UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Bianca Elisabeth Thurm PERFIL DA PERCEPÇÃO CORPORAL E A INSATISFAÇÃO CORPORAL EM MULHERES COM TRANSTORNOS ALIMENTARES – UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO CORPORAL SÃO PAULO 2012 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Bianca Elisabeth Thurm Perfil da percepção corporal e a insatisfação corporal em mulheres com transtornos alimentares – uma proposta de intervenção corporal Dissertação apresentada ao Programa de Doutorado em Educação Física da Universidade São Judas Tadeu para análise da banca examinadora como requisito à obtenção do título de Doutor em Educação Física. Área de concentração: “Escola, esporte, atividade física e saúde.” Linha de pesquisa: atividade física e disfunções orgânicas. Orientadora: Profa Dra Eliane Florêncio Gama SÃO PAULO 2012 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 Perfil do grupo avaliado com transtorno alimentar______________________ 21 Tabela 2 Valores do IPC (%) global, por segmento corporal na AN e BN e no grupo (AN+BN).______________________________________________ 22 Tabela 3 Resultado da classificação da percepção da dimensão corporal de acordo com o IPC na AN e BN____________________________________________ 22 Tabela 4 Exemplos do teste do IMP nos transtornos alimentares__________________ 24 Tabela 5 Resultados das silhuetas atual e ideal da insatisfação corporal no transtorno alimentar (AN+BN) e separadamente._________________________________ 25 ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 1 Resultado da distribuição das silhuetas na anorexia nervosa ______________ 25 Gráfico 2 Resultado da distribuição das silhuetas na bulimia nervosa ________________26 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 Teste do IMP durante a avaliação da dimensão percebida e marcação da dimensão real ______________________________________________________ 16 Figura 2 Resultados da marcação do IMP _____________________________________ 17 Figura 3 Escala aleatória de desenhos de silhuetas femininas e suas respectivas porcentagens dos valores do peso corporal de acordo com o IMC ___________ 19 Figura 4 Escala de desenhos de silhuetas femininas ______________________________ 19 Figura 5 Propriocepção posicional com imitação ativa ___________________________ 28 Figura 6 Percepção comparativa dos antímeros ________________________________ 29 Figura 7 Estimulação dos limites corporais ____________________________________ 30 Figura 8 Alcance com bola________________________________________________ 32 Figura 9 Passando através do bambolê ________________________________________ 33 AGRADECIMENTOS Agradecer é sempre um momento muito especial e importante porque muitas pessoas acabam sendo envolvidas direta ou indiretamente para que uma tese de doutorado possa ser concluída. Eu tenho amigos especiais e queridos com os quais eu pude contar com a ajuda, compreensão, suporte, compartilhamento, acolhimento, encorajamento, carinho e torcida. Gostaria de dizer que todo este apoio fez toda a diferença durante este período do doutorado. Não irei listar o nome de todos, pois eu já agradeci e abracei um a um, mesmo porque eles não lerão a tese, mas só sei que sem amigos é impossível sobreviver !!! obrigada, obrigada, obrigada ! Destaco o agradecimento aos meus PAIS por terem feito da missão de educarme para a vida um ato supremo de perseverança, dedicação, coragem, amor e exemplo! O agradecimento mais especial e incondicional é para a minha orientadora Dra. Eliane F Gama. Estamos desenvolvendo este tema desde o meu mestrado iniciado em 2005 e estou até hoje tendo a experiência sensacional de aprender e me aprimorar como pesquisadora ao lado dela. É uma orientadora excepcional, com quem pude contar semanalmente com orientação, ajuda e acompanhamento de toda a parte prática das tarefas da tese, sempre disposta, com idéias e soluções incríveis, sem falar das correções que dão toda a diferença na tese que eu chamo de “lapidação”. Agradeço muito a oportunidade de ter a Eliane como orientadora e amiga e desejo que a nossa parceria desenvolvendo pesquisas sobre o esquema e percepção corporal continue seguindo sem data para terminar !! Um agradecimento importante gostaria de fazer para o prof e Ms. Raphael Cangelli Filho que apresentou o nosso projeto de pesquisa para o Dr. Taki A Cordás, médico responsável pelo AMBULIM- Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Hospital das Clinicas. Agradeço ao Dr. Taki por nos dar a oportunidade de fazer parte de sua equipe multidisciplinar no atendimento aos pacientes. Quero agradecer muito ao coordenador do AMBULIM, Dr. Fabio T Salzano pela orientação, acompanhamento e suporte na pesquisa e junto aos pacientes tanto na internação quanto no ambulatório e também ao apoio do Dr. Eduardo W Aratangy e seu auxilio na organização e encaminhamento das pacientes. Quem faz pesquisa clínica sabe o quanto este apoio é importante e valioso, obrigada !! Outro agradecimento bem especial quero fazer para a Marcela S Kotait nutricionista do AMBULIM por acreditar, apoiar e incentivar sempre o nosso trabalho, super obrigada !! Também quero agradecer a Elaine Carli do AMBULIM por ajuda e orientação e por sempre nos receber com tanto carinho. Sou muito grata também a Fernanda Pisciolaro nutricionista do AMBULIM, e toda a equipe de nutricionistas, pelo incentivo e auxilio junto às pacientes durante as avaliações. Importante foi também o suporte que a enfermeira Varlene B Ferreira nos deu todo este tempo com as pacientes na internação, obrigada! Os professores das disciplinas do doutorado foram parte importante de mais uma grande etapa de aprendizado e a todos eu agradeço por compartilharem seu conhecimento. Em especial eu quero agradecer a prof Dra. Miranda e prof Dra. Laura por terem auxiliado tanto no desenvolvimento e crescimento da minha tese a partir da capacidade especial que elas têm de ensinar com tanta dedicação. Toda esta contribuição foi muito importante e essencial para mim. Super agradecida eu também sou à prof Dra. Claudia Borim por sempre encontrar um espaço para me orientar na estatística, foi muito especial !! Eu sempre pude contar com o imenso e incansável opoio da Simone e do Daniel como também da Celma da secretaria da pós-graduação da USJT. Eles sempre estavam disponíveis para ajudar, guiar e solucionar as intercorrências com muita dedicação e carinho. Quero deixar um agradecimento imenso por todos estes anos de convivência com vocês; é muito bom estar ao lado de pessoas tão especiais !! Quero agradecer muito aos meus pacientes pela compreensão da minha ausência e redução de horários de atendimento assim como pelo incentivo e torcida ! Enfim, quero agradecer ao Universo pela oportunidade de passar por esta experiência tão especial que foi o meu doutorado e de colocar tantas pessoas especiais e únicas no meu caminho para que todo este processo pudesse ser vivenciado com tanta felicidade e satisfação. Hoje, terminada a tese, digo que cada dia desses 2 anos desenvolvendo esta pesquisa valeram a pena; cada aprendizado, cada dificuldade, toda a correria, o cansaço, as leituras, os finais de semana e feriados dedicados à tese, tudo valeu muito a pena. Sei que o trabalho foi meu, mas ele não teria sido possível se eu não tivesse a contribuição e apoio de todas estas pessoas a quem eu agradeci. “Sem amigos e compartilhamento a vida (e a tese, é claro!) não seria possível, obrigada a todos !!” Dra. ft. Bianca Elisabeth Thurm “Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes” (Paulo Freire) SUMARIO RESUMO ____________________________________________________________ 3 ABSTRACT __________________________________________________________ 4 1. INTRODUÇÃO ___________________________________________________ 5 1.1TRANSTORNOS ALIMENTARES ________________________________________ 6 1.2 PERCEPÇÃO CORPORAL _____________________________________________ 8 1.2.1 Imagem Corporal ______________________________________________ 8 1.2.2 Esquema Corporal _____________________________________________ 9 1.3 A PERCEPÇÃO CORPORAL NOS TRANSTORNOS ALIMENTARES ________________ 10 2. JUSTIFICATIVA ___________________________________________________ 13 3. HIPÓTESE ________________________________________________________ 13 4. OBJETIVOS _______________________________________________________ 13 4.1 OBJETIVO GERAL _________________________________________________ 13 4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS____________________________________________ 13 5. MATERIAIS E MÉTODO ____________________________________________ 14 5.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS _____________________________________ 5.2 MATERIAIS _____________________________________________________ 5.3 PROTOCOLOS DE AVALIAÇÃO________________________________________ 5.3.1 Procedimento de Marcação do Esquema Corporal (IMP) ______________ 5.3.2 Avaliação da insatisfação corporal _______________________________ 14 15 15 15 18 6. ANÁLISE ESTATÍSTICA DOS DADOS ________________________________ 21 7. RESULTADOS ____________________________________________________ 21 7.