- DCS/UEM

Propaganda
RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL:
CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO
Rafael Adilio Silveira dos Santos
Graduando em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá
Bolsista PIBIC-Fundação Araucário - UEM
Resumo: Em meados de 2007, teve início o processo de crise financeira nos Estados Unidos,
momento em que as manifestações da crise ocorreram no setor imobiliário, influenciou
fortemente a inadimplência no pagamento das hipotecas do segmento subprime (mercado de
crédito), gerou ampla desvalorização de imóveis e dos ativos financeiros ligados ao setor. O
estouro da crise financeira que ganhou proporções internacionais deriva da política monetária
americana, de inspiração neoliberal, que advoga a não intervenção do Estado no funcionamento
do mercado, gerando desregulamentação. Mas é em 2008, com a falência do Banco Lehman
Brothers e de outras instituições financeiras que a crise confirma sua gravidade, causa medo no
mercado mundial e deixa de ser um problema estadunidense apenas. Nestes momentos de crise
do sistema capitalista, novamente altera-se o papel do Estado em relação ao Mercado, sendo
que, lhe é atribuída à responsabilidade de socorrer financeiramente empresas e bancos privados,
com o argumento de que é preciso garantir a recuperação da economia. Dado o contexto, o
presente ensaio, busca explicitar os fatores que levaram à crise financeira deflagrada em 2007,
bem como analisar parte das medidas adotadas pelo Governo americano antes e depois do início
da crise, que alteraram os rumos da economia política internacional.
Palavras-chave: Crise financeira nos Estados Unidos; Estado; Mercado; Economia política.
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
475
RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS
INTRODUÇÃO
O Estado, mais do que uma instância meramente política de uma nação, também interfere
nos rumos econômicos de um país, mesmo num sistema de inspiração liberal que advogue
participação governamental mínima, ou seja, economia e política se relacionam. Portanto,
analisamos a relação entre estas duas estruturas no atual sistema capitalista onde as instituições
liberais predominam, procurando estabelecer de que maneira uma estrutura da realidade
influencia a outra, onde há pontos de toque entre economia e política na vida social. Neste
contexto, pretendemos estudar as causas da crise econômica iniciada em 2007, conforme
sugerem Belluzzo (2011a) e Silva (2009), a qual reverbera até os dias atuais.
Inseridos nos marcos da Economia Política e da Teoria Crítica, recusamos as teorias que
separam economia e política, pois as compreendemos de forma articulada na análise científica
da realidade, as duas perspectivas da vida humana andam juntas e não de maneira separada.
Também não tratamos economia política em seus aspectos interno e externo de forma estanque
e separada, o que ocorre dentro de um país não está imune ao que ocorre internacionalmente.
Estamos no campo da macroeconomia, pois o que nos interessa é uma visão geral dos motivos
da crise e de como o governo estadunidense tem lidado com tal circunstância.
Apesar da contemporaneidade da crise, percebendo que hoje ela assola não só os
Estados Unidos, mas também a Europa, isso não significa que ela seja um problema ao qual
nos deparamos de maneira inédita ou surpreendente, falar da história ou do desenvolvimento
da sociedade capitalista é ter que relatar a ocorrência das crises. Elas são inerentes, inevitáveis
ao atual modo de produção em que vivemos e não apenas um acidente no percurso que foge a
qualquer previsão, elas não têm caráter excêntrico na realidade, a crise econômica é constitutiva
do capitalismo e expressão de suas contradições. Nesse sentido, cabe enfatizar que, “não existiu,
não existe e não existirá capitalismo sem crise”. (NETTO; BRAZ, 2011, p. 167).
Num rápido levantamento histórico das crises econômicas no capitalismo, de 1825 até
a Segunda Guerra Mundial ocorreu quatorze delas. As crises deixaram de ser localizadas e
passaram a ter dimensão internacional, a mais grave do século XIX foi em 1873, a crise de
29 certamente é uma das mais marcantes da história e tocante no que se refere ao século XX.
