Psicopedagogia x Filosofia: Uma Feliz Parceria! Dulce Consuelo Ribeiro Soares Relato de Experiência: O convite aconteceu em dezembro de 2000. Estava finalizando um trabalho psicopedagógico clínico com um cliente, quando sua mãe, que também é educadora e diretora-presidente de uma organização escolar, convidou-me para dar aula de filosofia para a primeira série do Ensino Médio. Era tudo que precisávamos, meu cliente necessitava interagir com um professor que atuasse como um Construtor de Vínculos Positivos, pois se encontrava em processo de alta e eu acreditava no poder de um ECRO grupal favorecendo novas aberturas e fechamentos para o ECRO individual de meu cliente. A diretora me proporcionou o que todos os professores desejam: total autonomia na construção do plano de curso e na minha postura metodológica, além de custear todo o material didático desenvolvido por mim. Pude vivenciar com meus alunos no ano de 2001 a feliz parceria da Psicopedagogia com a Filosofia. Todo o meu trabalho psicopedagógico é pautado na Epistemologia Convergente, no Paradigma Luz de Aglael Borges e na Técnica do SPA, ferramenta essa, construída e desenvolvida por mim durante minha prática clínica de sete anos. A técnica do SPA sinaliza o sentir-pensar-agir relacionando corpo-conteúdoprodução. Como mostra o esquema abaixo: Sentir = Corpo Pensar = Conteúdo Agir = Produção O sentir está ligado ao corpo, aquela instância que agrega organismo com desejo (Fernández, 1991); o momento do pensar é o momento do conteúdo, da aula propriamente dita, dada pelo professor nas diversas e possíveis linguagens de ensinar e o agir ou produção é justamente o feedback da aprendizagem, é a constatação da apropriação do saber pelo aluno. Essa técnica nasceu do Paradigma Luz: ao vivenciá-lo no corpo e na mente dialeticamente o meu movimento cognitivo-afetivo-social construindo meu ser e meu saber, pude então, desenvolver uma intervenção psicopedagógica própria, onde os princípios ligados ao ato de aprender (Atividade-Criatividade-Autoridade-Liberdade) funcionam como indicadores de como está fluindo este Movimento em cada Ser/Sujeito que chega ao meu consultório. Ao receber a lista dos nomes dos meus alunos; vivenciei “o sentir”: imaginei como deve ser o sentimento de alguém que está passando pela fase da adolescência e logo lembrei da minha prática clínica. Outro dia em meu consultório, uma mãe dizia com propriedade para seu filho adolescente: - “Você está pensando que é adulto?” Logo em seguida ela sinaliza:- “Pare com isso, fulano, parece criança!” Conclusão: No sentimento o adolescente experimenta: o Não Ser; não é criança e nem é adulto, ou seja, ele é: o Não é! Em seguida, pensei: - “qual o filósofo que retrata esse sentimento que perpassa todo adolescente? Entrei no segundo momento da técnica: o conteúdo (pensar); o filósofo que preciso trabalhar é Nietzsche, pois este sinaliza o nada, o vazio, o mal; sentimentos tão experenciados no corpo pelo adolescente. Como fazer para entrar no terceiro momento mais desejado: o agir? É preciso levar em consideração os movimentos frente ao novo: indiscriminado-discriminado-separado-integrado (Borges, 1994). Com esses ”radares” o professor saberá localizar em que nível de saber o aluno se encontra para então, proporcionar uma intervenção psicopedagógica adequada. Lembrando do Paradigma Luz na variável cognitiva, espera-se que o jovem do ensino médio esteja nas operações formais; o que não significa que não podemos nos deparar com alunos que estejam funcionando de forma operatória concreta. Precisamos então, pensar numa didática psicopedagógica que possa minimizar tais distorções. Preparei aulas que transitavam na forma pré-operatória até atingirmos o raciocínio hipotético dedutivo, possibilitando assim o crescimento e o resgate de todos. Constatei a necessidade de estudarmos Husserl e Heidegger, pois o adolescente percebe a vida de uma forma