproduzida em ação anteriormente julgada. Litispendência. Visando os pedidos o mesmo efeito jurídico, ou seja, considerar ou não a imprescindibilidade do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental para a continuidade da construção de gabiões, e estando presentes as mesmas quaestiones facti e quaestiones iuris, caracterizada está a litispendência. — Extinção do processo, sem o julgamento do mérito. Vistos etc. INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA -, autarquia federal, devidamente representada, propôs a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra A PREFEITURA MUNICIPAL DE CABEDELO - PB e a CONSTRUTORA GAMA LTDA., aduzindo o seguinte: 1. O IBAMA autuou a Prefeitura Municipal de Cabedelo - PB, em 01/ 04/1996, porque esta construíra inicialmente, sem a previsão de um estudo de impacto ambiental e sem o devido licenciamento, 26 (vinte e seis) gabiões nas praias de Santa Catarina, Ponta do Mato e Formosa, esta compreendendo as praias do Osso e Areia Dourada, todas no litoral do município de Cabedelo. Após o embargo da obra, desrespeitosamente a promovida construiu mais 20 (vinte) gabiões, cuja obra está sob a responsabilidade da Construtora Gama Ltda. 2. A construção desses gabiões foi justificada pela Prefeitura, perante o IBAMA, sob a alegação de que a orla marítima de Cabedelo está seriamente ameaçada por um processo acelerado de erosão marinha, baseando-se num anteprojeto denominado Proteção Contra a Erosão do Litoral da Cidade de Cabedelo - PB, realizado pelo Instituto de Pesquisas Hidroviárias - INPH, integrante da extinta Empresa de Portos do Brasil S/A, recomendado à Prefeitura de Cabedelo, em outubro de 1989. Com apoio nesse anteprojeto, a Prefeitura de Cabedelo construiu em 1995 04 (quatro) gabiões nas praias de Ponta do Mato e Formosa, onde apresenta visível processo erosivo. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 237 3. Amparada nesse anteprojeto, a promovida declarou situação de emergência naquele município, a fim de obter apoio do Poder Público, com a destinação de verbas para a construção dos gabiões. Nesse sentido, vários convênios foram firmados entre o município de Cabedelo e o Estado da Paraíba e entre o Governo Federal e o Estado. 4. Prossegue o promovente, em seu arrazoamento, alegando que o problema vem de longa data, havendo tempo suficiente para um estudo científico na área, para localização da origem do processo erosivo, que está ocorrendo em quase todo o litoral do Estado, daí a necessidade do estudo, tendo em vista que os gabiões não são a única alternativa para o problema. 5. Segundo o IBAMA, a obra em questão não contemplou parâmetros ambientais exigidos por lei, podendo causar sérios danos ambientais a outras regiões do litoral do Estado, atingindo a população e o bem público e, além do mais, os gabiões estão sendo construídos aleatoriamente. Argüi, baseada em relatório seu, que foram executados 42 (quarenta e dois) gabiões, quando estavam previstos inicialmente no anteprojeto 4 na praia de Santa Catarina, 5 na praia de Ponta do Mato e 4 na praia de Formosa, com a previsão de construção de gabiões intermediários a medida em que os espaços entre os primeiros fossem devidamente associados. 6. Critica, na inicial, o anteprojeto realizado pelo INPH, por não fornecer dados conclusivos, deixando transparecer dúvidas quanto à eficiência da obra. 7. Para o IBAMA, ora promovente, é inexplicável a construção dos gabiões pela promovida, uma vez que “não foi detectado nenhum processo erosivo além da praia Formosa, sentido Cabedelo - João Pessoa, capaz de justificar o empreendimento até o Mar dos Macacos, por ser evidente a proteção natural na forma de arrecifes de corais e depósitos de areia”. Portanto, inexiste qualquer tipo de erosão. 8. Às fls. 7/9, faz uma breve explanação sobre o “Estudo Prévio de Impacto Ambiental- EIA”, destacando sua conditio sine qua non para a concessão de qualquer licenciamento de obra ou empreendimento de impacto ambiental, citando vários autores. Afirma que sem o “Relatório de Impacto Ambiental - RIMA”, que é a conclusão do EIA, a construção dos festejados gabiões não poderá ser licenciada, invocando a Resolução n. 01/ 86-CONAMA. Ressaltou, ainda, o promovente, o licenciamento ambiental, por ser um dos procedimentos da Política Nacional do Meio Ambiente, pressuposto indispensável para o exercício da atividade licenciadora com o objetivo da proteção do meio ambiente. 9. Conceitua, o promovente, às fls. 12, o que seja “Zona Costeira”, e conclui que, pela presença dos gabiões, as praias estão sendo danificadas, agredindo visualmente a paisagem e privando o direito do cidadão ir e vir em um dos bens da União, de uso comum de todos. 10. Em defesa do Direito, o promovente invocou o art. 225, da Constituição Federal, a Lei n. 6.938/81, regulamentada pelo Decreto n. 99.274/90, e a Resolução 001/86 do CONAMA - CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. 11. Justificou o embargo inicial à obra em questão, e as penalidades subseqüentes, em vista da infração ambiental cometida pela promovida, nos termos das Leis 6.938/81 e 7.661/88 e § 3º, do art. 225, da CF, em razão da falta de licenciamento ambiental, precedido da falta do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental, devidamente aprovados, “posto que, a construção dos gabiões certamente trará impactos negativos a outras áreas, conforme laudos técnicos, docs. 08 e 238 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 09”. 12. Alegou, também, a responsabilidade civil, prevista no art. 7º, caput, da Lei 7.661/88 c/c art. 14 da Lei 6.938/81, em face da degradação dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos naturais da zona costeira. 13. Considerando o fumus boni juris e o pericullum in mora, requereu medida liminar inaudita altera pars, para sustar as atividades de construção dos gabiões, em razão de esta representar um risco ao meio ambiente, consubstanciando-se em dano irreparável ao patrimônio ambiental, bem como por inexistirem as licenças exigíveis ao empreendimento que ora está realizando a Prefeitura Municipal de Cabedelo. 14. Finalmente, requereu a citação da Prefeitura Municipal de Cabedelo - PB, da Construtora Gama Ltda. e da União, para responder aos termos da ação, e a intervenção do Ministério Público Federal, julgando-se procedente a demanda e condenando-se os promovidos: a) na obrigação de cessar com a obra, enquanto não apresentar o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental aprovados, sob pena de execução específica; b) na obrigação de fazer, com a retirada imediata dos gabiões, a partir da praia de Formosa, sentido Cabedelo - João Pessoa, remanescendo provisoriamente 13 (treze) gabiões, até a aprovação do EIA/RIMA, no trecho da praia de Santa Catarina até o início da praia Formosa; c) a recuperação, eventualmente indicada no EIA/RIMA, em prazo não superior a 12 (doze) meses, independentemente de acordo administrativo, sob pena de pagamento de multa diária a ser aplicada pela empresa; d) no pagamento das custas processuais, honorários periciais e demais cominações de estilo. 15. Requereu, também, a produção de provas, tais como perícia, oitiva de testemunhas e juntada de documentos. 16. Com a inicial, juntou os documentos relacionados às fls. 27, dos autos. 17. Distribuída, inicialmente, para a 2ª Vara Federal desta Seção Judiciária, em 23/05/1996, o Exmo. Sr. Dr. Alexandre Costa de Luna Freire, MM. Juiz Federal daquela Vara, em face do conhecimento de que nesta 3ª Vara tramitava um mandado de segurança sob n. 96.3625-0, impetrado pela Prefeitura Municipal de Cabedelo, ora promovida, contra ato do Superintendente do IBAMA, entendeu ocorrer a hipótese de conexão das ações e prevenção deste juízo, razão pela qual determinou a redistribuição destes autos a esta Vara, em despacho datado de 01/08/1996 (fls. 151/152). 18. Feita a redistribuição, em data de 29/10/1996, os autos foram conclusos à MM. Juíza Federal Substituta desta 3ª Vara, a qual, em despacho bem fundamento, observou que este juiz julgara o aludido mandado de segurança, razão pela qual estava prevento para conhecer e julgar esta ação. Porém, ressalvou o seu entendimento de que se esgotara a necessidade de reunião dos processos (a ação civil pública e o mandado de segurança), tendo em vista que o mandamus já havia sido julgado em 20/8/1996 (fls. 158/159). 19. Remetidos os autos à Secretaria, esta informou que o mandado de Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 239 segurança, cuja cópia da petição inicial se encontra às fls. 138/147, encontrava-se com recurso interposto pelo IBAMA, aguardando publicação do despacho que admitiu o recurso e abriu vista à impetrante para oferecimento de resposta. 20. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Decido. 21. A promovida impetrou o mandado de segurança n. 96.3625-0 contra ato do Superintendente do IBAMA, que embargou a construção dos gabiões, objeto da presente ação civil pública. Naquela ação mandamental, o IBAMA, alegando falta de aprovação do anteprojeto de Proteção contra a Erosão do Litoral da Cidade Cabedelo - PB, realizado pelo Instituto de Pesquisas Hidroviária -INPH, bem como a inexistência de estudo prévio de impacto ambiental, mencionando a mesma legislação que fundamenta a presente ação, requereu a improcedência do mandamus. 22. Acolhi o pedido liminar no writ, no sentido de ser dada continuidade à edificação dos gabiões, tendo em vista o estudo técnico realizado pelo INPH e o cronograma da obra que deveria ser cumprido, sob pena de desfazer-se o acerto administrativo, com irreparáveis prejuízos à Prefeitura e à população Cabedelense. Porém, o impetrado, ora promovente, requereu junto ao TRF 5ª R., a suspensão da medida, o que foi alcançado. Posteriormente, em face do Agravo Regimental interposto pela Prefeitura Municipal de Cabedelo, o mesmo Egrégio Tribunal, em plenário, por maioria, confirmou a liminar. 23. Julguei o mérito do mandamus, dando procedência ao pedido, garantindo a continuidade da obra e desconstituindo a multa imposta à Edilidade, levando em consideração o estudo prévio realizado por Instituto especializado, no caso, o INPH, e a situação emergencial em que se encontra as praias daquele município. 24. Agora, na presente ação, vem o IBAMA subindo a ladeira, de marchaa-ré, na contramão da história, com o reverso da moeda. Trazendo à tona os mesmo fatos e fundamentos, já apreciados e decididos no mandado de segurança, requer a reapreciação da matéria, desta feita para suspender a construção dos gabiões e desfazê-los. 25. Observe-se a repetição dos argumentos utilizados pelo IBAMA, em ambas ações: No mandado de segurança: “Por tratar-se de Ante-projeto, processo em plena gestação embrionária, mercê das discussões em seu regular procedimento, não configurando, ainda, em essência, uma decisão com eficácia, porque sequer nascera, é que não vislumbramos a rigor a adoção de qualquer medida decisória plausível,...” “Por outro lado, se o problema em questão está se arrastando há várias décadas,..., foi tempo suficiente para dar andamento ao procedimento inicialmente proposto...,” “... a execução dos gabiões foi realizada sem o atendimento ao funesto anteprojeto, fato constatado através de vários laudos técnicos.” “Ainda ao reportar-se ao ante-projeto aludido, é fácil constatar que nem mesmo este fornece dados conclusivos e deixa transparecer claramente dúvidas quanto à eficiência da pretensão...” Na ação civil pública: “Trata-se de Ante-projeto, processo em plena fase embrionária, mercê das discussões em seu regular procedimento, não configurando ainda, em essência, uma 240 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba decisão com eficácia.” “Por outro lado, o problema em questão está ocorrendo há várias décadas, tempo suficiente para ter originado um estudo científico para localização da origem do processo erosivo...” “...os gabiões estão sendo construídos aleatoriamente, sem sequer atender as recomendações do prefalado ante-projeto, fato constatado através de laudo técnico...” “Sobre o ante-projeto aludido, é fácil constatar que este nem mesmo fornece dados conclusivos e deixa transparecer claramente dúvidas quanto à eficiência da pretensão...” 26. Insiste repetidamente o autor sobre a realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental. Essa matéria também foi exaustivamente apreciada na sentença mandamental, como se vê adiante: “IBAMA e o MPF se entricheiram no argumento repetido de falta de prévio estudo de impacto ambiental. É este só e tão-somente o argumento contra os trabalhos levados a efeito pela impetrante. Impacto ambiental maior não pode haver do que os olhos desarmados do homem do povo pode enxergar. Basta um passeio a pé pela orla marítima desde o enrocamento do Porto de Cabedelo, do lado contrário do ancoradouro, até o final da praia de Ponta de Campina, para bem se enxergar o estrago que o mar fez a parte norte e também a leste de Cabedelo, aliás, as partes mais atingidas e habitadas por pessoas menos potentadas. Será que era preciso esperar que a força bravia do oceano avançasse de tal forma que as águas acabassem com a parte velha da cidade? Há outra tecnologia mais avançada para que se detenha o furor das ondas que não os gabiões? Será que somente se teria estudos de impacto ambiental se antes o IBAMA e o MPF fossem ouvidos ou se a preservação da cidade, cuja devastação pelo mar é fato público e notório, também não representa um modo de se concluir como uma salvaguarda expressa e clara de impacto ambiental? Qual foi o estudo apresentado pelo impetrante? Foi de há sete anos passados. Se o estudo fosse dos dias atuais, mais forte razão teria a Prefeitura de efetuar os trabalhos, pois desde àquele tempo para cá, o oceano fez mais estragos na cidade. ...................................................................................... Ademais, se esse estudo de impacto ambiental prévio, que não foi realizado, tivesse de ser feito, qual o órgão mais capaz de fazê-lo? Creio que o Instituto de Pesquisas Hidroviárias. Em que estudo se baseou a impetrante. Em estudo realizado por esse instituto. ...................................................................................... Argumentam, também, IBAMA e MPF da desnecessidade de ser a obra executada no seu todo, mas só e tão-somente na parte já atingida. A alegação não tem como ser aceita. Os estudos levados a efeito dão conta da necessidade da realização de todo espaço litorâneo neles contidos. Atribuir-se o fato de que a obra poderá vir a afetar a ponta do Cabo Branco, ou seja, passando a erosão atingir o ponto mais oriental das Américas é apenas alegação de leigos representantes do IBAMA e MPF, pois, não demonstraram através de estudo procedido por especialistas, tal Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 241 fundamento. Ao contrário, a impetrante trouxe para os autos elementos de prova importantes, chumbados na experiência de órgão encarregado de defesa da costa, bem assim a execução da obra por empresa de grande Know how (experiência) em obras desse porte internacionalmente. ...................................................................................... Não há outra tecnologia em todo o mundo para deter a avalanche do oceano, a não ser os espigões de praia a dentro. Os ora construídos em Cabedelo vão ficar como dedos de concreto dentro d’água apontando para os de Angola, lá na mãe África, como a dizer: Vamos deter a fúria do Atlântico. O resto é questiúncula, própria de campanário ou paroquial como queiram. ...................................................................................... Uma obra pode ser edificada sem o prévio estudo de impacto ambiental e ser nociva ao meio ambiente; outra não, pode ser construída com base em estudo prévio e atender as regras ambientais, como é o caso versado na questão deduzida nos autos onde houve um estudo de um Instituto especializado. ...................................................................................... Isto posto, confirmando a liminar, concedo a segurança requerida para garantir a continuidade da obra, desconstituindo a multa aplicada à edilidade.” 27. Quando do deferimento da medida liminar, na outra ação, também levei em consideração a relevância do estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Hidroviárias - INPH, para a implantação dos gabiões no litoral de Cabedelo, expondo o meu convencimento desta maneira: “Os críticos apenas argumentam que não se procedeu a estudo prévio do impacto ambiental que a construção dos gabiões poderia acarretar. Porém, releva observar que já foi realizado estudo técnico sobre o assunto, materializado no “ANTEPROJETO DE PROTEÇÃO CONTRA A EROSÃO DO LITORAL DA CIDADE DE CABEDELO/PB”, levado a cabo pelo INSTITUTO DE PESQUISAS HIDROVIÁRIAS - INPH - da extinta PORTOBRÁS que recomenda, como hábil a contenção dos avanços do mar, a construção de espigões, que poderão ser construídos de Bolsacreto/ bolsaroca, Entroncamento, Madeira ou Gabiões. O referido estudo, afigurase-me bastante completo, chegando até a dispor sobre a massa dos gabiões, volume e a sua disposição por ordem de construção.” (fls. 101, do mandado de segurança). 28. Quanto à alegação de que os gabiões estão sendo construídos aleatoriamente (fls. 06), isso não procede, posto que vêm sendo implantados segundo a própria orientação do Instituto de Pesquisas Hidroviárias - INPH -, o único no Brasil competente para o assunto. Tanto é assim que, afora o IBAMA, nenhum cidadão daqueles que estejam convivendo com a presença dos ditos gabiões, tem vindo reclamar de impedimento no direito de ir e vir nas praias beneficiadas pelos espigões. 29. Ora, a desnecessidade do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental, para a construção dos gabiões pela Prefeitura Municipal de Cabedelo - PB, no caso específico destes autos, já é matéria totalmente discutida e decidida, 242 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba já se tornou “prego batido e ponta virada”. É completamente descabida, agora, a pretensão do IBAMA, utilizar-se da ação civil pública para conseguir o que não pode no mandado de segurança, ou seja, a paralisação da obra. Em sede de Agravo Regimental, perante o TRF5ª R., a Prefeitura de Cabedelo obteve a confirmação da liminar no sentido de prosseguir com a construção dos gabiões, cuja Ementa é do teor seguinte: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. EMBARGO DE OBRA PELO IBAMA. AUSÊNCIA DE ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL. GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA NÃO CARACTERIZADA. Decisão agravada que deferiu pedido de suspensão de liminar concedida em mandado de segurança impetrado, perante a 3ª Vara Federal - PB, que havia determinado o desembargo da obra realizada pelo Município de Cabedelo e referente à construção de gabiões para conter o avanço do mar. Obra precedida de estudo do Instituto de Pesquisas Hidrográficas - INPH, que, por sua vez, propiciou a liberação de recursos ajustados em convênio. Não comprovação, pelo IBAMA, da inadequação dos estudos realizados ou da impropriedade das construções embargadas. Grave lesão à ordem ou à economia pública não caracterizada. Agravo provido.” (Ag, Reg. N. 2378-PB, Rel. Juiz Ridalvo Costa, publicado no DJ em 28.06.1996) Lê-se no corpo do Acórdão: “A preocupação do IBAMA seria plenamente válida se manifestada no início da obra e não agora. A continuação dos trabalhos, que não impedirá a elaboração dos estudos necessários à aferição do impacto ambiental dessas medidas, a meu ver, não é passível de lesionar a ordem pública. Ao contrário, preserva a economia da municipalidade a as praias de seu litoral”. 30. Será que o IBAMA não enxerga a realidade por que passa a orla marítima daquele município, ou só vê até a distância das escrivaninhas e o que se passa na parafernália de leis que impedem atitudes salutares como a da Prefeitura de Cabedelo? Cabível aqui admoestar o IBAMA, até através da poesia: “De tanto olhar para longe, não vejo o que passa perto. Subo monte, desço monte, meu peito é puro deserto.” (Meireles, Cecília. Obra Poética (trecho). Rio de Janeiro, José Aguilar, 1958, p. 229-30). 31. Finalmente, entendo que as quaestiones facti e as quaestiones iuris abordadas nas duas ações são idênticas, ocorrendo, assim, uma litispendência, com risco de haver sentenças conflitantes. Como preconiza Pontes de Miranda, “para que se dê a infração da litispendência é preciso que haja identidade entre as pretensões dos dois processos, de modo que possa ocorrer contradição entre duas sentenças que houverem de proferir”. No caso dos autos, bem se afigura essa identidade, embora em faces opostas, ou seja, no mandado de segurança pretende-se a continuidade da obra, nesta ação a sua paralisação, porém, tudo sob a mesma argumentação, isto é, a alegação de que a construção dos gabiões Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 243 encontra-se desaparelhada, embora com o devido estudo técnico, feito por Instituto competente contestado pelo IBAMA, por faltar-lhe o festejado Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Seria o mesmo mandado de segurança anteriormente impetrado ao revés. Na presente ação o IBAMA nada traz de novo que não tenha sido objeto de apreciação no mandado de segurança. Se o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, neste caso, é tão imprescindível, por que não o realiza de uma vez o IBAMA, apontando onde realmente ocorrerá o dano ao meio ambiente? Há tempo que vem rolando essa pendenga e até agora não foi isolado o ambiente exato onde estaria ocorrendo o alegado desequilíbrio ecológico. 32. Já preconizava o Egrégio Tribunal Federal de Recursos: “Tendo fundamento semelhante ao da coisa julgada, e a finalidade de evitar duas decisões contraditórias, pode a litispendência ser decretada de ofício.” (1ª Turma, Agravo de Petição n. 33.862, DJ de 25/5/73, p. 8.199). 33. Isto posto, com apoio no art. 267, V, do Código de Processo Civil, declaro extinto o processo, sem o julgamento do mérito. P. R. I. João Pessoa, 11 de novembro de 1996. José Fernandes de Andrade Juiz Federal da 3ª Vara 244 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba RESERVA ECOLÓGICA Proc. nº. 00.0035-3 / AÇÃO PENAL Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réus: ANTÔNIO MANOEL DE MIRANDA E OUTROS. SENTENÇA EMENTA: Penal - Processual penal. Reserva Ecológica - Concurso de agentes e de crimes - Prescrição que não atinge o crime de furto qualificado. 1 - Materialidade plenamente demonstrada através de laudo. 2 - O alegado desconhecimento de que a área é de preservação ambiental restou desacreditado pela fragilidade da versão dada em juízo e pela confissão extrajudicial. 3 - Pena exacerbada contra o acusado mentor das infrações penais. 4 - Extinção da punibilidade - Verificado o lapso prescricional da pretensão punitiva de crimes em concurso calculado pela pena em abstrato, nos termos do art. 109, inc. IV do CP, decreta-se a sua ocorrência dos crimes por ela alcançado. 5 - Resta incólume o crime de furto qualificado, praticado em concurso formal. 6 - Erro de proibição - Somente é concebível o reconhecimento de tal erro quando o agente se equivoca sobre a injuridicidade de sua conduta Inocorrência. — Procedência, em parte, da denúncia. Vistos etc. JOSÉ DO CARMO DA SILVA, MANOEL ANTÔNIO DA SILVA, SEVERINO BERNARDO PEREIRA, OTÁVIO PEREIRA DA SILVA, EDMILSON PINTO DA SILVA, ANTÔNIO MANOEL DE MIRANDA, JOÃO GOMES DA SILVA, MANOEL ALVES DA SILVA, JOÃO GERMANO DA SILVA, LUIZ FRANCISCO DO CARMO E FRANCISCO PEQUENO DANTAS, todos já devidamente qualificados nos autos, foram denunciados pelo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL na Paraíba, como incursos nas penas dos arts. 288, 166, 163, parágrafo único, III, 155, § 4º, IV, 161, § 1º, II, c/c art. 29, 62, I e II, e art. 69, todos do Código Penal Brasileiro. Conforme consta da denúncia, em dias de julho de 1986, os denunciados acima mencionados invadiram a Estação Ecológica de Mamanguape/PB, pertencente à União (Lei n. 7.169, de 14.12.93), sem autorização dos órgãos federais competentes. Ali, iniciaram um desordenado desmatamento da floresta, furtando a madeira cortada e destruindo parte daquele santuário ecológico, que abriga a fauna e a flora remanescente da Mata Atlântica. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 245 A Polícia Federal, em diligências, apreendeu 323 (trezentos e vinte e três) toros de madeira de espécies diversas, sendo essa madeira destinada à venda, além de instrumentos utilizados na derrubada das árvores e de um revólver pertencente a Antônio Manoel de Miranda, um dos denunciados. Diz, ainda, a denúncia, que os denunciados João Germano da Silva e Manoel Alves da Silva incitavam a invasão e o furto, e que os demais denunciados, aderiram às condutas criminosas dos aludidos acusados, associando-se e formando um bando, que invadia a área, furtava madeira e destruía parcialmente a reserva ecológica. Da peça acusatória consta, também, pedido de prisão preventiva contra o acusado João Germano da Silva, fundamentada em folha de maus antecedentes criminais, e no fato de ser este apontado como o principal responsável pelos danos causados à Mata Atlântica, observando que João Germano da Silva era funcionário da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), tendo sido demitido por estímulo à invasão da reserva e participação em furto de madeira. Quanto a esse pedido, o então Eminente Juiz Federal Dr. Francisco Barros Dias, respondendo na ocasião por esta 3ª Vara, em decisão fundamentada indeferiu o pleito, recebendo a denúncia em 17/03/1987 (fls. 235/236 - 2º volume). Os denunciados citados por precatória, à exceção de Manoel Alves da Silva e Luiz Francisco do Carmo, citados por edital (fls. 307 - 2º volume), foram devidamente interrogados às fls. 255 usque 264/264v - 2º volume). Afirmaram em seus depoimentos perante a autoridade judiciária que desconheciam a prática de ilícito penal e que se utilizavam das terras da Reserva Ecológica para cultivo e plantio, objetivando o sustento de suas famílias. Nos autos as defesas prévias dos acusados, às fls. 277 usque 282, 294, 315 usque 319, 2º volume. A denúncia arrolou oito (8) testemunhas, das quais três (3) foram ouvidas neste Juízo, a saber: Helder José Mesquita Menezes, Givaldo Maia de Moura e José Bonifácio Vital (fls. 348 usque 356, 2º vol.); e na Comarca de Bayeux, por precatória, Vicente Salustiano Gomes (fls. 442, 3º vol.). Em audiência, o ilustre representante do Ministério Público Federal requereu a desistência das testemunhas José Adamau de Sá e José Clóvis Gonçalves Paiva, além de cópia do inventário florestal, realizado na área da Estação Ecológica, junto a uma ação civil pública, em tramitação da 2ª Vara Federal desta Seção Judiciária, alegando verificação do tamanho dos danos e da alteração causados no local especialmente protegido, o que foi deferido pelo Juiz (fls. 258 - 2º vol.); e insistiu na oitiva das testemunhas Manoel Claudino da Silva e Evilásio Alcari, tendo sido expedidas cartas precatórias às comarca de Mamanguape e Bayeux, respectivamente, para esse fim (fls. 333 e 334, 2º vol.). As testemunhas arroladas pela acusação, em seus depoimentos neste Juízo, afirmaram que tinham conhecimento de que eram muitas as pessoas que invadiam a reserva ecológica com o intuito de cortar madeira para revenda, ou de se apossar das terras, com o propósito de promover a sua ocupação e, posteriormente, regularizar a situação junto aos órgãos competentes. Declararam, ainda, que não se lembravam mais dos semblantes dos denunciados presentes à audiência, mas que tinham informações de que existiam pessoas que incentivavam a invasão das terras, organizando-se em bandos para derrubada das árvores, sabendo ser área proibida, tanto é verdade que faziam o carregamento da madeira no horário noturno. Às fls. 459, do 3º volume, o Ministério Público requereu a desistência da oitiva das testemunhas Manoel Claudino da Silva e Evilásio Alcari, por não terem sido encontrados; requereu, também, a extinção da punibilidade em relação ao acusado Antônio Manoel de Miranda, em vista do seu falecimento, o que foi deferido pelo MM. Juiz Federal em exercício na 3ª Vara, o Dr. Antônio Bruno de Azevedo Moreira (fls. 460). Ainda no mesmo 246 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba despacho, foi declarada a revelia dos acusados Luiz Francisco do Carmo, Manoel Alves da Silva, José do Carmo da Silva, Severino Bernardo Pereira e Otávio Pereira da Silva. Também, em despacho anteriormente proferido (fls. 309, 2º vol.), decretou a revelia dos acusados Luís Francisco do Carmo e Manoel Alves da Silva. Foram expedidas cartas precatórias às Comarcas de Pilar-PB, Rio TintoPB, Mamanguape-PB e Nova Cruz-RN (fls. 461 usque 466), para inquirição das testemunhas arroladas pelos denunciados, de nomes: Everaldo Belarmino da Silva, José Soares dos Santos e José Antônio Claudino (pelo acusado João Gomes da Silva), inquiridas às fls. 511/513; José Oliveira da Silva, Josival Barbosa da Silva e José Romão da Silva (pelo acusado Francisco Pequeno Dantas), ouvidas às fls. 484/485, sendo que a última testemunha não foi encontrada; Elias Gomes da Silva e Benedito Augusto Aragão (pelo acusado Otávio Pereira da Silva), inquiridas às fls. 496/497; José Costa da Silva e Antônio Anselmo da Silva (pelo acusado Manoel Antônio da Silva), ouvidas às fls. 480/480v; Pedro Patrício Marcos e Valdir Pereira de Lima (pelo acusado Severino Bernardo Pereira), inquiridas às fls. 582v e 583. Os acusados Luís Francisco do Carmo, Manoel Alves da Silva, Edmilson Pinto da Silva e José do Carmo Silva não apresentaram rol de testemunhas na instrução, conforme consta das peças de defesa prévia (fls. 311, 318 e 319 - 2º vol.). As testemunhas arroladas pela defesa do acusado João Germano da Silva, de nomes José Alves Filho, João Dias de Almeida, Severino Manoel Ananias, Santino José Barbosa, Arlindo Soares dos Santos e Antônio Sebastião, foram ouvidas neste Juízo às fls. 534, 544 usque 547 e 558, e a última testemunha não compareceu à audiência. Na fase do art. 499, as partes nada requereram, conforme certidão de fls. 621. Em termos de alegações finais, o ilustre representante do Parquet propugnou a procedência da ação penal, diante das provas colhidas e pelo fato de que, inobstante afirmarem que desconheciam a ilicitude de seus atos, os acusados, em seus depoimentos, confirmaram que sabiam ser a área invadida parcela remanescente da Mata Atlântica, pertencente à União e que na região existem placas afixadas pelo IBAMA, informando da condição de floresta de preservação. No final, pede a aplicação das sanções penais aos acusados, imputados na formação de quadrilha e cometimento, em co-autoria, em concurso material do crime de furto qualificado, bem como a extinção da punibilidade aos denunciados em delitos cujas penas não excedam a um (1) ano, consoante os arts. 161, II, 163, parágrafo único, III, 166 e 288, do Código Penal, porque, lamentavelmente, prescreveram (fls. 622/623 3º vol.). As defesas apresentaram suas alegações finais às fls. 628/629, 641/645, 649/650, 654/655, 656/657, 660, 661/662 e 668/669 - 3º vol.). Foram acostados aos autos os antecedentes criminais dos acusados atestando suas primariedades (fls. 573, 574, 576, 578, 596, 598, 599, 607, 669v e 670), com exceção do acusado Manoel Alves da Silva que, conforme certidões de fls. 598 e 599, contra ele já houvera condenações anteriores, por ter infringido o art. 2º da Lei n. 1521/51, e art. 171, § 2º, VI, c/c o art. 51, do CP, embora esta última tenha sido alcançada pela prescrição. É o relatório. Assim relatados, decido. Consta dos autos que os réus, associados num concursus delinquentiun, praticaram um concursus delictorum, conforme denunciados na peça exordial da acusação. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 247 O caso tratado nos autos cuida de concurso material heterogênio. Em face da teoria unitária ou monística abraçada pelo Código Penal, todos os denunciados, de um modo ou de outro, concorreram para os fatos delituosos apontados na denúncia, consoante a regra do art. 13, caput, do CP, ou seja, a parcela de infração de cada denunciado, ainda que fragmentada, relacionada ao evento criminoso, tal como ocorreu, foi toda ela igualmente necessária para o resultado, mesmo que qualquer uma, sem o auxílio das outras, não tivesse sido suficiente, o que se denomina condição sine qua non ao resultado. Na realidade, como foi postulado nas alegações finais do Ministério Público Federal, os crimes de esbulho possessório, dano qualificado, alteração de local especialmente protegido, de incitação ao crime e de quadrilha ou bando, atribuídos aos acusados, estão irremediavelmente prescritos, posto que entre o recebimento da denúncia ocorrido em 17 de março de 1987 (fls. 235/236 - 2º vol.), até a presente data, já decorreram mais de nove (9) anos, e para o delito mais grave dos acima mencionados, ou seja, o do art. 288 do CP, cuja pena é de 1 a 3 anos de reclusão, o prazo de prescrição está enquadrado na regra do art. 109, IV, do Código Penal, isto é, em oito (8) anos. Nessa ordem de consideração, decreto a prescrição dos crimes acima elencados e imputados aos acusados. Resta, ainda, incólume e em concurso formal, o delito do art. 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal (furto qualificado), em que os denunciados, em concurso, subtraíram madeira da Estação Ecológica de Mamanguape, pertencente à União, criada pela Lei n. 7.169, de 14 de dezembro de 1983. A autoria e a materialidade do furto é indisputável. Os elementos de prova que emergem, tanto do inquérito policial quanto da instrução processual, induz este julgador à convicção de que os acusados se enredaram inexoravelmente na senda do crime de furto qualificado. A prova testemunhal arrolada por eles é frágil e inconcludente. Não tem mesmo o condão de afastar o juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica, antijurídica e a culpabilidade como elemento de ligação entre o crime e a pena. Por primeiro, essa cantilena de que não sabiam os réus que a Mata Atlântica, onde está implantada a Estação Ecológica, é área de preservação ambiental, não encontra eco nos ouvidos e entendimento deste julgador. A duas, igualmente não convence a este magistrado a alegação de que os acusados são pessoas de poucas letras ou analfabetos. Contra eles milita o fato de serem residentes nos municípios de Rio Tinto e Mamanguape, onde está encravada a Estação Ecológica e urbi et orbi, isto é, por toda parte, é do conhecimento que dita área é de preservação ambiental. A três, não há, pois, como este julgador enquadrar os acusados na regra do art. 21, do CP, que trata do erro sobre a ilicitude do fato, mais conhecido como erro de proibição. Somente é concebível o reconhecimento de tal erro, quando o agente se equivoca sobre a injuridicidade de sua conduta, não podendo, portanto, socorrer-se de erro de proibição quem tem pleno conhecimento de que atua ilicitamente, como é o caso narrado na denúncia, em que os acusados subtraíram a madeira da área de preservação ambiental, cônscios da sua ilicitude. A quatro, o acusado João Germano da Silva, fundador da Associação de Proteção em Amparo ao Trabalhador Rural de Mamanguape (APRATA), foi o mentor intelectual e também executor dos ilícitos penais. Além do mais, é funcionário público estadual do 248 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Colégio Senador Ruy Carneiro e, também, conhecido como vigia responsável pela mata pertencente ao SENA, razão pela qual teria sobejos motivos para não violar a lei penal, mas, ao contrário, incitou os demais co-autores à prática dos ilícitos penais, culminando com a subtração de madeira de diversas espécies da área de preservação ambiental; os demais acusados, todos imbuídos do mesmo propósito, promoveram o furto da madeira da reserva ecológica, como dá conta o termo de apreensão de fls. A cinco, o denunciado José do Carmo da Silva, depois da derrubada das árvores, contratou um caminhoneiro para transportar a madeira para ser vendida em Campina Grande. Residente em Rio Tinto, comercializa madeira. Não há como aceitar-se as alegações de que não sabia de que a madeira que subtraíra, juntamente com os demais acusados, era de propriedade da União. O acusado Manoel Antônio da Silva, conhecido por Manoel Santana, proprietário do caminhão placa AL 4730/PB, foi flagrado quando o seu veículo ia ser carregado com madeira furtada, para ser vendida. Os demais acusados, de uma forma ou de outra, contribuíram para o evento criminoso ainda não prescrito, ou seja, o crime de furto qualificado. O concurso formal de agentes na consumação do crime de furto qualificado está amplamente comprovado, ante a participação criminosa com a presença in loco dos concorrentes, ou seja, ante a cooperação deles na fase executiva do crime e, também, a consciente combinação de vontades na ação conjunta. CONCLUSÃO Do concurso material de crimes, inicialmente perpetrados pelos acusados, restou incólume, apenas, em concurso formal, ante a ocorrência de prescrição dos crimes retro mencionados, o delito do art. 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal (furto qualificado), razão pela qual hei por bem de condenar, como condenado tenho, os acusados nas seguintes penas: Ao denunciado JOÃO GERMANO DA SILVA, já qualificados nos autos, aplico-lhe a pena de dois (2) anos de reclusão. Atendendo aos fatores indicados pela regra do art. 59, do CP, os episódios da vida pregressa do réu, os motivos e metas do réu, incitando publicamente a invasão da área preservada e invadindo-a com a posterior subtração de madeira da Estação Ecológica, sendo ele acusado funcionário público, demonstram o seu grau de contrariedade ao dever de atuar conforme o Direito, carece de exacerbação da pena, razão pela qual, sopesando os elementos fornecidos pelos autos e dando prevalência às conseqüências graves de sua conduta, majoro a pena-base de dois (2) anos em mais 1/3 (um terço), ou seja, mais quatro (4) meses, perfazendo o total de dois (2) anos e quatro (4) meses de reclusão. Com referência aos acusados JOSÉ DO CARMO DA SILVA, MANOEL ANTÔNIO DA SILVA, SEVERINO BERNARDO PEREIRA, OTÁVIO PEREIRA DA SILVA, EDMILSON PINTO DA SILVA, JOÃO GOMES DA SILVA, MANOEL ALVES DA SILVA, LUIZ FRANCISCO DO CARMO E FRANCISCO PEQUENO DANTAS, condeno-os como incursos nas penas do art. 155, § 4º, inciso IV, (furto qualificado) do Código Penal, pelo que lhes aplico a pena mínima cominada prevista nesse artigo, isto é, dois (2) anos de reclusão, a qual tornoa definitiva, à míngua de circunstâncias agravantes ou causas especiais de aumento ou diminuição, na consideração de que todos os condenados reúnem os elementos mencionados no elenco do art. 59 do Código Penal. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 249 Condeno todos, ainda, à pena pecuniária, sendo que o réu JOÃO GERMANO DA SILVA, em quinze (15) dias-multa; e os demais réus em dez (10) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) o dia-multa, do salário mínimo vigente à época do fato criminoso. O regime inicial do cumprimento da pena ora imposta é o aberto e será cumprida na PENITENCIÁRIA MÉDIA DE MANGABEIRA, nesta Capital. Com exceção do acusado JOÃO GERMANO DA SILVA, concedo a todos os demais condenados a suspensão condicional da pena pelo prazo de dois (2) anos, posto que presentes as condições do art. 77 do CP, desde que para tanto aceitem as seguintes condições: a) não se ausentarem os réus do seu domicílio por mais de trinta (30) dias, salvo autorização judicial; b) não freqüentarem ambientes propícios à prática de novas infrações; c) tomarem ocupação digna, em prazo razoável; d) apresentarem-se mensalmente e obrigatoriamente ao juízo das Execuções Criminais, para informar ou justificar suas atividades. Ao trânsito em julgado desta sentença, lancem-se os nomes dos condenados no livro Rol dos Culpados, podendo, entretanto, os sentenciados recorrerem em liberdade (art. 594 do CPP). À presente condenação junte-se, ainda, a concernente à obrigação de pagar as custas do processo. P. R. I. João Pessoa, 31 de agosto de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 250 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA ESTRANGEIRA AUSÊNCIA DOCUMENTAÇÃO FISCAL Processo nº 94.5619-2 / AÇÃO PENAL Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Ré: MARINETE MORAES COELHO DECISÃO EMENTA:SUSPENSÃO DO PROCESSO INICIADO ANTES DA VIGENCIA DA LEI 9.099/95 - ATUAÇÃO DO JUIZ NA APLICAÇÃO DA LEI - PRINCÍPIO DA NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. Vistos etc... MARINETE MORAES COELHO, já qualificada nos autos, foi denunciada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL como incursa no art. 334, § 1º, alínea “d”, do Código Penal, por importar mercadoria estrangeira, proveniente do Paraguai, sem a devida documentação fiscal. Recebida a denúncia em 13.05.94, a ré foi citada e interrogada às fls. 35, apresentando a defesa prévia no tríduo legal, por advogado legalmente constituído. Foram ouvidas as testemunhas de acusação - fls. 79 e 80, bem como as de defesa - fls. 85 e 86. Nas alegações finais - fls. 89/90 - o ilustre representante do parquet requereu a condenação da acusada; enquanto esta, por seu advogado, a improcedência da denúncia, tendo em vista que a ré praticou o delito movida pelo estado de necessidade, bem como afirmou não estar reincidindo na prática do descaminho - fls. 93/94. Foram acostados aos autos os antecedentes criminais da acusada, atestando sua primariedade - fls. 99, 100 e 102. Vieram-me os autos conclusos para sentença. Com efeito, a ré foi incursa no art. 334, § 1º, “d”, do Código Penal, cuja pena varia de um a quatro anos de reclusão. Verifica-se, assim, que, com o advento da Lei 9.099/95, a ré poderá ser beneficiada com o sursis processual, na forma prevista no art. 89, tendo como parâmetro o mínimo da pena cominada ao crime, isto é, um ano de reclusão, bem como por não estar respondendo a outro processo. É corrente entre os doutrinadores pátrios, que o art. 89, da Lei 9.099/95, tem aplicação imediata, mesmo aos processos cuja instrução já tenha sido iniciada, contrariando o disposto no art. 90 da mesma Lei. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 251 Assim é o entendimento de Damásio de Jesus, entre outros, o qual, em seus brilhantes comentários à Lei 9.099/95, considera o art. 90 inconstitucional, invocando o princípio da retroatividade incondicional da lei nova (CF, art. 5º, XL, CP, art. 2º, parágrafo único) - na obra Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, Saraiva, 3ª ed. Ver. E amp., 1996, p. 126). E, arrematando, o Juiz Eustáquio Nunes Silveira, do TRF da 1ª Região e professor de Direito Processual da AEUDF, também segue esse raciocínio, limitando, apenas, a aplicação do art. 89 ao trânsito em julgado da sentença, isto é, mesmo que o processo se encontre com sentença, porém sem trânsito em julgado, “deve-se abrir ao acusado a oportunidade de se manifestar sobre a proposta de suspensão condicional, já que esta poderá resultar na extinção da punibilidade” - na Cartilha Jurídica n. 37, Aplicação da Lei 9.099/95 na Justiça Federal. Por outro lado, a Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95, composta pelo Min. Sávio de Figueiredo Teixeira - Presidente - e outros, chegou à conclusão de que “Se o Ministério Público não oferecer proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo nos termos dos arts. 79 e 89, poderá o Juiz fazê-lo.” (Conclusão 13ª, apud Doorgal Gustavo B. de Andrada, na obra A suspensão Condicional do Processo Penal nos Tribunais, Juizados Especiais Criminais e nas Justiças Comuns e Especializadas, Del Rey, 1996, Belo Horizonte, p. 148). Pois bem, esse é o entendimento que acompanho. Não se pode deixar de aplicar o princípio da isonomia, da presunção da inocência e da retroatividade da lei mais benéfica, consagrados na Carta Magna (art. 5º, caput, e incisos XL e LVII), fazendo distinção entre réus que respondam ou não a processos em andamento. Portanto, estando a ré Marinete Moraes Coelho a preencher as condições exigidas na Lei, converto o julgamento em diligência, para aplicar a suspensão do processo, na forma do art. 89, da Lei 9.099/95, pelo prazo de dois (2) anos, sob as seguintes condições: a) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; b) comparecer mensalmente em juízo, para informar e justificar suas atividades. Designe a Secretaria dia e hora para a audiência, onde a acusada, acompanhada de seu defensor, terá oportunidade de dizer se aceita ou não a proposta de suspensão do processo, mediante as imposições legais. Intimações necessárias. João Pessoa, 25 de setembro de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara 252 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba CIRCULAÇÃO MOEDA FALSA Processo Nº 96.03177-0 / AÇÃO PENAL Autor: O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réu: YANIV BRONSHTEIN SENTENÇA EMENTA: Ação Penal. Circulação de moeda falsa. Dolo. Autoria e materialidade comprovadas. Procedência. Estando o agente ciente de que a moeda que está em seu poder é falsa e, nessa condição, adquiri-a, importa-a, guarda-a ou a introduz na circulação, incorre nas sanções do art. 289, § 1º, do Código Penal. Praticando quaisquer das ações previstas no § 1º, do art. 289, do CP, o agente consuma o crime de circulação de moeda falsa. — Procedência da denúncia. Vistos etc. YANIV BRONSHTEIN, já qualificado nos autos, foi denunciado pelo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL como incurso nas penas do art. 289, § 1º, do Código Penal, pelos seguintes fatos delituosos: Consta da peça acusatória que o acusado foi preso em flagrante delito, pela Polícia Federal, no dia 20/3/1996, nesta Capital, tentando trocar US$ 2.000,00 (dois mil dólares) por seu equivalente da moeda nacional (Real) na agência 1817 do Banco do Brasil S/ A. Após a sua prisão, o acusado revelou a existência de mais US$ 97.000,00 (noventa e sete mil dólares) em moeda falsa. Sendo que US$ 60.000,00 foram encontrados no fundo falso de uma mala de viagem pertencente ao réu, e US$ 37.000,00 numa churrasqueira existente no quintal da residência de seu amigo Daniele Bacolla, em Natal - RN. Pelas provas constantes dos autos do inquérito policial, o Ministério Público concluiu que o réu ingressara no País, com US$ 100.000,00 (cem mil dólares) falsos, os quais foram adquiridos em Israel pela importância de US$ 35.000,00 (trinta e cinco mil dólares), com a finalidade de introduzi-los no ambiente de circulação nacional, tendo, inclusive, já efetuado a troca de US$ 1.000,00 (mil dólares) em Natal - RN: US$ 500,00 numa agência do Banco do Brasil S/A e US$ 500,00 num Shopping Center, ambos naquela Capital. Entendendo caber a hipótese do art. 312, do CPP, em vista da garantia da ordem pública (a possível circulação de novas moedas falsas), por conveniência da instrução criminal (assegurar a integridade de testemunha) e para assegurar a aplicação da lei (por se Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 253 tratar o réu de pessoa estrangeira, sem profissão nem residência definida em nosso País), o Parquet requereu a prisão preventiva do denunciado. Concomitantemente ao oferecimento da denúncia, em 10/04/1996, em autos apartados, apensos, o acusado, por seu advogado, requereu o relaxamento da prisão em flagrante, sob a alegação de constrangimento ilegal, em razão do lapso de tempo entre a sua prisão e o oferecimento da denúncia. Analisando as alegações do réu, este juiz concluiu pela sua improcedência, posto que os prazos legais foram rigorosamente cumpridos. Recebida a denúncia (fls. 79), de imediato foi deferido o pedido do órgão Ministerial, no sentido de ser decretada a prisão preventiva do acusado, com a recomendação de que fosse mantido na Penitenciária Modelo do Róger, nesta Capital, onde já se encontrava, por conta da prisão em flagrante. Citado, o réu foi interrogado às fls. 90 usque 94, nas presenças de seu Defensor Dr. Roberto Costa de Luna Freire e do intérprete que o assistiu no interrogatório policial, o Sr. Fernando Pereira da Silva. Em seu depoimento, confessou a posse dos dólares, porém alegou desconhecer a sua falsidade. No tríduo legal, seu defensor constituído apresentou a defesa prévia (fls. 96/101), alegando nulidades processuais, requerendo a improcedência da denúnica e arrolando testemunhas residentes em Israel. Verificada a inexistência das nulidades argüidas, foi designada audiência para oitiva das testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal, inclusive determinada a expedição de precatória para ouvir a testemunha Daniele Bacolla, em Natal - RN (fls. 103/105). Depoimento das 4 (quatro) testemunhas da acusação, às fls. 113/119 e 171/172. No termo de audiência de fls. 120, foi deferida a colheita da prova testemunhal requerida pelo réu, através de carta rogatória, facultando às partes formularem quesitos, a serem traduzidos para as línguas inglesa e hebraica. Petição de renúncia ao cargo de tradutor de hebraico, formulado pelo intérprete Fernando Pereira da Silva, às fls. 145. Por esse motivo, foi determinada a tradução dos quesitos apenas na língua inglesa. No mesmo despacho (fls. 182), também foi determinada a intimação do advogado do réu, para depositar em juízo os honorários do tradutor juramentado, fixados em R$ 350,00, no prazo de 48 horas. A pedido do réu (fls. 175), sob os argumentos de que estaria na iminência de sofrer violência física na Penitenciária do Róger, deferi o requerimento de transferência para o cárcere da Polícia Federal. Porém, o Superintendente Regional da Polícia Federal, em exercício, comunicou a este juízo sobre a impossibilidade de manter o réu sob sua custódia, por falta de dotação orçamentária para sua manutenção. Com vista dos autos (fls. 185), o representante do Ministério Público formulou quesitos para serem respondidos pelo Diretor do Presídio do Róger, nesta Capital, sobre as condições carcerárias, reservando-se a um pronunciamento sobre a transferência do réu, após a manifestação do seu patrono. Este, por sua vez, nesse sentido, nada requereu. O réu permaneceu naquela Penitenciária. Decorrido o prazo assinado ao réu, para depositar os honorários do tradutor, sem que o fizesse nem justificasse a sua impossibilidade, em despacho fundamentado (fls. 193/194), indeferi a produção da prova testemunhal requerida pelo acusado, em face do seu desinteresse em colaborar com a Justiça, quanto ao envio da carta rogatória, até por que as 254 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba perguntas formuladas pelo acusado às testemunhas que seriam ouvidas em Israel, nada traria de substancial ao desenlace da questão. Às fls. 196/197, em data de 11/09/1996, habilita-se novo causídico em defesa do réu, o bel. Amaury Guimarães Monteiro. Ato contínuo (fls. 198), peticiona para concordar com o despacho que indeferiu a oitiva de suas testemunhas e para informar que estava à espera das Razões Finais. Paralelamente, o bel. Roberto Costa de Luna Freire ingressa perante o Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com pedido de habeas corpus, em favor do acusado Yaniv Bronshtein, argüindo irregularidades processuais e irresignação pelo indeferimento da oitiva das testemunhas de defesa (cópia às fls. 203/212). O Egrégio TRF, porém, denegou a ordem, à unanimidade (fls. 233). Nada foi requerido no prazo do art. 499 do CPP. Consta dos autos, fls. 220/225, informações sobre o relatório da sindicância para apurar a fuga frustrada do acusado, do Presídio do Róger. Em face de seu comportamento, Yaniv Bronshtein foi transferido para a Penitenciária de Segurança Máxima de Mangabeira, nesta Capital. Foi acostada aos autos (fls. 235) uma carta dirigida a este juiz, dando conta de possíveis maus tratos infligidos ao réu Yaniv, na Penitenciária de Mangabeira. Com vista dos autos, o representante do órgão Ministerial requereu fosse o réu submetido a exame de corpo de delito e, ao mesmo tempo, fosse transferido para a Superintendência de Polícia Federal. Simultaneamente, seu defensor, o bel. Amaury Guimarães Monteiro, requereu no mesmo sentido (fls. 240/241). Determinada a apresentação do réu em Juízo, este prestou depoimento às fls. 246/248, afirmando ter sofrido diversos tipos de violência. Em seguida, foi determinado o exame de corpo de delito e exame médico, para detectar o seu estado de saúde e possível internamento hospitalar, bem como oficiado ao Juiz das Execuções Criminais da Capital, comunicando a transferência de Yaniv para Presídio do Róger, onde inicialmente estava recolhido. Finalmente, no prazo para as razões finais, o Ministério Público Federal (fls. 256/260), requereu a procedência da denúncia. Para reforçar a pretensão, salientou o comportamento típico do crime de moeda falsa atribuído ao réu, quando este adquiriu, importou, introduziu em circulação e trocou os dólares falsos, fatos estes corroborados pelos depoimentos testemunhais. Em tese, admitiu a tentativa do crime (art. 14, II, c/c o seu parágrafo único), mas, em face das diversas condutas criminosas consumadas imputadas ao acusado, entendeu não ser cabível na hipótese dos autos. Por sua vez, a defesa em suas razões finais (fls. 262/269), amparou-se na tese da boa fé, alegando que o réu desconhecia a falsidade da moeda que estava em seu poder, daí por que requerida a sua absolvição. No caso do não acolhimento dessa pretensão, fosse-lhe reduzida a pena, nos termos do art. 14, II, do CPP, em seu grau máximo. Antecedentes criminais acostados às fls. 157/158, dando notícia de que o réu está sendo procurado em Israel por receptação de objetos roubados, arrombamento de veículo, posse e uso de drogas, posse de utensílio para preparar drogas, usar veículo sem permissão, dirigir sem habilitação, roubo de veículo, e com antecedentes de roubo de cartão de crédito, agressão, lesões corporais, estelionato, entre outros crimes. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 255 É o relatório, no essencial. Decido. Trata-se o presente caso de crime contra a fé pública, tipificado no § 1º,do art. 289 do Código Penal. O objeto material é a moeda metálica ou papel-moeda de curso legal neste ou noutro país, fabricada ou alterada para que pareça verdadeira. O tipo subjetivo consiste “na vontade livre e consciente de praticar as ações alternativamente previstas” (Celso Delmanto), bastando o “conhecimento por parte do introdutor ou passador de que a moeda é falsa”, ou seja, pune-se quem importa a moeda falsa, ou obtém-na para si, ou vende, ou troca, ou cede, ou empresta, ou guarda, ou a introduz na circulação. Consumando-se o delito, com a prática de qualquer dessas ações. Pois bem. Conforme tudo melhor consta dos autos, o acusado Yaniv Bronshtein, ingressou em nosso país, oriundo de Tel-Aviv, Israel, conduzindo US$ 100.000,00 (cem mil dólares) falsos, com a intenção de pô-los em circulação no comércio nacional. Embora tenha negado o conhecimento de que os dólares eram falso, a sua atitude com relação à guarda do dinheiro e os depoimentos testemunhais, desmentem suas afirmações. Observa-se que o acusado, quando intentou visitar o Brasil, portando os US$ 100.000,00, procurou a via mais obscura para resguardar o seu patrimônio. Para isso, confeccionou um fundo falso na sua mala de viagem, onde ninguém poderia imaginar estivesse o dinheiro, ficando a salvo, não dos assaltantes, como quer justificar o réu, mas da fiscalização policial. Qualquer cidadão que pretendesse proteger vultosa quantia, certamente agiria de forma mais civilizada, ou seja, procuraria os meios legais de transferência de dinheiro, tão acessíveis hoje em dia. A conduta do réu não se coaduna com a de alguém que pretende se conduzir licitamente. Tanto é assim que logo ao chegar na cidade de Natal - RN, na residência de seu amigo Daniele Bacolla, escondeu US$ 37.000,00 no quintal da casa. Mais uma evidência de sua conduta reprovável. Em seu depoimento, Yaniv afirma que, no momento em que adquirira os dólares, procedera ao exame através de caneta e máquina especializada (fls. 93), constatando a sua autenticidade. Entretanto, entre aquele momento e a sua prisão em flagrante, parece que ocorreu uma mágica, onde todos os dólares que estava em seu poder se transformaram em dinheiro falso, conforme ficou atestado (laudo de fls. 54/57). Contudo, como o réu não é mágico, e as mágicas são ilusões, a realidade é que os dólares introduzidos no país pelo acusado sempre foram falsos, e este conhecia perfeitamente as conseqüências da sua conduta ilícita. Desde o momento em que adquiriu os dólares, observa-se a conduta temerosa do acusado. Refoge ao mais elementar raciocínio seja normal a forma de aquisição dos dólares escolhida pelo réu; levanta suspeita alguém que por US$ 35.000,00 obtém outros US$ 100.000,00. Ainda mais se o faz no “meio-da-rua”, tendo como vendedora uma pessoa completamente desconhecida do acusado — e este não é pessoa ingênua, propensa a cair no “conto dos dólares”. Isso é o que constata o seu depoimento (fls. 93): “que os dólares apreendidos pela polícia foram comprados em Tel-Aviv, na rua Alembi; que essa rua é onde se trocam os dólares; que adquiriu os dólares por trezentos mil ‘chekeles’, moeda corrente em Israel; que na data da aquisição dos dólares por ele trazido, cada dólar valia três ‘chekeles’; que ele interrogado ao adquirir os dólares, examinou através de caneta e máquina especializada a autenticidade dos dólares, e constatou serem verdadeiros; que em Israel, o Banco só vende três mil dólares, não sabendo a razão desse limite; que conhece apenas de vista 256 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba a pessoa de quem adquiriu os cem mil dólares;” (sic) A alegação do réu de que agira de boa-fé, não pode ser acolhida. O que se depreende dos autos é a sua confiança na qualidade da falsificação, crente de que chegaria a enganar até as instituições oficiais. O laudo realizado pelo Instituto de Criminalista (fls. 54/ 57), conclui que “esse tipo de contrafação pode ser considerado de boa qualidade, capaz de iludir um cidadão comum do povo...” “a sua aceitação como legítima,..., vai depender dele estar afeito ao manuseio de papel-moeda desse valor”. A testemunha Edite Mororó França, bancária, que atendeu o acusado quando este tentava trocar o dinheiro falso numa agência do Banco do Brasil S/A, nesta Capital, às fls. 115, corrobora a qualidade da falsificação atestada pelos peritos: “que as notas que lhe foram apresentadas eram capazes de iludir um homem comum do povo, e numa escala de perfeição de um a dez, ela ocuparia o sétimo lugar, isto é, na ordem crescente de perfeição; que as notas que lhe foram apresentadas eram de falsificação boa;” O que se destaca do universo dos autos, na verdade, é o dolo do acusado. Ele próprio confessou ter fabricado o fundo falso da mala, com a intenção de ocultar os dólares falsos. E não se limitou a isso. Para que não fosse descoberto o seu crime, envolveu todas as cédulas em papel-carbono, a fim de que o material escondido não fosse detectado pelo Raio X, burlando desse modo a fiscalização dos aeroportos. Pelo menos isso é o que está dito por ele mesmo e pelas testemunhas arroladas pela acusação. Afirmações do acusado, fls. 93: “que foi ele interrogado quem confeccionou o próprio fundo falso da mala, onde se encontravam os dólares apreendidos pela polícia federal; que fez o fundo falso na mala para trazer seus dólares em segurança;” Depoimento da testemunha Luiz Carlos Pereira Gomes, agente da polícia federal, fls. 117: “que apalpando a mala, notou muito escondido um volume e rasgando o material do fundo da mala, lá foram encontrados sessenta mil dólares em cédulas de cem dólares; que ele depoente indagou do acusado se aquelas notas eram falsas e se o acusado tinha conhecimento dessa falsidade, tendo o acusado respondido afirmativamente, mas que os escondera para evitar uma fiscalização ou ser roubado;” Depoimento da testemunha Ricardo de Sousa Lima, agente de polícia federal, fls. 119: “que se lembra que os dois mil dólares que lhe foram entregues pelo gerente do Banco do Brasil nesta, apresentavam-se amassados, como já manuseados pelo acusado, enquanto os sessenta mil dólares encontrados no fundo da mala estavam envoltos em papel-carbono, em pacotes de dez mil dólares, apresentando-se como notas novas, não manuseadas;” e às fls. 119: “que, segundo o próprio acusado, as notas apreendidas em Natal, e envoltas em papel-carbono, serviria para evitar a detectação do Raio “X” nos aeroportos;” Yaniv não se contentou apenas em ocultar os dólares na mala. Abusando Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 257 de sua amizade com o italiano Daniele Baccola, não soube dignificar a hospitalidade que lhe foi oferecida. Pelo contrário, sem a autorização do amigo, escondeu US$ 37.000,00 falsos numa churrasqueira localizada no quintal da casa onde estava hospedado. Chegou a mentir para o amigo sobre a verdadeira quantia que estava em seu poder (depoimento de fls. 36). Pergunta-se: se Yaniv Bronshtein acreditava na autenticidade dos dólares, por que não consultou a seu amigo Daniele Baccola sobre o procedimento correto para trocá-los pela nossa moeda nacional? Ou, pelo menos, indagar ao amigo sobre a maneira mais segura de guardá-los? Se assim, ou de outra forma mais coerente, não agiu, certamente estava a esconder um crime. Como se não bastasse tudo isso, o réu consumou o seu intento, introduzindo dólares falsos em circulação. Consta dos autos que Yaniv trocou US$ 500,00 falsos numa agência do Banco do Brasil S/A, na cidade de Natal - RN (fls. 127/128), confessado por ele mesmo (fls. 93), in verbis: “que somente trocou dólares no Banco do Brasil, em Natal - RN, no valor de quinhentos mil dólares, e também mais quinhentos mil dólares numa casa de Câmbio do Shopping Center em Natal, e que tentou trocar mais dois mil dólares no Banco do Brasil, nesta Capital;” (sic. Onde se lê “quinhentos mil dólares”, leia-se quinhentos dólares). Destarte, provada a autoria e materialidade, verifica-se que Yaniv Bronshtein incidiu em todos os tipos subjetivos previstos no § 1º, do art. 289, do Código Penal. Como bem salientou o ilustre representante do Parquet: “Do relato da peça acusatória, o que se dessume é que o Acusado estaria imbuído de promover um verdadeiro derrame de dinheiro falsificado em nosso País, a começar quando fez a importação, à sorrelfa, passando despercebido pelas barreiras alfandegárias e monetárias, de falsos US$ 100.000,00 (cem mil dólares americanos) que teria adquirido em sua terra natal - Israel -, tendo, logo após a sua chegada, já na cidade que escolhera para sua estada - Natal/RN -, acentuado o seu périplo delituoso, a julgar de sua firme disposição de introduzir moeda ilusória em circulação nacional, primeiro, quando passara US$ 500,00 (quinhentos dólares) em um Shopping Center, ali estabelecido, e, segundo, quando trocara mais US$ 500,00 (quinhentos dólares) em uma agência do Banco do Brasil, naquela mesma cidade potiguar.” Fls. 256. Tudo constatado nos autos. Por outro lado, não pode prosperar, in casu, a tese ventilada pelo acusado, em suas razões finais. A tentativa, embora admitida em crimes dessa espécie, foi afastada, à vista das provas trazidas aos autos. À efetiva prática de quaisquer das ações previstas no § 1º, do art. 289, do Código Penal, consuma-se o crime de circulação de moeda falsa. E como ficou demonstrado e provado, o réu incidiu em quase todas elas. Finalmente, some-se, ainda, a tudo isso, o caráter tendencioso ao crime, atribuído ao réu, que se depreende das informações constantes do processo. Às fls. 157, consta uma informação da INTERPOL/ISRAEL, dando notícia de que Yaniv Bronhstein é procurado naquele País por receptação de objetos roubados, arrombamento de veículos, posse e uso de drogas, posse de utensílio para preparo de drogas, entre outros crimes, e ainda tem como antecedentes os crimes de roubo de cartão de crédito, agressão, lesões corporais, posse de drogas para distribuição, estelionato, falsificação de placas de automóvel, entre outros. E aumentado o seu curriculum, além desta ação penal, o réu já tentou evadirse duas vezes dos presídios onde está recolhido, à espera do julgamento, sendo o seu 258 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba comportamento considerado agressivo pelas autoridades responsáveis por sua custódia (vide fls. 221/222 e 224/225). Isto posto, atendendo ao mais que dos autos consta, julgo procedente a denúncia e, conseqüentemente, em face da culpabilidade do agente, revelada pela premeditação da ação criminosa; da sua primariedade, embora de caráter habituado ao crime; dos motivos reprováveis de sua conduta, que repercutiria na orbe financeira, caso levasse à cabo a totalidade de seu intento, ou seja, introduzir os US$ 100.000,00 (cem mil dólares) em circulação; do pouco dano efetivamente causado à coletividade, fixo a pena - base em 4 (quatro anos) de reclusão, e 30 (trinta) dias - multa, à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato, que, à falta de circunstâncias atenuantes e agravantes, e de causas de aumento ou de diminuição da pena, torno-a definitiva. Condeno, ainda, o réu, no pagamento das custas processuais. Tendo em vista que o réu não tem residência fixa neste País e a sua pré - disposição para escapar do cumprimento da pena, estabeleço o regime fechado, para o início da execução penal, que será cumprida no Presídio Regional do Róger, nesta Capital. Oficie-se ao Diretor daquela Penitenciária, dos termos desta sentença, recomendando-se o réu no lugar em que se encontra. Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no Rol dos Culpados. P.R.I. João Pessoa, 13 de dezembro de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 259 DIFAMAÇÃO - LEI IMPRENSA Processo nº 96.06292-7 - REPRESENTAÇÃO Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réu: MARCOS DOS ANJOS PIRES BEZERRA SENTENÇA Vistos etc... Cuida-se de representação ofertada pelo Procurador Geral da Câmara dos Deputados, o Deputado BONIFÁCIO DE ANDRADA, alegando em síntese que: O jornalista MARCOS PIRES ofendeu a reputação da Câmara dos Deputados, em matéria publicada pelo jornal “0 NORTE”, nesta capital, estando portanto incurso no art. 21 da Lei de Imprensa, trazendo na íntegra o texto mencionado. O representante do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, o eminente Dr. LUCIANO MARIZ MAIA, requereu o arquivamento da referida representação, por não se caracterizar crime contra a honra, em respeito à liberdade de expressão, críticas irrogadas em situação de defesa de interesses sociais, pois a liberdade de expressão do advogado não deve ser garantida tão somente quando passar informações ou idéias que sejam favoráveis ou recebidas como inofensivas, como também as que ofenderem, provocarem o Estado ou qualquer setor da população. Sustenta ainda o representante do parquet que os limites das críticas são aceitáveis, quando concernentes a homens públicos. É o relatório. Decido. É sabido que, para se caracterizar a difamação, mister se faz que o ato atente meramente à reputação, contudo, in casu, deve-se notar a natureza, o cunho de tal afirmação. Percebe-se de forma clara e cristalina, o direito à liberdade de expressão, tida como garantia constitucional, art. 5º, IV da CF inerente a todos os cidadãos e principalmente ao advogado, que por sua vez atua com a retórica, escrita ou falada, utilizando o dom da oratória. Não há como esse magistrado se furtar à promoção do Ministério Público Federal, haja vista que, o texto em discussão, deixa transparecer sem sombra de dúvida, apenas uma análise, uma crônica a situação política brasileira, característica do Estado democrático de direito, e não um crime contra a honra. Devemos, pois, como cidadãos e principalmente como eleitores outorgantes de mandato eletivo, fiscalizar de forma democrática 260 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba e legal a atuação dos nossos representantes. Isto posto, fundamentado no art. 28, primeira parte, acolho a promoção Ministerial, para deteminar o seu arquivamento. Dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos. P. R. I. João Pessoa, 30 de agosto de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz Federal da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 261 ESTELIONATO Processo Nº. 91.02176-8 / AÇÃO CRIMINAL Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réu: J.C.C. e OUTROS SENTENÇA Vistos etc. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu representante legal, ofereceu DENÚNCIA (fls. 03/11), recebida em 18/maio/1991, baseada em IPL (fls. 14/166) iniciado por Portaria (fls. 14), contra J.C.C., T.G.A., P.F.C., F.A.C., E.B.F., A.M.L., M.S.L., V.F.B. e G.M.P., todos devidamente qualificados, por alegada prática de estelionato qualificado, de forma continuada e em co-autoria. 2. Penal Brasileiro. Fundamentou o pedido nos arts. 29, 71 e 171, § 3º, todos do Código 3. Da denúncia referida, consta textualmente o seguinte: “(...) 1) Apurou-se, nos inquéritos administrativo e policial, que os acusados J.C.C., T.G.A., P.F.C. e F.A.C. eram servidores do extinto INPS, hoje Instituto Nacional de Seguros Sociais (INSS). Trabalhavam como médicos, no Grupamento Médico-Pericial de Patos/PB. 2) Já os denunciados A.M.L., M.S.L., G.M.P., V.F.B. e EBF. trabalhavam, também, para o mencionado órgão previdenciário, como médicos peritos credenciados. 3) Os réus procediam aos exames de saúde, nos segurados da previdência social da região, para fins de concessão de benefícios, quando constatadas suas incapacidades laboriosas. 4) Surgiram denúncias sobre fraudes nas concessões das aposentadorias por invalidez dos trabalhadores rurais, residentes nos Municípios de Jurú, Catingueira, Condado, Tavares, Desterro de Malta, Várzea, Água Branca, Imaculada, São José do Sabugi, Teixeira, Passagem, São José do Bonfim, São José de Espinharas, Cacimba de Areia, Salgadinho, Desterro, Olho D’água, São Mamede, Santa Terezinha, Quixaba, Patos e Mãe D’água. 5) J.C.C. era o Coordenador do Grupamento Médico-Pericial do INSS e, nessa condição, homologava os laudos dos outros acusados, atestando a incapacidade dos segurados. Além disso, também examinava os trabalhadores e, nestes casos, homologava seus próprios laudos. 6) Com base em laudos médicos falsos, fornecidos pelos acusados, o órgão previdenciário concedeu, indevidamente, na região, cerca de 262 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba novecentas (900) aposentadorias por invalidez. Os beneficiários, descobriu a Coordenadoria Regional de Perícias Médicas do INSS em revisão analítica que realizou, não eram portadores das moléstias indicadas nos exames ou estavam acometidos de doenças que não os incapacitava para o trabalho. Por isso mesmo, não poderiam os réus, como fizeram, considerá-los inválidos para o exercício de quaisquer atividades laboriosas. 7) Esses fatos ocorreram, de forma continuada, entre os anos de 1982 a 1988, sendo certo que causaram à Autarquia da União um prejuízo de Cr$ 26.003.494,54 (vinte e seis milhões e três mil e quatrocentos e noventa e quatro cruzeiros e cinquenta e quatro centavos), em valores estimados no mês de agosto de 1990. 8) T.G.A. emitiu os laudos médicos periciais, atestando a incapacidade dos trabalhadores rurais João Antônio da Silva, Napoleão Leandro Araújo e Antônio Félix de Medeiros. Estes chegaram a receber, por longo tempo, benefícios por incapacidade. Posteriormente, o órgão previdenciário cancelou suas aposentadorias, quando constatou, através de exames e revisões feitos por sua Coordenadoria Regional de Perícias Médicas, que eles não eram portadores de patologias que incapacitam para o trabalho. Tudo está provado nos documentos acostados ao processos administrativo e apontados às fls. 2.879/2.880, do Volume 07. 9) P.F.C. fez exames e homologou laudos emitidos por seus colegas credenciados, atestando a invalidez dos trabalhadores rurais, cujos nomes são indicados às fls. 2.880/2.881, do Volume 07, do procedimento administrativo. Todos aqueles rurícolas receberam, por vários meses, rendas mensais de aposentadorias, que somente foram canceladas depois, quando se verificou que não eram inválidos. Entre os beneficiários apontados, o Parquet cita os nomes de Ageu Targino da Cruz, Amélia Pereira, Antonio Maria dos Santos, Matilde L. Bezerra, etc... (fls. 2.880/ 2.881, do volume 07). As fraudes perpetradas pelo réu restaram comprovadas na documentação, junta ao processo administrativo, indicada às fls. 2.880 a 2.882, do Volume 07. 10) J.C.C. foi quem mais cometeu fraudes. Emitia e homologava laudos médicos dando conta de invalidez e muitos trabalhadores rurais. Como Coordenador do Grupamento Médico-Pericial de Patos, homologava os falsos exames realizados por seus colegas, inclusive os credenciados. Concorreu, assim, de forma decisiva, para que grande quantidade de rurícolas obtivessem, mediante tais fraudes, vantagens ilícitas. Vê-se que existem parentes seus entre os que foram contemplados com as aposentadorias (Nilton Candeia de Souto, Diarnaud L. Candeia, José G. Candeia, Maria Figueiredo Candeia, Maria Luzia Candeia (fls. 2.883/2.888). Muitas outras pessoas também foram diretamente beneficiadas pelo acusado J.C.C., como, por exemplo, Doracy Gomes Pereira, Josefa Severina de Oliveira, Zélia Cristina C. Moraes, Terezinha Gomes Lacerda, Abdal José de Lucena, Antonio Enéas de Medeiros, etc... (fls. 2.883/ 2.888). Todos perceberam, continuadamente, benefícios por incapacidade, que o órgão previdenciário cancelou ao apurar que não estavam acometidos de moléstias que os inabilitassem ao trabalho. As provas documentais são inconcussas, repousam nos autos do inquérito administrativo, às páginas indicadas nas fls. 2.882 a 2.894, do Volume 07. 11) F.A.C. emitiu laudos e, também, homologou exames realizados por Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 263 outros médicos, atestando a invalidez de inúmeros rurícolas, entre os quais Genésio Caetano Costa, Raimunda Galdino da Silva, Cícero Ferreira da Silva, etc... (ver relação às fls. 2.895/2.896, do Volume 07 do inquérito administrativo). Os trabalhadores não estavam incapacitados para o exercício de suas atividades laboriosas, consoante apurou a perícia do órgão previdenciário. Mas conseguiram auferir, por longo tempo, as rendas mensais das aposentadorias que lhes foram concedidas com base nos falsos pareceres do acusado. Os benefícios já estão cancelados. E as provas documentais do seu comportamento delituoso se acham insertas no processos administrativo, nas páginas citadas às fls. 2.895/2.898, do Volume 07. 12) Os acusados A.M.L., M.S.L., G.M.P., V.F.B. e E.B.F. examinaram os trabalhadores rurais, cujos nomes aparecem referidos às fls. 2.899, 2.902, 2.904 e 2.905/2.907, respectivamente. Atestaram a incapacidade laboriosa de todos aqueles rurícolas, concorrendo para a concessão fraudulenta dos benefícios, que receberam por algum tempo e foram cancelados quando o órgão previdenciário descobriu que eles não eram inválidos. Esses fatos restaram confirmados nas provas documentais, que estão dentro do processo administrativo, nas páginas mencionadas às fls. 2.899/2.909 do Volume 07. (..........................................................) 14) É indiscutível que os réus, atestando falsamente a invalidez de trabalhadores rurais aptos aos exercícios de suas atividades laboriosas, concorreram para que eles obtivessem, mediante fraude, as vantagens ilícitas decorrentes dos pagamentos das rendas mensais dos benefícios, por quanto não se pode acreditar que agiram por altruísmo. Cometeram, portanto, estelionato, de forma continuada, estando incursos nos arts. 29, 71 e 171, § 3º, do Código Penal”. 4. Posteriormente, foram citados T.G.A., A.M.L., P.F.C., F.A.C., G.M.P. (fls. 186, verso), V.F.B. (fls. 189, verso), M.S.L. (fls. 193, verso), J.C.C. (fls. 195, verso), E.B.F. (fls. 249, verso); nos respectivos interrogatórios (fls. 210/211, 212/213, 214, 240, frente e verso, 251/252, 253/254, 337, 338 e 339), todos negaram as acusações que lhes foram imputadas. 5. Nos autos, as defesas prévias de todos os RR., a saber, A.M.L.(fls. 219/222), arrolando 03 (três) testemunhas; P.F.C. (fls. 225/229); arrolando 03 (três) testemunhas; T.G.A. (fls. 231/232), arrolando 03 (três) testemunhas; M.S.L. (fls. 244/245), arrolando 02 (duas) testemunhas; J.C.C. (fls. 255/258), arrolando 03 (três) testemunhas; F.A.C. (fls. 309/313), arrolando 03 (três) testemunhas; V.F.B. (fls. 341/344), arrolando 04 (quatro) testemunhas; G.M.P. (fls. 345/348), arrolando 03 (três) testemunhas; E.B.F. (fls. 350/352),), arrolando 02 (duas) testemunhas. 6. Em audiências, foram inquiridas as testemunhas de acusação Maria do Socorro Brasileiro Lima Montenegro (fls. 384/386), Reginaldo Tavares de Albuquerque (fls. 387/388), Francisco de Assis Vieira (fls. 390/392), Wille Guedes Magalhães (fls. 393/394), Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397), Gustavo Navarro de Oliveira (fls. 404/405), Edrise Vinagre Villar (fls. 406/407), Clizeuda Torres Timóteo Figueiredo (fls. 408/409), que ratificaram os termos da denúncia (fls. 03/11). 7. 264 Posteriormente, foram também inquiridas todas as Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba testemunhas arroladas pelas diversas defesas, ou seja: 7.1 - Inalda Cruz de Oliveira (fls. 441/443), arrolada pelos RR. F.A.C. e G.M.P.; 7.2 - Djalma Pires dos Santos (fls. 444), arrolado pela R. T.G.A.; 7.3 - Terezinha Silva (fls. 445/446), arrolada pelos RR. A.M.L., T.G.A. e G.M.P.; 7.4 - Liesse Silva (fls. 447), arrolada pelos RR. A.M.L., T.G.A. e G.M.P.; 7.5 - Demetrius Marcial Marques Dantas (fls. 448), arrolado pelo R. F.A.C.; 7.6 - Amauri Sátiro Fernandes (fls. 449/450), arrolado pelos RR. P.F.C. e A.M.L.; 7.7 - Solon Cordeiro e Silva (fls. 453/455), arrolado pelos RR. J.C.C. e E.B.F.; 7.8 - Liberalino Ferreira de Lucena (fls. 456), arrolado pelo R. J.C.C.; 7.9 - Maristela Gomes de Medeiros (fls. 538, frente e verso/539/539, frente e verso), arrolada pela R. M.S.L.; 7.10 - Francisco Pedro de Medeiros (fls. 539, frente e verso), arrolado pelo R. M.S.L.; 8. Despacho subseqüente (fls. 542) abriu às partes o prazo do art. 499 do CPP, em função do que pronunciaram-se as defesas dos RR. M.S.L. (fls. 565), G.M.P. (fls. 566), A.M.L. (fls. 567), P.F.C. (fls. 568), F.A.C. (fls. 569) e J.C.C. (fls. 570/571), tendo sido deferidos (fls. 578/589 e 598/599) todos os requerimentos apresentados. 9. Em alegações finais (fls. 600), o MPF. pediu (fls. 602/604) a condenação dos RR., enquanto que a defesa dos RR. pediu (fls. 613/624, 631/639, 649/657 e 658/669) suas absolvições. 10. Em defesa das respectivas teses, as partes argumentaram nos seguintes termos (excertos): 10.1 - o MPF (fls. 602/604): “(...) Os elementos indiciários, colhidos na fase inquisitorial, foram confirmados na Justiça. Realmente, os réus trabalhavam no Grupamento Pericial de Patos-PB e procederam a exames de saúde nos segurados da região, emitindo laudos médicos falsos, concorrendo, assim, para as concessões indevidas de muitos benefícios por incapacidade; O órgão previdenciário, com base nesses laudos médicos falsos fornecidos pelos réus, deferiu cerca de novecentas (900) aposentadorias irregulares. Só constatou a fraude quando sua Coordenadoria Regional de Perícias Médicas realizou uma revisão analítica, submetendo os beneficiários a novos exames e verificando que eles não eram portadores das moléstias incapacitantes indicadas nos laudos emitidos pelos acusados. (............................................................) Na verdade, ficou demonstrado que os réus tentaram, com desculpas evasivas, ilidir a acusação. Mas, tanto os médicos do INSS quanto os credenciados são responsáveis pelas fraudes, porque emitiram laudos que não condiziam com a realidade física dos beneficiários. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 265 (...........................................................) Assim, causaram prejuízos ao patrimônio público. Inúmeros rurícolas conseguiram auferir as rendas ilícitas, de forma continuada e por muito tempo. Os réus são responsáveis pelas fraudes. Todos almejavam a obtenção de vantagens econômicas, não se podendo crer que agiram, conforme afirmado na denúncia, por motivos altruísticos (...).”; 10.2 - os RR. J.C.C., P.F.C., F.A.C., A.M.L., M.S.L. e G.M.P. (fls. 613/ 624): “(...) Com efeito, as acusações formuladas na denúncia não procedem e nenhuma delas resultou provada no sumário de culpa, uma vez que nenhuma testemunha afirmou que as aposentadorias eram fraudulentas e que os acusados participavam das rendas mensais dos benefícios. Ao contrário, todas afirmaram que os Médicos Peritos nos seus Laudos Periciais apresentam diagnóstico provável da doença incapacitante, e não definitivo, uma vez que toda aposentadoria por invalidez está sujeita à revisão médica, periodicamente. E justamente isto disseram os acusados em seus interrogatórios. (............................................................) Outra testemunha arrolada na denúncia, Médico GUSTAVO NAVARRO DE OLIVEIRA, no seu depoimento de fls. 404/405, não fez nenhuma referência a aposentadorias fraudulentas, esclarecendo se tratar de divergências ou irregularidades técnicas nas aposentadorias examinadas, informando que, à época, que o ruralista não tinha direito a auxílio de doença, na hipótese de incapacidade laborativa temporária, o que significa que o trabalhador rural doente não podia gozar de qualquer benefício. (...........................................................) Por outro lado, a testemunha EDRISE VINAGRE VILLAR, que à época dos fatos era Chefe de Equipe da Perícia Médica do INPS, e que controlava toda produtividade de Perícia Médica, no seu depoimento de fls. 406/407, após algumas considerações sobre as suas atividades, diz o que chamou a sua atenção foi o fato de haver na área rural muita aposentadoria por “ósteo artrite”, que na época não era doença invalidante podendo ocasionar uma incapacidade temporária, esclarecendo, no entanto, que de acordo com a atividade laborativa do paciente a “ósteo artrite” pode ser doença incapacitante, e que na Cidade de Patos foram encontrados casos de segurados aposentados, por ósteo artrite, quando ainda não estavam em fase de agutinação. (...........................................................) A testemunha CLIZEUDA TORRES TIMOTHEO FIGUEIREDO, também arrolada na denúncia, no depoimento prestado às fls. 408/409, diz que trabalhava na Coordenação de Perícias Médicas do INPS, hoje INSS, e que convocou alguns segurados para examiná-los, ficando constatado que, em alguns casos, o segurado no momento em que estava sendo reexaminado não era portador de doença, sugerida para a sua aposentadoria, adiantando que a ósteo artrose não é doença invalidante, inicialmente mas quando se encontra em estágio mais avançado, estágio denegenerativo. 266 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba (...........................................................) Com efeito, as concessões de aposentadorias e benefícios outros, pela perícia médica rural, estão sujeitos às revisões médicas analíticas periódicas, quando são, então, verificadas a evolução da doença, ou se a mesma regrediu. (...........................................................) De modo que é de todo improcedente a denúncia fruto do ranço político dos adversários dos acusados J.C.C. e F.A.C., adversários políticos e inimigos pessoais, como se vê às fls. 03/04, 08/15, 27/33, 76/78 e 79, do I Volume do Processo Administrativo, acostada aos autos. Esclarece o acusado J.C.C., que se afastou de suas atividades profissionais em fevereiro de 1986, para se candidatar a Deputado Estadual, sendo eleito e tomado posse na Assembléia Legislativa no ano de 1987, conforme se verifica às fls. 260/267 se encontram Declarações de segurados informando coação de políticos locais para incriminarem o mesmo acusado CANDEIA e o acusado F.A.C. (...).”; 10.3 - o RR. V.F.B. (fls. 631/639): “(...) Com efeito, as acusações contidas na denúncia são todas improcedentes, pois todas as testemunhas ouvidas em Juízo não confirmaram os fatos narrados na denúncia, portanto, não restou provado que o acusado concedia aposentadorias fraudulentas, bem como, não participava das rendas mensais dos benefícios. (...........................................................) Convém ressaltar que os poucos exames periciais sugerindo aposentadorias pelo denunciado, como afirmou a testemunha Antônio Viana de Souza Lima, poderão ser alguns dos exames realizados pelo acusado, que depois de entregue ao Grupamento Médico Pericial de Patos-PB, sofreram adulterações e até rasuras. Indicaram ainda, que o acusado, como médico credenciado, emitia um diagnóstico provável, subjetivo, pessoal e a olho nu, fazendo suas observações clínicas de forma limitada, incapaz de dar um diagnóstico preciso em algumas patologias, porque lhe faltava meios técnicos para uma análise detalhada do paciente no momento do exame. Indicam, também, que o trabalhador rural, ao apresentar-se para fazer exame médico pericial, às vezes estava sem condições laborativas, e o médico credenciado informava ao médico local do Grupamento Médico Perito Coordenador esta incapacidade temporária, uma vez que existe uma hierarquia, e seus superiores tinham e têm poderes para requisitar o comparecimento do segurado, através de R.C.S. (REQUISIÇÃO DO COMPARECIMENTO DO SEGURADO), oportunidade em que o segurado deverá ser melhor examinado e de até realizar exames complementares, porque só o Grupamento Médico-Pericial tem poderes para solicitar os referidos exames. (..........................................................) Douto Juiz, a diligência solicitada nos termos do artigo 156 da Lei Adjetiva Penal, data venia, se faz necessário que este Juízo requisite ao INSS os originais dos laudos médicos periciais do inquérito administrativo, especialmente a folha nº 1.751, uma vez que as cópias xerografadas Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 267 dificultam a distinção da cor das tintas usadas nos laudos os quais estão assinados por mais de médico, certamente com lápis diferente, enquanto que fotocópias do I.A., anexas aos autos, revelam uma única cor (...).”; 10.4 - o R. E.B.F. (fls. 649/657): “(...) Nunca é demais, lembrar que o acusado, como MÉDICO, foi credenciado pelo atual INSS, para examinar segurados da Zona rural, em Patos, no seu consultório. Como MÉDICO CREDENCIADO, somente tinha o dever de proceder ao exame superficial do doente/segurado, bem como sugerir alguma coisa para a PERÍCIA MÉDICA, sequer um exame clínico poderia requisitar. O poder de aposentar ou não, não cabia ao MÉDICO PERITO CREDENCIADO, pois, isto era faculdade exclusiva do CHEFE DA PERÍCIA MÉDICA. Por outro lado, o MÉDICO CREDENCIADO, além de não poder solicitar exames laboratoriais, endoscópicos, radiográficos ou outros equivalentes, somente poderia sugerir um quadro médico, e, mesmo assim, esta sugestão não era definitiva, porque todo segurado teria que passar obrigatoriamente pelo chefe de grupo de perícia local, pessoa que teria a condição de requisitar exames e proceder ou não, no final, à aposentadoria. O fato é tanto que o LAUDO MÉDICO, emitido pelo MÉDICO CREDENCIADO, era tão somente de um diagnóstico provável, como provam as testemunhas ouvidas neste PROCESSO. Assim, era o MÉDICO CREDENCIADO, para a PREVIDÊNCIA, equivalente aquele MÉDICO que, nos grandes HOSPITAIS, serve de triagem, para depois encaminhar o paciente para quem de DIREITO. Somente com o laudo provável, fornecido pelo MÉDICO CREDENCIADO, NÃO havia como ocorrer aposentadoria, assim dizem as testemunhas do PROCESSO, inclusive pessoas que trabalham no INSS, com conhecimento de causa deste assunto, como veremos detalhadamente, mais adiante. Também, poderia ocorrer que o quadro clínico, em determinada ocasião, indicasse a sugestão de uma aposentadoria, pelo menos temporária, porque na época não havia a condição de licença médica para zona RURAL, (na prática o que se diz quando fulano encontra-se encostado) e depois poderia ocorrer o restabelecimento deste doente e conseqüente desligamento da aposentadoria. As testemunhas, inclusive arroladas na DENÚNCIA, quanto as arroladas pelos ACUSADOS. (...........................................................) Assim, não há prova de dolo, por parte do acusado E.B.F., neste PROCESSO, e, sem este requisito, não tem como ter ocorrido o crime tipificado na DENÚNCIA. Destarte, não há prova que autorize decreto condenatório neste PROCESSO. Para autorização de DECRETO CONDENATÓRIO, seria necessário prova concreta, robusta e insuspeitável, meio não existente nesta LIDE (...).” 10.5 - a R. T.G.A. (fls. 658/669): “(...) Nunca é demais, lembrar que, a acusada, como MÉDICA, foi dos quadros do atual INSS, fazendo parte do GRUPAMENTO PERITO DE PATOS, sendo conhecida como PERITA competente, cumpridora de suas obrigações, zelosa, sem nenhuma observação em sua ficha funcional e tida, no meio dos SEGURADOS, como carrasca, porque somente deferia uma aposentadoria, quando havia, seguramente, um embasamento para a concessão. O envolvimento da 268 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Drª Terezinha, como é mais conhecida em Patos, em PROCESSO, foi surpresa. Os depoimentos de todas as testemunhas, seja as arroladas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, ou mesmo das indicadas pelos acusados, informam bem sobre o comportamento e responsabilidade funcional da MÉDICA T.G.A.. Ocorre que o quadro clínico de um segurado, em determinada ocasião, poderia indicar uma aposentadoria, pelo menos temporária, porque na época não havia a condição de auxílio doença para o ruralista, e depois poderia ocorrer o restabelecimento deste doente e conseqüente desligamento da aposentadoria, no decorrer de uma revisão analítica. As testemunhas, inclusive arroladas na DENÚNCIA, a exemplo de Drª Socorro, confirmam que poderia acontecer recuperação do doente que estava aposentado, e sempre ocorria em torno de dez por cento, tanto na Paraíba, quanto nos outros ESTADOS do resto do BRASIL. Também, a prova maior que o INSS sabia da recuperação de alguns aposentados é que sempre fazia revisão analítica, exatamente para descobrir os que tinham se recuperado. Isto implicava dizer que a aposentadoria por invalidez, também, não era definitiva, pois poderia ser perdida em revisão analítica posterior e isto sempre ocorria em torno de dez por cento dos segurados. Estes dados são retirados dos depoimentos das testemunhas, tanto da DENÚNCIA quanto as arroladas pelos ACUSADOS. Outro aspecto é que nenhuma testemunha prova ter a Drª T.G.A. recebido qualquer importância, seja de segurado, seja a maior do INSS pelo número de pessoas examinadas, seja como benefício político, até porque, nunca foi candidata a nenhum cargo, não tem parente político, jamais foi cabo eleitoral para político, para cometer o crime de que é acusada. Não há prova de dolo da MÉDICA PERITA, Drª T.G.A., neste PROCESSO. Não como reconhecimento de prática de crime, mas por amor ao debate, se por acaso a acusada tivesse deferido alguma aposentadoria irregular, não teria tirado vantagem nenhuma em seu proveito, como não estava a serviço de nenhum POLÍTICO, logo, não estaria provado o seu dolo, e, mediante modalidade culposa, não existe o crime constante na DENÚNCIA. Pelo menos, falta a prova de dolo, contra esta acusada, neste PROCESSO (...).” 11. Antecedentes criminais de todos os RR. estão nos autos (fls. 607), sem anotações anteriores. Relatados, DECIDO. 12. No mérito, a acusação pretendeu (fls. 03/11) ver a conduta dos RR. enquadrada no tipo penal do art. 171, § 3º, do CP, com as características dos arts. 29 e 71 do mesmo CP, cujas redações textuais são as seguintes, respectivamente: “Art. 171. Obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (...........................................................) Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 269 § 3º. A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.” “Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.” “Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhanças, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentadas, em qualquer caso de um sexto a dois terços (...).” 13. No caso, os RR. - à vista das correspondentes condutas - podem ser divididos em dois grupos distintos, a saber: 13.1 - na qualidade de médicos-peritos, isto é, servidores da Previdência Social: os RR. J.C.C., T.G.A., P.F.C., F.A.C.; e 13.2 - na qualidade simplesmente de médicos-credenciados pela Previdência Social, os demais RR.: E.B.F., A.M.L., M.S.L., V.F.B. e G.M.P.. 14. O estelionato materializou-se no momento em que, utilizando-se da condição de médicos peritos, os quatro primeiros RR., isto é, J.C.C., T.G.A., P.F.C. e F.A.C. indevidamente aposentaram, por doença, segurados da Previdência Social, causando dessa forma prejuízo à entidade de direito público, circunstância de aumento de pena em 1/3 (hum terço), conforme o já transcrito art. 171, § 3º, do CP. 15. Nesse sentido, as provas colhidas contra os RR. são de absoluta clareza e coerência, de tal forma que IPL e o processo criminal estão harmônicos entre si, em sua maior parte, em desfavor dos RR. antes referidos; contra esses mesmos RR. foram produzidas as seguintes provas, principalmente: 15.1 - o laudo pericial (fls. 153/155) elaborado em sede de IPL: 15.2 - os depoimentos testemunhais (fls. 384/386, 387/388, 390/392, 393/ 394, 395/397, 404/405, 406/407, 408/409). 16. Mais especificamente, é possível observar as seguintes provas em desfavor dos RR. referidos, individualmente considerados: 16.1 - R. J.C.C.: confissão em IPL (fls. 135, frente e verso/136), por oportunidade do seu interrogatório, de que são suas as assinaturas, constantes dos laudos médicos apostados às fls. 108v, 109v, 110v, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, destes autos; depoimento da testemunha Maria do Socorro Brasileiro Lima Montenegro (fls. 384/386); depoimento da testemunha Reginaldo Tavares de Albuquerque (fls. 387/388); depoimento da testemunha Francisco de Assis Vieira (fls. 390/392); depoimento da testemunha Wille Guedes Magalhães (fls. 393/394); 270 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba depoimento da testemunha Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397); 16.2 - R. T.G.A.: laudo de exame documentoscópico (fls. 153/155); depoimento da testemunha Maria do Socorro Brasileiro Lima Montenegro (fls. 384/386); depoimento da testemunha Reginaldo Tavares de Albuquerque (fls. 387/388); depoimento da testemunha Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397); 16.3 - R. P.F.C.: laudo de exame documentoscópico (fls. 153/155); depoimento da testemunha Maria do Socorro Brasileiro Lima Montenegro (fls. 384/386); depoimento da testemunha Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397); 16.4 - R. F.A.C.: laudo de exame documentoscópico (fls. 153/155); depoimento da testemunha Maria do Socorro Brasileiro Lima Montenegro (fls. 384/386); depoimento da testemunha Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397); 17. Entretanto, contra os demais cinco RR., a seguir nomeados que eram apenas médicos credenciados, não funcionários peritos da Previdência Social - militaram os seguintes indícios apenas: 17.1 - R. E.B.F.: depoimento da testemunha Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397); 17.2 - R. A.M.L.: depoimento da testemunha Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397); 17.3 - R. M.S.L.: depoimento da testemunha Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397); 17.4 - R. V.F.B.: depoimento da testemunha Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397); 17.5 - R. G.M.P.: depoimento da testemunha Antônio Viana de Souza Lima (fls. 395/397); 18. Aprofundando a análise dos depoimentos referidos no item anterior, resultou o seguinte, especificamente: 18.1 - R. E.B.F.: a testemunha (fls. 395) disse “que ouviu comentários que o Dr. E.B.F. atendia a pedido político, razão porque concedia as aposentadorias irregulares”; 18.2 - RR. A.M.L. e G.M.P.: a mesma testemunha (fls. 395) disse “que tomou conhecimento de que a Dr.ª A.M.L., bem como o Dr. G.M.P. recebia pedidos de políticos para facilitar as aposentadorias”; 18.3 - R. M.S.L.: a mesma testemunha (fls. 395) disse “que quanto à Maria Salete seus laudos continham também a afirmação de que determinada pessoa não possuía condição para trabalhar”; 18.4 - R. V.F.B.: a mesma testemunha (fls. 395) disse “que quanto ao Dr. V.F.B. a testemunha afirma que constatou em seus laudos que apenas sugeria aposentadoria e em outros, afirmou categoricamente outro não tinha condição laborativa”. 