Assim nos é apresentado o desenvolvimento conturbado da sociedade capitalista na sua história
recente:
Em pouco mais de um século, como se constata, a dinâmica capitalista revelou-se
profundamente instável, com períodos de expansão e crescimento da produção
sendo bruscamente cortados por depressões, caracterizadas por falências,
quebradeiras e, no que toca aos trabalhadores, desemprego e miséria. (NETTO;
BRAZ, 2011, p. 166)
A frequência das crises, juntamente de seu caráter sistêmico, as tornam por si só objeto
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
476
RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO
de importantíssima análise para compreendermos melhor e de forma mais clara a conjuntura
internacional, os processos envolvidos nas relações internacionais e a compreensão da dinâmica
envolvida no âmbito da Economia Política Internacional. Pretendemos, assim, contribuir com
nosso estudo para o entendimento das crises e o papel desempenhado pelo Estado em meio aos
interesses envolvidos da sociedade civil, bem como instituições ou empresas que representam
o capital.
Precisamos pensar a crise para além de um fenômeno econômico, mas também nas
suas implicações para as decisões políticas da vida social, onde certas prioridades ficam mais
evidentes. A crise manifesta as contradições e lutas que ocorrem no âmbito da sociedade de
classes na defesa por interesses, ajudando a pensar a relação capital/Estado que não se separa
do mundo do trabalho.
A ATUAL CRISE FINANCEIRA NOS ESTADOS UNIDOS
Parte-se do pressuposto de que nenhuma crise explica-se apenas pelo momento em que é
deflagrada e se torna evidente, por isso, com a crise de 2007/2008 não foi diferente. No entanto,
precisamos voltar um pouco no tempo para explicar as origens das perturbações da economia
política que nos atingem até os dias atuais.
Devido às políticas monetárias dos anos 1980, os Estados Unidos mantiveram a inflação
sob controle nos anos de 1990, a taxa de juros foi mantida baixa, o que proporcionava baixo
rendimento aos bancos e demais instituições financeiras fazendo com que corressem atrás de
novas alternativas na competição por lucros; mas estimulava o consumo e o investimento pelo
país (SILVA,2009).
O ambiente de tranquilidade na economia estadunidense foi quebrado no início dos anos
2000, com a crise das empresas pontocom (empresas ligadas à internet que tiveram suas ações
supervalorizadas, quando os lucros não foram os esperados, seus papéis ficaram ilíquidos)
e o desaquecimento econômico que acometeu o país. O crescimento médio do PIB caiu de
4,34% para 0,31% entre 2000 e 2001, resultado da contração do consumo das famílias. Neste
cenário, a taxa de juros foi reduzida sucessivamente, estimulando as famílias a contraírem
empréstimos e consequentemente gastando mais para alavancar a retomada de crescimento da
economia, mas não parou por aí, o governo americano também reduziu impostos para elevar
o crescimento. Depois do abalo na confiança do mercado de ações com a crise das empresas
pontocom e a redução do retorno deste tipo de aplicação (devido à redução da taxa de juros),
todos procuravam alternativas para investirem seu dinheiro, uma das alternativas estava na
construção de novas casas, ou seja, no investimento imobiliário (SILVA, 2009).
O mercado já tinha bancos e financeiras que dominavam o crédito para o setor imobiliário,
principalmente no segmento prime, onde as regras para os tomadores de empréstimos eram
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
477
RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS
mais rígidas, exigia-se um bom histórico de crédito e renda suficiente para pagar as parcelas.
As novas empresas (bancos e financeiras que outrora atuavam em outros mercados, mas
encontraram espaços num cenário de desregulamentação para explorar novas possibilidades
e acirrar a competição) que investiam na área imobiliária procuravam lucros e crescimento
rápido. O setor que apresentou as maiores possibilidades de ganhos foi o segmento subprime,
onde o oferecimento de garantias exigido por parte de quem concede o financiamento é menor,
como frisou Belluzzo (2011b), empréstimos saíram até para desempregados, dando uma ideia
dos riscos do setor, que por isso cobrava mais juros. A casa era a garantia do financiamento e
com a valorização dos imóveis as possibilidades de lucros eram maiores, enquanto houvesse
alta procura e consequente valorização das moradias as empresas que investiam no crédito
subprime estariam confiantes (SILVA, 2009).