específica, consegue pensar com o paradigma de ser criança e com o paradigma de ser adulto, através do próprio referencial de quando foi criança e espelhando-se no referencial de seus pais como adultos. A fenomenologia seria de grande valia para eles, já que nesta fase as brigas são um constante. Perceber o fenômeno com vários olhares minimiza a possibilidade de desencontros familiares favorecendo o diálogo entre eles e seus pais. Estava construindo então, o programa da disciplina: filosofia. Como estou convencida de que nós ensinantes fazemos parte desta relação de produção, flagrei-me funcionando ainda de forma intuitiva e resolvi com o objetivo de sistematizar, incluir René Descartes e seu Racionalismo Lógico e John Locke com sua visão Empirista em relação ao conhecimento humano. Meus Objetivos foram: Promover através da filosofia um processo de construção coletiva do conhecimento a respeito dos temas levantados. Cultivar as habilidades cognitivas. Incentivar o diálogo investigativo sobre a experiência humana em geral, transformando a sala de aula em verdadeiras comunidades de investigação. Instrumentalizar o aluno para o uso de uma metodologia que favoreça o desenvolvimento da autonomia moral e a formação para o exercício de uma cidadania responsável, desenvolvendo a capacidade de reflexão crítica e criativa dos alunos. Estava constatando o próprio Movimento Natural que Aglael postula, na confecção do plano de curso. Ainda pensando como os adolescentes funcionam, resolvi falar do amar e do ficar (modalidade de interação que se inicia na década de 80). O conceito de verdade, já que agem como órgãos fiscalizadores dos pais e a possibilidade de se discutir: ética, política favorecendo a produção do Saber. A ementa do curso de filosofia do primeiro ano do ensino médio foi: O significado de filosofar. O conceito de verdade. A filosofia diante das questões da ação moral dos valores e da liberdade. A necessidade da filosofia no novo milênio para sentir, pensar e agir dialeticamente. O sujeito e o objeto do conhecimento. Tipos de conhecimento. O alcance, as distorções e a grandeza do conhecimento. A diferença entre moral x ética. O individual e o social. O relativismo moral. Liberdade: seus limites e possibilidades. A necessidade de amar. O “Ficar” código de relacionamento humano do século XX. A necessidade de uma revolução humanista para acompanhar a revolução tecnológica. O desejo de sermos nós mesmos e os outros. A pressão do grupo social no adolescente. A política na Idade Moderna. A indiferença política. A cidadania. A participação política do jovem adolescente: o voto opcional aos 16 anos. Os filósofos da Filosofia Moderna: René Descartes, John Locke, Edmund Husserl e o início da construção do olhar Ser/Sujeito através da Fenomenologia. Martin Heidegger e o Vir a Ser constante, o sujeito visto como um ser relacional, a busca do sentido do Ser. Nietzsche e o nada, suas idéias e a sensação de vazio que o adolescente experimenta nesta fase. A metodologia usada por mim foi o Paradigma Luz de Aglael Borges com avaliação processual obedecendo a suas etapas: avaliação diagnóstica, formativa e somativa. Foram usados os seguintes recursos psicopedagógico: Caixa de Trabalho para cada aluno, técnica de grupo operativo, grupo de verbalização x grupo de observação, seminários, aulas expositivas com transparências, EOCA coletiva, Sessões Pinga Fogo (teste oral para avaliar a retenção do aprendizado ao término das aulas), filmes disparadores de debates como: doze homens e uma sentença, o homem bicentenário, sociedade dos poetas mortos, dinâmicas de grupo, estudos de caso e provas bimestrais. As provas tiveram valor de sete pontos e as outras avaliações somaram o valor de três pontos perfazendo um total de 10 pontos. Criei com meus alunos um código de avaliação; a prova teria 10 questões, porém o aluno poderia escolher resolver sete; essa abordagem me dava