a história da igreja primitiva e antiga

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A HISTÓRIA DA IGREJA PRIMITIVA E ANTIGA
Karl Josef Romer – 2014
Tema 15
VI. O CISMA QUE SEPARA O ORIENTE DO OCIDENTE II
6) O cisma entre Roma e Constantinopla (1054)
O alheamento espiritual, mais do que a distância geográfica e cultural e
mais do que as confusões políticas dos dois lados, era certamente o principal
fator que preparava o terreno para tão trágico cisma.
Da parte do Papa havia muitas vezes sérias tentativas de compreender e de
ajudar a Igreja no Oriente. Houve, certamente, lamentáveis erros, principalmente
pela atitude do legado pontifício, o enérgico Cardeal Humberto da Silva Cândida.
Da parte do Oriente existiam causas profundas. Especialmente no tempo
da luta entre os próprios patriarcas de Constantinopla, a Igreja de tanta grandeza
e
riquíssima tradição
parecia sem cabeça, sem ponto
de
referência
comprometedora. Sua quase constante dependência do Imperador, que se
comportava como rei e (sumo) sacerdote, pode ter tido momentos positivos, mas
em princípio era funesta, porque amarrava as questões da Igreja ao campo dos
interesses políticos. Esta falsa autoridade da “Roma nova” (Constantinopla)
podia ser uma questão política, causada pela transferência, por Constantino, da
Capital do Império para o Oriente. Com isso, os túmulos de Pedro e Paulo
continuavam em Roma, onde habitava o autêntico sucessor de Pedro. Tanto mais,
a insistência do Imperador na primacialidade (política) de Constantinopla
(Bizâncio) ofuscava a Igreja patriarcal em sua íntima ligação com o Imperador.
A acentuação da distância contra Roma é ligada antes de tudo aos nomes
dos dois patriarcas Fócio (Photius/ Photios) e Cerulário.
Fócio (cf. LThK² VIII,484-488)
Os pais nobres de Fócio, Sérgio e Eirene, foram exilados pelo Imperador,
por causa de sua defesa das imagens. Todavia, Fócio e seus irmãos Tarásio e
Sérgio obtiveram ótima educação. Teóktisto, o primeiro ministro da Imperatriz
Teodora II, nomeou Fócio professor de filosofia na alta escola. O matrimônio do
irmão Sérgio com a irmã menor da Imperatriz tornou-se mais um título de
proximidade à corte imperial. Fócio era chefe da chancelaria imperial e membro
do senado; não obstante, ele continuou seus estudos de literatura e ciências. –
Mais tarde, Bardas, o irmão de Teodora, eliminou Teóktisto, protetor de Fócio , e
destituiu a Imperatriz de todas as suas funções de governo. Obteve do Imperador
Michael III a nomeação para dirigir toda a política. Grande parte do povo e dos
intelectuais da Igreja ficaram ligados a Teodora, que protegia as imagens.
O Patriarca Ignátios não apoiava Bardas. Mas este, no dia 23 de
novembro de 858, exilou o Patriarca para a ilha Terebintos. Sob pressão, muitos
bispos exigiam de Ignátios a renúncia “espontânea” ao patriarcado. Fócio, ainda
leigo, prometeu, se fosse eleito, ser protetor de Ignátios; e ganhou a eleição. Em
uma semana, Fócio recebeu todas as ordenações. Para isto ele chamou como
consecradores Gregório Asbestas, que tinha sido suspenso por Ignátios por ser
chefe do partido liberal (embora Roma ainda não tivesse respondido a sua
apelação), e dois Bispos amigos de Ignátios.
Poucos meses depois eclodiu a batalha. Amigos de Fócio divulgavam a
versão de ter sido inválida a nomeação de Ignátios, que tinha sido nomeado por
Teodora sem a convocação de um sínodo. Fócio convocou (859) um sínodo para
a Igreja dos Apóstolos. Os dois partidos foram convidados. As demonstrações
turbulentas contra o sínodo foram esmagadas cruelmente pelo governo de
Bardas. Fócio ameaçou Bardas de renunciar. Finalmente, o sínodo pôde
continuar. Bardas exigia do sínodo que declarasse ilegítimos tanto o patriarcado
de Ignátios como todas as ordenações realizadas por ele. Com isto, Bardas tentou
reduzir a zero a força da oposição. Somente no ano 860, Fócio enviou ao Papa
Nicolau a carta com o relatório do sínodo, declarando ter aceitado a no meação
para Patriarca contra a sua vontade e somente após a abdicação de Ignátios. O
Imperador Michael III pediu também que o Papa enviasse legados para tratar
questões do iconoclasmo. O Papa enviou legados seus (o Bispo do Porto e o de
Anagni), reservando para si a decisão final. O sínodo decidiu aceitar os legados
do Papa, desde que eles pronunciassem o julgamento diante do sínodo. O que
estes fizeram, confirmando a deposição de Ignátios. Ignátios não aceitava o modo
de proceder, mas se submeteu. O Papa também não aceitou o resultado e exigiu
de Fócio novos dados para justificar o que tinha sido feito contra Ignátios. Fócio,
no entanto, nunca respondeu. Então, o Papa, em 863, celebrou um sínodo,
condenou a atitude de seus legados, excomungou Fócio e declarou Ignátios como
o único Patriarca legítimo de Constantinopla. Comunicou tudo ao Imperador e a
Fócio. O Imperador, no ano 865, rechaçou a decisão do Papa. E o Papa reagiu
com carta enérgica.