A alta procura por imóveis por parte das famílias e especuladores os valorizou, isso
afetou o consumo também, muitas pessoas refinanciaram suas residências baseadas nos novos
valores, ou seja, valorizados; a segunda hipoteca permitia a quitação da primeira e ainda sobrava
dinheiro para a realização de outros desejos de consumo, o que aquece a economia, embora
possa afetar a inflação do país (SILVA, 2009).
Os créditos subprime foram concedidos a pessoas sem renda, sem emprego e sem
poupança. Isto é, as pessoas foram incentivadas a contraírem hipotecas, pois a valorização dos
imóveis poderia ser usada para quitar parte da dívida e o resto seria refinanciado. Os bancos
acabaram ficando cheios de contratos subprime, uma transação financeira frágil e especulativa,
visto que baseava suas ações na valorização dos imóveis e no retorno maior de juros cobrados
pelo risco (SILVA, 2009).
Conforme nos aponta Silva (2009), bancos e instituições financeiras utilizaram um
processo chamado securitização1 para desenvolver o setor de crédito subprime, transferindo,
assim, os riscos para os investidores. Este processo é utilizado pelos bancos para a alavancagem2
do mercado subprime americano. Os ativos ligados ao segmento suprime, por se tratarem de
ativos de alto risco, possibilitavam altas taxas de retorno, sendo mais atrativos para investidores,
além do mais, os papéis securitizados do subprime tiveram boas notas pelas agências de
classificação, o que diminui a desconfiança do mercado. A securitização do subprime torna o
sistema financeiro frágil, pois é altamente especulativo, onde as garantias de pagamento por
parte dos tomadores é incerta, trata-se de um setor com alto risco de calote, sem contar que não
havia garantias do governo para este tipo de financiamento (SILVA, 2009).
1 De acordo com Sandroni (2003), securitização é um “termo oriundo da palavra inglesa security e que significa
o processo de transformação de uma dívida com determinado credor em dívida com compradores de títulos
originados no montante dessa dívida. Na realidade, trata-se da conversão de empréstimos bancários e outros ativos
em títulos (securities) para a venda a investidores que passam a ser os novos credores dessa dívida (SANDRONI,
2003, p. 548).
2 Termo usado no mercado financeiro para designar a obtenção de recursos para realizar determinadas operações
(SANDRONI, 2003, p. 19).
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
478
RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO
Os créditos securitizados foram transferidos pelas instituições financeiras a terceiros no
mercado. Todo o processo se inicia com a transferência dos contratos de empréstimos hipotecários
para um fundo de investimento, que emite cotas de classes diferentes, variando a taxa de retorno
proporcionalmente ao risco, lembrando que esta classificação era autenticada pelas empresas
classificadoras de risco. O fundo garantia as perdas relacionadas à inadimplência no segmento
subprime, os papeis desse fundo eram garantidos por outros títulos, empréstimos ou outro tipo
de ativos. Cotas de médio risco eram enviadas ao fundo e anexadas a outros títulos de dívida
(cartão de crédito e outros financiamentos, como o de automóveis), os papéis obtinham outra
classificação, que era melhor em relação a anterior. Tal desenvolvimento permitiu que 75% dos
papéis lastreados em hipotecas subprime levados ao fundo recebessem notas de baixo risco,
isso fez com que os riscos do crédito fossem espalhados das instituições financeiras e bancárias
para os mais diversos investidores do mercado, além do que, permitiu que as empresas ligadas
ao subprime conseguissem recursos a baixo custo para financiá-lo (SILVA, 2009).
Surgiram também empresas SIV (Structured Investment Vehicle) que financiavam o
setor subprime, elas adquiriam títulos a longo prazo e de maior remuneração (trazendo maiores
ganhos aos acionistas) e emitiam títulos de curto prazo de baixos juros. Em nossos estudos,
apuramos que dois problemas decorrem deste tipo de financiamento:
O primeiro era o risco de solvência, relacionado a possibilidade dos preços dos
títulos de longo prazo se reduzirem a patamares inferiores aos preços dos títulos
de curto prazo emitidos pelo fundo, levando a sua insolvência. O segundo risco
era o de liquidez, devido a discrepância dos prazos da concessão e obtenção
dos empréstimos. Se tomava recursos emprestados a curto prazo e concedia
empréstimos de longo prazo, pelo fato dos empréstimos demorarem mais tempo
para retornar poderia haver o risco de liquidez. (SILVA, 2009, p. 50-51).