através das escolhas deles, a possibilidade de reformular meu planejamento e flagrar o saber que não virou proteína, na medida que havia uma constância de questões que não foram escolhidas por eles. Vale ressaltar que tínhamos três tempos de aula semanais e que todo o programa foi concluído. No mês de novembro de 2001 tivemos a oportunidade de vivenciar os seminários fazendo então, uma revisão geral de tudo que foi trabalhado. No início do relato citei a técnica do SPA que transita o sentir-pensar-agir, buscando conexões com corpo-conteúdo-produção. O plano de unidade foi desenvolvido e desmembrado de acordo com essa técnica. No dia 06-02/01 vivemos a dinâmica de grupo Cosme e Damião com o objetivo de nos apresentarmos e construirmos com o ensinante e o conteúdo um pontapé inicial de vínculos positivos. A própria dinâmica possibilita nos vermos no lugar do outro, dando a sensação de que viveremos algo novo e com sentido.Usamos a Caixa de Trabalho para entrarmos no pensar, no conteúdo; cada aluno fez na sala de aula e de acordo com a sua linguagem o seu registro que pode ser: escrito, desenhado, recorte e colagem, esquemas, poesia ou música de forma que retratem a expectativa em relação à disciplina de filosofia. Aqui colho meu primeiro material mais valioso: o saber deles, a educação assistemática ou como Aglael assinala: “a saúde do sujeito”, suas possibilidades, para a partir daí construir um planejamento que respeite as diferenças para que possamos neste espaço aprender com elas; tive aqui o que chamamos de avaliação diagnóstica dando-me a oportunidade de investigar os melhores canais de aprendizagens de meus alunos. Nesta atividade vivenciada pelos alunos, o tripé corpo-conteúdo-produção se fez presente. No dia 13/02/01 trabalhamos em nível de sensação, percepção, formação de imagens, simbolização e conceituação ao nos depararmos com o tema: Filosofia. Por quê? Pra quê? E o que é? Usamos como referência o texto: “Na aula de olhos bem abertos” estabelecendo a relação entre aparência x essência usando como metodologia de aprendizagem o grupo operativo. Cada grupo operativo vivido por nós era registrado por mim e transformado em transparência para a continuidade da aula seguinte. Os alunos ficavam com os olhos marejados ao constatar suas falas registradas e nomeadas material de trabalho, isso acionou em todos um movimento de respeito mútuo, onde a atenção e a concentração fluíam naturalmente. A folha foi batizada como: Os Saberes dos Alunos do Primeiro Ano do Ensino Médio da Esil Sociedade Educacional. Ficou acordado que cada aluno teria uma cópia xerocada em sua Caixa de Trabalho, para que todos tivessem a fala dos colegas. Em 20/02/01. Inicio a aula com o texto: Prioridades. Usamos a técnica do grupo de verbalização x grupo de observação onde à turma era dividida em 2 grupos. Todos tiveram 15 minutos para uma leitura inspecional. O grupo de observação tinha que observar o grupo de verbalização explicar o texto, verificar se foram objetivos, se buscaram conexões com a vida cotidiana ou se alguém fugiu a proposta do mesmo, ao término da explanação, quem observou passou a experimentar o lugar da verbalização, cada colega fez um registro sobre o seu parceiro observado, contribuindo para o crescimento de todos. Neste dia solicito aos alunos que tragam uma fruta para a aula do dia 06/03/01. Na data marcada, todos trouxeram a fruta, inclusive eu, tinha tido a oportunidade de passar o carnaval em Fortaleza e trazer de lá algo inusitado. O objetivo dessa aula era disparar o sentimento e o pensamento do homem diante do conhecido x desconhecido e o apelo que fazemos aos órgãos dos sentidos quando estamos diante do novo. Todos cheiraram, apalparam, morderam, viram o tal fruto desconhecido trazido por mim do Ceará. Promovemos a troca das frutas através da brincadeira Escravos de Jó e comemos com o objetivo de nos apropriarmos simbolicamente e realmente