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS _____________________________________ 7.2 – ESQUEMA CORPORAL ____________________________________________ 7.2.1 – Dimensão corporal – Indice de percepção corporal (IPC) ____________ 7.2.2 – Dimensão corporal – Image Marking Procedure (IMP) ______________ 7.3 INSATISFAÇÃO CORPORAL __________________________________________ 7.4 CORRELAÇÃO ENTRE A INSATISFAÇÃO E DIMENSÃO CORPORAL ______________ 21 22 22 24 25 27 8. PROPOSTA DE UM PROTOCOLO DE INTERVENÇÃO NA PERCEPÇÃO CORPORAL _________________________________________________________ 28 8.1 ATIVIDADES PARA A ESTIMULAÇÃO DO ESPAÇO PESSOAL __________________ 28 8.2 ATIVIDADES PARA A ESTIMULAÇÃO DO ESPAÇO PERIPESSOAL _______________ 33 9. DISCUSSÃO ______________________________________________________ 37 10. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________ 42 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________ 43 RESUMO O corpo é o elemento chave nos transtornos alimentares, pois geralmente há um distúrbio na habilidade de reconhecer adequadamente seu peso, tamanho e a forma do corpo, levando a uma insatisfação com o próprio corpo. Este estudo teve como objetivos verificar o perfil da percepção corporal e a insatisfação corporal em mulheres com transtorno alimentar e a partir destes dados elaborar um protocolo de intervenção na percepção corporal. Participaram da pesquisa 76 mulheres com transtorno alimentar divididos em anorexia nervosa (n=49) e bulimia nervosa (n=27). Para a avaliação do perfil corporal foi utilizado o teste Image Marking Procedure (IMP) e a avaliação do nível de insatisfação corporal, por meio do Teste de Silhuetas de Gardner. A análise estatística do perfil mostrou que as pacientes com transtorno alimentar se perceberam maior do que realmente é (hiperesquematia) sendo a cintura a região do corpo com percepção mais distorcida. Além disto, as pacientes com bulimia nervosa tendem a se perceber maiores do que as com anorexia nervosa. O grupo também mostrou ser insatisfeito com o seu corpo, sendo que as bulímicas tendem a ser mais insatisfeitas. Um dado importante observado neste estudo foi que a distorção da percepção da dimensão corporal não está relacionada com a insatisfação com o corpo. Foi sugerido um protocolo para a intervenção na percepção do corpo por meio de atividades corporais específicas tanto para o espaço pessoal quanto o peripessoal que estão intimamente relacionados com a construção do esquema corporal. Este estudo constatou que os componentes atitudinal e dimensional que constroem a percepção do corpo são mecanismos distintos e, portanto, necessitam de tratamento específico. Palavras-chave: imagem corporal, esquema corporal, transtornos alimentares, estimulação perceptual corporal 3 ABSTRACT The body is the key element in eating disorders, since there is usually a disturbance in the ability to properly recognize weight, size and shape of the body, leading to dissatisfaction with their bodies. This study aimed to investigate the profile of body awareness and the body dissatisfaction in women with eating disorders and from these data establish a protocol for body awareness therapy. The participants were 76 women with eating disorders divided into anorexia nervosa (n = 49) and bulimia nervosa (n = 27). To evaluate the profile body test it was used the Image Marking Procedure (IMP) and the levels of body dissatisfaction through the Gardner silhouettes Test. Statistical analysis showed that the profile of patients with eating disorders are to perceive is (overestimation) and the waist distorted perception. Moreover, their body region of the patients suffering greater than body showed from bulimia it actually the most nervosa tend to overestimate more than those with anorexia nervosa. The group also proved to be dissatisfied with your body, and the bulimics tend to be more dissatisfied. An important fact observed in this study was that the distortion of perception of body size is not related to body dissatisfaction. It was suggested a protocol for intervention in the body schema through physical activities specific for both, the personal and peripersonal space that are closely related to the construction of the body schema. This study found that the attitudinal and dimensional components that build the body awareness mechanisms are different and therefore require specific treatment. Key words: body image, body schema, eating disorder, body awareness therapy 4 1. INTRODUÇÃO Sujeitos com transtornos alimentares (TA) apresentam como sintoma marcante o distúrbio da percepção corporal e uma insatisfação com o próprio corpo pois, de modo geral, se vêem e se sentem maiores do que realmente são, além de terem a reputação de apresentar dificuldade em seu tratamento (HEILBRUN e WITT, 1990; LAUTENCBACHER et al.,1997; PROBST et al., 1997; WALLIN et al., 2000). O corpo é o elemento chave nos TA, pois geralmente há um distúrbio na habilidade de reconhecer adequadamente e de forma consciente e realista seu peso, tamanho e forma, gerando uma falha de comunicação entre corpo e mente (PROBST et al., 1997; WALLIN et al., 2000). A percepção do corpo no espaço se dá no córtex cerebral a partir das sensações recebidas pelas vias nervosas e pela vivência emocional. A base neurológica dessa percepção, chamada de esquema corporal, depende de uma somatória de aferências multimodais acerca do corpo. A forma como o sujeito se vê e como ele gostaria de se ver ou ser visto pelo outro de acordo com a aceitação e julgamento do próprio corpo é chamada de imagem corporal. Para este trabalho é importante a compreensão de que o esquema corporal está relacionado com o sistema neural e a imagem corporal com o estado emocional, pois cada componente gera distorções distintas da percepção corporal: uma será no nível perceptual/dimensional do corpo e o outro, no emocional respectivamente (LACKNER, 1988; LAUTENBACHER et al.,1993; HOLMES e SPENCE, 2004; MOHR et al., 2009). Alguns estudos sugerem que a estimulação corporal tem sido uma grande aliada para reconectar o corpo e a mente nos sujeitos com TA (WALLIN et al., 2000; DUCHESNE e ALMEIDA, 2002). Embora a literatura aponte a necessidade da aplicação de trabalhos corporais nos TA (FICHTER et al., 1986; LAUTENBACHER et al.,1992; MOLINARI, 1995; WALLIN et al.,2000; SKRZYPEK et al., 2001; MOHR et al., 2009; NICO et al., 2009), foi encontrado apenas um estudo que utilizou uma atividade corporal específica chamada de Terapia para a Percepção Corporal (Body Awareness Therapy-BAT) para pacientes com TA. O estudo apontou melhoras significativas em alguns sintomas como a insatisfação corporal, qualidade de vida e o grau de transtorno alimentar (CATALAN-MATAMOROS et al., 2010) porém não avaliou se faria algum efeito sobre o distúrbio da percepção corporal em relação ao reconhecimento da dimensão e forma do corpo. Esta terapia tem ganhado grande campo 5 de estudo em diferentes condições terapêuticas e a base desta estimulação está na atividade corporal. Para melhor sistematização da exposição dos principais conceitos a serem analisados neste estudo, os mesmos serão dispostos em tópicos distintos. 1.1 Transtornos alimentares Os transtornos alimentares (TA) são síndromes comportamentais que possuem critérios diagnósticos determinados pela DSM-IV (APA-1994) e CID-10 (OMS-1993) (Quadro 1). Caracterizam-se por alterações de comportamento alimentar e com etiopatogenia multifatorial, incluindo fatores predisponentes: biológicos, psicológicos, culturais, familiares e genéticos que interagem entre si de modo complexo; fatores precipitantes: dietas restritivas, sentimentos de insegurança e insatisfação; e fatores mantenedores: alterações neuroendrócrinas e neurais, distorção da imagem e esquema corporal e alterações psicológicas (MORGAN et al., 2002; CORDÁS et al., 2010; PIETRINI et al., 2010; SALZANO et al., 2011). Os principais transtornos alimentares são a anorexia nervosa (AN) e a bulimia nervosa (BN). A AN caracteriza-se por perda de peso intensa e intencional à custa de dietas rígidas e métodos purgativos na busca desenfreada pela magreza e por distorção da imagem corporal. São acompanhados de quadro de perfeccionismo, autoinsuficiência, rigidez comportamental, insatisfação consigo mesmo e distorções cognitivas (CORDÁS, 2004). As pacientes com AN apresentam insatisfação com os seus corpos, e nestes casos, se sentem obesas apesar de se encontrarem magras. Considera-se esse fato uma alteração da sua percepção corporal. O medo de engordar é uma característica permanente nessas pacientes que passam a viver exclusivamente em função de dietas, da comida, do peso e da forma corporal. Como a etiologia da AN é multifatorial e de difícil tratamento sugere-se uma abordagem multiprofissional (MOLINARI, 1995; APPOLINARIO e CLAUDINO, 2000; BORGES et al., 2006). A BN caracteriza-se por grande ingestão de alimentos com sensação de perda de controle (episódios bulímicos) (CORDÁS, 2004). O vômito autoinduzido é o principal método compensatório utilizado assim como o uso de laxantes, diuréticos, inibidores de apetite. O efeito imediato provocado pelo vômito é o alívio do desconforto físico secundário a uma hiperalimentação e, principalmente, a redução do medo de engordar. Jejuns prolongados e exercícios físicos exagerados também são formas de controlar o 6 peso devido à preocupação excessiva com a forma e o peso corporal (CLAUDINO e BORGES, 2002; CORDÁS, 2004). Os transtornos alimentares estão se tornando uma preocupação frequente para a saúde pública, pois tem sido cada vez maior o número de casos identificados, principalmente em indivíduos do sexo feminino e com grande índice de morbidades e mortalidade provenientes destes transtornos (ANDRADE et al., 2006). Os TA são