Os chamados fundos CDOs (Colletaralised Debt Obligations) associados as SIVs,
permitiram a captação de recursos a um baixo custo, mediante a venda de ativos de alto risco,
e ao mesmo tempo contribuíram com a proliferação das operações Off-balance, possibilitando
ampliar o nível de alavancagem dos bancos transferindo os riscos a terceiros e ao mesmo tempo
fugir das regras impostas pelo Acordo da Basiléia. Essas operações levaram a uma melhora nas
avaliações de risco das carteiras das instituições financeiras, mostrando grandes probabilidades
de retornos e riscos menores aos arcados na ausência dos derivativos. (Idem, p. 51).
Curioso é perceber que as instituições financeiras operavam altamente alavancadas,
porém, frouxamente reguladas, não possuíam reservas de capital, sem acesso aos seguros de
depósitos, sem operações de redesconto e linhas de crédito de última instância dos Bancos
Centrais, assim, ficando vulneráveis a saques de desconfiança e desequilíbrios patrimoniais.
(CINTRA; PRATES, 2011). A melhor classificação dos papéis vinculados ao segmento
subprime possibilitou a compra deles por grandes fundos, principalmente da Europa, bancos
também investiram neste tipo de título esperando maior retorno e havia confiança na economia
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
479
RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS
que tinha desempenho favorável desde 2001.
Contudo, a partir de 2004 inicia-se um efeito inflacionário, estimulado pelo preço dos
imóveis valorizados, o governo passa a rever sua política monetária e adota medidas restritivas
de elevação da taxa de juros. Na medida em que a taxa de juros baixava, a oferta de imóveis
aumentava, quando ocorre elevação da taxa de juros, a quantidade de imóveis se reduziu,
quando a taxa de juros de curto prazo chegou a 3,25%, a venda de imóveis tem uma baixa mais
acentuada. O problema relacionado ao aumento da taxa básica de juros de curto prazo e a queda
da venda dos imóveis estava na existência de grande quantidade dos empréstimos hipotecários
estarem vinculados a taxas de juros flutuantes que variavam de acordo com a determinada pelo
Federal Reserve, ou seja, muitas pessoas viram suas parcelas subirem muito acima do que
poderiam pagar. Consequentemente, a inadimplência do subprime aumentou, em 2006 subiu
15%, aumentando o número de execuções hipotecárias, 320 mil execuções hipotecárias foram
feitas nos primeiros seis meses de 2007 e com o declínio do valor dos imóveis, as famílias não
podiam mais tomar novos empréstimos. (SILVA, 2009).
Os documentos securitizados tinham seus recebimentos atrelados ao pagamento das
hipotecas subprime, com a inadimplência no setor imobiliário os títulos ligados a ele sofreriam
impacto também. O valor dos pacotes securitizados começaram a cair, afugentando investidores,
a perda ficou para os bancos que emitiam os papéis hipotecários, ninguém queria arriscar
mais e bancos passaram a não conceder empréstimos para outros bancos que necessitavam,
bloqueando os fluxos de recursos interbancários. As pequenas e médias instituições financeiras
foram ameaçadas por saques e cortes nas linhas de crédito; corporações tiveram dificuldades
para obter empréstimos também. (CINTRA; PRATES, 2011).
Com a desvalorização dos títulos subprime, as empresas SIVs que financiavam o
setor se tornaram insolventes, quem detinha seus papéis começa a encarar perdas, ao mesmo
tempo há retração do crédito hipotecário, levando a uma retração no mercado imobiliário com
desvalorização ainda maior dos imóveis e aumento da inadimplência. A inadimplência afetou
toda a economia norte americana, criou dificuldades para o crédito imobiliário, reduzindo
demanda por imóveis, gerando diminuição nos gastos com materiais de construção, o que reduz
a exigência por insumos. (SILVA, 2009).