deste novo saber. A proposta era trabalhar a filosofia numa dimensão psicopedagógica. Os alunos foram levados a refletir sobre a ação que todos tiveram em acionarem os órgãos dos sentidos para descobrirem o “não saber”: carnaúba. No dia 13/03/01 estudamos a diferença entre moral e ética usando o recurso da aula expositiva. A dinâmica: Vou ao Hawaí de... (cuja consigna é seguir a ordem alfabética) a dinâmica retrata a necessidade de vivermos com regras, com leis que nos estruturem, os alunos tinham como meta descobrir sozinhos, para então terem a oportunidade de sentir no corpo a construção da moral e o nascimento da ética, ao respeitarem a emergência da autonomia do outro, possibilitando o insight no aprendente, gerando então a aprendizagem por descoberta.Todas as aulas foram construídas de forma a integrar pensamento x sentimento canalizando para jogos, textos, dinâmicas, músicas e poesias para daí entrarmos na segunda etapa da técnica: o conteúdo, momento esse, que chamo de pensar. Em 20/03/01 usei o recurso da música, lancei mão do Segredo Musical inspirado no programa: Qual é a música? De Silvio Santos. A turma foi separada em dois grandes grupos: A e B. O segredo musical era a música: Liberdade, liberdade abre as asas sobre nós...! O grupo que cantasse alguma música que tivesse a palavra liberdade ganhava um ponto, o grupo que descobrisse o segredo musical ganhava três pontos. A música foi usada como recurso para o tema Liberdade com responsabilidade, usamos a história da Vaquinha como exemplo de liberdade a ser conquistada. No dia 27/03/01 estudamos a importância do amor na vida do homem e confrontamos com a nova modalidade de amar: “o ficar” fizemos entrevistas com jovens que ficam e com jovens que não aderiram a esse movimento do final do século XX. Usamos a Caixa de Trabalho para avaliar a produção de saber de cada um. Os alunos representavam seu saber de acordo com a sua melhor linguagem (textual, icônica, esquemática, poética ou musical) aqui constato os alunos experimentando outros tipos de linguagens, verifiquei o desejo de visitar o novo com autoconfiança, estavam então, descobrindo suas outras inteligências( Gardner, 1995). Em 03/04/01 tivemos nossa primeira Sessão Pinga Fogo! Cada aluno construiu uma questão para a turma, respondia o aluno que soubesse. Essa ferramenta foi valiosa para a avaliação de minha ensinagem; esse momento é um ensaio da prova, onde meu objetivo é desmistificar o poder negativo dessa avaliação e mostrar ao aluno que através da sua participação, o saber emerge na medida que fazemos a conexão com o conhecimento vivido na sala de aula e com a nossa prática do dia a dia conquistando assim, um bom resultado acadêmico. Fizemos uma coletânea de perguntas bem interessantes. Alguns alunos construíram questões denotando o nosso movimento nas aulas. (Questão 1) Escolha um dos temas estudados e crie um texto, poesia, desenho, música ou um esquema que expresse seu sentido.(Escolha apenas uma modalidade de expressão). Temas: Liberdade - Verdade - Conhecimento - Grupo - Amor (elaborada por Vinícius) (Questão 2) Diferencie mito x filosofia (elaborada por Filipe) (Questão 3) Estamos no primeiro ano do terceiro milênio. Disserte com suas palavras, baseado na vivência que tivemos em sala de aula sobre a necessidade de estudarmos Filosofia. (elaborada por Fabrício) É claro que também contribuí para a Sessão Pinga Fogo, uma das questões que fiz foi: Entrevistaram algumas pessoas ilustres, há um tempo atrás e perguntaram a elas: Por quê o frango cruzou a estrada? Alguns responderam assim... Platão => “Porque buscava o bem”. Bill Clinton => “Estava correndo da Mônica Lewisnky”. Einstein => “Se o frango cruzou a estrada ou a estrada se moveu sob o frango é relativo, depende do ponto de vista”. Professor => “Para chegar ao outro lado”. Bill Gates => “Acabo de lançar o Frangooffice 2002, que não só cruza estradas, como