mais freqüentes em mulheres adultas e jovens, entre 18 e 30 anos, afetando 3,2% desta população (CORDÁS et al., 2010). A incidência média anual na população em geral de AN, entre mulheres, é de aproximadamente 18,5 por 100 mil e, entre homens, menos de 2,25 por 100 mil. Quanto à incidência de BN, os números são mais elevados, sendo 28,8 em 100 mil mulheres e 0,8 em 100 mil homens por ano. A taxa de mortalidade para a anorexia nervosa é de 9,8%. Em relação à BN os pacientes que receberam tratamento, 50% apresentam bons resultados e os mantêm, enquanto 30% mantêm síndromes parciais (CORDÁS et al., 2010). O tratamento dos transtornos alimentares envolve uma equipe multiprofissional para se obter sucesso na resolução e alivio dos sintomas. Esta equipe é formada por psiquiatras, psicólogos, nutricionistas, nutrólogos e terapeutas ocupacionais e foi encontrada na literatura cientifica levantada apenas um artigo com uma abordagem corporal em adultos para este tipo de pacientes (CATALAN-MATAMOROS, et al., 2010). O tratamento farmacológico é acompanhado de terapias individuais e familiares, aconselhamento nutricional individualizado e terapia ocupacional. Em geral não existe um profissional que cuide especificamente do distúrbio da percepção corporal inserido na equipe multiprofissional. Uma das prioridades no tratamento dos transtornos alimentares é mudar a maneira como os pacientes vivenciam seu próprio corpo (PROBST et al., 1997). Wallin et al. (2000) sugerem que a adequação da percepção corporal é de grande importância no tratamento e também para a prevenção de recaída. Apesar de esta questão ser sempre sugerida nos estudos, não existe um trabalho corporal específico para tratar o distúrbio da percepção da dimensão corporal mesmo no maior centro especializado de referência multidisciplinar para o tratamento dos TA do Brasil e da América Latina, o AMBULIM - Programa e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 7 Quadro 1. Critérios diagnósticos para a Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa segundo DSM-IV e CID-10 DSM-IV CID-10 1.2 Percepção corporal Estudos que avaliam a percepção corporal têm focado suas pesquisas nos dois componentes que a constroem: 1. a imagem corporal, relacionado às atitudes e sentimentos que os indivíduos têm em relação ao próprio corpo; 2. o esquema corporal, relacionado com a precisão em perceber a dimensão corporal. A separação destes componentes é considerada como o princípio básico para a compreensão das distorções da percepção corporal em pacientes com transtornos alimentares no sentido de elaborar tratamentos específicos e diferenciados para cada componente (HUNDLEBY e BOURGOIN, 1993; GARDNER, 1996; MUSSAP et al., 2008). 1.2.1 Imagem Corporal A imagem corporal foi definida por Paul Shilder (1994) como a figuração do nosso corpo formada em nossa mente. Refere-se a aspectos cognitivos, atribuições, crenças e expectativas do sujeito em relação ao seu corpo e ao estado emocional proveniente deste (SKRZYPEDK et al., 2001). Em outras palavras, a forma como o sujeito se vê e como ele gostaria de se ver ou ser visto pelo outro de acordo com a aceitação e julgamento do próprio corpo. Há um consenso na literatura de que um dos fatores que leva aos distúrbios alimentares tem relação com uma distorção da imagem corporal relacionada com a insatisfação com o próprio corpo. Lautenbacher et al. (1992) compararam a percepção da dimensão corporal com a satisfação corporal em pessoas com e sem restrição alimentar e mostraram que o estado de humor depressivo está 8 associado à insatisfação corporal e não à percepção da dimensão do corpo. Embora seja um aspecto importante da doença, nenhum protocolo terapêutico indica como tratá-la especificamente. 1.2.2 Esquema Corporal Perceber o corpo, suas dimensões e limites são de responsabilidade de uma região cortical, a área temporoparietal, que depende de sensações recebidas por vias nervosas. A base neurológica dessa percepção, chamada de esquema corporal, depende de uma somatória de informações acerca da cinestesia e da postura corporal. Permite ao indivíduo reconhecer a representação interna do corpo, chamada de espaço pessoal, que é a representação neural da superfície corporal, e determinar as relações do corpo com os espaços ao seu redor (espaço peri e extrapessoal). O espaço peripessoal conceitua-se como o espaço imediatamente ao redor do corpo alcançado pelo membro superior estendido e o espaço extrapessoal é o espaço que está além desse alcance (FRASSINETTI et al., 2001; HOLMES e SPENCE, 2004). O esquema corporal faz com que o indivíduo reconheça e sinta as partes componentes do próprio corpo para formar a percepção de sua dimensão corporal independentemente da aceitação do próprio corpo, da autoestima ou do biotipo. Ele depende de aferências sensoriais multimodais que incluem a exterocepção, os sistemas proprioceptivo, vestibular, somatossensorial e visual. As aferências sensoriais provenientes do corpo são projetadas para as áreas primárias corticais e formam uma representação gráfica chamada de somatotopia que dá origem aos homúnculos sensitivo e motor. Depois, estas aferências seguem para a área cortical secundária onde são interpretadas e em seguida convergem junto com informações originadas em diferentes partes do corpo para uma área cortical mais elaborada que é a área terciária (temporoparietal). Nesta região todas as informações são integradas e moduladas e especificamente, em relação a percepção corporal, ocorrerá o redimensionamento da dimensão corporal para depois enviar estas informações para o córtex motor (ASKEVOLD, 1975; LAUTENBACHER et al., 1993; PAILLARD, 1999, STEWART et al., 2003; EHRSSON et al., 2005; NICO et al.,2009). Portanto, o esquema corporal é responsável por integrar as informações de três representações corporais distintas: 1.uma representação somatosensorial primária, 2. uma representação da dimensão e forma corporal que se processa no córtex secundário e 3. uma representação postural e espacial que é elaborada no córtex terciário. Cada 9 representação corporal é integrada em um local diferente no córtex (HOLMES e SPENCE, 2004; BERTI et al., 2007; MEDINA e COSLETT, 2010). As pesquisas sobre o esquema corporal não são recentes. Um dos primeiros a propor uma avaliação do esquema corporal foi Askevold (1975), psiquiatra e psicanalista que estudava pessoas com transtornos alimentares. Utilizou fisioterapeutas para ter um grupo de referência sugerindo que eles fossem um padrão de normalidade e levando em consideração que esse grupo teria boa consciência corporal pelo trabalho que exercem. O teste, Image Marking Procedure - IMP (Procedimento de Marcação do Esquema Corporal) é um teste psicofísico que utiliza a capacidade do indivíduo de se projetar no espaço. É realizado por meio de um autodesenho feito a partir de pontos anatômicos estimulados exteroceptivamente para avaliar o quanto o indivíduo é capaz de perceber suas dimensões corporais. Depois de Askevold outros autores que também estudavam transtornos alimentares, principalmente a anorexia nervosa e a bulimia nervosa, utilizaram o mesmo teste para avaliar o esquema corporal (FICHTER et al., 1986; MEERMANN, 1986; WHITEHOUSE et al., 1986; PIERLOOT e HOUBEN, 1978; LAUTENBACHER et al., 1992, 1993; MOLINARI, 1995). 1.3 A percepção corporal nos transtornos alimentares Morgan et al. (2002) consideram que a abordagem do distúrbio da percepção corporal é fundamental para o tratamento da AN. Para perceber o tamanho corporal, necessitamos tanto de informações externas e vivências, que estão relacionadas à imagem corporal, quanto de informações somatossensoriais advindas do sistema nervoso (esquema corporal). A AN faz com que o indivíduo perceba sua dimensão corporal maior do que ela realmente é (hiperesquematia) e esta má percepção corporal permanece mesmo com o ganho de peso. Manter a sensação de que o corpo está grande é um papel dinâmico na motivação para manter uma dieta restritiva aumentando o risco de recaída da AN (HEILBRUN e WITT, 1990; PROBST et al., 1999). Um dado curioso mostra que indivíduos com AN apresentam uma hiperesquematia total do corpo de 20%; porém as regiões pélvica e abdominal/cintura foram percebidas 50% maior do que realmente são (MOLINARI, 1995). resultados encontrados por FICHTER et al (1986) confirmam que a região mais hiperesquemática foi a região abdominal/cintura em sujeitos com AN quando comparados a um grupo controle. Nesse sentido Lautenbacher et al. (1993) sugerem que, sob certas circunstâncias, as informações somatossensoriais multimodais não são muito bem integradas e interpretadas na área temporoparietal (área 10 do esquema corporal) nos portadores de AN devido a incoerências, falhas na integração ou mesmo instabilidades que produzem uma distorção do esquema corporal. Não foram encontradas pesquisas neste sentido em sujeitos com BN. Seguindo a sugestão proposta pelo autor acima, Lautenbacher et al. (1993), estudos recentes utilizando neuroimagem apontam que os TA não são considerados apenas doenças psicológicas mas também doenças neurais, pois foram identificadas alterações no córtex cerebral em sujeitos com anorexia e bulimia (EHRSSON et al., 2005; UHER et al., 2005; MOHR et al., 2009; PIETRINI, et al., 2010). Uma pesquisa que utilizou técnica de neuroimagem para avaliar a ativação cortical em pacientes com anorexia nervosa mostrou que existem distúrbios na ativação das regiões frontal, giro do