Na ausência de regulação do mercado financeiro, onde se segue um modelo liberal de
autorregulação, o capital fictício pôde ser reproduzido de forma livre, o que agravou a crise, os
bancos puderam fazer a alavancagem financeira, o que possibilitava a concessão de empréstimos
num valor superior ao que existia em caixa, contrariando acordos, como o da Basiléia3. Ainda
há a utilização das hipotecas para mascarar o que era um incentivo ao consumo e a permissão
3 “O Acordo de Basiléia recomendava que os bancos não emprestassem mais do que nove vezes o que possuía
em caixa, mantendo uma coerência entre os prazos de empréstimos e restituições para não ter escassez de caixa no
curto prazo.” (SILVA, 2009, p. 58).
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
480
RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO
de refinanciamento das casas para tirar proveito da valorização dos imóveis.
Outro sintoma da desregulamentação no sistema financeiro e da prática especulativa, foi
a ação dos chamados shadow banks4,
que, ao não estarem circunscritos às restrições regulatórias dos bancos comerciais,
representavam uma alternativa, inclusive para os próprios bancos, de executar
empréstimos com maior grau de alavancagem e engendrar instrumentos financeiros
criativos, como os subprimes, títulos de pagamentos somente dos juros, opções
com amortização negativa, entre outros. Assim, a expansão do shadow banking
system foi seguida pela euforia com a valorização das residências nos Estados
Unidos, pela criação de sofisticadas transações hipotecárias e, consequentemente,
pela progressiva exposição do mercado financeiro ao risco. (GOMES, 2011, p.
55).
Mediante a crise, a atuação do FED salvou bancos da falência. Em 2007, o Banco Central
estadunidense começou a cortar juros da taxa básica, com o objetivo de atenuar os efeitos da
redução dos empréstimos interbancários; no mesmo ano, foi emprestado dinheiro a taxas mais
baixas aos bancos, trazendo liquidez5 ao mercado, apenas estas medidas nos apontam para a
rapidez da ação do governo quando se tratou de salvar os causadores da crise e os interesses do
capital financeiro. Em outubro de 2008, o congresso americano aprovou um pacote de US$700
bilhões para a compra de ações das instituições financeiras, recapitalizando os bancos pecadores.
Para estimular a economia através do consumo e consequente retomada da produção, o FED
veio baixando a taxa básica de juros até chegar a 0,15% em setembro de 2009. (SILVA, 2009).
Uma crise que afeta uma potência mundial como os Estados Unidos também exige medidas
internacionais, neste sentido, mais uma vez o FED interviu, aumentando para US$900 bilhões
os acordos de troca de moedas com catorze bancos centrais para ampliar a liquidez em dólares
no mercado mundial. (CINTRA; PRATES, 2011).
Já durante o governo Obama, algumas medidas foram tomadas para a regulação do
sistema financeiro dos Estados Unidos:
Acordou-se a criação de uma agência de proteção ao consumidor para a regular
os produtos financeiros (cartões de crédito, hipotecas, empréstimos etc.), bem
como a criação de um conselho de supervisão para acompanhar o risco sistêmico,
ampliando a autoridade de Fed sobre os grandes conglomerados. Criaram-se ainda
regras para a liquidação de instituições falidas, sem ônus para os contribuintes.
Parte dos derivativos de balcão – trocas de taxas de juros, de câmbio e derivativos
de crédito – passará a ser negociada em bolsas de liquidação e compensação.
4 “O termo ‘shadow banking system’ foi cunhado por Paul McCulley para designar as estruturas financeiras que,
embora operassem de forma legal no mercado americano, estavam completamente fora da esfera de regulação
aplicadas aos bancos pelo banco central estadunidense – Federal Reserve (Fed)”. (GOMES, 2011, p. 55).
5 “Disponibilidade em moeda corrente, meios de pagamento, ou posse de títulos, ou valores conversíveis
rapidamente em dinheiro”. (SANDRONI, 2003, p. 350).
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
481
RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS
Além disso, a chamada “regra Volcker”- proposta pelo ex-presidente do Fed, Paul
Volcker- limitará as operações de tesouraria em fundos de hedge e em fundos de
private equity em 3% do capital dos bancos. As instituições geradoras de ativos
financeiros complexos (securitização de hipotecas, por exemplo) deverão reter
uma parte dos riscos em seus balanços. (CINTRA; PRATES, 2011, p. 17).