também põe ovos, arquiva seus documentos importantes e acerta suas contas”. E você? Como vai responder? Por quê o frango cruzou a estrada? Observe as respostas dos entrevistados e construa a sua resposta baseada na verdade que você acredita! Aprendente: ----------------------------------------------------------------Todos os alunos estavam confiantes, participaram da Sessão Pinga Fogo com muita alegria, todos sabiam responder. A fisionomia dos alunos era de um: despertar. Nossa aula terminava às 12:00h e eles pediam para que eu ficasse até às 13:00h. É claro que isso nem sempre acontecia, pois tinha que estar no meu consultório a partir das 14:00 horas para atender meus clientes. Todo o trabalho foi catalogado, fotografado, filmado, as provas e as avaliações xerocadas para que fosse transformado num projeto científico com o objetivo de ser apresentado em nosso próximo Congresso Brasileiro de Psicopedagogia a realizar-se em Julho de 2003 que será batizado de: Psicopedagogia e Filosofia: Uma feliz parceria! Não havia mais espaços para conversas paralelas, até porque o lúdico, o respeito, a construção de vínculos positivos, a confiança e o conhecimento foram sentidos e percebidos por todos como Verdade. Essa turma me proporcionou um crescimento pessoal e profissional que jamais vou viver do mesmo jeito, senti no meu Eu interior aquilo que Heráclito (filósofo grego) falou: ‘- Nós não nos banhamos duas vezes no mesmo rio.”E que bom, que nós pudemos nos banhar...”. Todo o planejamento foi programado para que tivéssemos sempre uma aula de revisão antes da prova, o nível de retenção do aprendizado era medido também pela Sessão Pinga Fogo, dando-me a oportunidade de localizar quem estava em qual movimento frente à construção do saber: indiscriminado-discriminadoseparado-integrado. Solicitei nas aulas seguintes a possibilidade de pesquisarem na Internet da escola referências sobre alguns filósofos da filosofia moderna que iríamos estudar. Deixei que cada um buscasse o filósofo que desejasse. Apresentei os nomes dos filósofos que estavam no programa do curso.O interessante é que ao lê-los os meus alunos começaram a se identificar com as formas de pensar de todos e perceberam o que diferenciava uma filosofia da outra. Estudamos os filósofos separadamente e depois fizemos uma EOCA (Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem) coletiva sobre eles. As provas bimestrais eram construídas exatamente como as aulas, havia questões com desenhos, com textos, poesias, com esquemas, respeitando assim as singularidades e potencialidades de cada um. Em maio/2001 iniciamos o trabalho com René Descartes e fizemos um contraponto com o livro de Antonio Damásio: O Erro de Descartes. Assistimos ao filme Sociedade dos Poetas Mortos com o objetivo de identificar a filosofia inatista no filme; íamos para o grupo operativo em registrávamos o depoimento de todos, eu intervinha questionando as convergências do filme com o assunto estudado e com o nosso dia a dia; foi a partir desse filme que os alunos tiveram a vontade de reativar o Grêmio da escola. Fizemos o projeto Grêmio Estudantil Esil, onde tivemos a oportunidade de entramos no conteúdo de ética, política e cidadania; a matéria fluía naturalmente, é claro que tive que investir um tempo valioso nas correções da Caixa de Trabalho, pois exigia de mim uma correção personalizada o que demandou muitas madrugadas, mas todas valeram a pena de serem vividas. Aprendi e cresci muito com essa abordagem de avaliar e consegui visualizar novas formas de ensinar. Conseguimos uma matéria no jornal O globo (encarte da Zona da Leopoldina) com os projetos gremistas; fizemos política com ética exercendo nossa cidadania. Na festa de inauguração do Grêmio coletamos alimentos não perecíveis e doamos para o Orfanato da Penha. Em junho/2001, entramos em John Locke e começamos a exercitar simultaneamente a forma de pensar deste filósofo