cíngulo e parietal do córtex. A região parietal foi a mais afetada e mostrou alterações na área secundária que é responsável pela interpretação dos sinais, e na área terciária que é responsável pela integração das informações e redimensionamento da dimensão corporal (PIETRINI, et al., 2010). Este estudo evidencia que a anorexia nervosa está relacionada com distúrbios emocionais (componente atitudinal da percepção corporal) mostrado pela alteração nas regiões frontal e no giro do cíngulo, e com a imprecisão da percepção da dimensão corporal (componente perceptual) originado pela disfunção da região parietal responsável pelo esquema corporal. Outra pesquisa mostrou que nos transtornos alimentares existe uma incoerência no feedback da codificação multimodal do esquema corporal no córtex parietal (UHER et al., 2005); e foi evidenciado também uma menor ativação do córtex parietal posterior que levaria a um déficit no momento da interpretação dos sinais. Este mecanismo seria o responsável por facilitar o desenvolvimento da distorção da percepção corporal (EHRSSON et al., 2005, MOHR et al., 2009). Lautenbacher et al. (1992) sugeriram em seu estudo que as informações somatossensoriais são importantes para a formação do esquema corporal e, dessa forma, para a precisão da percepção da dimensão corporal e que a estimulação somatossensorial deve ser incluída no tratamento de indivíduos que apresentam distúrbios do esquema corporal. A melhora do distúrbio do esquema corporal só pode ser conseguida por conta da capacidade do sistema nervoso central (SNC) para modificar sua organização estrutural e funcionamento em resposta à experiência e a estímulos repetidos. Este fenômeno é chamado de plasticidade neural que é a propriedade do SNC em 11 desenvolver novas conexões sinápticas entre os neurônios a partir da experiência e do comportamento do indivíduo. A cada nova experiência, redes de neurônios são rearranjadas, sinapses são reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis. Portanto, o mapa cortical de um adulto está sujeito a constantes modificações com base no uso ou atividade de seus caminhos sensoriais periféricos. Assim, é possível continuar a estimular o indivíduo, seja por meio de psicoterapia, de exercícios específicos e de treinamentos, de maneira que quanto maior a quantidade de estímulos, melhor será o nível de funcionamento (TAFNER, 1998; DORRIS et al., 2000; LUNA et al., 2002). Estudos mostram que a atividade física pode ser um meio efetivo de tratamento para o transtorno alimentar se comparado ao tratamento tradicional, entretanto é importante elaborar um programa que se atenda a esta população de forma que não se torne mais um meio de purgação (PENDLETON et al., 2002; SUNDGOT-BORGEN et al., 2002) Os profissionais de Educação Física e Fisioterapia atuam em escolas, clubes, academias, universidades e também estão inseridos em áreas como fisiologia, educação, pesquisa científica, psicologia e na área esportiva. Atuam também em empresas e nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). O fisioterapeuta também está presente em centros de reabilitação, clínicas e no Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente estes profissionais fazem parte de equipes multiprofissionais em hospitais atuando nas áreas de reabilitação cardíaca, hipertensão, obesidade, oncologia bem como na saúde pública desenvolvendo atividades para pacientes com HIV (SANTOS, 1999; CONFEF, 2010; CREFITO-SP, 20121). Entretanto a integração do educador físico e fisioterapeuta às equipes multidisciplinares relacionadas a distúrbios psiquiátricos não é muito explorada. Na terapêutica psiquiátrica há indicadores de evolução que se baseiam na sintomatologia; na psicológica os indicadores são comportamentais; na terapêutica nutricional é o peso e o estado nutricional, porém na terapêutica corporal não existem indicares que apontem avaliação e evolução do tratamento corporal, pois falta na literatura o perfil do esquema corporal nos transtornos alimentares bem como a terapêutica corporal específica. 1 CREFITO-SP. [http://www.crefitosp.gov.br/ns/m_fisio_definicao.html] 12 2. JUSTIFICATIVA Traçar um perfil do componente perceptual nos transtornos alimentares é importante para compreender melhor de que forma o distúrbio dimensional se projeta no corpo e trazer diretrizes para a avaliação e intervenção corporal. Sem ter um perfil da distorção da dimensão e forma corporal nesta população as pesquisas científicas sobre o componente perceptual se mostram frágeis diante das pesquisas do componente atitudinal que tem perfis emocionais desta população muito bem estabelecidos tornando a classificação, avaliação e o tratamento muito mais direcionados. Baseado em um perfil perceptual nos TA será possível interferir neste componente desde que seja de forma sistemática e com base neurofisiológica que justifique sua utilização. Os protocolos terapêuticos associam a atividade física como adjuvante no tratamento dos TA, entretanto não é apresentado um protocolo específico de atividades corporais para esta população, desta forma será proposto um protocolo de intervenção na percepção corporal a partir do perfil traçado neste estudo. 3. HIPÓTESE A hipótese inicial deste projeto considera que tanto na anorexia nervosa quanto na bulimia nervosa os sujeitos apresentem uma distorção da dimensão corporal e uma insatisfação corporal e que uma proposta terapêutica de estimulação da percepção do corpo restaure o mecanismo de feedback do circuito neuronal relacionado ao esquema corporal e melhore o nível de insatisfação. 4. OBJETIVOS 4.1 Objetivo geral Verificar o perfil do esquema corporal e a insatisfação corporal em sujeitos com transtorno alimentar e elaborar um protocolo de intervenção na percepção corporal. 4.2 Objetivos específicos Os objetivos específicos deste estudo foram: -avaliar e traçar o perfil do esquema corporal de sujeitos com AN e BN; -avaliar a insatisfação corporal destes grupos; -correlacionar o esquema corporal com a insatisfação corporal; -elaborar um protocolo de estimulação somatossensorial para os espaços funcionais pessoal e peripessoal. 13 5. MATERIAIS E MÉTODO O tipo de pesquisa foi descritiva com enfoque na análise do perfil de um grupo com transtorno alimentar formado por pacientes com anorexia nervosa e bulimia nervosa. O presente trabalho analisou a percepção corporal e a insatisfação corporal. Além disto, foi elaborado um protocolo de intervenção da percepção corporal para sujeitos com transtornos alimentares (TA). 5.1 Caracterização dos sujeitos Os sujeitos desta pesquisa estavam internados na enfermaria e em acompanhamento no Programa de Transtornos Alimentares - AMBULIM do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Este serviço, que é o maior centro especializado em TA do Brasil, conta com uma abordagem multiprofissional através de médicos, psiquiatras, psicólogos (orientação individual, grupal e familiar), nutricionistas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e educadores físicos (AMBULIM home page2). As atividades são desenvolvidas individualmente nos atendimentos psiquiátrico e psicológico e em grupo nas demais atividades (arteterapia, grupo de atividade física, orientação vocacional, atendimento nutricional e grupo de leitura, entre outras). Toda a equipe ainda se reúne uma vez por semana para discussão dos casos em tratamento (SALZANO E CORDÁS, 2003). Participaram da pesquisa 76 sujeitos do sexo feminino cadastradas no programa de transtornos alimentares do referido ambulatório com idade entre 18 e 57 anos, com diagnóstico de transtorno alimentar. Foram avaliados todos os sujeitos cadastrados no programa de transtornos alimentares no período de abril a setembro de 2011. O tempo de internação ou tratamento não foi considerado como critério de participação ou não do estudo. Os sujeitos apresentavam diagnóstico de transtorno alimentar há pelo menos 1 ano. Nenhum dos sujeitos informou qualquer participação em atividade de estimulação da percepção corporal durante seu tratamento. Todos os participantes foram esclarecidos sobre o método que foi aplicado e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido conforme o modelo do 2 AMBULIM - <http://www.ambulim.org.br/sobre.php> 14 Comitê de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa CAPPESC sobre a participação do estudo na condição de voluntário. 5.2 Materiais Para a avaliação do esquema corporal foram utilizados: adesivos coloridos, máquina fotográfica digital Sony Cybershot®, um programa de análise de imagem, o ImageJ 1.45S para calcular a largura das medidas reais e percebidas. Para avaliar a insatisfação corporal foi utilizado o teste de silhuetas proposto por Gardner et al. (2009) que contém 17 imagens de silhueta separadas tanto para o sexo masculino quanto para o feminino. 