Não foi a primeira vez que o governo estadunidense teve de salvar os bancos do país,
na crise de 1929, foi necessária a intervenção governamental no âmbito monetário e fiscal
durante o mandato do presidente Roosevelt, ele procurou regular o sistema de crédito, mas a
recuperação do país depois da crise se deu somente com o início da Segunda Guerra Mundial.
Tampouco a desregulamentação das finanças domésticas é recente, junto da inserção na divisão
internacional do trabalho, o protecionismo comercial e os privilégios concedidos pelo Estado
aos empresários, faz parte das quatro vertentes de expansão da economia dos Estados Unidos
no século XIX. (BELLUZZO, 2009).
O Estado americano é liberal para garantir as normas de concorrência no mercado,
porém, protege seus negócios e interesses nacionais, na medida em que é plutocrático, os grupos
econômicos mais poderosos se desenvolveram com a sua ajuda, ligando os interesses políticos
aos privados e se aproveitando das liberdades por falta de legislação adequada. (BELLUZZO,
2009). Nos marcos de hoje, onde impera a democracia representativa com financiamento
privado de campanha, o Estado se torna um centro de disputa de interesses para quem pode
financiar os seus candidatos dispostos a realizar as demandas dos grandes grupos privados.
(BELLUZZO, 2011c).
Junto ao avanço da indústria, aparece uma classe financeira nos Estados Unidos,
que rege a grande empresa, que se distingue por seu caráter permanente dos processos
especulativos e criação contábil de capital fictício, uma gestão empresarial especulativa, em
suma. A concorrência internacional no mercado só acelerou o processo de financeirização e
concentração de riqueza, acionistas exigem cada vez mais lucros, o que exige novas maneiras
de administração, flexibilização das leis de trabalho e redução de custos. O Estado é chamado a
limitar as perdas em circunstâncias de desvalorização das riquezas, fica submetido ao poder de
quem acumula riqueza. (BELLUZZO, 2009).
Há concentração das riquezas nas mãos daqueles que detém as carteiras de títulos, com
consequência de concentração de poder público e privado, o restante da população fica com o
risco de desemprego, exclusão social e incertezas de um sistema financeirizado e especulativo.
(BELLUZZO, 2009).
A deflagração da crise fez com que o governo estadunidense socorresse aqueles que têm
o poder econômico e concentram riqueza, algo observável nas ações do FED já citadas, porém,
não há garantias da manutenção dos empregos e nem das moradias de quem as perdeu quando
não pôde mais pagar as parcelas da hipoteca. Na realidade, pode haver um ataque aos direitos
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
482
RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO
sociais para beneficiar os “direitos econômicos” de acumular riqueza, como ocorreu no estado
de Wisconsin:
Depois de favorecer as empresas com uma redução de impostos de 117 milhões
de dólares, Walker propôs, para cobrir o prejuízo, dobrar o valor da contribuição
dos funcionários aos planos de saúde e um aumento substancial no pagamento
dos planos de aposentadoria. Isso, naturalmente, além da supressão do direito à
negociação coletiva. Os cálculos do Budget Office de Wisconsin asseguram que
essas medidas vão proporcionar uma receita de 300 milhões de dólares em dois
anos. (BELLUZO, 2011b)
O exemplo de Wisconsin, bem como o que foi delineado nas políticas do FED para
salvar as instituições financeiras, nos remetem a pensar o papel do Estado no processo de
crise financeira nos Estados Unidos. Nas medidas adotadas pelo governo estadunidense para
recuperar a economia de seu país abalada pela crise, não podemos entendê-las como livres de
interesses ou em uma leitura simplista de que visam o interesse geral da nação, existem forças,
agentes que pressionam para seguir determinados caminhos.
A política econômica do governo se concentra no processo de acumulação de capital,
fato evidenciado na urgência de salvar o sistema financeiro prestando socorro às empresas
afetadas, nunca é demais lembrar que vivemos numa organização social que vislumbra o lucro,
o capitalismo. Capitalismo este, de orientação neoliberal, que reivindica liberdades para as
empresas atuarem, ou seja, livres para acumular riquezas nas disputas pelo mercado.