19. Quer dizer, os indícios veementes contra esses cinco RR. não puderam ser elevados à categoria de prova, dada a sua evidente fragilidade e inconsistência, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 271 exatamente contrário do acontecido referentemente co-RR. J.C.C., T.G.A., P.F.C. e F.A.C., contra os quais a prova é forte e robusta (cnf. Itens 16.1, 16.2, 16.3, 16.4, retro), sendo possível acrescentar que estes co-RR. efetivamente se houveram em co-autoria, já que os autos demonstraram os seus ânimos de aposentarem indevidamente grande número de segurados, como de fato o fizeram. 20. Passo a referir-me, pois, aos quatro RR. nominalmente referidos no item anteriormente, no sentido conceitual do concurso de agentes, a doutrina tem formulação adequada à hipótese dos autos: “É possível que um sujeito empregue fraude contra a vítima, enquanto outro obtém a indevida vantagem patrimonial. Neste caso, ambos são sujeitos ativos de delito” (Código Penal anotado, Damásio E. de Jesus. - São Paulo: Saraiva, 1989, p. 486). 21. Considerando valorativamente equivalentes as condutas desses coRR., para efeito da fixação das penas, à vista dos arts. 59, 61, I, 62, 63, 65, III, d, 67, e 68, § 3º, todos do CP, tenho como: 21.1 - circunstâncias agravantes (arts. 61, I, 62 e 63): o concurso de pessoas (fls. 03/11); 21.2 - causas de aumento (art. 171, § 3º) ou de diminuição: presente tão somente a primeira, porque cometido o delito em desfavor de entidade de direito público (=INSS). 22. Tenho, portanto, que a conduta dos RR. J.C.C., T.G.A., P.F.C. e F.A.C. foi típica, injurídica e culpável, perfeitamente enquadrada no art. 171, do CP, com o agravante do seu parágrafo 3º, constitutiva de crime material de dano, consumado com a simples obtenção vantagem ilícita em prejuízo alheio, ex vi do art. 14, I, do mesmo sentido do pretendido pela denúncia, a hipótese dos autos configurou estelionato qualificado, porque cometido contra autarquia federal e, por extensão, contra a própria União Federal; a consumação do estelionato deu-se no momento em que os RR. obtiveram a vantagem ilícita, causando dano patrimonial (conf. Item 14, retro); o concurso de agentes, de igual maneira, restou devidamente comprovado. 23. Assim, sobre a pena-base de 01 (hum) ano de reclusão, fixada em razão do valor não muito significativo do dano patrimonial, devem acrescer o concurso de agentes (=agravante) e a qualificadora (=causa de aumento), conforme anteriormente demonstrado (item 21, supra), tudo na conformidade do art. 68, ainda do mesmo CP; no particular, interessa esclarecer que as agravantes não constituíram elementos ou qualificadores dos crimes, daí porque a agravação se tornou possível. 24. Isto posto, fundamentado no art. 171, § 3º, do CP, e demais dispositivos referidos, julgo parcialmente procedente a denúncia para condenar os RR. J.C.C., T.G.A., P.F.C. e F.A.C., individualmente, à pena de 01 (hum) ano de reclusão, com o aumento de 1/3 (hum terço), perfazendo o total de 01 (hum) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, que transformo em definitiva, acrescida de 10 (dez) dias-multa, cujo valor unitário corresponderá a 1/30 (hum trigésimo) do maior salário-mínimo vigente à época do delito, na conformidade do art. 49, §§ 1º e 2º, do mesmo CP; em sentido contrário, absolvo os RR. E.B.F., M.S.L., V.F.B., A.M.L.e G.M.P., por insuficiência de provas, na conformidade do disposto pelo CPP, art. 386, IV. 25. 272 Transitada em julgado, inscrevam-se os nomes dos RR. no rol dos Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba culpados. 26. Custas, ex lege. 27. P.R.I. João Pessoa, 07de agosto de 1996. JOÃO BOSCO MEDEIROS DE SOUSA Juiz Federal Titular da 1ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 273 CONCURSO MATERIAL DE CRIMES Processo nº 215 - AÇÃO PENAL Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réus: CARLOS CÉZAR RESENDE FREITAS, JOSÉ KLÉBER DE SOUZA SILVA, CARLOS ANTONIO DA SILVA, JOSÉ GALVÃO FILHO e SEBASTIÃO PEREIRA DA SILVA SENTENÇA I - RELATÓRIO (CPP, art. 381, II) Vistos etc... O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ingressou com Ação Penal contra CARLOS CÉZAR RESENDE FREITAS, JOSÉ KLÉBER DE SOUZA SILVA, CARLOS ANTONIO DA SILVA, JOSÉ GALVÃO FILHO e SEBASTIÃO PEREIRA DA SILVA, qualificados nos autos, dando-os como incursos nas sanções do art. 157, § 2º, incisos I, II e III, c/c art. 29 do Código Penal, bem assim no art. 1º da Lei nº 2.252, de 1.7.1954 e art. 40, § 1º, da Lei nº 6.538, de 22.6.1978, porque teriam os quatro primeiros acusados praticado o crime de roubo, corrupção de menores e sonegação ou destruição de correspondência, e o último o delito de receptação, pedindo no final a citação de todos para verem-se processar, a inquirição de testemunhas e a procedência do pedido, a ser ratificado nas alegações finais, conforme o seguinte relato: “1.No dia três de agosto do ano corrente de 1995, por volta das oito horas, Carlos Cézar Resende Freitas transportou, em um Corcel II, cor vinho, de propriedade do seu pai, o menor Júnior Sebastião da Silva juntamente com os acusados José Kléber de Sousa Silva, Carlos Antônio da Silva e José Galvão Filho (‘Grilo’), desde a Praça José Sérgio Maia, na cidade de Catolé do Rocha, até um local, chamado ‘Placa’, no início da estrada de acesso à cidade de Riacho dos Cavalos. Deixando-os lá, diz Carlos Cézar, logo em seguida, regressou à sua residência (fls. 20).” “2.O menor Júnior e os denunciados José Kléber, Carlos Antônio (‘Carlinhos’) e José Galvão (‘Grilo’), aguardara, então, no local escolhido, a passagem esperada de uma camioneta, que estava prestes a partir da Agência dos Correios e Telégrafos de Catolé do Rocha, transportando dinheiro para o pagamento dos segurados do INSS, em Riacho dos Cavalos, bem como correspondência postal.” “Com efeito, por volta das nove horas e meia do mesmo dia, a camioneta tipo C-10, cor azul, de carroceria de madeira, bem conhecida dos réus, aproximou-se da tocaia, já na estrada de barro que leva a Riacho dos Cavalos. O menor Júnior, vestido com farda de policial, arranjada pelos militares acusados, dá ao veículo sinal para parar, enquanto seus comparsas se ocultam no mato adjacente e põem seus capuzes.” 274 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba “3.Logo que o veículo estacionou, foi cercado pelos acusados que empunhavam revólveres e espingardas de calibre 12, apontando-os contra os passageiros, o motorista e dois policiais que viajavam na carroceria. Os acusados tomaram as armas dos dois policiais, incumbidos da segurança do transporte.” “...” “Todos, com exceção de José de Andrade Carneiro, Chefe da Agência dos Correios de Riacho dos Cavalos, foram obrigados a se afastarem do veículo e correrem para o matagal, ao lado da estrada. José de Andrade foi obrigado a entregar-lhes os malotes que continham o dinheiro e a correspondência postal. Em seguida, como os outros, foi forçado a correr sem olhar para trás.” “4.O menor Júnior e os denunciados José Kléber, Carlos Antônio (‘Carlinhos’) e José Galvão (‘Grilo’) apoderaram-se da camioneta, conduzindo-a até cerca de três quilômetros do local, onde foi deixada ao lado da estrada. Entraram no matagal e dividiram o dinheiro, além das armas tomadas da escolta do veículo interceptado. Após violarem o malote que continha a correspondência, abandonaram-no, perto de um açude nas vizinhanças, no Sítio Timbaúba, de propriedade de Manoel Pedro (fls. 22).” “Fardas e capuzes foram largados no mato.” “5.Na residência de José Galvão, ‘Grilo’, foram encontrados R$ 1.200,00, em 12.08.95 e apreendidos (fls. 24) e o menor Júnior (fls. 10 e 11) descrevem o delito com detalhes exuberantes. Eles definem a participação dolosa de ‘Cabo’, a quem os réus militares tratavam por senhor, quem mandou a todos que entrassem no carro.” “Estranha contradição surge entre o depoimento de José de Andrade Carneiro (‘Binoco’), o Chefe da Agência dos Correios em Riacho dos Cavalos, e as demais vítimas ameaçadas pelos autores do roubo. Afirma ele (fls. 14) não ter dúvida de que eram seis os assaltantes, enquanto os demais referem-se a apenas quatro (fls. 11, 17, 25, 30, 34 e 36). A instrução poderá esclarecer sobre tal divergência.” “6.Sebastião Pereira da Silva recebeu das mãos de Júnior, seu filho menor, parte do dinheiro subtraído pelos acusados, consciente de sua procedência criminosa, e adquiriu, com ele, diversas mercadorias, pagando, ainda, a seus credores (fls. 23).” 2. Instruindo a denúncia vieram os autos do Inquérito Policial nº 04/95 SSP - PB, instaurado mediante Portaria do Sr. Superintendente Regional de Polícia Civil de Catolé do Rocha (documentos de fls. 8 e ss.), contando, inclusive, com prisão preventiva decretada de alguns dos agentes do alegado delito. 3. Prisão preventiva dos réus decretada pelo MM. Juízo de Direito da Comarca de Catolé do Rocha, neste Estado, presentes os pressupostos legais para esse fim (fls. 51/56), sendo o menor JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA, também envolvido na ação delituosa, internado por 45 (quarenta e cinco) dias na repartição policial local, isolado dos adultos. Na página seguinte (fls. 57), declina o douto magistrado estadual de sua competência para esta 4ª Vara Federal em virtude da vinculação do patrimônio de pessoas referidas no art. 109, inciso VI, da Constituição (Empresa de Correios e Telégrafos – ECT). Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 275 4. Recebida a denúncia, foi ratificado em parte o decreto de prisão preventiva, determinando o eminente Juiz Federal ANTONIO CARLOS DE MARTINS MELLO, então titular desta 4ª Vara, a soltura do réu SEBASTIÃO PEREIRA DA SILVA nos termos da decisão de fls. 73, bem assim a recomendação ao Juízo da Criança e do Adolescente de Catolé do Rocha e à Polícia Federal para que se assegurasse a integridade física e psíquica do menor encontrado em irregular estado. 5. Apreendidos os bens conforme documentos de fls. 26/28, 80/81, 90/ 95, 97/102 e 180/184, sendo alguns devidamente entregues aos seus proprietários (R$ 1.200,00 em poder de “Grilo” ou JOSÉ GALVÃO FILHO; R$ 1.995,00 em poder de JOSÉ KLÉBER DE SOUSA SILVA; R$ 1.060,00 em poder de CARLOS ANTONIO DA SILVA; um revólver Taurus, nº 4655, calibre 38, de seis tiros, cano longo, oxidado; um revólver Taurus, nº 00444-1 A/ 1446770, cano longo reforçado, da PM/PB; uma bicicleta Monark barra circular 1995, nº LG 582.403, de cor azul; uma bicicleta Unitrak 18 marchas 1995, nº LX 1700, de cor vinho; uma bicicleta Caloi Moutain Bike, 1994, nº 1.022, de cor preta, em poder do menor JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA; um malote da ECT com um selo de boca nº 44037640, localizado no Sítio Timbaúba, de propriedade do Sr. Manoel Pedro; um óculos escuro Lótus; um relógio marca Yankee Street; uma espingarda calibre 12, CBC, nº 1038831, mod. 151, cano único serrado; um TV a cores Philco Hitachi, 14 e uma espingarda calibre 24, CBC, cano único cerrado, em poder de CARLOS CÉZAR RESENDE FREITAS; documentos e fotografias enumeradas. 6. Interrogatórios às fls. 107/114, seguido de alegações preliminares, rol de testemunhas e documentos (fls. 115/136). 7. Inquiridas as testemunhas FRANCISCO DAS CHAGAS NUNES DA COSTA (fls. 197/197vº), FRANCINEUDO OLIVEIRA CAVALCANTE DE ARAÚJO (fls. 198/ 198vº), JOÃO MELCHÍADES DE OLIVEIRA SOBRINHO (fls. 193/194), JOSÉ DE ANDRADE CARNEIRO (fls. 195/195vº), ROGÉRIO ARAÚJO DE OLIVEIRA (fls. 196/196vº) e MARIA LÚCIA DE ALMEIDA como declarante (fls. 199), arroladas pela acusação (fls. 6), através de carta deprecada ao MM. Juízo de Direito da Comarca de Catolé do Rocha. Ouvido em declarações o menor JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA, conforme termo de fls. 169/170vº, determinando-se a comunicação ao Juízo dos fatos sobre a inexistência de interesse ou competência quanto à situação do menor, rechaçando-se na audiência o pedido de relaxamento formulado por JOSÉ KLÉBER DE SOUZA SILVA. 8. Ouvidas também mediante precatória ao Juízo de Catolé do Rocha as testemunhas JOSÉ RAIMUNDO DE ALMEIDA (fls. 232/232vº), JOSÉ ZEZONE MAIA (fls. 233/233vº), VICENTE ROCHA SOBRINHO (fls. 234/234vº), LEÔNIDAS VIEIRA DE FARIAS (fls. 235), FRANCISCO BARBOSA DA SILVA (fls. 236/236vº), FRANCISO DE ASSIS AZEVEDO (fls. 237/237vº), IREMAR ALVES DE FREITAS (fls. 241), ELMIÇO BEIJAMIM DINIZ (fls. 242), TEREZA MARIA MAIA (fls. 243), GERÔNCIO ALVES DE SOUSA (fls. 244), SEVERINO FRANCISO DA SILVA (fls. 245), FRANCISCO SOARES DA SILVA (fls. 246) e ALCIDES DA SILVA VIEIRA (fls. 247), indicadas pelas defesas. Dispensada a inquirição das testemunhas JOSÉ SILVESTRE DA SILVA SOBRINHO e MARIA DAS NEVES GOMES, conforme requerimentos dos réus arrolantes, respectivamente JOSÉ KLEBER DE SOUSA FILHO (fls. 238) e JOSÉ GALVÃO FILHO (fls. 248). 9. Indeferido novo pedido de relaxamento de prisão formulado pelo réu JOSÉ KLÉBER DE SOUSA FILHO às fls. 209/211, depois de pronunciamento ministerial em contrário e diante da inexistência de qualquer modificação fática (conf. despacho de fls. 252). 10. Em diligências, manifestou-se apenas o patrono do acusado CARLOS ANTONIO DA SILVA para indicar o novo endereço onde daquela data em diante poderia ser 276 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba intimado (fls. 257). 11. Nas alegações finais, pediu o MPF a procedência da denúncia quanto aos réus CARLOS CÉZAR RESENDE FREITAS, JOSÉ KLEBER DE SOUZA SILVA, CARLOS ANTONIO DA SILVA e JOSÉ GALVÃO FILHO (fls. 259/261), registrando sobre a natureza e fixação da pena úteis considerações de ordem jurídica e filosófica e reconsiderando o enquadramento da conduta dos réus no tipo penal de “sonegação ou destruição de correspondência” (Lei nº 6.538/78, art. 40, § 1º), pela ocorrência do fato na progressão do delito contra o patrimônio. Pediu, outrossim, a aplicabilidade em relação ao réu SEBASTIÃO PEREIRA DA SILVA do disposto no art.; 180, § 3º, do Código Penal, bem assim, quanto a todos, do disposto no art. 121 do CPP (perda em favor do Tesouro Nacional do produto dos bens adquiridos com os proventos da infração). 12. Os réus, por sua vez, propugnaram pela “nomeação de um corpo clínico” para avaliar as condições do paciente, absolvição sumária com reconhecimento de violenta emoção e transferência do réu preso para o Batalhão de Polícia Militar de Patos (CARLOS CÉZAR REZENDE FREITAS); absolvição ou pena mínima (CARLOS ANTONIO DA SILVA); absolvição (JOSÉ GALVÃO FILHO e SEBASTIÃO PEREIRA DA SILVA); e clemência com cumprimento da pena em liberdade, junto aos seus familiares (JOSÉ KLÉBER DE SOUSA SILVA). 13. A seguir, vieram-me conclusos os autos para sentença, que, relatados, decido. II - FUNDAMENTOS (CPP, art. 381, III e IV) 14. Antes do exame das questões pertinentes ao feito, cabe a este Juízo determinar a imediata disponibilização do menor JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA ao MM. Juízo de Direito da Comarca de Catolé do Rocha, a quem se atribui as funções de juízo da infância e da juventude, para os fins solicitados pelo ofício de fls. 178, ainda não apreciado e decidido. Com efeito, tratando-se de alegada participação em fato delituoso atribuída a menor de dezoito anos, o procedimento apuratório especial compete ao juízo da infância e da juventude, não havendo como manter-se indefinidamente o investigado sob a custódia da Justiça Federal, que não tem qualquer ingerência no processo respectivo. 15. Tornando ao processo, devo assinalar a inexistência de quaisquer alegações de nulidade ou prejuízos fundamentados pelos acusados. A petição de fls. 257 que informa o novo endereço do seu subscritor para futuras intimações e menciona não ter o advogado recebido até aquela data nenhuma notificação para atos do processo não consubstancia irregularidade. É que a defesa de CARLOS ANTONIO DA SILVA, patrocinada conjuntamente pelos advogados GILBERTO CHAVES e/ou EZENILDO ALVES DA SILVA, foi devidamente notificada de todos os atos do processo, conforme se pode verificar às fls. 112, 130/131, 138, 169, 172, 175, 191, 200, 222/222vº, 238, 248 e 254. 16. Por outro lado, o pedido preambular constante das razões finais do réu CARLOS CÉZAR RESENDE FREITAS no sentido de avaliar-se as condições do “paciente” e de reconhecimento de violenta emoção não tem pertinência, por inexistirem dúvidas sobre a sua integridade mental. Ademais, na fase própria, como dito, não houve alegação ou justificativa sobre nenhum prejuízo sofrido, por isso não apreciada pelo douto magistrado que conduzia o processo, inexistindo nulidades a declarar. 17. Acrescento que, tratando-se de ações delitivas prejudiciais ao patrimônio de empresa pública federal, a competência para o feito é atribuída à Justiça Federal, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 277 nos precisos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição, segundo o qual cabe aos juízes federais o processo e julgamento dos “crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”. 18. As descrições das condutas configuram, em tese, crimes contra o patrimônio de empresa pública federal – Empresa de Correios e Telégrafos - ECT –, tipificados no art. 157, § 2º, incisos I, II e III, c/c art. 29 do Código Penal, bem assim no art. 1º da Lei nº 2.252, de 1.7.1954. O d. MPF pretendeu inicialmente também enquadrar as condutas no art. 40, § 1º, da Lei nº 6.538, de 22.6.1978, propugnando, a final, pela absorção do último delito pelos crimes contra o patrimônio conforme razões finais, que considero jurídicas pelo seu próprio conteúdo, excluindo esse tipo da imputação penal. Os fatos descritos referem-se ao seguinte: CÓDIGO PENAL “Art.29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.” “Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. § 1º. Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro. § 2º. A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há concurso de duas ou mais pessoas; III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.” LEI Nº 2.252, de 1.7.1954 “Art. 40.Constitui crime, punido com a pena de reclusão de um a quatro anos e multa de Cr$ 1 (um cruzeiro) a Cr$ 0,01 (um centavo), corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando infração penal ou induzindo-a a praticá-la.” 19. Os fatos relatados pela denúncia foram suficientemente demonstrados perante esta Justiça Federal, com a confirmação das confissões feitas pelos réus nos respectivos interrogatórios nas fases policial e judicial, exceto quanto ao réu SEBASTIÃO PEREIRA DA SILVA, cuja imputação, ao que parece, fundara-se em dúbias afirmações de que teria adquirido três bicicletas e um fogão a gás com o suposto produto do crime, no comércio local. Na verdade, as declarações de fls. 19/19vº e o interrogatório de fls. 29/29vº, ambos na fase policial, bem assim os depoimentos de fls.198/198vº, 234/234vº, 237/237vº, 243, 244, 245 e 246 (testemunhas FRANCINEUDO OLIVEIRA CAVALCANTE DE ARAÚJO, 278 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba VICENTE ROCHA SOBRINHO, FRANCISCO DE ASSIS AZEVEDO, TEREZA MARIA MAIA, GERÔNCIO ALVES DE SOUSA, SEVERINO FRANCISO DA SILVA e FRANCISCO SOARES DA SILVA, respectivamente) deixam claro que a compra das bicicletas e do fogão fora efetivamente feita por JÚNIOR e não por seu pai SEBASTIÃO, também réu no processo. O conjunto probatório atesta, pois, a materialidade e aponta no sentido da identificação da autoria, com as observações aqui feitas, deixando claras as circunstâncias em que os fatos aconteceram, presentes todos os demais requisitos necessários à prolatação da sentença de mérito. 20. Não resta dúvida, assim, sobre a efetiva ocorrência do assalto na data mencionada – 3 de agosto de 1995, por volta das nove horas e trinta minutos da manhã. Conforme se observa dos autos, houve naquele dia a abordagem, pelos réus, da camioneta que transportava o dinheiro do pagamento dos segurados da Previdência Social de Riacho dos Cavalos e correspondências postais diversas, veículo que era utilizado a serviço da Agência dos Correios e Telégrafos de Catolé do Rocha, e onde viajavam o chefe dos serviços locais da ECT, JOSÉ DE ANDRADE CARNEIRO, o motorista JOÃO MELCHÍADES DE OLVIEIRA SOBRINHO, ROGÉRIO DE ARAÚJO DE OLIVEIRA e os policiais militares FRANCISCO DAS CHAGAS NUNES e FRANCINEUDO OLIVEIRA CAVALCANTE, responsáveis pela segurança. 21. Na data e hora fatídicas, o menor JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA, vestido de farda característica da Polícia Militar paraibana fez deter o veículo transportador. Logo após, seguido de três homens encapuzados e armados de revólveres e espingarda calibre 12 (doze), todos passaram a ameaçar os passageiros e seguranças, concluindo por subtraírem os malotes contendo a importância de R$ 11.250,00 (Onze mil e duzentos e cinqüenta reais) e correspondências postais diversas, que ali se encontravam. 22. A autoria, igualmente, ficou sobejamente caracterizada pela prova colacionada aos autos, a partir das declarações prestadas perante a autoridade policial – e ratificadas em Juízo às fls. 170/170vº, pelo menor JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA. Segundo os elementos coligidos, teria JÚNIOR praticado o assalto em companhia das pessoas de “Grilo, Carlinhos e Cléber”, os dois últimos integrantes da corporação militar do Estado da Paraíba. Segundo essas declarações, Grilo, ou JOSÉ GALVÃO FILHO, fora o mentor e arquiteto do crime, juntamente com os outros policiais militares envolvidos, incluindo o cidadão conhecido como “Cabo”, militar reformado da PM por ter uma mão decepada, vindo este a ser o réu CARLOS CÉZAR RESENDE FREITAS, ou “Cabo Freitas”. 23. Confirmando as conclusões nesse sentido, os interrogatórios dos quatro réus – exceção feita a SEBASTIÃO PEREIRA DA SILVA – no seguinte sentido: I) CARLOS CÉZAR RESENDE FREITAS: “que no dia 03 de agosto de 1995, o depoente encontrava-se em Catolé do Rocha, junto com os demais acusados; que, daquele local em um corcel II de cor vinho, propriedade do pai do depoente, conduziu o grupo qualificado na denúncia, com exceção de Sebastião Pereira da Silva, em cujo lugar viajou o filho desse, de nome Júnior até o local chamado Placas na entrada para Riacho dos Cavalos; (...); que o depoente já sabia do que o grupo se encarregaria, sendo que o papel dele, depoente, era só a referida condução até o local planejado; que o grupo, na pessoa de José Kléber e Carlos Antônio, fez entrega ao depoente da quantia de R$ 400,00 de que se apossou o depoente; que deseja esclarecer que, embora graduado da PM, não foi o autor da idéia nem da coordenação do delito, tanto que não arranjou fardas nem armas nem capuz, tendo os verdadeiros líderes do grupo, liderança que o depoente Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 279 atribui a José Kléber e Carlos Antônio, feito o rateio do roubo na ausência do depoente; que o depoente nasceu e se criou na região, principalmente em Catolé do Rocha, nunca se tendo envolvido com prisões ou processo, tendo caído nessa tentação;” II) JOSÉ KLÉBER DE SOUSA SILVA: “(...); que a tarefa do depoente era somente dirigir o carro, mas acabou tendo a participação em todos os atos; que pela manhã naquele 03 de agosto, encontrando-se o depoente com Carlos Antônio da Silva, o Cabo Carlos Cézar abordou os dois, dizendo que não eram homens porque vacilavam em participar da trama; que finalmente o Cabo Carlos Cézar dirigindo o corcel de seu pai, levou o grupo até o local Placas, na entrada para Riacho dos Cavalos e voltou para uma mercearia de onde se ver todo o movimento do Quartel, que fica de fronte; que ali ficaria o Cabo Cézar, para vigiar se a coisa tinha ‘sujado’, caso em que daria um jeito para avisar o grupo para fugir; que a participação do Cabo Cézar, segundo o próprio e o grupo não seria aconselhável, porque a sua decepada poderia chamar a atenção e denunciar o esquema dos envolvidos; que, todos sabem, aquela caminhoneta C10 é que conduz os valores do Correio, nem se fazendo segredo disso; que, como planejado pouco depois de o grupo ser deixado nas Placas, efetivamente lá veio a caminhoneta do Correio; que o menor Júnior tinha sido indicado para fazer parar a viatura com o dinheiro por José Galvão Filho, vulgo Grilo, pois seria um ‘carniceiro’; que o coturno e a Gandola que vestiriam e vestiram o menor eram do Cabo Carlos Cézar, ao passo que a calça era de Carlos Antônio da Silva; que o menor pôs-se a frente da caminhoneta e fê-la parar, ao que acorreu todo grupo para o assalto; (...); que ao fim de uns 2 km mais ou menos, abandonaram o veículo e entraram no mato, onde fizeram a partilha, cabendo ao depoente R$ 2.200,00; que o depoente lavara para a ação uma velha espingarda 12 de propriedade, que na ora estava na posse de Grilo, ou seja José Galvão Filho; que dita espingarda 12 foi jogada num açude próximo ao Quartel, mas já não foi encontrada quando o depoente levou ao local o Tenente da guarnição; que foi dada ao Cabo Carlos Cézar a importância de R$ 400,00 com a promessa de mais um presente de um revólver; que o Cabo Cézar havia ficado no barzinho defronte ao Quartel para avisar eventualmente que o grupo devia voltar, caso houvesse algum problema; que a trama teria sido descoberta por causa de um telefonema anônimo, tendo finalmente o depoente, depois de negar, confessado tudo ao Capitão do Quartel, que o Capitão na mesma hora mandou chamar o delegado que tomou o depoimento do depoente, de quem recebeu também a importância de R$ 1.795,00, isto é, os dois e duzentos da partilha do roubo, menos duzentos que o depoente tinha dado, de sua parte ao Cabo Carlos Cézar, menos cinco nem se lembra o depoente por que motivo, talvez na contagem; (...);” III) CARLOS ANTÔNIO DA SILVA: “(...); que a idéia foi do Cabo Carlos Cézar, superior do depoente; que no dia da ação pela manhã, cedo, o depoente encontrava-se na Junta Trabalhista de Catolé do Rocha, quando foi abordado pelo soldado José Kléber que, em roupas civis e de bicicleta convidado o depoente para irem beber na casa dele José Kléber, pois ambos já tinham desistido da ação criminosa convocada pelo Cabo Carlos Cézar; que, quando chegaram à pracinha, lá estava o Cabo com o automóvel de seu pai de lado e conversando com Grilo e José Galvão Filho e o menor Júnior; que o Cabo provocou o depoente e Kléber para a prática criminosa, dizendo que ficaria vigiando de fronte ao Quartel; que 280 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Kléber foi para casa na bicicleta, ficando o depoente na maternidade ao lado, onde acabou sendo convencido, numa hora de fraqueza pelo Cabo Carlos Cézar, partindo o grupo para apanhar em casa o soldado Kléber; que o Cabo Carlos Cézar deixou o grupo no local chamado Placa, na entrada para Riacho dos Cavalos e foi direto para um barzinho de fronte à Companhia da PM de onde observaria o movimento para eventualmente avisar o grupo sobre quaisquer irregularidades; que o menor tinha toda a aparência de maioridade, inclusive bigode, mas a roupa do depoente não serviria para ele, bem mais esguio; que, de qualquer maneira havia na bolsa portada pelo grupo um calça de farda do depoente, assim como um coturno e uma gandola pertencentes ao Cabo Carlos Cézar; que o menor Júnior com a gandola e as divisas do Cabo fez parar a viatura de dinheiro da ECT, tendo o grupo atacado com máscaras; que o depoente demorou a sair pois condicionara a ação à não prática de qualquer violência; (...); que coube ao depoente na partilha reais 2.200,00; que Kléber entregou na hora em que se encontrou com o Cabo R$ 400,00, com a promessa de lhe dar depois o revólver; (...);” IV) JOSÉ GALVÃO FILHO: “(...); que a idéia de toda a trama foi do Cabo Carlos Cézar; que o Cabo e o soldado Carlos da Silva pediram ao depoente que arranjassem um civil para figurar na hora da ação; que o depoente, não tendo a quem indicar, foi visto um dia pelo Cabo e da Silva em companhia do menor, com quem jogava umas peladas perto de casa tendo os dois manifestado interesse em convidar aquele elemento, que imediatamente aceitou; que o depoente não sabe se o menor é mau elemento e nunca disse isso; que o Cabo apareceu na praça já com o grupo embarcado no auto de seu pai levando todos até o local denominado Placas, na entrada da estrada para Riacho dos Cavalos; que, depois de deixar o grupo no local, o Cabo foi para um bar de fronte ao Quartel onde ficaria vigiando algum movimento para poder avisar o grupo para a fuga eventual; que pouco depois de chegarem ao local determinado, apareceu a viatura com os valores da ECT, tendo o menor Júnior mandado parar, vestido que estava com a calça de da Silva, coturno e gandola do Cabo Carlos Cézar; que Kléber portava uma espingarda, o grupo tomou as armas dos dois policiais que vinham guarnecendo os valores, tendo Kléber assumido o volante da caminhonete; (...); que o policial Kléber fez um croqui para o deslocamento do grupo pela mata até a cidade; que no trajeto fizeram a partilha do roubo cabendo ao depoente R$ 2.200,00; (...);” 24. Vê-se dos textos dos interrogatórios parcialmente transcritos, que a questão da coordenação, liderança ou chefia da ação – importante para efeito de fixação eventual da intensidade da culpa e fixação eventual da pena – não está bem delineada, embora as informações apontem no sentido do planejamento comum da ação por parte de Grilo e dos policiais, disso não resultando maiores problemas. Com efeito, enquanto JÚNIOR aponta como arquitetos do plano todos os partícipes maiores de idade, CARLOS CÉZAR RESENDE FREITAS, embora mais graduado da PM, indica como chefes os acusados JOSÉ KLÉBER DE SOUSA SILVA e CARLOS ANTÔNIO DA SILVA, alegando que sua função era simplesmente transportar o grupo até o local do crime, tanto assim que o rateio do dinheiro fora feito pelos referidos réus na sua ausência, e a quem coube apenas R$ 400,00 (quatrocentos reais) de um total de um total superior a R$ 11.000,00 (onze mil reais). 25. Já os dois integrantes do grupo acusados por CARLOS CÉZAR Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 281 RESENDE DE FREITAS, ou “Cabo” Freitas, de liderarem a ação, bem assim o réu JOSÉ GALVÃO GRILO, foram harmônicos em afirmar que o papel principal na articulação do crime fora desempenhado não por eles, mas pelo próprio CARLOS CÉZAR, a quem atribuem os primeiros (JOSÉ KLÉBER e CARLOS ANTÔNIO) uma atitude indutora de admoestação feita diante do “vacilo” de ambos em participarem da ação, ao afirmar que os mesmos não seriam homens suficientes para a empreitada, no dizer de JOSÉ KLÉBER ou a provocar o brio de ambos, no dizer de CARLOS ANTÔNIO. O fato é que tanto CARLOS CÉZAR, ou “Cabo” Freitas, quanto JOSÉ KLÉBER e CARLOS ANTÔNIO tiveram as funções divididas no planejamento e coordenação do roubo. 26. Os depoimentos das testemunhas arroladas pela denúncia ratificam com elevado grau de verossimilhança os fatos relatados pelos interrogados, pelo menor JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA e pela mãe deste, MARIA LÚCIA DE ALMEIDA. Todos os depoimentos mencionam, com pequenas variações, as suas presenças no local e horário do crime, a finalidade da viagem no transporte de numerário, a parada na estrada no local conhecido como “Placas” a pedido de um suposto policial, a ocorrência do assalto por bandidos armados e mascarados (exceção de JÚNIOR), o disparo de tiros após a ação, a localização posterior do automóvel dos Correios, a presença de dois policiais servindo como seguranças, dentre outras informações comuns, apontando para a consistência das confissões feitas pelos réus. O reconhecimento do menor JÚNIOR, por outro lado, foi feito pelas testemunhas JOÃO MELCHÍADES DE OLIVEIRA SOBRINHO, FRANCISCO DAS CHAGAS NUNES DA COSTA e FRANCINEUDO OLIVEIRA CAVALCANTE DE ARAÚJO (que afirmou ter reconhecido também os outros assaltantes, às fls. 198/198vº). 