5.3 Protocolos de avaliação 5.3.1 Procedimento de Marcação do Esquema Corporal (IMP) O objetivo de avaliar a percepção da dimensão corporal é analisar a diferença entre a medida percebida do próprio corpo e a medida real do sujeito (GARCIA e MALDONADO, 2008). Segundo Thurm et al., (2011) em seu estudo de revisão dos instrumentos que avaliam a dimensão corporal no transtorno alimentar, concluíram que o instrumento mais indicado para avaliar a percepção da dimensão corporal nesta população seria o teste do IMP (Image Marking Procedure) ou Procedimento de Marcação do Esquema Corporal sugerido por Askevold (1975) com algumas adaptações propostas pela autora (THURM e GAMA, 2007). Nesta revisão, foram encontrados quatro métodos que avaliam e quantificam a percepção dimensional do corpo utilizando o índice de percepção da dimensão corporal (IPC): 1.Movable Caliper Procedure, 2.Visual Size Estimation Procedure, 3. Kinesthetic Size Estimation Apparatus e 4. Image Marking Procedure (IMP). Os métodos diferem em sua forma de execução, utilização de instrumentos e o uso ou não de feedback visual por parte do avaliado, uso ou não de estímulo tátil para gerar a resposta do avaliado. Levando em conta o aspecto proprioceptivo, a possibilidade de avaliar o grau de distorção corporal e dos segmentos corporais específicos, o IMP foi o teste considerado mais adequado para a avaliação do esquema corporal nos transtornos alimentares por abarcar os aspectos sensoriais da percepção corporal além da possibilidade de projetar livremente a percepção dos limites corporais sem a 15 interferência visual, cognitiva e qualquer referencial externo comparado aos outros testes que mostraram limitações quando a estes aspectos (THURM et al., 2011). Sendo assim, neste estudo foi utilizado este teste. A partir desta avaliação os sujeitos foram classificados e traçados os perfis para a anorexia nervosa e bulimia nervosa. Os sujeitos foram marcados com etiqueta nas seguintes regiões corporais: articulações acromioclavicular direita e esquerda, curvas da cintura direita e esquerda e trocânteres maiores do fêmur direito e esquerdo. Esse procedimento tem como objetivo garantir que sempre sejam tocados os mesmos pontos em todos os testes. Para avaliar o esquema corporal por meio do IMP, os sujeitos permaneceram em posição ortostática diante de uma parede branca. A distância do sujeito até a parede foi determinada pelo comprimento do membro superior do sujeito semifletido de forma que sua mão atinja a parede. Os sujeitos foram orientados a realizar o teste de olhos vendados com instrução verbal de que deveriam imaginar que a parede era um espelho e conseguiam se ver nele. Para a marcação da dimensão percebida, (figura 1A) foram tocados os pontos marcados e os indivíduos apontaram na parede diante de si, a projeção de cada ponto tocado. Os indivíduos foram orientados a deixar ambas as mãos próximas à parede sem tocá-la entre as marcações (ASKEVOLD, 1975; FICHTER et al., 1986; MEERMANN et al., 1986; WHITEHOUSE et al.,1986; LAUTENBACHER et al, 1992, 1993,1997; MOLINARI, 1995). O primeiro ponto anatômico avaliado foi o alto da cabeça. Nesse momento o indivíduo foi orientado a fazer uma apneia inspiratória (MATSUDO, 2005). Foram realizadas três medidas consecutivas sem que o examinado visse as marcações anteriores. Para determinar a medida real do sujeito, (figura 1B) o pesquisador posicionou-o próximo à parede para marcar a posição real dos pontos tocados com o uso de uma régua. Originalmente a marcação dos pontos reais era realizada colocando-se o sujeito de costas para o papel, porém nesta posição obtêm-se marcações contrárias em relação ao lado direito e esquerdo. Por exemplo, se o sujeito marca o ponto percebido do ombro direito tendo a folha de papel à sua frente e depois esse mesmo ponto é marcado como real colocando-se o sujeito de costas para o papel, o ponto marcado será o do ombro esquerdo e não o do direito. Por esse motivo modificamos o posicionamento proposto pela literatura, mantendo o sujeito de frente para a parede a fim de marcar os pontos reais. Para evitar erros de marcação dos pontos reais, o pesquisador estabilizou a região cervical com o apoio da mão, impedindo o 16 balanço postural, que é a oscilação natural que o corpo apresenta quando está em postura ereta (MOCHIZUKI e AMADIO, 2003; DUARTE et al., 2000). Foram consideradas para as medidas reais e percebidas as distâncias dos pontos marcados (largura dos ombros, da cintura e dos trocânteres e a altura do sujeito, tanto da medida percebida quanto da real) (Figura 2). Foi aplicado o Índice de Percepção Corporal (IPC), que consiste em utilizar a fórmula: tamanho percebido (média das 3 dimensões percebidas) dividido pelo tamanho real multiplicado por 100 cujo resultado final é dado em valores percentuais. Inicialmente Bonnier em 1905 considerou como percepção corporal adequada os sujeitos que percebessem 100% de suas dimensões corporais; valores abaixo de 100% eram classificados como hipoesquematia e os acima, como hiperesquematia (MOLINARI, 1995; LAUTENBACHER et al., 1992,1993,1997; FREITAS, 2004). Porém Segheto et al. (2010) sugeriram, baseado na análise de percentis, uma adequação desta classificação com um ponto de corte diferente: sujeitos que se perceberam entre 99,4% e 112,3% foram considerados com percepção corporal adequada; valores abaixo de 99,4% foram classificados como hipoesquematia (quando o sujeito se percebe menor do que realmente é) e os acima de 112,3%, como hiperesquematia (quando o sujeito se percebe maior do que realmente é). Nesse estudo foi utilizado o critério de classificação proposto por Segheto et al. (2010) por apresentar um critério mais realista da percepção corporal numa população. Parece pouco provável encontrar indivíduos que apresentem 100% de percepção das dimensões corporais. (A) (B) Fig. 1. (A) Teste do IMP durante a avaliação da dimensão percebida da largura dos ombros, da cintura e dos trocânteres; (B) Marcação da dimensão real dos mesmos pontos anatômicos. 17 (A) (B) Fig. 2. (A) Resultado das marcações do IMP, onde os círculos maiores (setas brancas) representam as dimensões reais e os círculos menores (setas pretas) representam as coletas da dimensão percebida dos sujeitos a partir dos pontos estimulados (cabeça, ombros, cintura e quadril) (B) Resultado final do teste IMP, representa graficamenteForam a melhor das 3 avaliações e asanálises: setas pretas representam odo cálculo da distância realizadas as seguintes 1) classificação esquema corporalentre de os pontos tocados pelocom avaliador, para dimensão percebida a real. acordo o IPCtanto geral; 2) acomparação do IPC quanto geral no TA e entre a anorexia nervosa Foram realizadas as seguintes análises: 1) classificação do esquema corporal de acordo com o IPC geral; 2) comparação do IPC geral no TA e entre anorexia nervosa e bulimia nervosa; 3) avaliação dos segmentos corporais separadamente; 4) análise de associação não paramétrica entre o TA (ANxBN) e a classificação da percepção da dimensão corporal (hiperesquematia x outros) e 5) análise dos desenhos obtidos pelo teste do IMP usando o resultado da melhor dimensão percebida comparada com a dimensão real. 5.3.2 Avaliação da insatisfação corporal Quando se avalia a imagem corporal, o objetivo é identificar a diferença de como o sujeito se vê e como ele gostaria de se ver ou ser visto pelo outro e esta avaliação mostrará o nível de insatisfação corporal do sujeito. Para esta avaliação foi 18 utilizado o teste de silhuetas proposto por Gardner et al. (2009) que contém 17 imagens de silhueta separadas tanto para o sexo masculino quanto para o feminino. O teste associa a percepção da imagem corporal e a variação do índice de massa corporal (IMC) no qual as silhuetas representam os valores do peso corporal entre 60% abaixo e 140% acima do peso médio (Figura 3). Apesar das figuras deste instrumento não serem específicas para a população brasileira optamos por ele pelo fato das figuras serem apresentadas de forma aleatória (Figura 4) e não de forma crescente como ocorre em outros Testes de Silhuetas como o de Stunkard, por exemplo. E também pelo fato do objetivo principal ser identificar a satisfação ou insatisfação com a própria silhueta. Segundo os próprios pesquisadores (Gardner et al., 2009) quando se coloca as figuras dispostas gradualmente da menor silhueta para a maior ou vice-versa, isto serve de referência para o ajuste da imagem, e assim sendo, as imagens que começam mais magras tendem a ser subestimadas e as que começam mais gordas tendem a ser superestimadas. Como o objetivo é saber apenas se o sujeitos da pesquisa são ou não satisfeitos com o corpo As figuras foram mostradas ao sujeito e ele apontou qual das silhuetas representava o seu corpo no momento presente (silhueta atual) e depois mostrou qual seria a silhueta que ele gostaria de ter (silhueta ideal). As silhuetas foram numeradas de 1 (que representa o peso 60% abaixo do peso médio) a 17 (que representa o peso 140% acima do peso médio). Esta numeração foi colocada atrás de cada silhueta de forma que o avaliado não pudesse ver. Para a avaliação da insatisfação corporal foi considerada a diferença entre a silhueta atual e a ideal, ou seja, quando o sujeito apontou a mesma silhueta foi considerado que ele estava satisfeito e quando apontava silhuetas diferentes, insatisfeito. Foram realizadas as seguintes análises: 1) histograma da distribuição das silhuetas; 2) análise da insatisfação no TA e na AN e BN assim como o cálculo percentual da satisfação e insatisfação; 3) análise de associação não paramétrica entre a o transtorno alimentar (ANxBN) e a insatisfação (insatisfação x satisfação). 19 Fig. 3. Escala aleatória de desenhos de silhuetas femininas e suas respectivas porcentagens dos valores do peso corporal de acordo com o IMC (Gardner et al.2009). Fig. 4. Escala de desenhos de silhuetas femininas proposto por Gardner et al.2009. 