com o estudado anteriormente, buscávamos as divergências e convergências deles. Nos debruçamos por três aulas para cada filósofo, todos traziam algo para complementar os trabalhos, os alunos começavam a convergir nossa aula com as outras disciplinas, com a educação que recebiam de seus pais, etc. Na Sessão Pinga Fogo do segundo bimestre, os alunos solicitaram que eu fizesse todas as perguntas e que procurasse fazê-las bem difíceis Aqui percebo meus alunos testando suas potencialidades de saberes com autoconfiança, atendo o pedido deles. Montei uma avaliação com quatro perguntas, onde o aluno deveria também construir uma pergunta sobre a matéria dada e respondê-la: (Questão 1) De acordo com o filme que assistimos: Sociedade dos Poetas Mortos; comente o motivo do professor Keating interpretado por Robin Williams ter pedido aos alunos do Infernotoon para arrancarem as páginas iniciais do livro que estudavam. (Questão 2) Disserte sobre a ação dos alunos do filme, ao subirem nas carteiras da sala de aula no final. O que esta atitude quer demonstrar? (Questão 3) Construa uma pergunta sobre a matéria dada e responda: (Questão 4) Estabeleça as idéias principais entre Descartes e Locke. (Questão 5) Relembrando o tema: Liberdade, que relações podemos estabelecer com o filme: Sociedade dos Poetas Mortos. Os resultados foram muito bons, a menor média da sala era 7,8 e tínhamos certeza que nosso colega sabia agregar mais de 78% daquele saber em sua vida pessoal. Ninguém ficou em recuperação paralela nas férias de julho. Para Construir um vínculo positivo comigo e com os colegas no primeiro dia de aula passei uma lista com nomes e telefones de todos, inclusive os meus, xerocamos e colocamos em nossa Caixa de Trabalho facilitando assim a nossa comunicação; nas férias todos se ligaram constantemente: pegando no telefone e se conectando uns aos outros cada vez mais. No retorno das aulas (agosto/2001) entramos em Husserl, comecei pela dinâmica: Quem é o Miguel? Para entramos no conteúdo expositivo, era preciso perceber o fenômeno e a possibilidade de distorcê-lo no nosso eu interior. Dividi a turma em 5 grupos, o relato 1 era a percepção da mãe do Miguel sobre ele, os alunos registraram as impressões que tiveram de Miguel e assim sucessivamente com os outros relatos, os grupos não sabiam que cada um recebia um relato diferente. O interessante é que os grupos puderam sentir na pele a relação entre aparência e essência. Ouviram o relato do próprio Miguel e constataram que esse tipo de distorção acontece todos os dias em nossas vidas, inclusive na sala de aula e principalmente na relação ensino-aprendizagem, trabalhamos com alguns jogos perceptuais como: o do jarro e o da moça, fiz com eles a prova piagetiana por conservação numérica para demonstrar o pensamento por aparência e por essência. Assistimos ao filme: doze homens e uma sentença, cuja mensagem era justamente analisar o fenômeno com várias possibilidades, buscando além, das aparências e com isso exercitar e ampliar o pensamento humano. Em 04/09/01 entramos em Heidgger, fizemos uma linha do tempo individual e uma linha do tempo coletiva sobre tudo que estávamos vivendo em filosofia naquele ano. Eles verbalizaram que em 2001 estavam sendo pela primeira vez, usavam inclusive os termos da filosofia existencialista, ficava claro para mim devido a minha atuação psicopedagógica que meus alunos estavam produzindo saber. Os outros professores não entendiam como eu conseguia aquele movimento com a turma; eu dizia ter passado por um processo profundo, onde fui buscar minhas lacunas pedagógicas e preenchê-las, vivi também um encontro comigo mesma, verifiquei minhas potências, onipotências e impotências para eu poder aprender a dar e a receber. Fizemos um texto coletivo sobre o sentido do Ser e da vida, cada aluno disparou uma palavra, o texto ficou assim: O Sentido da Vida O sentido da vida gira em torno da amizade