27. Diversamente, os depoimentos das testemunhas arroladas pelas defesas foram pouco esclarecedores, jamais chegando, porém, a negarem a ocorrência dos fatos como narrados na denúncia. Trouxeram informações dispersas, o mais das vezes por ouvir dizer na comunidade, especialmente com referências sobre a primariedade e idoneidade dos acusados, suas vidas profissionais, a perda de membro por CARLOS CÉZAR, sua capacidade de dirigir e seu desgosto pela deficiência, etc. 28. Como se vê, os elementos do tipo penal previsto no art. 157 e § 2º do Código Penal, estão integralmente presentes, inclusive a intenção dolosa, que, no entendimento da doutrina finalista, se localiza na própria descrição do tipo, como elemento subjetivo deste, e não na culpabilidade como exposto pelos partidários da teoria causalista. Com efeito, cristalino e impassível de contestação apresenta-se a intenção e a consciência de delinqüir, de subtrair a coisa alheia que sabiam os réus pertencerem à ECT, arquitetando com suficiente antecedência uma sofisticada trama onde se propuseram a descobrir a data e trajeto do transporte de numerário nas viagem da ECT (possivelmente valendo-se da condições de policiais ou expoliciais), estudar horários de passagem do veículo e a capacitação dos seguranças (“recrutas da PM, soldados inexperientes”, fls. 17), atrair um civil e ainda por cima menor para a ação (já que um policial de verdade poderia dar ares de veracidade ao disfarce), forjar disfarces, utilizarse de veículo para o transporte do banco, planejar croqui de retorno dos agentes à cidade após o delito, vigiar a Polícia, etc., restando também configurado o total desprezo pelas regras éticas, profissionais e de convício social, pela completa inversão dos valores inerentes aos agentes da segurança pública envolvidos na prática de crimes. 29. Há notícia, nesse sentido, fornecida pelo próprio réu JOSÉ KLÉBER DE SOUSA SILVA em seu interrogatório, confirmada depois por informação de JÚNIOR, de que referido policial integrou a equipe responsável pela “prisão do menor Júnior, mesmo sabendo que isso poderia revelar toda a trama em que se via envolvido” (fls. 109/110). Apesar de não confirmada em declarações prestadas a este Juízo pelo menor, versão dada pela mãe de JÚNIOR dá conta de que nesse dia o acusado JOSÉ KLÉBER teria sugerido a sua fuga, da 282 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba janela da casa onde a prisão foi efetuada, somente não ocorrida em face do medo do adolescente de ser alvejado pelas costas (conforme declarações de fls. 19). Aliás, o medo de JÚNIOR também pode ter sido o responsável pela omissão constante do primeiro interrogatório policial quanto à participação de CARLOS CÉZAR na realização do assalto. 30. Utilizaram-se, pois, os réus, para o fim almejado, de todos os meios previstos nos diversos incisos do § 2º do art. 157 do Código (“violência ou ameaça exercida com emprego de arma, concurso de duas ou mais pessoas e vítima em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância”), necessários para configurar a qualificação da conduta, ou seja, de agravar a pena conforme descrição específica. A violência, de fato, foi exercida com emprego de arma de fogo, com o concurso de quatro pessoas, encontrando-se as vítimas em serviço de transporte de valores, com o conhecimento dessa circunstância pelo criminosos. Com isso, a pena eventualmente aplicada a final deverá sofrer o acréscimo de um terço até metade, nos termos do dispositivo em referência. 31. A responsabilidade dos agentes, assim, já demonstrada em relação aos quatro réus indicados quanto ao crime de roubo qualificado, e examinada na seqüência quanto ao delito de corrupção de menores em relação a JOSÉ GALVÃO FILHO, na dicção do art. 29 do CPB estabelece a incursão do agente na pena “na medida de sua culpabilidade”. 32. Essa culpabilidade, no lúcido pensar de JÚLIO FABRINI MIRABETE (“Manual de Direito Penal”, Parte Geral, 7ª ed., Atlas, p. 188), define-se como sendo “a responsabilidade da conduta típica e antijurídica”, cabendo observar, segundo o mesmo autor, que o dolo e a culpa “não podem ser elementos da culpabilidade: colocando-os como fazendo parte desta, está-se fracionada a estrutura natural da ação”. Do mesmo modo, “do princípio da culpabilidade se depreende que, em primeiro lugar, toda pena supõe culpabilidade, de modo que não pode ser castigado aquele que atua sem culpabilidade (exclusão da responsabilidade pelo resultado), e, em segundo lugar, que a pena não pode superar a medida da culpabilidade (dosagem da pena no limite de culpabilidade)” (id. p. 188). 33. Tenho para mim que a culpabilidade referida pela Lei e pelo respeitado autor diz respeito ao grau de participação do agente na conduta criminosa, já que o dolo identificado nas figura delitivas sob exame é o específico, ou elemento subjetivo do tipo, no dizer dos finalistas. Se não fosse assim, realmente, o conteúdo ficaria totalmente esvaziado. A responsabilidade, então, decorre de se proceder de acordo com a lei, como seria peculiar a agentes da segurança pública. 34. A figura típica, pois, considerada objetivamente, existe. De certa forma, a própria defesa a admite ao tentar justificar a ocorrência com argumentação sobre a pretendida conduta anterior irreprovável dos acusados, sua primariedade e bons antecedentes, chegando-se, inclusive, ao pedido de clemência. Inexistem, por outro lado, alegações isentivas da antijuridicidade ou da culpabilidade. Existem, portanto, condições de condenabilidade. 35. Perpetraram, assim, os acusados CARLOS CÉZAR RESENDE FREITAS, JOSÉ KLÉBER DE SOUZA SILVA, CARLOS ANTÔNIO DA SILVA e JOSÉ GALVÃO FILHO, o delito de roubo qualificado (CP, art. 157 e § 2º, incisos I, II e III), porque subtraíram em proveito próprio a importância de R$ 11.250,00 (onze mil duzentos e cinqüenta reais) da ECT, destinada ao pagamento de segurados da Previdência Social, mais outros pertences da empresa, mediante grave ameaça as pessoas dos transportadores e depois de havê-las reduzido à impossibilidade de resistência, restando indagar-se sobre a participação dos denunciados no crime de corrupção de menores (Lei nº 2.252, de 1.7.1954, art. 1º), por envolverem no delito o menor JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA, cooptado para a empreitada criminosa. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 283 36. Relativamente ao delito de corrupção de menores, devo registrar, por importante, que não existem indicações objetivas expressas de que tivessem todos os réus conhecimento sobre a menoridade de JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA, com exceção de JOSÉ GALVÃO FILHO, que era seu amigo e costumava jogar bola com o menor. Na realidade, nada apontava no sentido de que o referido partícipe dos fatos contasse menos de 18 (dezoito) anos de idade, tanto assim que foi o mesmo utilizado sem qualquer restrição pelos “maiores” para fazer-se passar por policial, com absoluto sucesso. A imputação desse crime, pois, em que pese fundar-se no elemento idade, dado objetivo do tipo penal, exige o conhecimento sobre essa circunstância, não devidamente provada quanto aos réus a ponto de autorizar a condenação, exceto com relação ao acusado JOSÉ GALVÃO FILHO. Nesse sentido, as afirmações sobre a existência de bigode e sobre o porte físico de adulto, capaz de utilizar-se de roupas de policiais militares, sem qualquer necessidade de ajustes. 37. Por tais razões, considero que CARLOS CÉZAR RESENDE DE FREITAS, JOSÉ KLÉBER DE SOUZA SILVA, CARLOS ANTONIO DA SILVA e JOSÉ GALVÃO FILHO praticaram o crime de roubo qualificado, subtraindo da Empresa de Correios e Telégrafos - ECT a importância de R$ 11.520,00 (onze mil e quinhentos e vinte reais), incorrendo no crime previsto no art. 157 e § 2º, inciso I, II e III, do Código Penal. O último réu, JOSÉ GALVÃO FILHO, deve ainda ser responsabilizado pelo delito de corrupção de menores, por ter envolvido o adolescente JÚNIOR SEBASTIÃO DA SILVA na ação criminosa, de acordo com o art. 1º da Lei nº 2.252, de 1.7.1954. Já SEBASTIÃO PEREIRA DA SILVA não participou de nenhum dos crimes, não sendo responsável pela receptação imputada na denúncia, uma vez que a aquisição dos bens encontrados na sua residência fora feita pelo filho JÚNIOR. Procede, pois, apenas em parte, a denúncia. 38. É certo, entretanto, que os acusados são primários e apresentam bons antecedentes, não tendo embaraçado a instrução criminal (até porque permaneceram presos preventivamente). Quando encontrados em delito, devolveram parte dos valores subtraídos e colaboraram com o esclarecimento do crime, confessando a sua autoria, sem a qual haveria dificuldades para a persecução penal, embora não antes das investigações apontarem para a iminente solução do mistério. Por outro lado, a sofisticação da trama e a execução dos atos que culminaram no ilícito, bem assim o desprezo demonstrado pela ação dessas pessoas, responsáveis justamente pela segurança da comunidade em que viviam, indicam um grau de periculosidade além dos padrões reais colhidos na sociedade em que vivem os réus, motivo pelo qual permanecem até hoje detidos preventivamente. 39. E não incidem as agravantes previstas no Código Penal, art. 61, inciso II, alínea “c” (“ter o agente cometido o crime... à traição, emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido”), em virtude de constar essa elementar do tipo descrito no próprio art. 157 do CPB; ou alínea “f” do mesmo dispositivo e Diploma (“com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão”), em face de não se apresentarem os agentes militares da PM no exercício da função policial. Mas incorreram os réus nas agravantes do art. 62 do CPB, uma vez que cada um teve enquadramento específico nos diversos incisos do artigo citado: CARLOS CÉZAR, quando menos, porque na qualidade de superior dos policiais militares envolvidos, incitou-os à ação, sendo ainda um dos responsáveis pela organização e direção desta; JOSÉ KLÉBER, pelo fato de haver coordenado a execução, a partilha do dinheiro e o retorno dos agentes à cidade depois do crime; todos, pelo fato de sua participação mediante expectativa de recompensa em dinheiro. 40. A atenuante do art. 65, inciso I, do CPB, concedida pela Lei aos réus menores de vinte e um anos, por sua vez, não aproveita aos acusados, como parece sugerir o d. representante ministerial em suas alegações finais de fls. 259/261. Na verdade, 284 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba embora relativamente jovens os agentes, com idade variando de vinte a quatro a trinta e um anos, não contempla o dispositivo esse benefício além da idade de vinte e um anos. A referência também feita pelo d. MPF ao art. 16, do CPP, para justificar os benefícios do art. 65, inciso III, alíneas “b” e “d” (“ter o agente... procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;... confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;”) não justifica igualmente a redução de um a dois terços prevista naquele dispositivo (art. 16), embora autorize as atenuações pretendidas. Isso porque tal artigo apenas aproveita àqueles crimes praticados “sem violência ou grave ameaça à pessoa”. De qualquer sorte, a atenuação tão somente abrange o crime de roubo, já que dificilmente se poderá reconhecê-la nos casos de corrupção de menores, que constitui a outra hipótese dos autos. 41. Por fim, cabe consignar, em ratificação ao já suficientemente exposto, o completo e total desprezo moral e profissional manifestado pela ação dos réus integrantes da Polícia Militar do Estado da Paraíba, cujo dever de manutenção da ordem e da segurança pública foi ultrajado de maneira grave, constituindo-se causa de suas exclusões da Corporação em referência. Com efeito, a pena fixada em concreto em relação aos acusados na situação indicada soma em relação a cada um o mínimo de 5 (cinco) anos, justificando inteiramente a perda ora decretada, nos termos do art. 92, inciso I, da Lei Substantiva Penal. 42. Realmente, não se pode admitir que indivíduos treinados pelo Estado para o exercício de múnus relevantíssimo, consubstanciado na prestação do serviço de segurança pública, venham a utilizar-se desses estratégicos conhecimentos para a prática de crimes gravíssimos e ainda possam permanecer incorporados à instituição policial. Até mesmo para expurgar da briosa PM os maus elementos que a denigrem e, por conseqüência, atingem com a sua ação negativa a própria sociedade. III - DISPOSITIVO (CPP, art. 381, V) 43. ISSO POSTO, com base nos arts. 59 e 60, do CPB, e 387, do CPP, bem assim levando em conta a culpabilidade, a primariedade, os bons antecedentes, a conduta social e a personalidade dos agentes, conforme exposto na fundamentação, hei por bem condenar os réus CARLOS CÉZAR RESENDE DE FREITAS, JOSÉ KLÉBER DE SOUZA SILVA, CARLOS ANTÔNIO DA SILVA e JOSÉ GALVÃO FILHO à pena de reclusão e multa pelo crime de roubo qualificado previsto no art. 157, § 2º, do CPB, fixando-lhes a pena-base em 5 (cinco) anos e a multa individual em R$ 166,66 (cento e sessenta e seis reais e sessenta e seis centavos), correspondente a 50 (cinqüenta) dias multa de valor igual, cada dia, a 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato (agosto de 1995), que deverá ser devidamente atualizado pelos índices oficiais de correção monetária, quando da execução (CP, art. 49, § 2º). Condeno ainda o réu JOSÉ GALVÃO FILHO à pena de reclusão pela prática de corrupção de menores disposta no art. 1º da Lei nº 2.252/54, fixando-lhe a pena-base de 1 (um) ano, mais multa de R$ 33,33 (trinta e três reais e trinta e três centavos), correspondente a 10 (dez) dias multa de valor também igual, cada dia, a 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato (agosto de 1995), que deverá ser atualizado na forma já mencionada anteriormente. Condeno-os, ainda, nas custas processuais. 44. Absolvo SEBASTIÃO PEREIRA DA SILVA, por inexistir prova de ter esse réu concorrido para a infração penal, nos termos do art. 386, inciso IV, do CPP. 45. Reconhecendo quanto aos réus do crime de roubo a existência das agravantes de que trata o art. 62, incisos I, II, III e IV, do Código Penal e das atenuantes do art. 65, inciso III, letras “b” e “d”, do mesmo Diploma, e não vislumbrando preponderância entre umas e outras, mantenho inalterada a pena nesta segunda fase e passo à dosimetria da pena Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 285 nos termos do art. 68 do mesmo Diploma legal, para acrescer a pena em 1/3 (um terço) pela causa especial de aumento do § 2º do art. 157, uma vez enquadrados os agentes em todos os incisos desse dispositivo e torno a mesma definitiva em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses. Em relação ao crime de corrupção de menores praticado por JOSÉ GALVÃO FILHO, por não vislumbrar a existência de agravantes ou atenuantes a considerar, nem de causas de aumento ou diminuição geral ou especial de pena, torno-a definitiva em 1 (um) ano. Tais penas são as que julgo suficientes para reprimir e prevenir as condutas delituosas e terão regime inicial de cumprimento semi-aberto, relativamente às penas privativas de liberdade. 46. Deixo de substituir a pena privativa de liberdade ou de manifestar-me sobre a suspensão condicional da pena (sursis), nos termos do art. 43, inciso I, 44 e 46 e 77 do Código Penal, em face de não se apresentarem passíveis de concessão no processo tais benefícios, em face do total da pena imposta. 47. Inaplicável o disposto no art. 594 do Código Penal em razão da prisão provisória decretada, devendo os réus condenados permanecerem enclausurados, de acordo com precedentes do C. STF (RHC nº 54.430, DJU 26.11.1976, pág. 10103, cit. DAMÁSIO, Código de Processo Penal Anotado, Saraiva, 12ª edição, 1995, pág. 416). 48. Recomendem-se os réus na prisão onde se encontram e, trânsita em julgado esta sentença, convertam-se ao patrimônio da União os bens apreendidos e não reclamados, ressalvado o direito de terceiros, comunique-se ao Estado da Paraíba para fins de perda dos cargos em relação aos réus policiais militares e lancem-se seus nomes no rol dos culpados. 49. Oficie-se ao MM. Juízo de Direito da Comarca de Catolé do Rocha, para os fins determinados no item 14 desta sentença, remetendo-lhe cópia desta. P. R. I. João Pessoa, 8 de agosto de 1996. JANÍLSON BEZERRA DE SIQUEIRA Juiz Federal da 1ª Vara, em exercício 286 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba CALÚNIA - LEI DE IMPRENSA Processo nº 098 / AÇÃO PENAL Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Réu: CARLOS DAVID DE CARVALHO LOBÃO SENTENÇA EMENTA: PENAL. DENÚNCIA POR DELITO DE CALÚNIA, NOS TERMOS DO ART.138, DO CP. EMENDATIO LIBELLI. ENQUADRAMENTO DA CONDUTA DELITIVA DO ACUSADO NO ART.20, DA LEI Nº 5.250/67, LEI DE IMPRENSA. 1.Crime contra a honra, calúnia, cometido através de programa de rádio, que se traduz num veículo de comunicação, enquadrando-se a conduta delitiva do acusado, em delito previsto na Lei de Imprensa. 2.Operou-se a prescrição do delito de imprensa, pois já transcorridos mais de 2 (dois) anos entre a data do recebimento da denúncia, que se deu em 23/11/93, (fls. 95), e a presente data, (26/04/96), impondo-se a declaração de extinção da punibilidade, pelo reconhecimento da prescrição, nos termos do art. 107, IV, do CP. DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. O ilustre representante do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia contra CARLOS DAVID DE CARVALHO LOBÃO dando-o como incurso nos arts.138 e 141,II, ambos do Código Penal. Recebida a denúncia, o acusado foi citado e interrogado na forma da lei, fls.106, 106 verso. A defesa, em alegações prévias de fls. 99/100, sustentou que não são verdadeiros os fatos descritos na denúncia. Depoimento de testemunhas de acusação, às 108,109. Inquirição de testemunhas de defesa, às fls. 117 a119. Quanto à fase do art. 499 do CPP, inexistiu requerimento de diligências pelas partes. O parquet, em alegações finais, às fls.121 e 122, requereu a improcedência da ação para absolver o acusado, sustentando a atipicidade dos fatos descritos na denúncia. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 287 A defesa, por seu turno, sustentou a tese de ausência de dolo específico. Os antecedentes do denunciado, às fls. 127, atestam a situação de primariedade. Assim relatados, decido. O acusado foi incurso nas penas dos arts.138 e 141,II, ambos do Código Penal, por ter imputado falsamente fato definido como crime, atingindo a honra objetiva de funcionário público em lato sensu (Juiz Eleitoral), em razões de suas funções. A conduta delitiva do acusado deu-se por volta das 12:10 horas, em 06/ 10/92, quando,no Programa “A Hora do povo na TV”, fez referências à atuação do MM. Juiz de Direito, investido da função eleitoral, imputando-lhe o delito de prevaricação, nos termos do art. 319, do CP. A Legislação Penal prevê, em seu art. 138, o crime de calúnia, como sendo a imputação falsa de fato definido como crime. O texto da Lei nº 5.250/67, em seu art.20, também prevê o mesmo tipo legal, aplicando-se, porém, quando cometido através de veículo de comunicação. Ora, as afirmações, que atribuíram ao Magistrado a prática de delito, foram veiculadas através de Programa de Rádio, “A Hora do Povo na TV”, promovido pela TV Borborema em Campina Grande, Paraíba. Caracterizando-se, pois, delito de imprensa, definido em Lei Extravagante, e não crime previsto no Código Penal, art.138, como entendeu o parquet. A Lei de Imprensa, (Lei nº 5.250/67), prevê delitos contra a honra (calúnia, difamação e injúria), praticados por veículos de comunicação, que pode ser o jornal, periódicos, revistas, rádio, cinema e televisão, pois, segundo a Eminente Jurista DARCY ARRUDA MIRANDA, os delitos previstos na Lei de Imprensa, não se restringem àqueles praticados apenas por jornais, revistas e periódicos, senão vejamos, in verbis: “E assim, já agora, não se pode separar o jornal escrito do falado pelo rádio, do jornal falado e ilustrado pelo cinema e pela televisão. A diferença está apenas na forma material, no produtor e no veículo que para o jornal é a máquina impressora e são as folhas esparsas, e para o rádio, cinema e a televisão são os microfones e a tela.”(In Comentários à Lei de Imprensa, Editora Revista dos Tribunais,3ª Edição, pág.54). Por estas considerações, entendo que a conduta delitiva do acusado enquadra-se na hipótese prevista no art.20, da Lei de Impresa, pois os delitos insertos nesta Lei podem ser praticados por vários meios de comunicação, inclusive através de Programas de Rádio, como se verificou no caso vertente. Estamos, pois, diante da emendatio libelli, prevista no art.383, do CPP, que faculta ao magistrado dar definição jurídica diversa daquela contida na denúncia, nos casos em que, na peça acusatória, o parquet descreve perfeitamente o fato concreto de determinado crime, e dá-lhe qualificação diversa, pois como já se sabe o acusado defende-se dos fatos contidos na denúncia e não da capitulação dada pelo órgão ministerial. Convém ressaltar que nenhum prejuízo sofreu a defesa, pelo estabelecimento do rito comum e não especial, pelo contrário, pois aquele importa em prazos mais abrangentes do que o previsto na Lei Extravagante. 288 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Verifica-se que, in casu, em sendo crime de imprensa, a prescrição da pretensão punitiva é sempre de 2 (dois) anos, conforme se vê da leitura do art. 41, da Lei de Imprensa, não importando a pena máxima cominada ao crime, a exemplo do delito previsto no art. 14, desta Lei,que fixa o limite máximo da pena em 04 (quatro) anos. No tocante ao delito de calúnia, previsto na Lei de Imprensa, operou-se a prescrição da pretensão punitiva, nos termos dos arts. 109 e 117, ambos do CP, pois já transcorridos mais de 2 (dois) anos entre a data do recebimento da denúncia, que se deu em 23/11/93,(fls. 95), e a presente data, (26/04/96). E considerando que a prescrição é matéria de ordem pública, podendo ser declarada de ofício, e em qualquer grau de jurisdição, (art. 61, do CPP), declaro extinta a punibilidade do crime de calúnia, previsto no art.20, da Lei nº 5.250/67, imputado ao acusado na denúncia. Diante do exposto, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE do delito de calúnia, previsto na Lei nº 5.250/67, em seu art.20, imputado ao denunciado na peça inaugural, face ao reconhecimento da prescrição, em conformidade com o art.107, inciso IV, do CP. Transcorrido o prazo recursal, dê-se baixa na distribuição, comunicandose ao D.P.F. P.R.I. João Pessoa, 26 de abril de 1996. CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ Juíza Federal Substituta da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 289 FURTO - CONCURSO DE AGENTES Processo nº 96 / AÇÃO PENAL Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Réu: SEVERINO FERNANDES DA SILVA E OUTROS. SENTENÇA EMENTA: PENAL. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES. EXISTÊNCIA DE CONTINUIDADE DELITIVA. INFRAÇÃO QUE RESTOU SATISFATORIAMENTE COMPROVADA NESTES AUTOS. CRIME DE RECEPTAÇÃO CULPOSA. CONFIGURAÇÃO NA FORMA TENTADA, O QUE É INADMISSÍVEL EM DELITOS CULPOSOS. ABSOLVIÇÃO. 1. Restou provado o furto qualificado, pelo concurso de agentes, praticado pelos denunciados SEVERINO FERNANDES DA SILVA e DJACI ALVES DA SILVA, e caracterizada a continuidade delitiva, nos termos do art.71, da Lei Substantiva Penal. 2. O delito de receptação dolosa imputado ao acusado SEVERINO PEREIRA DA SILVA não restou provado nestes autos, uma vez que não comprovada a existência do dolo direto, ou seja, que o agente sabia a procedência criminosa da mercadoria que iria receber como pagamento pelo transporte das mercadorias subtraídas. 3. Não se configurando a receptação em sua modalidade dolosa, desclassifica-se o delito para a forma culposa, se o agente não tomou os cuidados necessários para averiguação da procedência da mercadoria que iria receber. 4. Como o delito de receptação culposa não se consumou, enquadrandose na forma tentada do delito, o que é inadmissível em delitos culposos, impõe-se a absolvição, nos termos do art. 386, inciso III, do Código Penal. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO EM PARTE. Cuida-se de ação penal, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra SEVERINO FERNANDES DA SILVA, DJACI ALVES DA SILVA, SEVERINO PEREIRA DA SILVA, estando os dois primeiros denunciados incursos nas sanções do art.155, parágrafo 4º, inciso IV, c/c o art.71, ambos do Código Penal e o último incurso nas penas do art. 180, da Lei Substantiva Penal. Recebida a denúncia, os acusados SEVERINO FERNANDES DA SILVA e DJACI ALVES DA SILVA foram citados por edital, fls.76 verso, sendo decretada a revelia deles às fls.79. O acusado SEVERINO PEREIRA DA SILVA, foi citado e interrogado na forma da lei. 290 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba A defesa, em alegações prévias, reservou-se a apresentar o rol de testemunhas. Depoimento de testemunha da acusação, às fls. 96 a 98. Ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa, às fls.105 e 106. O parquet, em alegações finais, às fls.109, requereu a procedência da denúncia para condenar os acusados, sustentado que a materialidade e autoria do delito estão sobejamente comprovadas nestes autos. A defesa, por seu turno, requereu a improcedência da denúncia. Os antecedentes dos denunciados, às fls. 120, atestam situação de primariedade. Assim relatados, decido. Os acusados SEVERINO FERNANDES DA SILVA e DJACI ALVES DA SILVA foram incursos nas penas do art.155, parágrafo 4º, inciso IV, c/c o art.71, ambos do Código Penal e SEVERINO PEREIRA DA SILVA enquadrado nas sanções do art.180, da Lei Substantiva Penal, por terem, os dois primeiros acusados, em três oportunidades, adentrado no interior dos armazéns da CONAB- Companhia Nacional de Abastecimento, e subtraído mercadorias de natureza alimentícia, agindo,sempre, em conluio. Quanto a Severino Pereira da Silva foi denunciado por ter tentado receber, em proveito próprio, coisa que sabia ser produto de crime. A materialidade do delito de furto qualificado encontra-se sobejamente comprovada às fls. 08, através de relatório da CONAB, que discrimina as mercadorias subtraídas, assim como mediante confissão dos acusados, na fase policial, enumerando as mercadorias, produtos do crime, fls.37 verso e 42. No tocante à autoria do delito de furto qualificado, é evidente a imputação do fato delituoso aos denunciados SEVERINO FERNANDES DA SILVA e DJACI ALVES DA SILVA, uma vez que, na fase policial, confessaram o delito, fls. 37 e 42, senão vejamos os depoimentos, in verbis; (DEPOIMENTO DE SEVERINO FERNANDES DA SILVA) “...que a última vez que estiveram no armazém da CONAB retiraram 06 (seis) sacos de feijão e 03 (três) caixas de peixe enlatado...” (DEPOIMENTO DE DJACI ALVES DA SILVA) “... que realmente participou do furto de mercadorias da antiga CIBRAZEM, hoje CONAB, ocorrido a partir do carnaval deste ano...” Quanto à continuidade delitiva, também restou provada, pois, conforme depoimento de fls.43, em três oportunidades os acusados, SEVERINO FERNANDES DA SILVA e DJACI ALVES DA SILVA, adentraram nas dependências da CONAB e subtraíram as mercadorias descritas às fls.08, que pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes havidos como continuação do primeiro, aplicando-se o art. 71, do CP. No tocante à caracterização da co-autoria, restou induvidosa, pois Severino Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 291 Fernandes da Silva e Djaci Alves da Silva conforme se infere do depoimento de fls.43, agiram em conluio, a qualificar o delito de furto, enquadrando-o no art. 155, parágrafo 4º, inciso IV, do Código Penal, senão vejamos, in verbis: (DEPOIMENTO DE DJACI ALVES DA SILVA) “...que entrou no armazém da CONAB em três ocasiões e em todas elas estava acompanhado do seu amigo SEVERINO FERNANDES DA SILVA...” Convém ressaltar que o delito verificou-se na calada da noite, entretanto não se aplica a qualificadora de repouso noturno, uma vez que esta qualificadora apenas tem incidência quanto à figura do furto simples, capitulado no art.155, caput e não quanto ao furto qualificado, nos termos do art.155, parágrafo 4º, inciso IV, do Código Penal, que é a hipótese dos autos. Quanto ao reconhecimento da qualificadora inserta no art.155, inciso III, do CP, chave falsa, conforme se infere do depoimento de fls.36 abaixo transcrito, tecerei comentários a respeito, senão vejamos, in verbis: (DEPOIMENTO DO AGENTE DA POLÍCIA FEDERAL- ANTÔNIO EPAMINONDAS DE BARROS FRANÇA) “... que, durante o trajeto de viagem de Carrapateira do Piancó a Campina Grande/PB, o elemento “Didi Loneiro”, (DJACI ALVES DA SILVA) confessou ao depoente e aos demais colegas de trabalho, em detalhes, como tinha penetrado com chaves falsas, Michas, no interior da CONAB, por três vezes, sempre na companhia do “BIU” (SEVERINO FERNANDES DA SILVA)...” Entretanto, apesar da utilização da Micha para a abertura das portas dos armazéns da CONAB, entendo não se tratar de chave falsa, pois chave falsa é aquela que não é verdadeira e que tem aparência de chave, logo a micha não pode ser enquadrada nesta hipótese, uma vez que não possui nenhuma similitude com a chave. “Não qualifica o emprego de micha para acionar moto.”(TACrSP, Julgados 96/177). “Chave falsa, como é referida no n.III, do parágrafo 4º, do art.155, no CP, é chave mesmo, não se equiparando o objeto cujo labor do agente conduziu ao contorno da chave. Mas a micha sequer se assemelha à chave.” (TACRIM-SP-AC-Rel. Camargo Sampaio - JUTACRIM 73/396). Igualmente, não se considera a qualificadora de destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa, nos termos do art. 155, parágrafo 4º, do Código Penal, declarado às fls.97, pela testemunha ZACARIAS HENRIQUE CAVALCANTE, que alegou que: “as ocorrências não foram praticadas com arrombamentos e destruição exceto uma delas que teve serrado um dispositivo de segurança colocado para impedir o crime”, pois neste caso é imprescindível a feitura do laudo pericial, uma vez que se trata de delito que deixa vestígios, aplicando-se o art.158, do CPP. Acosto Jurisprudência dominante para respaldar a tese defendida, in verbis: “Laudo pericial é indispensável para o reconhecimento da qualificativa de destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa. (TAMG Ac- Rel. Elisson Guimarães- RJTAMG 21/3363).” “Sem regular exame pericial, impossível se torna o reconhecimento da qualificadora do rompimento de obstáculo à subtração da coisa, 292 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba sendo aliás, pacífica a jurisprudência nesse sentido. (TACRIM-SPAC-Rel. Lustosa Goulart - JUTACRIM 9944/236).” No tocante ao delito previsto no art. 180, do CP, de receptação dolosa, imputado ao denunciado SEVERINO PEREIRA DA SILVA, entendo que o delito não restou provado em sua modalidade dolosa, pois para a configuração do delito de receptação, nesta modalidade, é imprescindível a existência do dolo direto, ou seja, que o agente sabia da procedência criminosa da mercadoria adquirida ou recebida, o que não restou provado nos presentes autos, pois da instrução criminal colhe-se que pairou dúvidas a respeito do conhecimento, pelo agente, da origem delitiva da mercadoria que iria receber pelo pagamento do transporte das mercadorias subtraídas (um saco de feijão, fls. 48), senão vejamos, in verbis: (DEPOIMENTO DE SEVERINO PEREIRA DA SILVA - FASE PROCESSUAL, fls. 88/89) “... que a mercadoria a ser transportada seria segundo o Sr. Didi um feijão que teria adquirido numa transação...” “... que somente por ocasião de sua prisão é que veio saber que a mercadoria era produto de crime...” (DEPOIMENTO DE SEVERINO PEREIRA DA SILVA - FASE POLICIAL, fls. 48) “... que nesse exato momento o interrogado desconfiou que poderia tratarse de algo irregular...” Sabe-se que o fato delituoso deve está satisfatoriamente comprovado nos autos, existindo dúvidas a respeito da autoria e materialidade delitiva, deve-se ser aplicado o princípio do in dubio pro réu, afastando-se, desse modo, o delito de receptação dolosa imputado ao denunciado SEVERINO PEREIRA DA SILVA. Ocorre que nesses casos, em não havendo elementos para a condenação em receptação dolosa, desclassifica-se para a receptação culposa, se o agente não tomou os cuidados necessários para a averiguação da origem da coisa recebida ou adquirida, uma vez que, pelas condições do lugar onde seria realizada a operação, (“no meio do mato”) a hora, (à noite) deveria ter previsto que se tratava de mercadorias, produtos de crimes, senão vejamos, entendimento jurisprudencial, in verbis: “Não provada a dolosidade na aquisição do objeto furtado, mas sendo manifesta a inadvertência do adquirente, desclassifica-se sua ação para o tipo delituoso do parágrafo primeiro do art.180 do CP.” (TJMT-AC - Rel. Erasmo do Couto- RT 502/348). Não obstante a caracterização do delito de receptação culposa imputado ao acusado SEVERINO PEREIRA DA SILVA, tal delito não se consumou, configurando-se, desse modo, a figura da tentativa, prevista no art.14, inciso II, do CP. Ora é inadmissível tentativa em delitos culposos, restando a conduta do agente atípica, impondo-se a sua absolvição, nos termos do art.386, inciso III, do CPP. Diante do disposto, julgo procedente, em parte, a denúncia para absolver o acusado SEVERINO PEREIRA DA SILVA da imputação que lhe é feita na denúncia, e para condenar os acusados SEVERINO FERNANDES DA SILVA e DJACI ALVES DA SILVA, nos termos do art. 155, parágrafo 4º, inciso IV, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, e, atendendo à regra do art.59 do Código Penal, fixo a pena base em 02 (dois) anos de reclusão. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 293 Considerando que os condenados são primários e de bons antecedentes, assim como, a moderação do dolo, e tendo em vista que inexistem circunstâncias agravantes e presente circunstância atenuante, nos termos do art. 65,inciso III, alínea d, do Código Penal, da confissões dos acusados, verificadas às fls.37/38 e 47/48 que deixo de aplicá-la, uma vez que a pena-base foi fixada no mínimo legal, hipótese em que não incidem circunstâncias legais (atenuantes ou agravantes), pois as penas não podem ser aplicadas fora dos limites previstos pela lei penal, em razão de circunstâncias legais, mas sim, em razão das causas especiais de aumento e diminuição da pena. Respaldo este entendimento em Jurisprudência dominante, in verbis: “As penas não podem ser aplicadas fora dos limites previstos pela lei penal, em razão de circunstâncias atenuantes ou agravantes. Tão só por força de causas de aumento ou diminuição, esses limites podem ser ultrapassados, porque, em casos que tais, ocorre o surgimento de uma subespécie delituosa, com um novo mínimo e novo máximo”. (TACRIMSP- AC- Rel. Reynaldo Ayrosa - BMJ 26/20). Ausente causa de diminuição de pena, mas presente causa de aumento de pena, prevista na parte geral do CP, em seu art. 71, razão pela qual aumento a pena-base, inicialmente fixada em 02 (dois) anos de reclusão, em 1/6 (um sexto), tornando-a definitiva em 2 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Condeno, ainda, os acusados, SEVERINO FERNANDES DA SILVA e DJACI ALVES DA SILVA, à pena pecuniária de 10 (dez) dias multa à razão de 1/30 (um, trinta avos), o dia multa, referente ao salário mínimo vigente à época do fato criminoso descrito na denúncia. O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade imposta aos condenados é o aberto, sendo executada a pena em dependência adequada da Penitenciária Média de Mangabeira desta capital. Passada em julgado a presente condenação, lance-se o nome dos condenados no livro “Rol dos Culpados”, podendo, entretanto, recorrerem em liberdade (art. 594, do CPC). Ajunte-se à presente condenação a concernente ao pagamento das custas do processo. Comunicações necessárias. P.R.I. João Pessoa, 16 de maio de 1996. CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ Juíza Federal Substituta da 3ª Vara 294 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba FALSO TESTEMUNHO Processo nº 93.12016-6 / AÇÃO PENAL Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réu: SEVERINO BARBOSA DA SILVA SENTENÇA EMENTA: PENAL. CRIME DE FALSO TESTEMUNHO. Não comete o crime de falso testemunho a testemunha que, por falsa percepção da realidade, faz afirmação que não lhe corresponde. Ademais, no caso concreto, não vislumbrado o dolo específico consistente no propósito deliberado de falsear a verdade, nem o potencial lesivo, por incidir a afirmação em fato não juridicamente relevante. Rejeição da denúncia. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia contra SEVERINO BARBOSA DA SILVA, qualificado nos autos, tendo-o como incurso nas penas do art. 342, caput, do Código Penal. Segundo a denúncia: “1. No dia 06 de maio do corrente ano (1993), o denunciado prestou depoimento durante audiência trabalhista que se desenrolava na Junta de Conciliação e Julgamento, no município de Mamanguape-PB, na condição de testemunha do reclamado, ocasião em que falseou a verdade, para, em tese, favorecer a parte que o tinha arrolado como testemunha de defesa. 2. O falso testemunho restou perceptível a partir do momento em que o denunciado, mesmo com oportunidade de se retratar, voltou a insistir que a parte reclamante teria trabalhado na Fazenda Sapucaí, no município de Rio Tinto-PB, no plantio de cana de açúcar, quando, pelas demais testemunhas, ficou provado que o autor da demanda prestara seu labor na Fazenda Miranda, em Mamanguape-PB; 3. O denunciado só veio a reconhecer o seu erro, já no IPL, e ainda assim o atribuindo ao fato do reclamante, de nome Reginaldo Simão da Silva, muito embora tenha trabalhado na Fazenda Miranda, em sua carteira de trabalho consta o seu registro como empregado da Fazenda Sapucaí, ambas pertencentes a um mesmo proprietário, o que será devidamente esclarecido no decorrer da instrução criminal.” Recebida a denúncia, em 11.11.93 (fls. 33), foi expedida Precatória citatória, às fls.36. Interrogado (fls. 37 e verso), sustentou o denunciado não ter agido com Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 295 dolo, pois ao afirmar que o reclamante trabalhava na Fazenda Sapucaí, quando na realidade trabalhava na Fazenda Miranda, levou em consideração as anotações constantes da sua CTPS. Defesa prévia (fls. 40), pugna pela extinção da punibilidade, em razão da retratação levada a cabo antes da prolação da sentença. Expedida Carta Precatória para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, foi tomado o depoimento de ODAIR ALVES DA SILVA (fls. 61), que alegou desconhecer o reclamante. Quanto às demais testemunhas, SEVERINO FRANCISCO DE LIMA e CARLOS ANTONIO DA SILVA, não localizadas (cf. certidão de fls. 60 verso), foram dispensadas pelo Órgão Ministerial (fls. 63 verso). Deprecada a inquirição das testemunhas da defesa, foi colhido o depoimento de JOSÉ MATIAS DE LIMA, nos seguintes termos: “Que o Sr. Reginaldo Simão da Silva, reclamante, no processo trabalhista, trabalhava junto à Faz. Miranda, e não na Faz. Sapucaí; que acha ter sido um engano do acusado, ao afirmar que o reclamante supra citado trabalhava na Faz.Sapucaí, pois é comum mesmo trabalhando na Faz. Miranda, os funcionários desta prestar serviços de emergências na Faz. Sapucaí, assim e neste ponto, conclui-se pelo motivo do engano, ademais ambas as Fazendas são do mesmo proprietário; que assim que tomou conhecimento, o acusado, da realidade de seu engano, procurou a Justiça a fim de se retratar, e esclarecer a verdade dos fatos;... que existem casos em que o empregado é registrado nos termos da lei trabalhista como vinculado a uma fazenda, entretanto trabalha em outra, como o caso do Sr. Reginaldo, que era registrado na Faz. Sapucaí, e trabalhava na Faz. Miranda; da mesma forma o depoente tem sua carteira registrada como prestando serviços a Faz. Nossa Senhora de Lourdes, quando na realidade desempenha suas atividades na Fazenda Miranda”. Face o não comparecimento das testemunhas restantes, foi deferida a dispensa de seu depoimento. Na fase no art. 499, do CPP, nada foi requerido. Em alegações finais, o Ministério Público Federal requereu a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, III, do CPP, aduzindo, em resumo, que a contradição no depoimento do acusado não resultou de má fé, além de haver recaído sobre fato juridicamente irrelevante, sem potencial lesivo. Não apresentadas alegações finais, pela defesa, no prazo legal, foi determinada a intimação do denunciado para constituir novo defensor, sobrevindo as alegações de fls. 89/90, sustentando a primariedade do acusado e inexistência de prova do cometimento do crime descrito na denúncia. Os antecedentes criminais do acusado atestam sua condição de primariedade. Relatados, DECIDO. O acusado foi arrolado como testemunha nos autos da Reclamação 296 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba Trabalhista movida por REGINALDO SIMÃO DA SILVA contra PAULO FERNANDO C. MORAIS, onde objetivado o recebimento do salário mínimo integral, férias, 13º salário, além das parcelas rescisórias não adimplidas, em razão da relação de emprego mantida no período de 01.03.92 a 25.01.93, conforme detalhado na Ata de Instrução e Julgamento de Reclamação nº 031/93, às fls. 15. Vê-se ainda daquele documento que o reclamado confirmou o vínculo empregatício, desconhecendo, entretanto, o período laboral declinado na exordial, este, portanto, o único ponto controverso, relevante para o deslinde da demanda. O tipo descrito no art. 342, do CP estatui que consiste falso testemunho ou falsa perícia fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. Comentando o dispositivo aludido, ALBERTO SILVA FRANCO, JOSÉ SILVA JÚNIOR, LUIS CARLOS BETANHO, RUI STOCO, SEBASTIÃO CARLOS FELTRIN, VICENTE CELSO DA ROCHA GUASTINI e WILSON NINNO, em Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 4ª ed., Editora Revista dos Tribunais, pág. 1772, assim se posicionam: “Sobre o que se deva entender aqui por falsidade, há duas teorias: a objetiva e a subjetiva. Segundo a primeira, falso é o testemunho quando o que foi dito não corresponde ao efetivamente sucedido. Pela segunda, é falso o que não está em correspondência com o que a testemunha percebeu. Num caso, faz-se referência ao que aconteceu: no outro, ao que a testemunha viu. Este último é o critério dominante, que remonta à lição de Carrara. ..................................................................................... Falso é o depoimento que não está em correspondência qualitativa ou quantitativa com o que a testemunha viu, percebeu ou ouviu. Conforme advertia Carrara, o critério de falsidade do testemunho não depende da relação entre o dito e a realidade, mas de relação entre o dito e o estado de consciência da testemunha.” Ora, o conjunto probatório é uníssono quanto ao fato de que o reclamante era empregado da Fazenda Sapucaí, apesar de trabalhar na Fazenda Miranda, daí perfeitamente crível que o acusado, testemunhando sobre o fato, ao afirmar que o reclamante trabalhava na Faz. Sapucaí, agiu movido pela percepção que tinha da realidade, posto que do seu conhecimento que constava da carteira profissional do reclamante a Fazenda Sapucaí. Mostram ainda os elementos de prova que ambas as fazendas - Sapucaí e Miranda - são propriedade do reclamado, Paulo Fernando C. Morais, sendo comum os trabalhadores de uma fazenda, prestarem serviços na outra, daí possível a qualquer um incorrer em equívoco quanto à real situação trabalhista do reclamante. Bastante elucidativo o depoimento da testemunha arrolada na defesa, quando afirma que: “...é comum mesmo trabalhando na Faz. Miranda, os funcionários desta prestam serviços de emergências na Faz. Sapucaí, assim e neste ponto, conclui-se pelo motivo do engano, ademais ambas as Fazendas são do mesmo proprietário; que assim que tomou conhecimento, o acusado, da realidade de seu engano, procurou a Justiça a fim de se retratar, e esclarecer a verdade dos fatos;... que existem casos em que o empregado é registrado nos termos da lei trabalhista como vinculado a uma fazenda, Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 297 entretanto trabalha em outra, como o caso do Sr. Reginaldo, que era registrado na Faz. Sapucaí, e trabalhava na Faz. Miranda; da mesma forma o depoente tem sua carteira registrada como prestando serviços à Faz. Nossa Senhora de Lourdes, quando na realidade desempenha suas atividades na Fazenda Miranda”. Ressalte-se que ainda que tivesse incorrido o acusado em mentira, esta não teria relevância jurídica, mas apenas censura moral, haja vista que sem nenhuma potencialidade lesiva à administração da Justiça. Com efeito, o ponto controverso que remanescia para deslinde, consistia em perquirir acerca do período efetivamente trabalhado pelo reclamante. Assim sendo, a pergunta formulada na instrução, que culminou na resposta do denunciado, não tem interesse direto ou indireto para o desfecho do processo, daí impossível o dano a ser causado pela simples troca do local de trabalho, levando-se, inclusive, em consideração, que ambas as fazendas pertenciam ao reclamado, Paulo Fernando C. Morais. Essa, também, a conclusão do eminente Procurador Regional da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira, verbis: “Destarte, se o depoimento falso do denunciado em nada influiu no resultado do litígio, não provocando nenhuma espécie de prejuízo, apesar da inexatidão, descaracterizado está o crime de falso testemunho, pois, é imprescindível para a tipificação do crime previsto no art. 342 do CP que a falsidade do testemunho diga respeito a fato juridicamente relevante e pertinente ao objeto do processo. A mais renomada jurisprudência comunga do nosso entendimento, senão vejamos: Se o depoimento acoimado de falso nenhuma influência teve no deslinde da causa, não há que falar, sequer em tese, no delito do art. 342 do CP, por não conter aquele qualquer potencialidade lesiva” (TJSP - RHC - Rel. Des. Xavier Homrich - RT 511/356) “Falsidade de testemunho, para que se considere criminosa, deve incidir sobre fato juridicamente relevante e pertinente ao objeto do processo de que se trate. Desaparece a ratio da incriminação se a falsidade versa super accidentalibus ou fatos estranhos ao thema probandum. Sem potencialidade lesiva, o falso testemunho será um ato imoral, mas não antijurídico” (TJSP - RHC - Rel. Des. Acácio Rebouças - RT 448/293). O dolo fica ainda excluído pelo comparecimento espontâneo do denunciado perante o MM. Juiz Trabalhista para desfazer o equívoco, quando dele tomou ciência, não se cogitando, entretanto, como bem realçou o Ministério Público, em se falar em extinção de punibilidade, porque sua retratação se deu após o julgamento da reclamatória. Isto posto, rejeito a denúncia e absolvo SEVERINO BARBOSA DA SILVA, com apoio no art. 386, III, do Código de Processo Penal, da imputação que lhe foi feita. P. R. Intimem-se. João Pessoa, 31 de maio de 1996. CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ Juíza Federal Substituta da 3ª Vara 298 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS Processo nº 93.04768-0 / AÇÃO PENAL Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réus: WALGHTON FERREIRA DE LIMA e WILSON ALVES SOUZA SENTENÇA EMENTA: PENAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO E ESTELIONATO. CONCURSO MATERIAL E DE AGENTES. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. APLICAÇÃO DA PENA. INTELIGÊNCIA DO ART. 70, DO CÓDIGO PENAL. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DENÚNCIA. 1- Concurso de agentes. Não demonstrado o liame psicológico, a adesão consciente e voluntária de estar contribuindo para o ato delituoso, não se há falar em co-autoria ou participação. 2- Falsidade ideológica e estelionato. O Cl. Supremo Tribunal Federal tem acenado com o entendimento de que há concurso formal quando a falsidade é meio para a prática de outro crime como o estelionato. Precedentes - STF - RE - Rel. Min. CARLOS MADEIRA - RT 636/445. O digno representante do Ministério Público Federal denunciou WALGHTON FERREIRA DE LIMA e WILSON ALVES SOUZA, qualificados nos autos, como incursos nas sanções dos arts. 29, 171, § 3º e 299, todos do Código Penal, por contribuírem ativamente para a falsificação de documentos em nome de Josilene Pereira Lima, Benedita Lima da Silva e Adeilza Maria de Souza, pessoas essas fictícias, com o intuito de fraudar o INSS, através de benefícios irregulares concedidos em homenagem aos documentos e declarações eivados de vícios. Recebida a denúncia, em 26.07.93, foram os acusados interrogados às fls. 154/155 e apresentadas suas defesas prévias às fls. 156/157, por advogado constituído na pessoa do Bel. Ananias Pordeus Gadêlha, nelas constando rol de testemunhas. A exordial arrolou uma única testemunha, de nome AGNALDO DE ALMEIDA BRAGA, ouvida através de precatória, na Comarca de Alexandria/RN, em cujo depoimento disse desconhecer a autoria dos fatos delituosos narrados na denúncia, nada podendo informar, nem por ouvir dizer. Das seis testemunhas arroladas pelas defesas dos acusados, apenas quatro foram ouvidas, de nomes: MANOEL FELIPE DAS NEVES, SEVERINO RAIMUNDO DA SILVA, PEDRO ALVES SARMENTO e JOVENTINO JOAQUIM DE ALENCAR, também por precatória inquisitória ao MM. Juízo da Comarca de Souza/PB, que declararam nada saber que desabonasse as condutas dos acusados, tidos como pessoas de bem e trabalhadoras. Dispensados os depoimentos de CLIDENOR JOSÉ DAS NEVES e FRANCISCO Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 299 ALVES DE SOUZA. Em diligências, as partes nada requiseram. Na fase do art. 500 do CPP, o Ministério Público pediu a condenação dos acusados, como incursos nos arts. 29, c.c. o art. 299, ambos do Código Penal, por restarem comprovadas a autoria e materialidade dos delitos, não havendo nenhuma excludente da criminalidade, deixando de pugnar pela condenação com relação ao crime de estelionato, por insuficiência probatória (fls. 198/199). A defesa dos acusados, por seu turno, pugnou pela absolvição, sustentando, em resumo, que não praticaram os atos que compõem a elementar dos tipos em que enquadrados (fls. 202/203). Requisitados os antecedentes criminais dos acusados, sobrevieram as certidões de fls. 207, 210 a 212, atestando sua situação de primariedade. Relatados, no essencial, DECIDO. WALGHTON FERREIRA DE LIMA e WILSON ALVES SOUZA foram acusados de terem praticado, em concurso material e de pessoas, os crimes de estelionato qualificado (art. 171, § 3º, CP) e falsidade ideológica (art. 299, CP). Segundo o art. 171, § 3º, do Código Penal, o crime de estelionato qualificado se configura quando alguém obtém para si ou para outrem vantagem ilícita, em prejuízo de entidade de direito público ou equiparada, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. A segunda figura delituosa, prevista no art. 299, também do Código Penal, é descrita como sendo o fato de alguém omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Segundo a denúncia, o acusado WALGHTON FERREIRA DE LIMA inseriu, em uma Folha de Informação Rural, declaração falsa, afirmando que Josilene Pereira Diniz era dependente de Francisco Dantas Diniz, seu empregado rural, tendo tal documento sido utilizado para a concessão de pensão previdenciária, em detrimento dos cofres da Previdência Social. WILSON ALVES DE SOUZA, por seu turno, segundo a acusação, na qualidade de representante do FUNRURAL, foi responsável pela concessão dos benefícios de Josilene Pereira Diniz, Benedita Lima da Silva e Adeilza Maria de Souza, com base em documentos ideologicamente falsos. Cumpre, pois, analisar, recorrendo aos elementos probatórios trazidos aos autos, se os denunciados cometeram, na realidade fática, as figuras típicas que lhes foram imputadas pelo Ministério Público Federal. Com relação ao denunciado WALGHTON FERREIRA DE LIMA, é certo que exsurge induvidosa a materialidade dos fatos descritos na denúncia - declaração ideologicamente falsa de fls. 43, criando obrigação para o ex-FUNRURAL e a obtenção de benefício fraudulento por terceiro, em prejuízo da autarquia. Quanto à autoria, resta comprovada 300 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba pelo laudo pericial de exame grafotécnico, apontando como do punho do acusado a assinatura no documento aludido, corroborada pela confissão na fase inquisitorial. Sem relevo, portanto, a tentativa de retratação quando do interrogatório judicial. Entendo, entretanto, que, apesar de delineados os aspectos extrínsecos dos delitos, não restou demonstrado o elemento subjetivo dos tipos penais descritos no estelionato qualificado e falsidade ideológica, isto é, a vontade livre e consciente de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (falsidade ideológica), com o fim de obter vantagem ilícita (estelionato). Transcrevo, para ilustrar, o interrogatório do denunciado, na fase extrajudicial (fls. 74 e verso): “... que nasceu neste Sítio, e nunca foi morar em outro local, visto ter montado aqui toda a sua família, mesmo porque vive da agricultura, juntamente com os integrantes de sua família: que mostrado neste momento a Folha de Informação Rural, onde consta uma fotografia de uma mulher de nome JOSILENE PEREIRA DINIZ, a qual teria sido sua empregada no período compreendido entre 1962 a 1985, no Sítio Vassoura, no Povoado de Casinha do Homem, não reconhece a mesma; que mostrado mais de uma vez como também para toda a sua família aqui presente, ninguém a reconheceu como sua moradora, todavia confere o número do seu CPF, o qual teria dado em data que não se recorda a um tal de “Zé Boió”, atualmente vereador na cidade de Santa Cruz; que reconhece a sua assinatura aposta na Folha de Informação Rural - fls. 43, todavia não sabe e nem se lembra aonde foi o local que assinou, muito menos quem lhe pediu para fazer tal coisa; que o único documento que lembra-se ter assinado foi para problemas com a escritura de sua casa, isto no Cartório do Tabelião Público FRANCISCO SOBREIRA DE OLIVEIRA E EM NENHUM OUTRO LOCAL MAIS...” No interrogatório judicial, o denunciado ratificou a declaração de que não conhecia a beneficiária da fraude, negando, inicialmente, a autoria da assinatura na Folha de Informação Rural de fls. 43, ressalvando, a final, a possibilidade de ter assinado tal documento a mando de alguém, que não se lembra. A única testemunha arrolada pela acusação, nada esclareceu sobre os fatos em apuração, restando contra o acusado, apenas, o fato de sua assinatura, em formulário padronizado da Previdência, no campo destinado ao empregador/declarante de Francisco Dantas Diniz (pág. 43 dos autos). Nada mais há nos autos que autorize o convencimento de que o denunciado tenha assinado tal documento com a vontade livre e consciente de induzir em erro os funcionários da autarquia previdenciária, com o fim de obter para Josilene Pereira Diniz, pessoa que lhe é estranha, benefício previdenciário indevido. Nenhum liame entre a conduta isolada do denunciado, apondo sua “assinatura”, na folha xerocopiada que lhe foi exibida, foi estabelecido com os momentos dos crimes consumados. Analfabeto e isolado com sua prole, no seu pedaço de chão, teria ele obtido êxito, nos cuidados normais que se exige ao homem comum, em aferir, através de terceiro, o real conteúdo do documento que estaria assinando? Ou foi mais uma vítima, em sua boa fé, uma “massa de manobra” de gente inescrupulosa? Teria ele realmente tomado conhecimento do vício que inquinava o documento e aderido à consumação do ilícito em conluio com o co-acusado? Com que objetivo? São indagações para as quais não encontro respostas na prova produzida. É cediço que inexistente o dolo específico de violar o conteúdo de valor Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 301 da norma, não se realiza o tipo penal, uma vez que, modernamente, não se pode recusar o conceito integrado de crime, a existência do elemento subjetivo do injusto, daí resultando, com relação às figuras descritas na denúncia, como a quaisquer outras, que não há margem para a responsabilidade objetiva. Não tenho, pois, como considerar como prova conclusiva contra o acusado, sua mera assinatura no documento referido. Por outro lado, não vejo como prevalecer a nova posição sustentada pela Procuradoria Regional da República de que subsiste o delito de falsidade ideológica, considerando que, igualmente, não restou esclarecido qual o elemento subjetivo que presidiu a conduta do réu. Observe-se que o perfil do denunciado WALGHTON FERREIRA DE LIMA, homem humilde do sertão, que nunca saiu dos limites de sua pequena propriedade, de onde tira seu sustento e de sua família, analfabeto, sabendo, apenas, desenhar, de forma não inteligível, seu nome, convence da verossimilhança da afirmação de que assinara o documento em questão, a pedido de alguém. Não há qualquer evidência de que soubesse do vício que estava a macular seu conteúdo e/ou da finalidade a que se destinava. O acusado poderia até ter conhecimento do conteúdo viciado da declaração. Contudo, a meu ver, esta intenção dolosa não restou comprovada. Tenho, portanto, que o denunciado não pode ser identificado como autor das figuras típicas descritas na denúncia, inclusive porque inexistentes em sua forma culposa. Quanto ao alegado concurso de pessoas, rejeito-o, uma vez que indispensável à sua configuração o liame subjetivo ou psicológico, isto é, o acordo de vontades, a adesão, a consciência do agente co-autor ou partícipe de estar contribuindo para o ato delituoso. Ora, não restou provado de que o denunciado conhecesse a beneficiária da pensão, o representante do FUNRURAL co-acusado, e houvesse aderido à consecução e aos objetivos dos fatos típicos e anti-jurídicos perpetrados, não bastando, pois, apenas o nexo causal consistente na aposição da “assinatura”, pelo denunciado WALGHTON FERREIRA DE LIMA, em declaração de informação rural ideologicamente falsa e a concessão do benefício fraudulento, embasada naquele documento, pelo co-denunciado WILSON ALVES SOUZA. Com relação ao acusado WILSON ALVES SOUZA, entendo que restou demonstrado que o mesmo sabia, antes de autorizar a concessão dos benefícios previdenciários em favor de Josilene Pereira Lima, Benedita Lima da Silva e Adeilza Maria de Souza, que os documentos que embasaram os pedidos de pensão previdenciária eram ideologicamente falsos, tendo, inclusive, participado da manobra que culminou com a inserção da declaração de informação rural ideologicamente falsa pelo octagenário Augusto Viana de Sousa, em favor de BENEDITA LIMA DA SILVA. Como bem destacou o Parquet Federal em suas alegações finais: “Wilson Alves Souza reconheceu que assinou todos aqueles documentos, mas declarou que confiava que fossem verídicos os dados deles constantes, não tendo, pois, o objetivo de fraudar o INSS. Ocorre que o Sr. Augusto Viana de Sousa, que assinou a Folha de Informação Rural de Benedita Lima Silva, declarou que não a conhecia e que foi Wilson Alves Souza que lhe pedira tal comportamento. Disse ele, em seu depoimento de fls. 80: ‘...Que reconhece a sua assinatura aposta na folha de informação rural, lembrando que fora o chefe do FUNRURAL de Santa Cruz, WILSON ALVES 302 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba SOUZA que lhe pedira, no próprio órgão, inclusive pedira muita calma para assiná-la; Que devido a idade avançada e por ser analfabeto, assina com muita dificuldade, além do mais tem a mão trêmula...’ “ Tenho, portanto, como comprovada a atuação criminosa do denunciado WILSON ALVES SOUZA, fazendo inserir, dolosamente, o falsum nos documentos, visando a obtenção de vantagem patrimonial indevida junto à Previdência Social, como de fato houve, como comprova o levantamento feito pela Auditoria interna do INSS, onde apurado que ADEILZA MARIA DE SOUSA recebeu, indevidamente, Cr$ 45.771,10, BENEDITA LIMA DA SILVA, Cr$ 45.771,10 e JOSILENE PEREIRA DINIZ, Cr$ 45.769,84 (Valores históricos), ficando, portanto, desmoralizada a versão apresentada pela sua defesa. A denúncia pugnou pela condenação nas penas dos delitos de estelionato e falsidade ideológica, em concurso material. Adoto, no entanto, o oriente gizado pelo Cl. Supremo Tribunal Federal, em casos como o ventilado nestes autos, no sentido de que há concurso formal quando a falsidade é meio para a prática de outro crime, como o estelionato (STF - RE - Rel. MINISTRO OSCAR CORREIA - RT 606/445), impondo-se, de conseqüência, a aplicação da regra do art. 70 do Código Penal. Nessa linha de entendimento, transcrevo Acórdão do Eg. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO: Ementa: I - CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO QUE NÃO PODE SER TIDO COMO CRIME-MEIO PARA A PRÁTICA DO CRIMEFIM, O ESTELIONATO. II - NÃO SE PODE APLICAR AQUI O PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO, NÃO SÓ EM VIRTUDE DAS HETEROGÊNEAS OBJETIVIDADES JURÍDICAS, COMO TAMBÉM, EM VIRTUDE DE O CRIME-MEIO SER MAIS GRAVEMENTE APENADO QUE O CRIME-FIM. III - ADMITIR-SE A ABSORÇÃO DO FALSO PELO ESTELIONATO E COLOCAR O PROBLEMA NO ÂMBITO DO CONFLITO APARENTE DE NORMAS EM FLAGRANTE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS QUE O REGEM, PORQUANTO NELE SE EXIGE DOIS PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS: UNIDADE DE FATO E PLURALIDADE DE NORMAS IDENTIFICANDO O MESMO FATO COMO CRIMINOSO. IN CASU DOIS SÃO OS FATOS: A FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E O ESTELIONATO. IV - A ABSORÇÃO DO FALSO PELO ESTELIONATO SERIA CONSIDERÁ-LO UM ANTEFACTUM IMPUNÍVEL O QUE NÃO É POSSÍVEL, PORQUANTO PARA A SUA ACEITAÇÃO MISTER SERIA QUE O FATO ANTECEDENTE IMPUNÍVEL REPRESENTASSE AGRESSÃO AO MESMO BEM JURÍDICO E DO MESMO SUJEITO. NA FALSIFICAÇÃO, O BEM JURÍDICO TUTELADO É A FÉ PÚBLICA. NO ESTELIONATO, O PATRIMÔNIO. V - CONCURSO FORMAL E NÃO MATERIAL DE CRIMES, NA ESTEIRA DO POSICIONAMENTO ADOTADO PELO EXCELSO PRETÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 70 DO CÓDIGO PENAL. VI - APELAÇÃO DO RÉU IMPROVIDA. PROVIMENTO DO RECURSO DA JUSTIÇA PUBLICA. (TRIBUNAL:TRF3ªR, ACORDÃO RIP:00000000 Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 303 DECISÃO:08-09-1992, PROC:ACR NUM:00308963 ANO:91 UF:SP TURMA:01 REGIÃO:03, Relator: JUIZ:319 - JUIZ SINVAL ANTUNESCOLEÇÃO JURIS-CD, 9ª EDIÇÃO) Isto posto, considerando que restaram evidenciadas a materialidade e a autoria, patentes à tipicidade, à antijuridicidade e à culpabilidade componentes da estrutura dos crimes de estelionato qualificado contra a Previdência e falsidade ideológica, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, a denúncia, para condenar WILSON ALVES SOUZA nas penas dos arts. 171, § 3º e 299, caput, combinado com o art. 70, todos do Código Penal. Para efeito de aplicação da pena, nos termos do art. 70, CP, tomo em consideração a sanção decorrente da infração do art. 171, § 3º, do Código Penal. Analisando as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, vejo que o réu é primário, com família constituída e integrado na sociedade. Considerando, por outro lado, a circunstância de o acusado estar, à época do fato, à frente da representação da autarquia prejudicada, fixo-lhe a pena-base em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão. Não identifico, na espécie, a presença de outras circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem de causas de diminuição da pena. Presente a causa especial de aumento de pena, prevista no § 3º do art. 171 do Código Penal, em face do estelionato ter sido praticado em detrimento de autarquia federal (RE 115.182, Rel. MINISTRO CARLOS MADEIRA, DJU de 17.06.88). Assim sendo, aumento a pena-base fixada em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em 1/3 (um terço), tornando-a definitiva em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão. Condeno-o, ainda, à pena de multa, que fixo em 20 (vinte) dias-multa, que deverá ser adimplida dentro de 10 (dez) dias, após o trânsito em julgado desta sentença. Arbitro o dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato delituoso, devidamente atualizada, com arrimo nos arts. 49, 50 e 60 do Código Penal. Presentes os requisitos do art. 77, do Código Penal, concedo-lhe o sursis, pelo prazo de 02 (dois) anos, desde que aceite as seguintes condições: a) comparecer trimestralmente, à presença do Juiz da Vara de Execuções Criminais, informando o domicílio e suas atividades, durante todo o período de prova; b) prestar serviços, no primeiro ano de suspensão da pena, à comunidade, através de entidade assistencial ou programa credenciado (art. 46, do Código Penal). À presente condenação, ajunte-se, ainda, a concernente à obrigação do condenado pagar as custas do processo. Quanto ao acusado WALGHTON FERREIRA DE LIMA, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia, para absolvê-lo das penas dos arts. 171, § 3º, e 299, c.c. os arts. 29 e 69, todos do Código Penal, com apoio no que dispõe o art. 386, IV, do Código Penal. Trânsita em julgado esta sentença, dê-se baixa na distribuição, com relação ao denunciado WALGHTON FERREIRA DE LIMA, lançando-se o nome do condenado WILSON ALVES SOUZA, no livro “ROL DOS CULPADOS”, garantido o direito do condenado de apelar 304 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba em liberdade (art. 549, do Código de Processo Penal). Publique-se a presente sentença, em resumo, no Diário Oficial do Estado. Registre-se. Intimem-se, por precatória dirigida ao MM. Juízo de Direito da Comarca de Sousa-PB, os acusados e seu defensor, Dr. Gutemberg Sarmento da Silveira; e, por mandado, o defensor, Dr. Ananias Pordeus Gadelha e o representante do Ministério Público Federal. Comunique-se. João Pessoa, 21 de outubro de 1996. CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ Juíza Federal Substituta da 3ª Vara Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 305 306 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba JULGADOS DO ELEITORAL 1 - Partidos Políticos - Dissolução de Diretório Municipal (Processo nº 618/96) 309 Dr. José Fernandes de Andrade 2 - Propositura da Ação Principal - Decurso do Prazo - Extinção (Processo nº 607/96) .................................................................................... 