Questão 1 - Globo.com

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Texto para a Questão 1
Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem mais aprouver fazer dieta.
Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.
Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Onívoro*; deem-me feijão com arroz
E um bife, e um queijo forte, e parati**
E eu morrerei, feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.
Vinícius de Moraes, Livro de sonetos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
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*onívoro: que se alimenta tanto de matéria vegetal como animal.
**parati: aguardente de cana, cachaça.
Questão 1
A) Indique duas figuras de linguagem, uma de natureza sintática e outra, semântica, utilizadas pelo autor nos
dois primeiros versos. Que efeitos de sentido elas produzem, tendo em vista seus referentes e o contexto
em que elas ocorrem?
B) A identificação da função sintática do termo “do coração” é decisiva para entender o significado do verso
13? Justifique sua resposta.
C) Identifique a principal mensagem subjacente ao texto. Justifique sua resposta com base em elementos presentes no poema.
Resolução
A)
No primeiro verso ocorre um hipérbato, figura de natureza sintática: “da alface a verde pétala”; no
segundo, uma metáfora, figura de natureza semântica: “as hóstias desbotadas”. O hipérbato, neste caso,
produz efeito de sonoridade: a verde pétala da alface quebraria o pé do verso (de 10 sílabas passaria a 12),
além de prejudicar sua musicalidade, alterando a posição das tônicas.
A metáfora transfere para a cenoura traços marcantes de uma hóstia: formato redondo, espessura fina
e, sobretudo, insipidez.
B)
Sim. Para interpretar corretamente o verso 13, é preciso perceber que o termo “do coração” está
associado a “morrerei”, funcionando como um adjunto adverbial de causa: “E eu morrerei do coração, feliz
de ter vivido...”
C)
Na estrutura profunda o poema coloca em oposição uma vida longa privada de prazeres e uma vida
breve repleta de sensações prazerosas. Contrariamente ao senso comum, valoriza mais o prazer, ainda que
breve, do que a longevidade, a preço do desprazer.
O tema da vida com desprazer vem representado pelas figuras dos alimentos light: alface, cenoura,
peras, maçãs; a vida com prazer, pelas figuras dos alimentos fortes: cajus, mangas-espadas, bife, queijo
forte, parati.
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