e do amor, mas existem os altos e baixos, como se subíssemos e descêssemos uma montanha. Uma das nossas dúvidas não se encontra nos livros: que é o motivo de nossa existência. O sentido da vida é como um campeonato de futebol, você vai seguindo a bola até marcar o gol, podemos ganhar um tesouro ou uma banana. Alguns acreditam que só Deus sabe o verdadeiro sentido da vida, mas para nós ela será sempre uma caixinha de surpresa. Meu antigo cliente estava mais confiante em si mesmo e em suas produções, suas notas estavam melhores e seu comportamento com outros professores já demonstravam uma diferença, pedia a eles (quando não entendia) que explicassem determinado conteúdo de outra forma, porque ele queria aprender e se não tinha entendido daquele jeito, não adiantaria explicar daquela mesma maneira, pedia que usassem outra forma de explicação, isso gerou um desconforto em todos os professores, mas estava claro para mim a diferença de uma intervenção clínica para uma institucional, meu cliente instituía-se no conhecimento o tempo todo, marcava com sua ação o desejo de saber e sinalizava com sua atitude o que era dele e o que era do outro. Como se dissesse nas entrelinhas: “- Me explica de outro jeito, porque desejo aprender, esse jeito pode fazer com que eu não entenda e me trave, você que é ensinante, pode conhecer e saber outras maneiras de me ensinar esse conteúdo”. Trabalhamos com poesia para exercitar nosso pensar, o livro eleito foi o Poetar Pensante organizado por Leda Miranda Huhne, lá encontramos Heidgger e Fernando Pessoa e descobrimos alguns talentos na sala de aula. Vinícius Mata produziu saber na minha frente (esse dia será sempre inesquecível em minha vida, pude ver esse jovem vivenciar os princípios ligados ao ato de aprender: atividade, criatividade, autoridade e liberdade-Borges, 1994). Ele fez numa questão de prova escolhida por ele: uma poesia como modalidade de expressão.As palavras disparadoras foram: Liberdade-Conhecimento-Saber-Educação-Filosofia. Neste ano, estudamos Filosofia e, sem ela bastante perdido eu estaria a filosofia dá liberdade a seu pensamento e ajuda a expandir o seu conhecimento. Filosofia é a construção do saber te ajuda as coisas boas da vida colher Devia ser obrigatória na educação escolar Para que todos levassem para o lar. Agradeço por tudo que aprendi vou praticar os ensinamentos por aí para mostrar que você plantou e eu colhi. Vinícius Mata A cada dia que passava, a minha responsabilidade aumentava, os alunos queriam me apresentar seus pais, irmãos, etc. Havia um desejo nítido de se mostrar para mim por inteiro; isso foi maravilhoso, pois pude viver tudo que aprendi na teoria, me vi várias vezes integrando corpo-mente-mundo exterior como assinala Pichon Rivière. Os alunos estavam motivados em conhecer Niestzche esta aula aconteceu no dia 11/09/01, justamente no dia em que ocorreu o atentado contra as torres gêmeas dos EUA. Gravei as reportagens e os alunos levaram matéria das revistas: Veja, Época, Isto é, etc. Levei também como recurso psicopedagógico a poesia do poeta Emerson Rogério demonstrando o sentimento ambivalente que faz parte de todo o ser humano, o papel do mal, do bem, as dificuldades e possibilidades que temos na vida. Dialética Humana O homem se preocupa tanto em não morrer que mal encontra tempo para viver a violência está constante existem vítimas a todos instantes. Sonhos de um mundo melhor e fascinante Mas a paz é algo distante O que fazer para não matar ou morrer? Será que é isso que o homem sabe fazer? Os seres humanos devem se respeitar mutuamente somente assim poderão viver realmente sem medo de perder a vida sem ao menos viver vivendo na verdade apenas um perecer. Mas ainda há uma salvação como nos embalos de uma canção deixando a alma ser guiada pelo coração. Emerson Rogério. Alguns alunos se identificaram com as idéias de Niestzche, outros com Descartes, Locke, Husserl e