Francisco Vitória, Sobre o poder espiritual do Papa

Propaganda
Francisco de Vitória (Burgos, 1483-Salamanca, 1546), Os Índios e o direito da guerra (de indis
et de iure belli relectiones), trad. Ciro Mioranza, Ijuí,, Editora Unijuí, 2006, pp. 71-21.
Terceira proposição: “O Papa tem poder temporal com referência às coisas espirituais, ou
seja, enquanto é necessário para administrar as coisas espirituais”
Também esta proposição é de Torquemada, na passagem citada anteriormente, e de
todos os doutores. Prova-se isso porque a arte à qual corresponde um fim superior é
imperativa e preceptiva das artes às quais correspondem fins inferiores, subordinados a este
fim superior, como se lê em Aristóteles (Ética a Nicômaco, I, 1, 1904). Ora, o fim do poder
espiritual é a felicidade suprema, enquanto que o fim do poder civil é a felicidade social. Logo,
o poder temporal está sujeito ao espiritual. Inocêncio IV recorre a este argumento (Decretalia
Gregorii, IX, I, 36, 6 – cap. Solitae, De majoritate et obedientia).
Confirma-se isso porque, a quem foi pedido o desempenho de alguma função,
entende-se que lhe são concedidos todos os meios necessários, sem os quais não pode
desempenhar a contento essa função (Decretalia Gregorii, I, 29, 1, De offici delegati). Ora o
Papa, por delegação de Cristo, é o pastor espiritual e essa missão pode ser dificultada pelo
poder civil; como Deus e a natureza não podem falhar nas coisas necessárias, não há dúvida
de que foi transmitido ao Papa o poder sobre as coisas temporais, uma vez que é necessário
para governar as coisas espirituais.
Por essa razão o papa pode invalidar as leis civis que fomentam o pecado, como derrogou as
leis sobre a prescrição de má-fé, tal como conta em De Praescriptione, capítulo final (Decretalia
Gregorii, 2, 26, 20). Pela mesmo razão, se os Príncipes estiverem em discórdia quanto ao
sireito sobre algum principado e envolvidos numa guerra, pode o Papa ser juiz e examinar o
direito das partes e pronunciar a sentença, que os príncipes são obrigados a aceitar, sem
dúvida para evitar muitos danos espirituais que necessariamente ocorrem quando de uma
guerra entre príncipes cristãos[…].
Mais ainda, não duvido que, da mesma forma, tenham também os bispos autoridade temporal
em seu bispado, pela mesma razão que a tem o Papa em todo o mundo. Por isso fazem mal e
agem mal os príncipes e governantes que tentam impedir que os bispos imponham aos leigos
penas pecuniárias por causa de seus pecados, ou lhes apliquem o desterro ou ainda outras
penas temporais, pois isso não foge da sua competência, contanto que não o façam por
avareza e lucro, mas por necessidade e para proveito do governo espiritual”.
Download