A questão foi radicalizada por uma decisão da Bulgária, até então ligada
mais ou menos ao patriarcado de Constantinopla e que, no entanto, optou para
pertencer diretamente a Roma.
A mudança interina.
No mês de setembro de 867, Basileio I assassinou Bardas e o Imperador
Michael III, para tornar-se Imperador. Para obter o apoio dos moderados e do
Papa, ele recolocou Ignátios como Patriarca e pediu ao Papa Adriano II o envio
de legados para um novo Concílio. O Papa Adriano de fato condenou Fócio e os
sínodos celebrados por ele. O Papa enviou três legados. Os delegados exigiam
que a decisão do Papa não fosse discutida, mas simplesmente assinada pelos
Bispos. O Imperador irritou-se, mas o Concílio (o oitavo Concílio ecumênico
869-870), com somente 110 Bispos, pronunciou a condenação de Fócio. Como
muitos Bispos, pessoalmente, continuavam amigos de Fócio, a situação do
Patriarca Ignátios ficou muito difícil.
Ignátios morreu de repente. O Papa João VIII, preocupado com a Igreja
de Constantinopla, enviou uma mensagem declarando reconhecer Fócio como
Patriarca legítimo, desde que este pedisse a um sínodo o perdão por seu
comportamento em tempos anteriores. Fócio recusou-se a fazer isso, mas aceitou
ser Patriarca. O texto da carta do Papa, com consentimento dos legados, foi
mudado e lido para os Bispos reunidos. Na carta, no entanto, ficaram os
argumentos em favor do primado do Papa. O Papa João VIII protestou contra as
mudanças em sua carta, mas, para ajudar a Igreja do Oriente, ele aceitou a
reabilitação de Fócio.
O Patriarca Fócio procurou a paz com todos os partidos. Fez concessões
ao Papa quanto à Bulgária. Inclusive chegou a canonizar Ignátios. O novo
Imperador Leão VI (sucessor de Basileio) exigiu de Fócio a renúncia e nomeou
Patriarca o seu próprio irmão Stephanos.
Uma avaliação completa de Fócio é difícil até hoje. Ele tem grande s
méritos missionários. Com a anuência do Imperador, nomeou o seu sucessor na
escola filosófica, os dois irmãos Cirilo (Kyrillos) e Metódio, missionários na
terra dos eslavos. Por causa de seu tratado contra o “Filioque” e por causa de seu
conflito com o Papa Nicolau I, Fócio é considerado – desde o século 12 – na
Igreja ocidental como “o pai do cisma” (o que é exagerado) e, na Igreja do
Oriente, como patrono da luta contra a Igreja de Roma.
Certamente sua diplomacia, usando os favores do Imperador, e sua
autopromoção radicalizaram a distância com Roma. Defendia a autonomia da
sede patriarcal, mas, no fundo, reconhecia, como também seu adversário Ignátios
o fazia, o primado do Papa.
Cerulário (Castella Gastón, Papstgeschichte I, 218-221)
Michael Cerulário (Kaerullarios) lembra em seu caráter o Patriarca Fócio.
Mas não tinha nem de longe a cultura daquele. Era ambicioso, intrigante e
inimigo aferrado contra a Igreja latina. Já em 1040, provocou uma rebelião
contra o Imperador Michael IV. Cerulário foi preso e exilado. O novo Imperador,
Constâncio IX, um cúmplice seu na insurreição fracassada, aceitou Cerulário, já
de retorno do exílio, como seu conselheiro. Obteve grande influência e conseguiu
a dignidade de Patriarca (1042). Convencido da superioridade da cultura grega,
achou
insuportável
a
subordinação
de
Constantinopla
a
Roma.