20 6. ANÁLISE ESTATÍSTICA DOS DADOS A análise foi feita com o uso do software estatístico SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 13.0 e o nível de significância adotado foi de 5%. Os dados foram apresentados com média e desvio padrão. Foi utilizado o teste de Levene para verificar a igualdade de variância. A análise entre os grupos foi feita por meio do teste t de Student para amostras independentes. As múltiplas comparações entre os grupos foram feitas utilizando ANOVA com medidas repetidas e as diferenças entre os pares foi avaliada com o teste de Bonferroni. Foram realizados os testes de associação do quiquadrado e o odds ratio (OR) para analisar a associação entre as variáveis. 7. RESULTADOS 7.1 Caracterização dos sujeitos Foram avaliados 76 sujeitos do sexo feminino com transtorno alimentar sendo 42 internadas no referido hospital e 34 que estavam em acompanhamento no Programa de Transtornos Alimentares - AMBULIM. Foram divididos em dois grupos: as com diagnóstico de anorexia nervosa (n=49) e de bulimia nervosa (n=27). A média da idade do grupo com anorexia nervosa foi de 31,2±10,6 e o de bulimia nervosa 29,2±9,5anos; não houve diferença de idade entre os grupos (p=0,42). Além do diagnóstico de transtorno alimentar apresentavam um ou mais quadros associados tais como: depressão, transtorno bipolar, ideação suicida, sintoma obsessivo compulsivo, transtorno depressivo crônico ou personalidade do tipo borderline. Todos os participantes da pesquisa recebiam medicação de acordo com seus sintomas dentre elas sertralina, fluoxetina, paroxetina, mirtazapina e venlafaxina que são antidepressivos; olanzapina, risperidona e quetiapina que são antipsicóticos; diazepam que é um calmante que diminui a ansiedade; clonazepan, um tranqüilizante; zolpidem que é um indutor de sono e topiramato que é um anticonvulsivante. Destes, o topiramato provoca alterações cognitivas. Em relação à atividade física, no grupo com anorexia nervosa 18 sujeitos não praticavam e 31 praticavam, já no de bulimia nervosa 8 não praticavam e 19 praticavam. As atividades compreendiam caminhada, exercícios aeróbios, spinning, vôlei, corrida, musculação, hidroginástica e body combat. A freqüência com que as atividades eram 21 praticadas nos dois grupos foi de 2-5 vezes por semana sendo a duração de 1 a 3 horas (tabela 1). Tabela 1. Perfil do grupo avaliado com transtorno alimentar. GRUPO total de sujeitos média da idade praticavam atividade fisica nenhuma atividade fisica AN 49 31,3±10,6 63,26% 36,73% BN 27 29,2±9,5 70,37% 29,62% 7.2 – Esquema corporal 7.2.1 – Dimensão corporal – Indice de percepção corporal (IPC) A análise da percepção da dimensão corporal por meio do teste t de Student a partir do cálculo do IPC (tamanho percebido/tamanho real x100) mostrou que os dois grupos não apresentaram diferença quanto à classificação da percepção da dimensão coporal (p=0,49). Ambos os grupos apresentaram hiperesquematia (IPC >112,4% de acordo com a classificação proposta por Segueto et al., 2010). A ANOVA com medidas repetidas mostrou que não existe diferença significativa entre os dois grupos (AN x BN) em relação à percepção das larguras dos segmentos corporais (cabeça, ombros, cintura, troncânteres). Entretanto, ao analisar a largura dos segmentos corporais nos sujeitos com transtorno alimentar (AN mais BN) a percepção da largura da cintura mostrou diferença significativa em relação ao ombro e o trocânter sendo percebida maior do que os outros segmentos (hiperesquematia) (p=0,00) (Tabela 2). Em relação à classificação do IPC na AN e BN a maioria dos sujeitos foram classificados como hiperesquematicos nos dois grupos, porém também foram encontrados sujeitos que se perceberam como hipoesquematicos e adequados. Não houve diferença entre os grupos de acordo com o teste do qui-quadrado (p=0,83) (Tabela 3). 22 Tabela 2. Valores do IPC (%) global, por segmento corporal na AN e BN e no grupo (AN+BN). AN BN (média%±DP) (média%±DP) p IPC global 142,6±50 Dimensão 151,0±55 0,49 IPC dos segmentos corporais IPC largura ombros 137,8± 52,0 157,0±66,9 0,16 IPC largura da cintura 176,2±66,7 195,7±86,4 0,27 IPC largura trocânteres 139,9±48,2 153,6±67,0 0,30 Segmento corporal no grupo (AN+BN) IPC largura ombros 147,4±58,0 1,00 IPC largura da cintura 186,0±74,3 0,00* IPC largura trocânteres 146,7±55,5 1,00 IPC=índice de percepção corporal. * p<0,005. Tabela 3. Resultado da classificação da percepção da dimensão corporal de acordo com o IPC na AN e BN. Classificação do IPC hiperesquematia hipoesquematia adequado total AN 69,4% (n=34) 10,2% (n=5) 20,4% (n=10) 100% (n=49) BN 74,1% (n=20) 11,1% (n=3) 14,8% (n=4) 100% (n=27) p 0,83 Para analisar a relação entre o transtorno alimentar (ANxBN) e a classificação da percepção da dimensão corporal (hiperesquematia x outro) foi utilizado o odds ratio (OR) (razão de chances) que é um teste que não estima diretamente a incidência da doença, mas sim a razão destas incidências (WAGNER e CALLEGARI-JACQUES, 1988). Para esta análise os sujeitos foram classificados em dois grupos de acordo com o valor do IPC: hiperesquematia (experimental; n=54) e outro (controle; n=22). Neste segundo grupo foram incluídos os IPCs classificados como hipoesquematia e adequado 23 somados, pois de acordo com as pesquisas, é mais comum que sujeitos com transtorno alimentar se percebam maiores do que realmente são (MOLINARI, 1995; APPOLINARIO e CLAUDINO, 2000; BORGES et al., 2006). Portanto o objetivo foi comparar a hiperesquematia, com as outras duas classificações que são menos comuns. Os resultados da análise da relação do transtorno alimentar (ANxBN) e a classificação da percepção corporal (hiperesq x outros) por meio do OR mostraram que não existe associação entre as variáveis, mas apontou que a chance das pacientes do grupo com AN se perceberem hiperesquematicas é 34% menor do que as com BN (OR=0,66). 7.2.2 – Dimensão corporal – Image Marking Procedure (IMP) Apesar da ocorrência de superestimação da percepção da dimensão corporal ter sido mais encontrada, foram observadas algumas representações gráficas do IMP que revelaram dimensões adequadas e subestimadas. Na análise dos resultados dos desenhos não foi encontrado nenhum padrão nos desenhos que pudesse indicar alguma tendência corporal ou dimensional no grupo, mas observou-se que a distorção da percepção corporal não se mostrou apenas na superestimação, mas também na percepção inadequada da localização dos segmentos corporais (Tabela 4). 24 Tabela 4. Exemplos do teste do IMP nos transtornos alimentares. IMP adequado Anorexia nervosa subestimação superestimação IPC=108,70% n=10 IPC=76,14% n=5 Bulimia nervosa IPC=279,81% n=34 IPC=111,85% n=4 IPC=83,31% n=3 IPC=304,73% n=20 Exemplos do teste do IMP (traçado em cinza=dimensão real; em preto=percebida) mostram a distorção da percepção corporal expressa. IPC=Índice de percepção corporal. 7.3 Insatisfação corporal Foi feito um histograma de distribuição das silhuetas atual e ideal apontadas na AN e na BN. Observou-se que 84,5% do grupo com AN escolheu como silhueta atual os desenhos entre números de 7 e 17 que correspondem de 90% abaixo e 140% acima do peso médio; e como silhueta ideal, 77% escolheu entre as silhuetas 1 a 3 que correspondem a 60-70% do peso abaixo do peso médio. No grupo de BN a escolha da silhueta atual foi mais homogênea e para a ideal, 77,8% escolheram entre 1 e 4 que correspondem a 60-75% abaixo do peso médio (Gráficos 1 e 2). 25 Ao avaliar a insatisfação corporal a partir do teste de silhuetas foi observado que a insatisfação com o corpo é uma queixa comum no transtorno alimentar. O grupo mostrou 90,47% de insatisfação com o corpo e apenas 9,52% mostraram-se satisfeitos. O teste t pareado de Student (silhueta atual x silhueta ideal) mostrou que o grupo com transtorno alimentar (grupo AN+BN) é significaticantemente insatisfeito (p=0,00) e analisando separadamente o grupo com anorexia nervosa e bulimia nervosa também foi observada insatisfação corporal nos dois grupos (p=0,00) (Tabela 5). Na análise da relação do transtorno alimentar (ANxBN) e a insatisfação corporal (insatisfeita x satisfeita), a medida de associação utilizada foi expressa em odds ratio (OR) e mostrou que não existe associação entre as variáveis, mas apontou que a chance das pacientes do grupo AN ser insatisfeita com sua silhueta corporal é 35% menor do que a BN (OR=0,65). Gráfico 1 – Resultados da distribuição das silhuetas na anorexia nervosa 30 Silhueta Atual 25 Silhueta Ideal 20 % 15 10 5 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 26 Gráfico 2 – Resultados da distribuição das silhuetas na bulimia nervosa 45 40 % 35 Silhueta Atuall 30 Silhueta Ideal 25 20 15 10 5 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 Tabela 5. Resultados das silhuetas atual e ideal da insatisfação corporal no transtorno alimentar (AN+BN) e separadamente. TA AN BN SA média±DP 9,2 ± 5,0 8,2 ± 5,3 10,7 ± 4,4 SI média±DP 3,0 ± 2,4 3,0 ± 2,7 3,0 ± 1,9 p 0,0001* 0,0001* 0,0001* TA=transtorno alimentar; AN=anorexia nervosa; BN=bulimia nervosa; SA=silhueta atual; SI=silhueta ideal; * p<0,005. 7.4 Correlação entre a insatisfação e dimensão corporal Ao analisar a relação entre a percepção da dimensão corporal e a insatisfação, o resultado do teste mostrou uma correlação fraca (r=0,24; p=0,65) indicando que o aumento da distorção da dimensão corporal não é igual ao aumento da insatisfação. Ou seja, a distorção da percepção da dimensão corporal não está relacionada com a insatisfação com o corpo. 