312 Dr. José Fernandes de Andrade 3 - Retirada de Expressão do Contexto - Nova Redação (Processo nº 183/96) ... 315 Dr. José Fernandes de Andrade 4 - Suspensão dos Direitos Políticos Independentemente de Regulamentação Infra-Constitucional (Processo nº 158/96) ...................... 317 Dr. José Fernandes de Andrade 5 - Crime Eleitoral - Corrupção Ativa (Processo nº 469/95) ................................. 321 Dr. José Fernandes de Andrade 6 - Revisão Eleitoral - Prova de Residência (Processo nº 56/96) ......................... 326 Dr. José Fernandes de Andrade 7 - Registro de Candidatura (Processo nº 738/96) .............................................. 329 Dr. José Fernandes de Andrade 8 - Dupla Filiação Partidária (Processo nº 359/96) .............................................. 332 Dr. José Fernandes de Andrade 9 - Recontagem de Votos (Processo nº 1017/96) ............................................... 335 Dr. José Fernandes de Andrade Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 307 308 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba PARTIDOS POLÍTICOS DISSOLUÇÃO DE DIRETÓRIO MUNICIPAL Processo nº 618/96 - AÇÃO CAUTELAR Relator: O SR. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Requerente: OSWALDO TRIGUEIRO DO VALE Requerido: COMISSÃO PROVISÓRIA DO PPB DECISÃO EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. PARTIDOS POLÍTICOS. DISSOLUÇÃO DE DIRETÓRIO MUNICIPAL PELA COMISSÃO PROVISÓRIA ESTADUAL. MATÉRIA INTERNA CORPORIS. INDEFERIMENTO LIMINAR DA MEDIDA CAUTELAR. 1. Os partidos políticos são formas de organizações sociais que se propõem a organizar, coordenar e implementar a vontade popular, visando assumir o poder e realizar programa de governo, com personalidade jurídica de direito privado. 2. Em questão de economia interna de partido político, não cabe ao Poder Judiciário nela se imiscuir, sob pena de ingerência em matéria interna corporis. 3. Os recursos são os previstos no Estatuto do partido para os órgãos superiores e não medidas judiciais para apreciar legalidade ou não de dissolução de órgão partidário a nível municipal e/ou estadual. 4. INDEFERIMENTO LIMINAR DA MEDIDA CAUTELAR. Cuida-se de ação cautelar inominada cumulada com pedido liminar ajuizada por OSWALDO TRIGUEIRO DO VALE, qualificado, contra a COMISSÃO PROVISÓRIA DO PPB, sob os fatos e fundamentos a seguir narrados: Inicialmente, faz o requerente uma digressão acerca da competência da Justiça Eleitoral para o controle dos atos internos e externos dos partidos políticos, elencando entendimentos doutrinários e jurisprudenciais favoráveis à sua tese. A seguir defende o cabimento de ação cautelar em matéria eleitoral. Passando para o campo dos fatos, aduz que, na qualidade de Presidente da Comissão Executiva do Diretório Municipal do PPB - Partido Progressista Brasileiro de João Pessoa, convocou convenção municipal para escolha dos candidatos e realização de coligações nas eleições de 03 de outubro vindouro, ocasião em que ficou decidido pela realização de coligação na eleição majoritária e lançamento de chapa própria. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 309 Sustenta que, em pleno processo de convenção, a Comissão Provisória Estadual, por meio de Resolução, dissolveu liminarmente o Diretório Municipal. Entende que tal fato é ilegal, ante a ausência de motivação da dissolução; incompetência da Comissão Provisória para dissolver Diretório regularmente constituído, e pela ausência de qualquer violação aos Estatutos do partido praticada pelo Diretório Municipal dissolvido. Ao final, enxergando os pressupostos legais, requer a concessão de medida liminar inaudita altera parte para suspender os efeitos da dissolução do Diretório e nomeação da Comissão Provisória, objeto das Resoluções 01 e 02/96. Acostou procuração e documentos. Conclusos, DECIDO. A questão ventilada nos autos não há como ter curso no âmbito do Poder Judiciário. A uma, os partidos políticos são forma de organização de um grupo social com proposta de organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular, visando assumir o poder e realizar o seu programa de governo, no dizer dos mestres constitucionais. Em face do direito constitucional brasileiro, impõe-se que se lhe dê personalidade jurídica, mediante o registro dos Estatutos. A Carta anterior não previa a natureza dessa personalidade jurídica, se de direito público ou privado. A lei anterior que regia os partidos políticos reconheceu-lhes a natureza de pessoa jurídica de direito público interno (Lei nº 5.682/71, art. 2º), o que não era perfeitamente aceita pela maioria dos doutrinadores. Agora, a atual Constituição os definiu como pessoa jurídica de direito privado, consoante o disposto no art. 17, § 2º. Ora, se adquirem personalidade na forma da Lei Civil é porque são pessoas de direito privado, devendo registrarem-se no Cartório de Registro de Títulos e Documentos e, após, os Estatutos são levados a Registro no Tribunal Superior Eleitoral, apenas comunicando à Justiça Eleitoral a constituição de seus órgãos de decisão, bem como alteração (art. 10, parágrafo único, da Lei 9.259/96). A duas, a disciplina e fidelidade partidária, passam a ser com a atual Constituição e a nova lei partidária (Lei 9.096/95) não mais uma determinante da lei, mas uma imposição estatutária (arts. 17, § 1º da CF e 3º da Lei 9.096/95), ou seja, o respeito e acatamento ao programa e objetivos partidários, compreendendo também a aceitação das decisões discutidas e tomadas pelos órgãos de duração partidária. A três, a disputa ventilada nos autos é de ocorrência interna do partido e não cabe ao Poder Judiciário nela se imiscuir, sob pena de ingerência em questão interna corporis, imune de apreciação judicial. A quatro, não seria cabível sequer impetração de mandado de segurança para deslinde da disputa intestina de que nos falam os autos. Pois bem, o § 1º, do art. 1º, da Lei nº 1.533/51 que dizia, in verbis: Foi alterada pela Lei nº 9.259/96, de 09 de janeiro de l996, que acrescentou o parágrafo único do art. 10 e dispõe sobre a aplicação dos arts. 49, 56, incisos II. e IV e 57, inciso III da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, com 310 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba a seguinte redação, in verbis: “Consideram-se autoridades, para os efeitos desta lei, os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do Poder Público, somente no que entender com essas funções.” Como bem se enxerga, o legislador retirou do texto a expressão: “...os representantes ou órgãos dos partidos políticos e...” Com dito expurgo, querem os legisladores, políticos por excelência, que as disputas partidárias sejam resolvidas mesmo no seio da organização partidária e não no âmbito do Judiciário. Pela norma expressa, sequer é possível conceber que o ato praticado pela Comissão Provisória Estadual do PPB é decorrente de delegação do Poder Público. Com efeito, se há ilegalidade no mérito do ato inquinado de ilegal não cabe mandado de segurança. A via eleita não é cabível nem o remédio heróico constitucional do mandamus para atender a postulação; outra é a via, ou seja, recurso interno para a Direção Nacional do Partido para reparo de que de pode valer quem se considerar prejudicado com a intervenção na decisão partidária deste município. Finalmente, a corroborar a tese ora delineada, bem se enxerga pelos estatutos acostados pelo requerente que o caminho por este escolhido não pode chegar a um porto seguro. Para tanto, basta que se leia o que dispõe o Título XVII - Da Disciplina e da Fidelidade Partidária - do Estatuto do PPB, especialmente o art. 68 e seu § 1º, que cuidam da dissolução do órgão partidário. É indubitável que é incomportável a via eleita para desfazer o ato atacado, mesmo tendo ele sido injusto ou contra as regras do Estatuto. Cabe sim, ao órgão partidário superior dirimir a controvérsia, e não ao Poder Judiciário, sob pena de ingerência descabida no âmbito do Partido Político. Com estas considerações, hei por bem de indeferir, liminarmente, como indeferida tenho a presente medida cautelar. P.R.I. João Pessoa, 04 de julho de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Juiz - Eleitoral Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 311 PROPOSITURA DA AÇÃO PRINCIPAL DECURSO DO PRAZO - EXTINÇÃO Processo: nº 607/96 - MEDIDA CAUTELAR Relator designado: O SR. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Requerente: MARIA DO LIVRAMENTO ALVES RAMALHO e OUTRO Requerido: O SR. PRESIDENTE DA COMISSÃO REGIONAL PROVISÓRIA DO PSL Advogado: DRS. DELOSMAR DOMINGOS DE MENDONÇA JÚNIOR (RECTE.) E JOSÉ RICARDO PORTO (RECDO.) ACÓRDÃO EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. DECURSO DO PRAZO DE TRINTA DIAS, SEM PROPOSITURA DA AÇÃO PRINCIPAL. EXTINÇÃO. - O art. 806, do CPC, dispõe que cabe à parte propor a ação no prazo de trinta (30) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório; e o art. 808, I, do mesmo código, determina que cessa a eficácia da medida cautelar se a parte não intentar a ação no prazo estabelecido no art. 806. - Extinção da medida. Vistos, relatados e discutidos estes autos acima identificados. A C O R D A o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba em proferir a seguinte decisão: Por maioria, contra o voto do Relator, acolheu-se a preliminar de extinção da Medida Cautelar. Lavrará o acórdão o Dr. José Fernandes de Andrade. Usaram da Tribuna, pelos requerentes e requerido, respectivamente, os Bels. Delosmar Domingos de Mendonça Júnior e José Ricardo Porto. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em João Pessoa, 01 de agosto de 1996. Presidente Relator PRE 312 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba RELATÓRIO MARIA DO LIVRAMENTO ALVES RAMALHO E ARMANDO BEZERRA CAVALCANTE ajuizaram medida cautelar com pedido de liminar contra o Presidente do Diretório Regional do PSL, Sr. RONALDO NÓBREGA MEDEIROS. Os autores são, respectivamente, Presidente e Vice-Presidente do Diretório Municipal daquela agremiação partidária em João Pessoa. Os promoventes articularam, inicialmente, argumentos acerca da competência da Justiça Eleitoral e do cabimento da ação, em contraposição aos que dizem escapar atos como o atacado nesta ação do controle judicial, por serem interna corporis, asseverando competir ao judiciário exercer o controle da legalidade interna (Estatuto e Resoluções) e constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça ao direito escapa da apreciação do judiciário (CF, art. 5º, XXXV) (fls.03). Em Abono de sua tese invocam ensinamentos dos Ministros Torquato Jardim, José Cândido e Carlos Veloso. Os fatos narrados na petição inicial são: 1) ato de intervenção do Presidente do Diretório Regional do PSL, aqui promovido, no Diretório Municipal de João Pessoa, afastando os autores desta demanda; 2) estão os Diretórios Regional e Municipal ainda em fase de registro perante esta Corte; 3) a Comissão Executiva Municipal convocou Convenção para o dia 29/06/96 e o interventor para o dia seguinte (30/06/96), para deliberar sobre as candidaturas às próximas eleições Municipais; 4) e o ato de intervenção, continuam os autores, violou os arts. 83, 86 e 89, do Estatuto Partidário, bem como a Lei 9.096/95, art. 15, inciso V. Os requerentes formularam pedido de liminar, para suspensão dos efeitos do ato de intervenção, assegurando a realização da Convenção convocada por eles, autores, e, finalmente, a procedência da ação, com a nulidade do ato de intervenção. Dos documentos acostados à inicial destacam-se os seguintes: os de fls. 16 e 17, que registram os atos de intervenção ora atacados; os de fls. 36 e 37, que são os editais de convocação das Convenções Partidárias convocadas, sendo o primeiro assinado pela autora desta cautelar, Maria do Livramento Alves Ramalho, e o segundo pelo interventor; e o de fls. 40/52, que é o Estatuto do PSL. Foi proferido despacho às fls. 55 e 56, datado de 28/06/96, onde se entenderam relevantes os fundamentos do pedido, concedendo-se a medida liminar nos termos formulados pelos autores. Foi também determinada a citação do promovido para oferecer contestação. Citado em 01/07/96, o demandado apresentou contestação em 05/07/96 (fls. 61/66). Em sua defesa alinha dois argumentos principais: perda do objeto, vez que a partir de 26/06/96 já existia uma nova Comissão Municipal Provisória ; e que as agremiações partidárias têm plena autonomia para resolverem os seus problemas internos (fls. 64). À defesa foram juntados os documentos de fls. 67/114. Às fls. 116 e 117 consta o pedido dos autores no sentido de que a liminar fosse ao Juiz responsável pelo registro de candidaturas nesta capital, além de informar que o interventor realizou Convenção vetada na liminar proferida. Despacho às fls. 25, deferindo o pedido de fls. 116 e 117, no sentido de que fizesse a comunicação ali requerida, o que foi cumprido pela Secretaria desta Corte. Registro também que o promovido interpôs agravo regimental da decisão liminar aqui proferida. Julgado em 11/07/96, o recurso foi improvido, com a manutenção da liminar. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 313 Às fls. 124/127, vem o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, da lavra do Dr. Francisco Chaves dos Anjos Neto. Após incisiva análise da matéria, opina pela procedência da ação cautelar, com o conseqüente retorno dos requerentes às funções partidárias. Às fls. 129 e 130, habilitou-se novo patrono do promovido, Dr. José Ricardo Porto. Também foram acostados aos autos os documentos de fls. 132 /136, que dão conta da intervenção levada a efeito por Órgão Nacional do PSL, inclusive nomeando interventor, reconduzindo aos seus postos os autores desta cautelar e ratificando os seus atos. Conclusos, o Relator originário pediu data para julgamento. É o relatório. V O T O (Vencedor) Sr. Presidente, Egrégio Tribunal, ouso discordar do voto do eminente relator, por entender que a lei aponta o único caminho possível de trilhar, neste momento, diante do que consta dos autos e do que foi trazida pelo nobre advogado do requerido. Com efeito, o meu voto é no sentido de acatar a preliminar suscitada de extinção do processo, em face de decurso de tempo, sem que tenha sido promovida a ação principal competente. Dispõe o art. 806, do CPC: “Art. 806. Cabe à parte propor a ação no prazo de trinta (30) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório.” Já o art. 808, I, do mesmo código, determina que: “Art. 808. Cessa a eficácia da medida cautelar: I - se a parte não intentar a ação no prazo estabelecido no art. 806.” No caso vertente nos autos, a medida cautelar em tela é tipicamente preparatória, e o prazo de trinta dias, que é peremptório, segundo pacífica jurisprudência, foi extrapolado sem que a parte propusesse a ação de conhecimento cabível. Isso posto, acolho a preliminar de extinção da medida cautelar. Presidiu o julgamento o Exmo. Des. Evandro de Souza Neves, e dele participaram, além do Relator, o Exmo. Des. Joaquim Sérgio Madruga e os Juízes Dr. Leôncio Teixeira Câmara, Dr. Marcello Figueiredo Filho, Dr. Hitler de Siqueira Campos Cantalice e o Dr. José Edísio Simões Souto. Presente o Dr. Antonio Carlos Pessoa Lins, ilustre representante do Ministério Público Eleitoral. Sala das Sessões do EgrégioTribunal Regional Eleitoral da Paraíba, João Pessoa, 01 de agosto de 1996. Juiz JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE RELATOR 314 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba RETIRADA DE EXPRESSÃO DO CONTEXTO - NOVA REDAÇÃO Processo nº 183/96 - AÇÃO MANDADO DE SEGURANÇA Relator: O SR. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Impetrante: MARIA DO LIVRAMENTO ALVES RAMALHO ROSAS Impetrado: O SR. PRESIDENTE DA COMISSÃO REGIONAL PROVISÓRIA DO PSL SENTENÇA EMENTA: ELEITORAL E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE PRESIDENTE DE COMISSÃO PROVISÓRIA DE PARTIDO POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE ANTE A NOVA REDAÇÃO DO ART. 1º, § 1°, DA LEI Nº 1.533/51, QUE RETIROU, PARA FINS DE ABRANGÊNCIA DA AÇÃO MANDAMENTAL, O STATUS DE AUTORIDADE DOS “REPRESENTANTES OU ÓRGÃOS DE PARTIDO POLÍTICOS” COMO AUTORIDADE PÚBLICA. DESCABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 8º DA LEI Nº 1.533/51. 1. O legislador retirou expressamente do contexto do art. 1º, § 1º, da Lei nº 1.533/51 a expressão “órgãos dos partidos políticos e os...” Logo, a interpretação a que se chega sem maiores delongas é que o legislador federal não mais considera para efeitos da lei do mandado de segurança os dirigentes dos órgãos partidários como autoridade com capacidade para figurar no pólo passivo do mandado de segurança. 2. Não sendo o impetrado considerado, para fins de mandado de segurança, como autoridade e, em pressupondo o mandado de segurança ATO DE AUTORIDADE, impõe-se o indeferimento da peça exordial, consoante dispõe o art. 8° da Lei nº 1.533/51. Vistos etc... Cuida-se de mandado de segurança impetrado por MARIA DO LIVRAMENTO ALVES RAMALHO ROSAS, devidamente qualificada às fls. dos autos, objetivando impugnar ato do Presidente da Comissão Regional Provisória do Partido Social Liberal (PSL), Sr. RONALDO NÓBREGA MEDEIROS, consubstanciado na decisão da autoridade apontada como coatora que destituiu a impetrante e toda Comissão diretoriana do PSL do município de João Pessoa, que foram regularmente eleitas em convenção partidária realizada no último dia 26 de março p. passado. Por fim, requer a concessão inaudita altera parte da medida liminar até o julgamento do mérito no sentido de que permaneça a impetrante na Presidência do diretório municipal do PSL. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 315 O presente mandamus não tem mais cabimento. É fora de qualquer dúvida que o indeferimento liminar do presente writ se apresenta de modo escancarado. É que o § 1º do art. 1º da Lei de Mandado de Segurança (Lei nº 1.533/51) foi alterado pela Lei nº 9.259 de 09.01.96. A redação anterior prescrevia: “Consideram-se autoridades, para efeitos desta lei, os representantes ou órgãos dos partidos políticos e os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do poder público, somente no que entender com essas funções.” Pois bem, veio à lume a lei nova n° 9.259/96 e deu ao § 1º do art. 1º da Lei nº 1.533/51 a seguinte redação, a saber: “Consideram-se autoridades, para efeitos desta lei, os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do Poder Público, somente no que entender com essas funções.” Como bem se enxerga o legislador retirou expressamente do contexto do dispositivo acima a expressão “órgãos dos partidos políticos e os...”. Logo, a interpretação a que se chega sem maiores delongas é que o legislador federal não mais considera para efeitos da lei do mandado de segurança os dirigentes dos órgãos partidários como autoridade com capacidade para figurar no pólo passivo do mandado de segurança. Perlenga da do porte da delineada da inicial da presente impetração somente pode ser objeto de disputa na via ordinária e no Juízo competente. É bom que se frise que a controvérsia deduzida nos autos não diz respeito à matéria eleitoral, ou seja, a justiça especializada eleitoral que tem por objetivo o processo eleitoral e não questão interna corporis das agremiações partidárias, como é a hipótese ventilada nos presentes autos. Por todas estas considerações acima enunciadas, hei por bem de chamar à colação a regra insculpida no art. 8° da Lei nº 1.533/51 e indeferir como indeferida tenho a inicial do presente mandado de segurança. Intime-se. João Pessoa, 18 de abril de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE JUIZ - RELATOR 316 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS INDEPENDENTEMENTE DE REGULAMENTAÇÃO INFRA-CONSTITUCIONAL Processo nº 158/96 - AÇÃO MANDADO DE SEGURANÇA Relator: O SR. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Impetrante: GERÔNCIO GOMES DA SILVA Impetrado: JUSTIÇA PÚBLICA ELEITORAL Advogado: DR. LUISMAR DÁLIA (IMPTE.) ACÓRDÃO EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. SURSIS CONCEDIDO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS INDEPENDENTEMENTE DE REGULAMENTAÇÃO INFRA-CONSTITUCIONAL.. - A suspensão dos direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena. - Segurança denegada. Vistos, relatados e discutidos estes autos acima identificados. A C O R D A o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba em proferir a seguinte decisão: “Denegou-se a segurança, cassando-se a liminar concedida, abstendose de votar o MM. Juiz Leôncio Câmara”. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em João Pessoa, 05 de junho de 1996. Presidente Relator PRE Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 317 RELATÓRIO Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por GERÔNCIO GOMES DA SILVA, brasileiro, solteiro, agropecuarista, vereador no Município de Tacima, residente e domiciliado no Distrito de Cachoeirinha, do referido município, contra ato reputado ilegal e arbitrário do EXMO. SR. JUIZ ELEITORAL DA 20ª ZONA ELEITORAL ARARUNA. Em sua inicial, o impetrante alega, em síntese, que: a) foi condenado, na Comarca de Nova Cruz/RN, à pena de um (01) ano de detenção, incurso no art. 121, § 3º, Código Penal brasileiro; b) recebeu sursis pelo prazo de dois (02) anos, a ser cumprido na Comarca de Araruna; c) O Juiz desta Comarca (Araruna) oficiou, em 22/03/96, ao Presidente da Câmara de Vereadores do Município de Tacima, comunicando a suspensão do direitos políticos, mas tal ato foi ilegal e arbitrário, uma vez que, deixando de informar a respeito do benefício da suspensão da pena, o mandato do impetrante foi cassado; d) apesar de transitada em julgado, a sentença teve seus efeitos suspensos pela concessão do sursis, situação essa que impede a prática de qualquer ato que viesse atingir o seu direito, visto que os efeitos da condenação criminal estão suspensos; e) o disposto no art. 15, III, da CF, não é autoaplicável, conforme decisão do TSE; e f) além disso, para que a cassação ocorresse, necessário se faria um processo específico, não seria a vontade unilateral do impetrado válida para tolher o direito do impetrante; Requereu: a) a concessão de medida liminar; b) a notificação da autoridade impetrada para prestar as informações; e c) a audiência do MPE. Juntou procuração e quatro documentos. Concedida a liminar (fls. 11), procedeu-se à notificação da autoridade apontada como coatora, que prestou as seguintes informações (fls. 14): “(...) não somos a autoridade coatora e sim o Dr. Juiz João Jorge de Medeiros Tejo, atualmente titular da comarca e Zona Eleitoral de Alagoa Grande. Entretanto, salientamos que o ato do já referido Juiz encontra-se delineado nos documentos que instruem o Mandamus”. Às fls. 17, o Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins, digno representante do Ministério Público Eleitoral, concluiu, em seu parecer, pela denegação da segurança postulada. Conclusos, pedi dia para julgamento. É o relatório. A seguir, o voto. VOTO Sr. Presidente, Egrégia Corte, vem à discussão neste Tribunal, mais uma vez, a questão da suspensão dos direitos políticos no caso de condenação criminal em que se concedeu o sursis. A matéria já provocou grande acirramento na Corte Suprema Eleitoral, que também já foi provocada a respeito da suspensão imediata dos direitos políticos quando a sentença condenatória concede o sursis. 318 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba A decisão nº 28.695, proferida por este Tribunal, no processo nº 469/95, do qual fui relator, consagrou tese contrária àquela sustentada pelo impetrante do writ. Com efeito, restou consignada no item 3 da ementa da supramencionada decisão: “3. A suspensão dos direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena”. E, no corpo do acórdão, registrou-se: “Sem razão o apelante quando peleja no sentido de que o benefício da suspensão condicional da pena que lhe foi concedido afasta eventual inelegibilidade ou mesmo suspensão dos seus direitos políticos. É bem verdade que em quatro ou cinco decisões, girando a hipótese ventilada neste autos, o eg. Tribunal Superior Eleitoral decidiu que a regra do Art. 15, III, da CF, não é auto-aplicável, dependendo de lei específica a indicar as hipóteses em que ocorre a suspensão dos direitos políticos, em razão da condenação criminal transitada em julgado, cujo debate maior ocorreu entre os votos dos Ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso, aquele sufragando a tese vencedora no TSE, enquanto este a que veio a ser vitoriosa no STF. A controvérsia foi deslindada pelo Col. Supremo Tribunal Federal no R.E. Nº 179502-SP, Relator o Eminente Ministro Moreira Alves, julgado em 31 de maio de 1995, in DJ 08.09.95 quando ficou sinetado que a suspensão dos direitos políticos, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em julgado, ocorre, ainda quando esteja em curso o período da suspensão condicional da pena, cujo aresto está assim ementado: ‘Ementa: Condição de elegibilidade. Cassação de diploma de candidato eleito vereador, porque fora ele condenado, com trânsito em julgado, por crime eleitoral contra a honra, estando em curso a suspensão condicional da pena. Interpretação do art. 15, III, da Constituição Federal. - Em face do disposto no art. 15, III, da CF, a suspensão dos direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado, por sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena. - Recurso conhecido e provido’. Como bem se entende, a regra do Art. 15, III, da CF de 1988, na interpretação do Egrégio Supremo Tribunal Federal, deve reputar-se de aplicação imediata, independente de norma infra-constitucional de regulamentação, o que vale dizer, a inelegibilidade do ora recorrente decorre do próprio texto constitucional. Na orientação do STF, a condenação criminal, transitada em julgado, de que cogita o Art. 15, III, da CF, não é só aquela que inviabilize pelo recolhimento do condenado, o exercício dos direitos políticos, mas também estando o condenado em gozo do sursis. Por todo o exposto, voto pelo não provimento da apelação, mantida em todos os termos a sentença recorrida” Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 319 Por estas razões, em consonância com o entendimento do Parquet eleitoral, hei por bem de denegar o mandamus e cassar a liminar concedida initio litis. É como voto. Presidiu o julgamento o Exmo. Des. Evandro de Souza Neves, e dele participaram, além do Relator, os Exmos. Juízes Dr. Leôncio Teixeira Câmara, Dr. Marcello Figueiredo Filho, Dr. Hitler de Siqueira Campos Cantalice, o Des. Josias Pereira do Nascimento e o Dr. José Edísio Simões Souto. Presente o Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins, ilustre representante do Ministério Público Eleitoral. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, João Pessoa, 05 de junho de 1996. Juiz José Fernandes de Andrade RELATOR 320 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba CRIME ELEITORAL - CORRUPÇÃO ATIVA Processo nº 469/95 - RECURSO Relator: O SR. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Recorrente: SEVERINO PEREIRA GOMES Recorrida: JUSTIÇA PÚBLICA ELEITORAL ACÓRDÃO EMENTA: CRIME ELEITORAL. CORRUPÇÃO ATIVA. CRIME DE MERA CONDUTA. PROVA DO DELITO. RECURSO. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. IMPROVIMENTO DO APELO. 1. Consuma-se o crime com o ato de oferecer ou prometer vantagem indevida. À lei eleitoral não interessa que a lesão ou ofensa ao bem jurídico tutelado - o interesse da lisura da eleição - se dê efetivamente, isto é, se concretize, basta-lhe a possibilidade de dano real. 2. A prova testemunhal é uniforme no sentido de que o apelante resvalou para a senda do crime de corrupção ativa. 3. A suspensão dos direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena. 4. Recurso improvido. VISTOS, relatados e discutidos estes autos acima identificados. R E S O L V E o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba negar provimento ao recurso, votando com restrição o Dr. EDÍSIO SOUTO. Decisão unânime. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, aos 06 de fevereiro de 1996. Presidente Relator PRE Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 321 RELATÓRIO Na 25ª Zona Eleitoral de Picuí, a Justiça Pública Eleitoral denunciou de SEVERINO PEREIRA GOMES e de EMÍLSON FERREIRA DA SILVA, como incursos nas penas do art. 299, do Código Eleitoral. Configurada a autoria e materialidade do delito de corrupção ativa só e tão-somente com relação ao primeiro denunciado SEVERINO PEREIRA GOMES, pugnou a promotoria eleitoral pela condenação dele e pela absolvição do segundo denunciado EMÍLSON FERREIRA DA SILVA. A sentença recorrida condenou o apelante SEVERINO PEREIRA GOMES à pena privativa de liberdade em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, bem assim na pena pecuniária de 10 (dez) dias multa. Pelo mesmo julgado foi concedida a suspensão condicional da pena pelo prazo de 02(dois) anos. Em tempo hábil, o recorrente embargou de declaração sustentando que a sentença não esclareceu se o condenado, beneficiário que foi pelo sursis, tinha o condão de “afastar eventual inelegibilidade ou mesmo suspensão dos direitos políticos,” indicando nesse oriente decisões do TSE (fls. 109). Os embargos foram rejeitados com suporte no art. 275, § 4º, do Código Eleitoral, sob o fundamento de que a sentença embargada não padecia dos defeitos de omissão, obscuridade, dúvida ou contradição (fls. 112/113). Dessa decisão as partes foram intimadas em 17 e 28 de agosto deste ano (fls. 114v e 1l9v) e o mandado junto aos autos em 28/08/95 e, em 21/08/95 (fls. 115) o condenado apelou da sentença condenatória, sustentando, em síntese, que ele apelante não praticou a infração penal eleitoral pela qual foi denunciado, inexistindo prova cabal nos autos para a condenação, razão pela qual requereu a reforma da sentença apelada. VOTO A sem razão do recorrente está clara e evidente. A prova carreada para os autos é robusta e não havia como o apelante obter uma absolvição no Juízo a quo. Emerge dos autos que o recorrente foi preso em flagrante delito quando se encontrava relacionando nomes de eleitores, ou seja, colhendo o número dos títulos eleitorais, no próprio Comitê Eleitoral, sob a promessa de R$ 5,00 (cinco reais) em troca do voto eleitoral. Consta dos autos, às fls. 13, escritos extraídos de cadernos de anotações pessoais, nomes de eleitores, números de títulos e Seção eleitoral na qual o eleitor relacionado vota. Há nos autos prova de saque de cheque pelo recorrente de sua conta de alto valor, no dia do fato narrado na denúncia. Às fls. 49 dos autos percebe-se muito bem que a fila que se formou diante do comitê eleitoral do recorrente no dia do fato criminoso de “aproximadamente quarenta 322 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba pessoas portando um pedaço de papel onde constava o nome do eleitor, número do título e o endereço” e as pessoas da fila diziam que estavam ali para receber do apelante a importância de R$ 5,00 que estava sendo distribuída a cada eleitor pelo recorrente, mais uma prova da ocorrência do delito. A prova testemunhal é uniforme no sentido de que o apelante resvalou para a senda do crime. Pois bem, a testemunha Iracema Souto de Lima (fls. 51) afirma que viu uma fila de muitas pessoas em frente ao Comitê do apelante e foi informada de que as pessoas que estavam ali esperavam a distribuição de dinheiro, onde existia uma moça recolhendo os títulos das pessoas e fazendo anotações, “em um pedaço de papel e que posteriormente devolvia o título e pedaço de papel... com este bilhete foi para a fila, com o objetivo de receber a importância de R$ 5,00...” A testemunha TEREZA DANTAS diz que “chegou a Picuí por volta de meio dia e logo tomou conhecimento de que no Comitê do Sr. Severino Gomes estavam distribuindo dinheiro; que chegou ao Comitê constatou muita gente na fila; que estava sem título e diziam na fila que tinha que tê-lo, mas mesmo assim foi aconselhada a permanecer na fila...” (fls. 52). Por seu turno, a testemunha ANTONIA SOARES DA SILVA (fls. 53) sustenta que ouviu dizer que o 1º acusado estava em seu comitê distribuindo dinheiro. Alega mais a depoente que resolveu ir até lá e lá chegando presenciou várias pessoas e ela com o título à mão se dirigiu a uma sala onde falou com uma moça a qual não conhecia que indagou a pretensão dela depoente pedindo, também o título de eleitora da depoente, anotando alguns dados e no momento em que a moça devolvia o título de eleitor chegaram os oficiais de justiça interditando o comitê. O declarante JOSENILDO MEDEIROS DE OLIVEIRA constatou que esteve no Comitê e verificou que havia muita gente na fila e que as pessoas estavam lá com o fito de receber R$ 5,00 mas não chegou a ver quem estava escrevendo os bilhetes que continham o nome, o número do título de eleitor e o endereço das pessoas, mas havia no local moças com cartazes e vestida com camisetas dos candidatos (fls. 56 e 56v). O depoimento da testemunha MARGARIDA ROCHA SILVA (fls. 59) esclarece que passando pelo Comitê do apelante constatou muita gente na fila e que todos que ali estavam portavam um bilhete à mão onde continha o nome, endereço, o número da seção eleitoral e o número do título eleitoral “e todo mundo dizia que ia receber do 1º acusado dinheiro, precisamente a importância de R$ 5,00.” Os demais testemunhos são todos no sentido de que o apelante encontrava-se, no dia do fato delituoso, no seu comitê, distribuindo dinheiro em troca de votos. Está evidenciado nos autos que nenhum eleitor foi flagrado recebendo a importância prometida das mãos do apelante o que não afasta a consumação do delito. Na defesa da moralidade do pleito eleitoral, o legislador inseriu o crime de corrupção ativa, ou seja, oferecer, prometer e dar qualquer vantagem, com o fito de receber voto para si ou para outrem, ainda que a oferta não seja aceita. Na verdade, a lei eleitoral havia de ocupar-se com a pessoa daquele que é autor da improbidade e venalidade da eleição, o que evidentemente não condiz com os fins desta, ou seja, a lisura da eleição, orientada no sentido da boa representação do povo nas Câmaras, Assembléias e Congresso Nacional. Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 323 Pela só leitura dos termos do dispositivo incriminador entende-se muito bem que se trata, no caso, de um delito de simples atividade, ou de mera conduta, também dito formal. Consuma-se com o ato de oferecer ou prometer a vantagem indevida. À lei eleitoral não interessa que a lesão ou ofensa ao bem jurídico tutelado - o interesse da lisura da eleição - se dê efetivamente, isto é, se concretize, basta-lhe a possibilidade de dano real. É a corrupção ativa um desses crimes, em que, como ensina o mestre BINDING “a impaciência dos legislados o antecipa”, colocando a consumação na fase da tentativa. Crime forma atinge o momento consumativo no instante em que o eleitor toma conhecimento da oferta ou promessa da vantagem pelo candidato. No caso vertente a oferta foi às escâncaras. No meio da rua, por assim dizer, visto que se formou uma fila defronte ao comitê eleitoral do acusado, onde se dizia a una vox que os eleitores ali se encontravam para receber dinheiro oferecido pelo acusado. Tanto é corrupto quem dá o dinheiro ao eleitor, como quem oferece, faz uma fila defronte ao comitê arrecadando títulos eleitorais para anotar o nome do eleitor, o número do título e a seção onde vota o eleitor em troca de dinheiro prometido. Como bem se enxerga o dispositivo do art. 299, do CE, incrimina a ação externa que promove o candidato a posto eletivo. Não resta a menor dúvida de que a corrupção ativa se consuma com a simples oferta ou promessa de vantagem indevida por parte do candidato, ora recorrente, pouco importando que o eleitor tenha recebido ou não a oferta. Assim, atos que, segundo a regra geral, não passariam de tentativa, já se constituem, na espécie ventilada nos autos, a consumação do delito. É indiferente que a oferta ou promessa seja feita ao eleitor pelo corrupto diretamente ou por interposta pessoa, no caso as moças se encontravam vestindo farda do partido do recorrente, posto que em nome dele as moças recolhiam os títulos para os fins de tomar nota dos respectivos números, nomes e seções de votação. Não é possível dizer-se com mais clareza que o crime de corrupção ativa se constitui de oferecimento ou promessa de proveito ilegítimo, sendo a aceitação e a execução do ato avençado “condições de punibilidade mais grave para o corruptor.” No caso, o elemento subjetivo, o dolo específico, ou seja, a vontade livremente dirigida à oferta ou promessa de vantagem, que o recorrente sabe indevida, com o fim de determinar o aliciamento do voto mediante paga, é indisputável. Sem razão o apelante quando peleja no sentido de que o benefício da suspensão condicional da pena que lhe foi concedido afasta eventual inelegibilidade ou mesmo suspensão dos seus direitos políticos. É bem verdade que em quatro ou cinco decisões, girando a hipótese ventilada nestas autos, o eg. Tribunal Superior Eleitoral decidiu que a regra do Art. 15, II., da CF, não é auto-aplicável, dependendo de lei específica a indicar as hipóteses em que ocorre a suspensão dos direitos políticos, em razão da condenação criminal transitada em julgado, cujo debate maior ocorreu entre os votos dos Ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso, aquele sufragando a tese vencedora no TSE, enquanto este a que veio a ser vitoriosa no STF. A controvérsia foi deslindada pelo Col. Supremo Tribunal Federal no R. E. n° 179502-SP, Relator o Eminente Ministro Moreira Alves, julgado em 31 de maio de 1995, in DJ 08.09.95 quando ficou sinetado que a suspensão dos direitos políticos, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em julgado, ocorre, ainda que esteja em curso o período da suspensão condicional da pena, cujo aresto está assim ementado: “EMENTA: Condição de elegibilidade. Cassação de diploma de candidato 324 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba eleito vereador, porque fora ele condenado, com trânsito em julgado, por crime eleitoral contra a honra, estando em curso a suspensão condicional da pena. Interpretação do Art. 15, III, da Constituição Federal. Em face do disposto no Art. 15, II., da CF, a suspensão dos direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado, por sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena. Recurso extraordinário conhecido e provido.” Como bem se entende, a regra do art. 15, III, da CF de 1988, na interpretação do Egrégio Supremo Tribunal Federal, deve reputar-se de aplicação imediata, independentemente de norma infra-constitucional de regulamentação, o que vale dizer, a inelegibilidade do ora recorrente decorre do próprio texto constitucional. Na orientação do STF, a condenação criminal, transitada em julgado, de que cogita o Art. 15, III, da CF, não é só aquela que inviabilize pelo recolhimento do condenado, o exercício dos direitos políticos, mas também estando o condenando em gozo do sursis. Por todo o exposto, voto pelo não provimento da apelação, mantida em todos os termos a sentença recorrida. Participaram do julgamento que foi presidido pelo Exmo. Des. EVANDRO DE SOUZA NEVES, além do Relator, os Exmos. Juízes: Dr. LEÔNCIO TEIXEIRA CÂMARA, Dr. MARCELLO FIGUEIREDO FILHO, Dr. HITLER DE SIQUEIRA CAMPOS CANTALICE, Des. JOSIAS PEREIRA DO NASCIMENTO e o Dr. JOSÉ EDÍSIO SIMÕES SOUTO. Presente o Exmo. Dr. FRANCISCO CHAVES DOS ANJOS NETO, Procurador Regional Eleitoral. João Pessoa, aos 06 de fevereiro de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE JUIZ - RELATOR Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 325 REVISÃO ELEITORAL - PROVA DE RESIDÊNCIA Processo nº 56/96 - RECURSO Relator: O SR. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Recorrente: DIMAS EMÍDIO DOS SANTOS Recorrido: JUSTIÇA PÚBLICA ELEITORAL Advogado: DR. ANTÔNIO BERNARDO NUNES FILHO (RECTE.) ACÓRDÃO EMENTA: REVISÃO ELEITORAL. PROVA DA RESIDÊNCIA. CONTRATO DE ARRENDAMENTO. SUSPEIÇÃO. CANCELAMENTO DA INSCRIÇÃO. RECURSO. PROVIMENTO. - A mera suspeição do Juiz quanto à veracidade da documentação apresentada para fazer prova da residência não justifica o cancelamento de inscrição eleitoral, ainda mais quando a dúvida decorre apenas do serôdio reconhecimento de firmas em contratro de arrendamento. - Recurso a que se dá provimento. Vistos, relatados e discutidos estes autos acima identificados. A C O R D A o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba em proferir a seguinte decisão: Deu-se provimento ao recurso, à unanimidade, em desarmonia com o parecer do MPE. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em João Pessoa, 02 de abril de l996. Presidente Relator PRE 326 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba RELATÓRIO Dimas Emídio dos Santos, qualificado, recorreu a este E. TRE, em 12/ 01/96, em virtude de decisão judicial que cancelou sua inscrição na revisão eleitoral realizada em São José do Bonfim (65ª Zona - Patos), alegando, em síntese, que: a) o Juiz vislumbrou suspeição nos documentos do recorrente, mas o mesmo merece reforma, já que a inscrição - que é a inicial - data de 1980; e b) A Resolução 19.219, de 21.03.95, do C. TSE, exigiu revisão de inscrição ou transferência ocorrida entre 01.01.86 e 31.12.94, o que não ocorre com o recorrente. Aduziu, mais, que (fls. 03): “Com relação à conservação de qualquer documento, se esclareça a princípio, que isso pode ocorrer segundo a maneira como o mesmo foi guardada, desde a sua lavratura e, a respeito ao reconhecimento das firmas dos signatários dos documentos, isto também é uma opção das partes, que, muitas vezes, só reconhecem as referidas firmas, se necessitarem de utilizar o documento no âmbito da Justiça, sendo, portanto, uma faculdade das partes o reconhecimento ou não. Se o tabelionato ao reconhecer as firmas, o fez, com a data anterior, entende o recorrente, que esse reconhecimento não vei alterar o documento, vez que as assinaturas são autênticas e o reconhecimento das firmas veio apenas confirmar a autenticidade das mesmas.” Por fim, pediu o provimento do recurso. Juntos: três certidões (fls. 06/08); cópia do título (fls. 09); documentos de fls. 10/12; ficha de interrogatório individual. (fls. 14); documentos de fls. 15/19. O Juiz cancelou a inscrição (fls. 24), por desconfiar da veracidade dos contratos de arrendamento que fundamentaram o pedido de recadastramento, já que os instrumentos, apesar de datados de já algum tempo, estavam muito conservados. A Promotoria Eleitoral opinou pelo improvimento do recurso. Subiram os autos e a PRE manifestou-se pelo desprovimento, posto que “muito embora, a ter do parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral, exista uma faculdade de escolher como domicílio eleitoral quaisquer dos lugares onde mantinha moradia, cuja escolha, a cargo do alistando, somente pode ser feito quando de sua inscrição, e não quando promova sua transferência em caso de mudança de domicílio, mesmo na hipótese dos autos é de se ressaltar que este dispositivo não socorre o recorrente, pois, contemporaneamente à data da inscrição originária, não existia nenhum dado que o levasse a ser considerado morador naquela cidade de São José do Bonfim/PB, o que leva à convicão que agiu bem o il. Juiz a quo ao proceder o cancelamento de seu título eleitoral naquela cidade.” Conclusos, pedi dia para julgamento. É o relatório. A seguir o voto. VOTO Dessume-se da leitura atenta dos autos que o MM. Juiz Eleitoral, cumprindo a programação para revisão do eleitorado, forte nas suspeitas que levantou acerca da veracidade Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 327 do instrumento do contrato de arrendamento rural apresentado para fazer prova da residência, determinou o cancelamento da inscrição do recorrente Dimas Emídio dos Santos. Data venia, entendo equivocada a decisão. É que uma simples suspeição pessoal do Juiz não é suficiente para torná-la devidamente fundamentada, seja em virtude de improvável estado de conservação dos documentos, seja por conta de serôdio reconhecimento cartorário das firmas. Vislumbrando-se qualquer sinal de fraude ou simulação, com suposição de documentos forjados, a atitude correta seria proceder-se a um exame mais acurado daquilo que se pretende provar, lançando mãos das diligências cabíveis. Se não agiu dessa maneira, incorreta foi a exclusão. Por essas razões, dou provimento ao recurso. É como voto. Presidiu o julgamento o Exmo. Des. Evandro de Souza Neves, e dele participaram, além do Relator, os Exmos. Juízes Dr. Leôncio Teixeira Câmara, Dr. José Edísio Simões Souto, Dr. Marcello Figueiredo Filho, Dr. Hitler de Siqueira Campos Cantalice e Dr. Josias Pereira do Nascimento. Presente o Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins, ilustre representante do Ministério Público Eleitoral. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, João Pessoa, 02 de abril de 1996. JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE JUIZ - RELATOR 328 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba REGISTRO DE CANDIDATURA Processo nº 738/96 - RECURSO Relator: O SR. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Recorrente: COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR E DEMOCRÁTICA TEIXEIRENSE (PSD - PMDB - PT) Recorrido: JUSTIÇA PÚBLICA ELEITORAL Advogado: DR. EDMUNDO DE MELLO XAVIER (RECTE.) ACÓRDÃO EMENTA: REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO. TRÍPLICE FUNDAMENTAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO. PRELIMINARES. DESCABIMENTO. MÉRITO. MATÉRIAS JÁ APRECIADAS EM OUTROS PROCESSOS, COM RELAÇÃO AO MESMO CANDIDATO, E SOB AS MESMAS ALEGAÇÕES. IMPROVIMENTO. - O processo de impugnação é regido pela resolução 19.509/96, com vista às partes em cartório, com prazo comum; não se exige, para maior celeridade, notificação para tanto. - Não há interesse jurídico no desentranhamento de alegações apresentadas em substituição a outras apócrifas, se não há prejuízo, nem intempestividade, mormente quando só ratificam os termos da contestação. - Resta prejudicado o recurso contra decisão que julgou improcedente impugnação de registro de determinado candidato, se o mesmo foi deferido, sob os mesmos fundamentos, em outros processos. Vistos, relatados e discutidos estes autos acima identificados. A C O R D A o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba em proferir a seguinte decisão: “rejeitadas as preliminares suscitadas, à unanimidade. Por igual votação, negou-se provimento ao recurso, quanto ao mérito”. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em João Pessoa, 26 de agosto de 1996. Presidente Relator PRE Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 329 RELATÓRIO Cuida-se de recurso da decisão que julgou improcedente impugnação ao registro do candidato Inácio de Oliveira Amorim, ao cargo de Prefeito do Município de Teixeira. A argüição de inelegibilidade vem lastreada em três fundamentos: rejeição de contas, duplicidade de filiações e emissão de cheque sem fundos. A sentença guerreada restou assim ementada (fls. 107): “IMPUGNAÇÃO - REGISTRO DE CANDIDATURA - PRELIMINAR SUSCITADA - REJEITADA - INELEGIBILIDADE - REJEIÇÃO DE CONTAS - TCU - ÓRGÃO CONSULTIVO - INOCORRÊNCIA - DUPLA FILIAÇÃO NÃO CARACTERIZAÇÃO - CONFLITO DE LEIS NO TEMPO - ÚLTIMO VÍNCULO PARTIDÁRIO MANTIDO - IMPROCEDÊNCIA - INTELIGÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS DA LEI 9.096/95. - É de se rejeitar as preliminares suscitadas, à míngua de amparo legal. - A impugnação formalizada sob o ângulo da rejeição de contas pressupõe o crivo do órgão competente - do Poder Legislativo - e a cláusula referente à existência de irregularidade insanável. Simples parecer do Tribunal de Contas não respalda o indeferimento do registro. (AC-TSE nº 11.972, Ministro Marco Aurélio) - Nos casos em que uma das filiações antecede à nova regulamentação, considerar-se-á válida a última realizada.” O prazo para contra-razões transcorreu in albis (fls. 117), sendo as mesmas anexadas às fls. 125 e ss., em face do atestado médico de fls.123. A douta PRE opinou às fls. 138/140, pelo improvimento. Conclusos, coloquei em mesa para julgamento. É o relatório. A seguir, o voto. VOTO PRELIMINARES 1º - Ausência de vista dos documentos acostados à inicial. Sem razão o recorrente, que busca a decretação de nulidade, uma vez que, além de inexistir prejuízo, decidiu corretamente o Juiz Eleitoral, no sentido de que não é “de se considerar nulo o processo, ante a falta de vista à impugnante, após a contestação e juntada de documentos, nos termos do art. 398, do CPC, considerando o processo de impugnação ser regido pela resolução 19.509/96, a qual prevê vista às partes em cartório, com prazo comum, não exigindo, para maior celeridade do processo eleitoral, notificação para tanto. Não se aplica no caso in specie as regras do CPC, motivo pelo qual é de se rejeitar a preliminar suscitada”. 330 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 2º - Desentranhamento das alegações finais apócrifas Às fls. 92/93, repousam as alegações finais pelo recorrido, devidamente assinadas, o que vem suprir a falta de assinatura na peça de fls. 90/91. Assim, como bem assinalou o Juiz monocrático, “não obstante o lapso do patrono do impugnado, não ocasionou prejuízos às partes, tendo esse deixado de assinar (...) as alegações, e, inclusive, tendo apresentado outra ainda em tempo hábil, sem maiores influências, considerando ter, em ambas, pura e tão-somente, ratificado os termos da contestação.” Ou seja, não há interesse jurídico suficiente para autorizar o desentranhamento pleiteado. MÉRITO Em seu recurso, o recorrente não chega a insurgir-se com fundamento na alegada emissão de cheque sem fundos. Ressalta apenas não ter alardeado que a LC 64/90 punisse com inelegibilidade os “passadores de cheque sem fundo”, mas que apenas tencionara alertar as pessoas sobre a conduta do candidato. Assim, não tendo pedido a reforma da sentença em virtude dessa alegação - não existindo nos autos, ademais, qualquer prova da existência de ação criminal contra o impugnado - não há, juridicamente, recurso quanto a esse aspecto. Por outro lado, no que toca às alegações de rejeição de contas e de duplicidade de filiações, o recurso há de ser julgado prejudicado, pois essas matérias, com relação ao impugnado, já foram discutidas nos processos 750/96 e 749/96, respectivamente. Isso posto, ante o descabimento das preliminares, nego provimento ao recurso. É como voto. Presidiu o julgamento o Exmº Des. Evandro de Souza Neves, e dele participaram, além do Relator, o Exmº Des. Joaquim Sérgio Madruga e os Juízes Dr. Ruy Formiga Barros, Dr. Marcello Figueiredo Filho, Dr. Manoel Paulino da Luz e o Dr. José Edísio Simões Souto. Presente o Dr. Antonio Carlos Pessoa Lins, ilustre representante do Ministério Público Eleitoral. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, João Pessoa, 26 de agosto de 1996. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE RELATOR Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 331 DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA PROCESSO Nº 359/96 - RECURSO Relator: O SR. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Recorrente: FRANCISCO DE ASSIS LEÔNCIO DE BRITO Recorrido: JUSTIÇA PÚBLICA ELEITORAL Advogados: DRS. MARCOS PIRES E FRANCISCO DE ASSIS LEÔNCIO DE BRITO (RECTE.) ACÓRDÃO EMENTA: DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. FILIAÇÃO PRIMITIVA OCORRIDA NA VIGÊNCIA DA EX-LOPP. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA ATUAL LEI. 9.096//95. - Se a filiação mais antiga remonta à época de vigência da revogada L. 5.682/71 (ex-LOPP), não é de se fazer incidir o comando do art. 22, parágrafo único, da L. 9.096/95, que impõe a nulidade de ambas as filiações, no caso de inobservância de suas prescrições. Vistos, relatados e discutidos estes autos acima identificados. A C O R D A o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba em proferir a seguinte decisão: Por maioria de votos, deu-se provimento em harmonia com o parecer. Esteve na Tribuna, em sustentação, o Bel. Marcos Pires. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em João Pessoa, 16 de agosto de 1996. Presidente Relator PRE 332 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba RELATÓRIO Cuida-se de recurso da decisão do juiz eleitoral da 58ª Zona Eleitoral, que, aplicando o que dispõe o art. 22, parágrafo único, da L. 9.096/95, determinou o cancelamento das filiações partidárias de Francisco de Assis Leôncio de Brito. Consta dos autos, que a primeira filiação (PFL) se deu na vigência da L. 5.682/71, e, a segunda (PMDB), na vigência da nova L. 9.096/95, ambas agremiações no Município de São José dos Cordeiros (58ª Zona - Serra Branca), sem que se tenha procedido às comunicações atualmente exigidas. A douta PRE opinou pelo provimento (fls. 20), por não se considerar a filiação havida anteriormente à vigência da lei nova. Conclusos, pedi dia para julgamento. É o relatório. A seguir, o voto. VOTO Sr. Presidente, Egrégio Tribunal, o recurso merece provimento. Com efeito, como já tive oportunidade de votar, aqui, em casos assemelhados, se a filiação mais antiga remonta à época de vigência da revogada L. 5.682/71 (ex-LOPP), entendo que não incide o comando do art. 22, parágrafo único, da L. 9.096/95, que prescreve: “Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos”. Essa regra é válida, a partir de sua vigência, apenas para aquelas filiações novas, quando ambas se realizarem sob o seu manto. Outra interpretação feriria o disposto no art. 5º, inciso XXXVI, da Lei Maior: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. E a própria Lei. 9.096/95, em seu art. 58, faz a ressalva em torno da primeira relação de filiados: “Art. 58. A requerimento de Partido, o Juiz Eleitoral devolverá as fichas de filiação partidária existentes no cartório da respectiva Zona, devendo ser organizada a primeira relação de filiados, nos termos do art. 19, obedecidas às normas estatutárias”. Isto posto, dou provimento ao recurso. É como voto. Presidiu o julgamento o Exmº Des. Evandro de Souza Neves, e dele participaram, além do Relator, o Exmº Des. Joaquim Sérgio Madruga e os Juízes Dr. Ruy Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 333 Formiga Barros, Dr. Marcello Figueiredo Filho, Dr. Hitler de Siqueira Campos Cantalice e o Dr. José Edísio Simões Souto. Presente o Dr. Antonio Carlos Pessoa Lins, ilustre representante do Ministério Público Eleitoral. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, João Pessoa, 16 de agosto de 1996. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE RELATOR 334 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba RECONTAGEM DE VOTO Processo nº 1017/96 - RECURSO Relator: O SR. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE Recorrentes: COLIGAÇÃO UNIÃO DEMOCRÁTICA PROGRESSISTA Recorrido: JUNTA ELEITORAL Advogados: DRS. JOSÉ LUCIANO GADELHA, JOÃO DE ASSIS BENTO (RECTE.) ACÓRDÃO EMENTA: PEDIDO DE RECONTAGEM. ART. 28, III, DA L. 9.100. INDEFERIMENTO. RECURSO. REQUISITOS ATENDIDOS. PROVIMENTO. - O pedido de recontagem com base no art. 28, III, da L. 9.100, que independe de prévia impugnação ou recurso, deve ser deferido, tanto que atendidos os requisitos a ele atinentes. - Recurso provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos acima identificados. A C O R D A o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba em proferir a seguinte decisão: Deu-se provimento ao recurso, por votação unânime. Usaram da tribuna os advogados Luciano Gadelha e Walter Agra Júnior. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em João Pessoa, 12 de novembro de 1996. Presidente Relator PRE Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 335 RELATÓRIO Cuida-se de recursos da decisão da Junta Eleitoral que indeferiu pedido de recontagem de votos do pleito majoritário do Município de Aguiar, e em que são recorrentes a Coligação “UNIÃO DEMOCRÁTICA PROGRESSISTA” de Aguiar, por seu candidato a VicePrefeito, José Horácio Ramalho Leite e o DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PMDB de Aguiar, por seu Presidente. As razões recursais repousam às fls. 05 e ss., bem assim às fls. 103/ 104, e se fulcram basicamente em que a diferença de dois (02) votos, margem com que foi eleito o candidato Darcy Alves de Lacerda, num universo de 3.827 votos apurados, entre válidos, brancos e nulos, não expressa cristalinamente a vontade do eleitorado, a se considerar a possibilidade de ter ocorrido erro na apuração. Alega-se, outrossim, destonância do total de votos válidos de determinada urna em comparação com a média das demais apuradas. Com vista dos autos, opinou a douta PRE pelo provimento do recurso (fls. 132/133). Conclusos, pedi dia para julgamento. É o relatório. A seguir, o voto. VOTO Sr. Presidente, egrégia Corte, os recursos vêm lastreados no comando do art. 28, III, da L. 9.100/95, in verbis: III - será, também, assegurada a recontagem dos votos, na forma do inciso anterior, quando, na fundamentação do recurso, ficar evidenciada a atribuição de votos a candidatos inexistentes, o não fechamento da contabilidade da urna, bem como a apresentação de totais de votos nulos, brancos ou válidos destoantes da média geral verificada nas demais Seções do mesmo município ou Zona Eleitoral; Analisando o dispositivo, em seus Comentários à Lei nº 9.100/95, Fiuza Editores, prelecionam Alberto Rollo e Enir Braga, acerca dessa distorção na média: “Outro motivo abrigado pelo art. 28, inc. III, da L. 9100, para a recontagem, é a demonstração, pela média, da existência de distorções relativamente aos votos nulos, brancos e válidos, de uma urna, comparativamente com outras de secções do mesmo município. Tal hipótese de recontagem motivada já estava prevista no art. 25, § 2º, da L. 8.214/92, e no art. 87 da L. 8.713/93.” A meu sentir, egrégia Corte, o caso em apreço subsume-se ao inciso epigrafado. Primeiramente, porque, desconsiderando a urna da seção de nº 17, em que o candidato Darcy Alves obteve maioria de 25 votos - urna essa que mais causou estranheza aos recorrentes -, temos que em todas as outras a diferença a seu favor nunca foi superior a 336 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba 10 votos, salvo na seção 003, em que obteve 18 votos a mais que o candidato Francisco Mendes, que, por seu turno, chegou a obter, na seção de nº 006, 28 votos a mais que o seu concorrente. Sem dúvida, não só na seção de nº 17, como também na de nº 003, a apresentação de votos válidos em favor de Darcy Alves encontra-se destoante da média geral verificada nas demais seções do município. Por outro lado, o resultado final da apuração revelou uma diferença singular: apenas dois (02) votos de vantagem para o candidato Darcy Alves. E sendo essa margem muito pequena para - como já se disse - um universo de 3.827 votos contabilizados, entendo de bom alvitre o atendimento do pedido, para que não reste duvidosa a manifestação da soberania popular exercida no último pleito eleitoral. No caso, entendo dispensável a prévia impugnação ou recurso, por ocasião da apuração, como condição para o posterior pedido de recontagem. Há de se buscar a mens legis, a partir da leitura do texto frio da lei. Com efeito, o inciso III, do art. 28, já referido, faz menção ao inciso II, ao dizer que será também assegurada a recontagem de votos, na forma do inciso anterior (...)... Ora, o inciso II, que foi vetado, dizia: “Art. 28.......................................................................... II - sendo o pedido formulado conjuntamente pela maioria dos partidos participantes do pleito e com representação na Câmara dos Deputados, considerados individualmente, quer sejam coligados ou não, o deferimento será automático e a recontagem pela Junta Apuradora efetivar-se-á no prazo máximo de 48 horas;” ...................................................................................... E as razões do veto foram as seguintes: “A regra insculpida na Lei nº 8.214, de 24 de julho de 1991, teve como fundamento a previsão de escrutínio na própria mesa receptora, onde, pela sua natureza, seria impossível, o controle jurisdicional do processo de apuração. Nessa hipótese, seria, em tese, admissível a recontagem automática, a fim de que a matéria fosse devolvida à Justiça Eleitoral, como primeira instância jurisdicional. Não é o caso do projeto de lei em tela, dado que este, no art. 28, II, ao prever a apuração tradicional, pela Junta, leva à atuação do Poder Judiciário desde a gênese do processo de escrutínio, cuja ata final tem a eficácia de ato jurisdicional. Diga-se que o legislador, na espécie, se limitou a transcrever a norma da citada Lei nº 8.214, a qual já fora suprimida pela Lei nº 8.713, de 30 de setembro de 1993, que regulamentou as eleições de 1994, por absoluta incompatibilidade com o sistema de apuração alvitrado. Destarte, pleito de recontagem que implique deferimento automático, com base apenas no número de partidos requerentes, sem que estes justifiquem suficientemente o pedido, constitui-se em flagrante inconstitucionalidade, violando a autonomia do ato jurisdicional e conduzindo a uma ruptura do sistema processual em vigor, o qual exige a fundamentação em qualquer decisão, como pressuposto de sua executoriedade (art. 93, IX, CF), o que conduz ao veto do art. 28, II, da propositura.” Creio que a intenção do legislador, no que se refere ao inciso III, permaneceu inalterada, e deve ser visualizada da maneira que o seria se o inciso II não Rev. Parahyba Judiciária. João Pessoa, 1(1): 338, 1998 337 houvesse sido vetado, o que implica a possibilidade de pedido de recontagem, fulcrado em destonância da média, independente de prévia impugnação ou recurso. Nesse ponto, faço minhas as palavras do Dr. Antonio Carlos Pessoas, eminente Procurador Regional Eleitoral: “Cumpre observar que assiste razão aos recorrentes ao afirmarem que “a inexpressiva maioria de 02 (dois) votos se mantida sem uma recontagem, deixará sérias dúvidas sobre a garantia constitucional da vontade dos eleitores. Diante da probabilidade de erros causados pelo cansaço e parcialidade dos escrutinadores, é que se recorre de plano, à Justiça para ver respeitado no sistema democrático o sagrado direito da vontade popular”. Com relação à apuração da Seção 17 (dezessete), também, merece acolhida o argumento dos recorrentes, visto que a diferença de 25 (vinte e cinco) votos em favor do candidato Francisco Mendes Pedrosa foi eliminada com os votos existentes apenas na referida seção, o que causou uma certa surpresa, não estando a apuração daquela urna de acordo com a média das demais”. Isso posto, dou provimento ao recurso, para determinar a recontagem total dos votos da eleição majoritária de 03/10/96, no município de Aguiar (66ª Zona Eleitoral - Piancó). É como voto. Presidiu o julgamento o Exmº Des. Evandro de Souza Neves, e dele participaram, além do Relator, o Exmo. Des. Joaquim Sérgio Madruga e os Juízes Dr. Ruy Formiga Barros, Dr. Marcello Figueiredo Filho, Dr. Hitler de Siqueira Campos Cantalice e o Dr. José Edísio Simões Souto. Presente o Dr. Antonio Carlos Pessoa Lins, ilustre representante do Ministério Público Eleitoral. Sala das Sessões do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, João Pessoa, 12 de novembro de 1996. JUIZ JOSÉ FERNANDES DE ANDRADE RELATOR Desconsiderando a urna de nº de 17, em que o candidato Darcy obteve maioria de 25 votos, em todas as outras a diferença a seu favor nunca foi superior a 10 votos, salvo na seção 003, em que obteve 18 votos a mais que o candidato Chico, que, por seu turno, chegou a obter, na seção de nº 006, 28 votos a mais que o seu concorrente. Sem dúvida, não só na seção de nº 17, como também na de nº 003, a apresentação de votos válidos em favor de Darcy encontra-se destoante da média geral verificada nas demais seções do município. 338 Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária da Paraíba