“Conscientemente, ele começou a promover a ruptura com Roma”. “Ele queria
absolutamente conseguir o Cisma com a Igreja de Roma”. 1
1
L. Bréhier, Le schism oriental au XI siècle, Paris 1899, p. 97.
Cerulário começou a luta aberta no ano 1053, quando o Papa Leão IX,
vencido pelos normandos, estava preso em Benevent.
Pediu ao Arcebispo Leão, de Ochrida na Bulgária, a redação de uma carta,
dirigida nominalmente ao Bispo João de Trani (na Itália), mas na realidade era
intencionada para todos os Bispos francos e para o Papa. Esta carta era nada mais
do que um documento de acusação. Acusava os latinos especialmente por duas
razões: o jejum no sábado e o uso do pão ázimo na Eucaristia. Ambos os usos,
dizia a carta, eram judaísmo.
Ao mesmo tempo, o Patriarca Cerulário mandou um monge escrever uma
outra carta, contendo as mesmas acusações, mas também condenando o celibato
e o uso do “Filioque” (no Credo: “e no Espírito Santo que procede do Pai e do
Filho”). E, para impossibilitar qualquer tentativa de reconciliação, o Patriarca
mandou fechar todas as Igrejas latinas em Constantinopla. O Papa Leão IX
(1049-1054) respondeu com um tom que contrastava totalmente com o estilo
polêmico e ignominioso dos orientais. O Papa não entrou nos pormenores, mas
significou o primado da Igreja de Roma. O Imperador exigiu de Cerulário
moderação. Este escreveu ao Papa uma carta de “reconciliação” na qual afirmava
a absoluta e mesma autoridade para Constantinopla como para Roma. O Papa
não podia ceder neste ponto, mas acreditava que um clima novo permitisse o fim
da briga. Na primavera de 1054, o Papa enviou a Constantinopla três legados: o
Cardeal Humberto de Silva Cândida, o chanceler Frederico (posteriormente Papa
Estêvão X) e o arcebispo Pedro de Amalfi.
As duas cartas que os legados levavam em nome do Papa tinham sido
escritas por Humberto. Se o Papa as tivesse escrito – sua suavidade era
proverbial –, certamente as exigências formuladas (em si justas) teriam talvez
provocado menos dureza. Quando em junho os legados chegaram em
Constantinopla, o Papa já tinha morrido. Uma carta era dirigida ao Imperador; e
este recebeu os legados com muita honra. O Patriarca, no entanto, não queria de
modo algum aceitar as razões dos delegados. Nem queria reconhecer a
competência deles de tratar com ele. Os legados decidiram retirar-se e partir. No
sábado, 16 de julho de 1054, eles se dirigiram à Igreja de Santa Sophia e
depuseram no altar uma bula de excomunhão contra Michael Cerulário. Também
esta bula revela o caráter duro e polêmico do Cardeal Humberto. Saindo da
Igreja, sacudiram a poeira dos seus sapatos e disseram: “Que Deus veja e que Ele
nos julgue!”. No dia 18 de julho partiram de Constantinopla, depois que o
Imperador se tinha despedido deles com o ósculo da paz, dando-lhes ricos
presentes para eles e para a sede de São Pedro.
Quando já estavam afastados, o correio acelerado do Imperador os
alcançou e pediu sua volta. O Imperador queria fazer uma última tentativa de
união; mas o Patriarca fez tudo para impedir isso. Em toda parte ele divulgava
um texto falsificado da Bula e concitava o povo contra os legados do Vaticano,
exigindo sua morte. Enquanto eles partiam, em Constantinopla foi queimada a
bula. O patriarca divulgou em todo o Oriente um edito com todas as antigas
acusações contra o Ocidente. O Patriarca Pedro de Antioquia fez ainda uma
última tentativa de reconciliação, mas tudo em vão. Cerulário não se apresentava
somente como chefe da Igreja grega, mas como único representante da religião
cristã.
Seu orgulho chegou ao ponto de ele usar as insígnias imperiais. O
Imperador o prendeu e enviou-o no exílio, onde, também em conseqüência dos
maus tratos, faleceu pouco antes do Natal de 1058. Mas já sob o próximo
Imperador e próximo Patriarca, sua honra foi recuperada e se criou um dia de
memória de Cerulário. Embora houvesse atitudes não sempre adequadas por
parte dos representantes, os Papas defendiam uma causa justa; certamente não
eram sempre felizes na escolha dos seus representantes. Os próprios Papas
condenavam as formas duras demais usadas por seus enviados. De outro lado,
Cerulário, desde o início, opôs-se a qualquer união, mas fez-se juiz e acusador.
Procurou conscientemente a divisão definitiva. – O Papa João Paulo II retirou
formalmente a excomunhão.
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