27 8. Proposta de um protocolo de intervenção na percepção corporal A partir do perfil traçado do grupo de anorexia nervosa e bulimia nervosa foi constatada a superestimação da percepção corporal (hiperesquematia) bem como a percepção inadequada da localização dos segmentos corporais; além disto, não foi observado um padrão de distorção no grupo com TA ou mesmo alguma tendência que pudesse caracterizar ou diferenciar o grupo AN do BN. Portanto, o objetivo principal da proposta do protocolo foi estimular o mecanismo neural de ativação do córtex parietal na tentativa de restaurar o déficit do feedback desse mecanismo. Esta intervenção irá respeitar a hierarquica neurológica da construção do esquema corporal, estimulando cada espaço (pessoal e peripessoal) separadamente e buscar um trabalho específico que atenda o perfil destas pacientes. A fundamentação teórica que justifica o protocolo tanto para o espaço pessoal quanto para o peripessoal estão descritos ao final de cada proposta de intervenção. Desta forma sugeriu-se um trabalho corporal para estimular o esquema corporal que faz com que o indivíduo reconheça e sinta os segmentos corporais e desta forma perceber sua dimensão corporal independentemente da aceitação do próprio corpo. O protocolo proposto vem de encontro com as três representações que constroem o esquema corporal conforme sugerido por Medina e Coslett (2010). Estas representações corporais correspondem à percepção do espaço pessoal (para aprimorar o mapa somatotópico); espaço peripessoal (para estimular o córtex parietal responsável pelo esquema corporal, a representação da dimensão e forma corporal como também a representação espacial). Utilizaram-se os conceitos preconizados pela educação somática que priorizam a vivência corporal e a cinesioterapia, buscando uma base nestas técnicas para a elaboração de um protocolo para estimulação do esquema corporal por meio de atividades corporais. Além da consulta a livros, buscou-se na literatura científica fundamentação teórica para dar suporte ao protocolo. 8.1 Atividades para a estimulação do espaço pessoal (a) Propriocepção postural Com o paciente em decúbito dorsal solicitar que faça os ajustes necessários de modo a colocar os segmentos corporais em alinhamento postural. Caso o alinhamento não esteja adequado o terapeuta fará a correção postural, ajustando cada segmento um a 28 um. Somente após o alinhamento postural adequado será solicitado que o paciente feche os olhos e perceba o alinhamento postural alcançado. (b) Propriocepção posicional com imitação ativa O terapeuta posicionará os membros superiores e depois os membros inferiores em diferentes posições articulares (abdução, adução, rotação medial e lateral, flexão, extensão) e o paciente deverá imitar cada posição mantendo os olhos fechados. Caso a imitação não esteja correta, o terapeuta dará instruções para os ajustes necessários para alcançar essa posição (Figura 5). (A) (B) Fig 5. Terapeuta posiciona o membro inferior de forma passiva (A) e o sujeito deve imitar o posicionamento de forma ativa (B). 29 (c)Percepção comparativa dos antímeros Utilizando uma almofada em formato de “tatu”, o terapeuta instruirá o paciente a posicioná-lo sob a cabeça, cintura escapular, tronco posterior, lombar, quadril (região glútea), coxa e panturrilha, calcâneo. Cada ponto será estimulado separadamente durante 10 segundos. Primeiramente o antímero direito e depois o esquerdo. A cada ponto estimulado, após a retirada do “tatu”, o paciente deverá comparar a sensação nos dois antímeros (Figura 6). Fig 5. Almofada em formato de “tatu” sob o quadril para aumentar a percepção local. (d) Contração isométrica e relaxamento Será solicitada contração isométrica (durante 10 segundos) de diferentes grupos musculares, seguida de relaxamento. O paciente deverá empurrar todo o membro inferior contra o colchonete mantendo o joelho estendido, em seguida tentar elevar o membro inferior do colchonete contra uma resistência manual leve do terapeuta. Depois o terapeuta deve pedir adução de todo o membro inferior (MI) contra o “tatu” entre as pernas na altura dos joelhos/tornozelos e abdução contra resistência manual. Para os membros superiores (MMSS) será realizado o mesmo padrão. 30 (e) Estimulação dos limites corporais O sujeito será instruído a rolar lentamente sobre os colchonetes (para a esquerda e para a direita) (Figura 7). Fig 7. Rolamento sobre tatame para estimular o limite corporal. (f) Percepção do quadril O sujeito será orientado a sentar-se sobre uma almofada em formato de “tatu” com a região isquiática do quadril direito. Após a retirada do “tatu” pede-se para comparar a sensação entre o lado direito e o esquerdo. O procedimento será repetido com o lado esquerdo. 31 - Fundamentação teórica das atividades propostas para o espaço pessoal As bases neurais que fundamentam o protocolo proposto neste trabalho estão relacionadas à utilização de estímulos multimodais provenientes do espaço pessoal. A estimulação do espaço pessoal aprimora o mapa somatotópico, ou seja, a delimitação precisa do contorno corporal e o reconhecimento dos segmentos corporais (HOLMES e SPENCE, 2004). O esquema corporal integra as informações recebidas da superfície corporal e do interior do próprio corpo (articulações e músculos) para construir a percepção do corpo como um objeto volumétrico no espaço (LACKNER, 1988). O córtex mantém uma organização espacial coerente do esquema corporal que é atualizada constantemente; isto assegura a manutenção contínua da percepção corporal. O princípio básico que mantém essa coerência do esquema corporal é a forma como o córtex lida com as diferentes informações sensoriais. Cada estímulo fornece suas próprias informações que, ao serem aplicadas ao mesmo tempo e no mesmo segmento, são associadas pelo córtex, ampliando a representação daquele segmento específico (LACKNER,1988). Evidências neurofisiológicas mostraram que o córtex parietal está envolvido no processamento destas informações bimodais por apresentar ativação quando dois estímulos diferentes foram realizados no mesmo segmento corporal (EHRSSON et al., 2005). Estas pesquisas vêm de encontro com a sugestão de Medina e Coslett (2010) de que o esquema corporal é estruturado a partir de três representações. As atividades propostas para a estimulação do espaço pessoal são condizentes com a representação somatosensorial primária de estruturação da percepção corporal que ocorre a partir dos estímulos exteroceptivos e proprioceptivos projetados para a área cortical primaria (homúnculos sensorial e motor). Estes estímulos constroem a percepção do limite do corpo e como nos transtornos alimentares existe uma imprecisão da percepção da dimensão corporal, acreditamos ser importante estimular esta representação para que os sinais desta região cortical forneçam informações mais precisas da dimensão corporal para as outras áreas corticais. Os estudos acima fornecem uma base teórica para a aplicação das atividades propostas para o espaço pessoal por mostrarem que as aferências deste espaço atingem a área cortical relacionada com a percepção da dimensão corporal. 32 8.2 Atividades para a estimulação do espaço peripessoal (a) Alcance com bola Em grupo, os sujeitos se organizam em círculo ou fileiras. Um deles segura uma bola e inicia o exercício passando essa bola para o sujeito seguinte, podendo ser por cima da cabeça ou lateralmente ao tronco. Ao chegar ao último paciente inicia-se novamente o exercício (Figura 8). Como variação, pode se utilizar mais de uma bola durante o mesmo circuito. Fig 8. Atividade em que os participantes alcançam a bola de um para o outro (b) Exploração espaço peripessoal pelas laterais do tronco do e por cima da cabeça. 33 d) Exploração do espaço peripessoal É uma atividade em grupo. Um paciente posiciona-se em pé entre dois objetos (que podem ser duas cadeiras). A distância é de exatamente o comprimento dos membros superiores abduzidos do paciente. O outro utiliza uma bola para tentar fazer gol. Essa tarefa pode ser realizada chutando a bola com os pés ou arremessando-a com as mãos. O que está no gol tenta impedir a passagem da bola. (c) Passando através do bambolê É uma atividade realizada em dupla ou em grupo. Os sujeitos se dispõem em círculo e ficam de mãos dadas. Um bambolê é incluído no círculo a partir do braço de um dos participantes. Este movimenta o corpo de tal forma que consiga passar por dentro do bambolê e entregá-lo ao participante seguinte (Figura 9). 34 Fig 9. Atividade em que o participante deve passar por dentro do bambolê e o passa para o próximo participante sem desfazer o circulo. 