Nos momentos de crise e de desequilíbrios na estrutura do sistema econômico-financeiro,
a iniciativa privada insolvente não consegue e talvez, não queira, resolver autonomamente os
problemas, que escapam a esfera restrita do caixa da empresa e desembocam em desemprego,
quebradeiras, não pagamentos aos fornecedores, de impostos e indenizações, entre outras. Por
não ser um evento isolado, restrito a um grupo empresarial, mas de caráter amplo e diversificado,
o Estado é acionado para agir, como vimos, por meio das ações de regulamentação ou do FED
para salvar as instituições financeiras em apuros, intervindo para que o processo de acumulação
não se rompa, para que não haja distorções e agravos piores. Como as insuficiências e
desequilíbrios do capitalismo não podem ser resolvidos pelo livre mercado, visto que ele mesmo
gera descontroles, cabe ao governo adotar medidas para garantir e revigorar a empresa privada.
Desta forma, em períodos sem crise, o Estado é “ausente”, mas na crise assume a direção das
atividades. O poder estatal é chamado para restabelecer o equilíbrio do sistema econômico,
sanar os problemas e estabelecer a ordem onde há anarquia, procurando preservar o status quo.
(IANNI, 2004).
As decisões governamentais não se organizam tendo apenas como base os critérios
puramente econômicos e objetivos, tratam de interesses de grupos financeiros que envolvem
interesses políticos e, em certa medida, anseios sociais. As soluções encontradas para a crise
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
483
RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS
revelam o conteúdo político e social que envolve o Estado, mais do que um ato econômico,
optar por salvar as instituições financeiras também é uma manifestação política de como se
pretende sanar os problemas gerados pela crise.
Nesse sentido, temos no Estado o principal centro de decisões, discute-se a partir daí
como se realizará sua intervenção, ele representa a sociedade enquanto sistema econômico,
social e político estruturado em classes sociais e o equilíbrio de forças se dá por intermédio
dele, mediando também a relação entre as classes, assim, não há como guardar independência
em relação aos fatos. (IANNI, 2004).
Ao mesmo tempo em que media a relação entre classes, o Estado interfere na economia
visando a reprodução do capital, desta maneira, os interesses econômicos se conectam aos
sociais e políticos. Cria-se uma conexão entre as tendências econômicas e as atuações do
governo como centro de decisões, durante as crises esta vinculação parece se aprofundar para
ditar os caminhos tomados, fato exemplificado no lobby das empresas e o balcão de negócios
que pode se tornar um parlamento.
Mas não se pode reduzir a atuação estatal apenas à reprodução do capital, é necessário
que ele atenda a um mínimo as classes sociais menos favorecidas e nem elas podem ser tratadas
como inertes ou passivas. Embora os interesses de quem possui poder econômico pressione o
governo para o seu favorecimento, as classes subalternas também podem se organizar quando
seus direitos são atacados, a história da luta de classes nos mostra isso, apresentando a capacidade
de pressão das massas sobre o Estado.
Assim, ao mesmo tempo em que precisa garantir a reprodução do capital, o Estado tem
de dar atenção àqueles que perdem com a crise de forma mais intensa, pois já se encontram em
situação desfavorável enquanto trabalhadores assalariados, mas que em conjunto têm grande
poder reivindicatório. Desta forma, não só problemas econômicos, a crise enseja como nunca a
necessidade de se pensar de maneira articulada o econômico, o social e o político na realidade,
embora pensemos que isso deva se aplicar como regra, e não como exceção da análise, mas em
momentos difíceis as contradições saltam aos olhos e as conexões se descobrem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estado e mercado têm uma relação de amor e ódio no atual sistema capitalista de
orientação neoliberal com grande concentração e ampliação de capital, principalmente o fictício
na área financeira. Ao mesmo tempo em que as empresas reclamam da interferência estatal na
economia quando esta entra em choque com os seus interesses, pedem socorro aos governos
quando há uma tormenta econômica que é tão característica do capitalismo.