Heidgger, os grupos surgiram de acordo com a identificação pela filosofia. O grupo de Descartes usou a própria essência da filosofia inatista no recurso didático, começaram do simples ao complexo, tiveram a preocupação em desenvolver saberes. O grupo de Locke viveu uma crise interna, o colega responsável pelos cartazes não havia chegado, sinalizei que segundo o empirismo o conhecimento se dá de fora para dentro, que mesmo que o colega não tivesse chegado ainda, que eu acreditava que tivessem tido encontros anteriores à aula e que demonstrassem de outras formas aquilo que seria a essência da filosofia empirista, que apesar de estarem falando do empirismo que lançassem mão, daquilo que aprendemos com a fenomenologia e que pudessem colocar em prática o atraso do colega; adotando outros recursos de ensinagem além do cartaz. Como cada grupo tinha 1 hora de apresentação, o grupo convidou a turma a fazerem uma EOCA coletiva após a aula expositiva de John Locke, pediram a mim que providenciasse com a coordenação folhas de papel pardo e revistas que pudessem ser cortadas. O resultado foi excelente! O grupo de Husserl trabalhou com o teatro, simularam um jornal internacional sobre as notícias do mundo e a forma como cada jornalista passa a informação, caricaturaram a imparcialidade de Cid Moreira, o recado politizado de Arnaldo Jabor e a organização e neutralidade de Ana Paula Padrão. O grupo de Heidgger usou o recurso das provas; apresentou um texto sobre este filósofo, levaram a música do Gonzaguinha: o que é a Vida? Fizeram o desenho de um ser nascendo, crescendo e envelhecendo, usaram esquemas para explicar a diferença entre Ser e Estar. Todos os grupos estavam comprometidos; a criatividade, atividade, autoridade e liberdade (Princípios ligados ao ato de aprender Borges, 1994) transitavam o tempo todo. O último grupo nos fez um convite à reflexão, pediu-nos que pensássemos quais são as nossas potências, impotências e onipotências com objetivo de identificar o sentimento de ambivalência que faz parte de todo o ser humano, convergiram com o sentimento de poder que todo o adolescente deseja alcançar e constataram que faz sentido as idéias de Nietzsche: que o mundo passa e voltará a passar indefinidamente pelas mesmas fases e cada homem voltará a ser o mesmo em todas as existências. O sentimento de vazio quando estamos diante do novo, que na realidade é o movimento psíquico: indiscriminado; movimento necessário ser vivido para chegarmos ao integrado. Termino esse relato, agradecendo a Esil Sociedade Educacional a oportunidade de (re) ativar o Movimento Cognitivo-Afetivo-Social na Construção do Ser e do Saber em meus alunos, onde mais uma vez tive a oportunidade de me fazer humana, integrando corpo mente e mundo exterior. Um beijo no coração de: Alexandre, Anderson, Arildo Ricardo, Felipe Getirana, Filipe Dias, Leandro, Moisés, Victor Hugo, Virian, Fabrício, Caroline, Cynthia, Vinícius e Felipe Viveiros que foram verdadeiros mestres na arte de ensinar e aprender. Bibliografia: Cordi, Cassiano; Correa, Avelino, et all. Para Filosofar: Ensino Médio. São Paulo. Scipione, 1999. Oech, Von Roger. Um “Toc” na Cuca. USA: Cultura Editores Associados LTDA, 1983. Strathern, Paul. Filósofos em 90 minutos. Rio de janeiro: Zahar, 1997. Soares, Dulce Consuelo. Contribuições Filosóficas de Locke: Unesa/RJ, (mimeo), 1999. Byham, Wiliam. Zaap! O Poder da Energização: como melhorar a qualidade, a produtividade e a satisfação de seus funcionários. Rio de Janeiro: Campus, 1992. Berardinelli, Cleonice. Fernando Pessoa e Martin Heidegger: O Poetar Pensante/ Leda Miranda Huhne (org), Olinto Pegoraro. Rio de Janeiro: Uapê, 1994. Suplicy, Marta. Sexo para adolescentes: amor, puberdade, masturbação, homossexualidade, anticoncepção, DST/AIDS, drogas. São Paulo: FTD, 1998. Braga, Emerson. Fruto Proibido. Rio de Janeiro: Fahupe, (mimeo), 1999. Psicopedagogia: Aprender é para todos!