A intervenção estatal se torna indispensável para a reprodução do capital, visto que
“livre”, ele se torna desregulado, especulativo e sem capacidade de se planejar em limites
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
484
RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO
lógicos. A livre concorrência traz o progresso e o avanço em certas tecnologias ou inovações
financeiras, porém, sem controle devido estas manobras levam às crises, a necessidade de
produzir cada vez mais riqueza esbarra nos limites do consumo e da segurança nos negócios.
No meio da briga entre Estado e mercado ficam as classes subalternas e trabalhadoras
com seus anseios e necessidades. O Estado precisa compatibilizar as expectativas do proletariado
com o desenvolvimento econômico que exige garantias à reprodução do capital, que por sua
vez, pede medidas que atacam os direitos conquistados pelos trabalhadores. Assim, o poder
econômico das corporações tem grande capacidade de pressão sobre os governos para pedir
certas regalias e ajudas para consecução de seus lucros, ao mesmo tempo, a população tem
sua capacidade de pressão pelo voto, mas mais do que isso, pela possibilidade de manifestação
nas ruas. Cabe ao Estado mediar os diversos interesses das classes, sem perder de vista o
desenvolvimento capitalista e sua visão limitada de reproduzir e ampliar o capital, embora
possam falar em responsabilidade social.
Uma saída encontrada para as crises é reaquecer o consumo, isto por sua vez, implica
em crédito, em dívidas para os governos e famílias, sem contar os limites do próprio consumo
e da produção material da vida, e nem entramos na discussão sustentável do ponto de vista
ambiental. Falar em consumo sustentável numa sociedade de consumo parece a maior falácia
dos últimos tempos, está aí mais um desafio ao Estado, ao mercado e aos rumos que a sociedade
quer tomar.
Por ora, se não chegamos a pensar em uma ruptura com o atual modelo econômico,
político e social, precisa-se encontrar um equilíbrio nas relações entre Estado e mercado
ancorados nos interesses de classes. Se a empresas não gostam de regulação também precisam
perceber seus limites e o Estado precisa garantir não só os lucros, mas também que não haja
desamparo aos trabalhadores. Eis aí os desafios que o capitalismo se coloca a cada crise quando
suas fragilidades são expostas e as decisões políticas que afetam a economia e a vida social
precisam ser tomadas, como se fosse possível conciliar capital, Estado e trabalho.
REFERÊNCIAS
BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Os antecedentes da tormenta: origens da crise global. 1. ed.
São Paulo: UNESP; Campinas: FACAMP, 2009.
_____. Alertas ignorados. Carta Capital. Fev 2011a. Disponível em <http://www.cartacapital.
com.br/economia/alertas-ignorados>. Acesso em: 18 set 2011.
_____. Manual prático do Tea Party. Carta Capital, Mar 2011b. Disponível em <http://www.
cartacapital.com.br/internacional/manual-pratico-do-tea-party>. Acesso em: 18 set 2011.
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
485
RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS
_____. O poder dos donos. Carta Capital, Jun 2011c. Disponível em <http://www.cartacapital.
com.br/economia/o-poder-dos-donos>. Acesso em: 18 set 2011.
CINTRA, Marcos Antonio Macedo; PRATES, Daniela Magalhães. Os países em
desenvolvimento diante da crise financeira global. In: ACIOLY, Luciana (Org.); LEÃO,
Rodrigo Pimentel Ferreira (Org.). Crise Financeira Global: mudanças estruturais e impactos
sobre os emergentes e o Brasil. Brasília: Ipea, 2011. p. 11-46.
GOMES, Keiti da Rocha. A crise financeira e o comportamento do mercado brasileiro:
entre euforia e incerteza. In: ACIOLY, Luciana (Org.); LEÃO, Rodrigo Pimentel Ferreira
(Org.). Crise Financeira Global: mudanças estruturais e impactos sobre os emergentes e o
Brasil. Brasília: Ipea, 2011. p. 47-76.
IANNI, Octavio. Estado e capitalismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 7. ed. São
Paulo: Cortez, 2011.
SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. 12. ed. São Paulo: Best Seller, 2003.
SILVA, Claudeci da. Crise Mundial e Efeito Local: transmissão da crise financeira americana
para a economia brasileira. 2009. 106 f. Monografia - Departamento de Economia, UEM,
Maringá, 2009.
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
486
Download