35 - Fundamentação teórica das atividades propostas para o espaço peripessoal Diferentes áreas corticais e subcorticais interagem de modo a representar os objetos situados no espaço peripessoal. Destaca-se a região parietal posterior que desempenha um papel fundamental na integração e modulação das informações somatossensoriais com o planejamento e a execução do movimento (HOLMES e SPENCE, 2004). Essa região é denominada de área do esquema corporal e coordena as aferências multimodais de diferentes partes do corpo, integra esses estímulos às áreas motoras, para o planejamento do movimento de alcance que ocorre no espaço peripessoal (GRAZIANO, 1999; NEWPORT et al., 2001). Como a representação do espaço peripessoal está envolvida com a interpretação e integração de aferências multimodais, buscou-se na literatura cientifica bases teóricas para cada modalidade sensorial proposta para a estimulação deste espaço. O ato de acompanhar os movimentos com os olhos desempenha um papel importante para o reconhecimento do espaço peripessoal, aumentando a estimulação dos neurônios no córtex parietal que efetivamente respondem quando estímulos visuais são localizados numa proximidade espacial em relação a uma parte específica do corpo (GRAZIANO, 1999). Maravita e Iriki (2004) em um estudo com macacos mostraram que alguns neurônios bimodais (neurônios que respondem a combinações de sinais de diferentes modalidades sensoriais) presentes no córtex parietal responderam aos estímulos somatossensoriais na mão e a estímulos visuais próximos à mão quando esta foi movimentada no espaço. O esquema corporal recebe constantes informações multimodais acerca da posição do corpo e dos membros no espaço durante os movimentos voluntários para codificar e organizar suas ações motoras. Esse mecanismo permite que o esquema corporal module o processamento perceptual do segmento corporal de acordo com o seu posicionamento no espaço peripessoal (GRAZIANO e GROSS, 1993). O ato de imitar o movimento que outra pessoa realiza também é uma forma de construir e manter o próprio esquema corporal, pois, ao observar e realizar o movimento, este é representado em um único modelo para o esquema corporal. A informação visual é processada, mas somente a execução do movimento fortalece a percepção corporal (HAGGARD e WOLPERT, 2005). A estimulação perceptual corporal é uma proposta terapêutica que visa restaurar o feedback do mecanismo neuronal da percepção corporal, pois nos transtornos alimentares especula-se que existe um déficit no feedback da codificação multimodal 36 do esquema corporal no córtex parietal (MOHR et al., 2009) assim como existe também uma menor ativação desta região (UHER et al., 2005). Estes mecanismos estariam relacionados à distorção da percepção da dimensão corporal (hiperesquematia). As atividades sugeridas para o espaço peripessoal são condizentes com as outras duas representações da construção do esquema corporal sugerido por Medina e Coslett (2010): a representação da forma corporal que ocorre no córtex secundário e a representação postural e espacial que é modulada no córtex terciário. Durante as atividades deste espaço os sujeitos são estimulados a explorar o espaço ao seu redor (espaço peripessoal), devem interagir com a sua dupla e prestar atenção e imitar o movimento realizado pelo outro. Dessa forma, espera-se que este protocolo estimule o mecanismo neural de ativação do córtex parietal restaurando o feedback desse mecanismo. Sugere-se que o protocolo seja aplicado uma vez por semana com duração de 50 minutos para cada sessão. Foram estipuladas pelo menos 10 intervenções terapêuticas, tanto para o grupo internado como ambulatorial. As avaliações do esquema e imagem corporal serão realizadas antes da primeira participação do sujeito nas atividades do grupo de percepção corporal e ao final de 10 intervenções ou no momento da alta. 9. DISCUSSÃO Este estudo teve como objetivos traçar o perfil do esquema corporal e a insatisfação corporal em mulheres com transtorno alimentar e, além disto, sugerir um protocolo de intervenção para a melhora da percepção corporal. Em relação às características do grupo ele não se mostrou homogêneo, pois as pacientes não tinham o mesmo tempo de internação ou de acompanhamento ambulatorial; também se mostrou heterogênio quanto à prática ou não de atividade física e as comorbidades, algumas apresentavam comportamento borderline, depressão, transtorno obsessivo compulsivo dentre outros. Não é possível afirmar se estes fatores influenciam no perfil da percepção corporal desta população, pois seriam necessários mais estudos com um número maior de sujeitos para que estes aspectos possam ser analisados de forma mais específica. De modo geral espera-se que esse seja o perfil de sujeitos com transtorno alimentar, pois não é característico de populações ativas ou sedentárias, e geralmente, está acompanhado de outras manifestações psicopatológicas. 37 O tratamento para sujeitos com transtorno alimentar em uma instituição de referência, conta com uma equipe multiprofissional, porém tem a reputação de apresentar dificuldades em seu tratamento. Alguns autores consideram que a persistência da disfunção perceptual após o tratamento seria um fator de prognóstico negativo a médio e longo prazo (LAY e SCHMIDT, 1999, CATALAN-MATAMOROS et al., 2010). Como o distúrbio da percepção corporal é um fator importante no transtorno alimentar (PROBST et al., 1997; WALLIN et al., 2000) vários autores concordam que uma abordagem corporal poderia potencializar o tratamento (FICHTER et al., 1986; LAUTENBACHER et al.,1992; MOLINARI, 1995; WALLIN et al.,2000; SKRZYPEK et al., 2001;MOHR et al., 2009; NICO et al., 2009. Aranda et al. (1999) e consideram, ainda, que a primeira condição para a melhora no quadro de distorção da percepção corporal nos TA seria alcançar uma forma realista de perceber o corpo. No entanto, o foco da terapia psicológica têm sido o aspecto emocional da percepção corporal (imagem corporal) com pouca ou nenhuma atenção ao aspecto dimensional (esquema corporal) da percepção do próprio corpo. É importante lembrar que o distúrbio em perceber o corpo envolve estes dois componentes (MOHR et al., 2005), portanto, ambos devem ser tratados. Em 1997, Lautenbacher et al. já haviam sugerido que a restauração do peso do corpo não normalizou a preocupação com a forma corporal. Estudos conduzidos por Halmi et al. (2002) e Carter et al. (2004) mostraram que mesmo após o tratamento e recuperação eficaz do comportamento alimentar em pacientes com AN, a preocupação com a dimensão e a forma corporal persistiu tornando-se um fator predisponente para a recaída. Artigos de revisão de Kuyck et al. (2009) e de Rastman et al. (2001) mostraram evidências neurológicas que suportam os estudos acima. Levantaram que mesmo após o ganho de peso na AN o córtex parietal, região cortical relacionada com o esquema corporal, permaneceu menos ativo ao contrário da região cortical frontal, relacionada com a imagem corporal, que apresentou hipermetabolismo após tratamento. Estes resultados mostraram que o ganho do peso e a melhora do componente emocional não estão relacionados com a melhora da percepção da dimensão corporal (esquema corporal) podendo ser uma das causas de recaídas nesta população. Este fato leva a pensar na necessidade de uma intervenção específica para a percepção corporal com foco no componente perceptual de modo a eliminar ou minimizar a distorção da percepção dimensional que, segundo diversos autores, está relacionada com alterações no mecanismo neural (UHER et al., 2005; MOHR et al., 2009; NICO et al., 2009; 38 MIYAKE et al., 2010; PIETRINI, et al., 2010). Antes disto, porém, foi necessário ter um perfil perceptual corporal da população com TA. Em relação aos resultados obtidos do perfil do grupo com TA em relação ao esquema corporal, este estudo mostrou que tanto os sujeitos com AN quanto com BN apresentaram hiperesquematia sendo que o grupo com BN mostrou uma tendência de se perceber maior do que o grupo com AN. A superestimação da dimensão corporal também ficou evidente nos resultados qualitativos das avaliações do esquema corporal e observou-se que a superestimação está presente na maioria do grupo estudado. Não foi notado nenhum padrão corporal para o distúrbio perceptual, mas o grupo avaliado neste estudo mostrou que a região corporal que elas percebem significativamente maior foi a cintura. É de senso comum na literatura que sujeitos com TA se percebem maiores do que realmente são (MOLINARI, 1995; BOWDEN et al., 1989; LAUTENBACHER, 1992; NICO et al., 2009). Apesar de mulheres sem TA também apresentarem uma tendência para a hiperesquematia, as que apresentam TA esta distorção da percepção é patológica e gera comportamentos que vão além de uma simples insatisfação (WHITEHOUSE et al., 1988; BOWDEN et al., 1989; THOMAS et al., 1991; SKRZYPEK et al., 2001). O fato das pacientes com BN no nosso estudo perceberem-se maiores do que as com AN também foi encontrado no trabalho de Thompson et al. (1986). Uma possível explicação para este fato seria que na BN ocorre um déficit no processamento visual da forma corporal gerando um comprometimento significativo no mecanismo neural da percepção corporal (URGESI et al., 2011). O estudo de Miyake et al. (2010) evidenciou que as regiões occipital e parietal de sujeitos com BN foram mais ativadas do que na AN enquanto olhavam para sua própria imagem distorcida de diversas formas em um programa de computador. O córtex visual (região occipital) é responsável pela percepção espacial, dos movimentos e identificação da localização do corpo no espaço; desta forma os autores acima sugeriram a possibilidade de que sujeitos com BN tendem a prestar mais atenção às diferenças entre a própria dimensão corporal aumentada do que sua dimensão real. Resultados da pesquisa de Uher et al. (2005) corroboram com estes resultados ao mostrar que na BN ocorre maior ativação occipital que foi relacionado com a aversão em olhar para silhuetas corporais com dimensões aumentadas. Os achados destas pesquisas nos fazem refletir que seria importante aumentar a quantidade de estímulos visuais para intensificar a relação da localização do corpo no 39 espaço para um grupo com BN, o que não seria necessário para um grupo com AN, portanto sugere-se que o protocolo deva ser aplicado separadamente ajustando as atividades de acordo com as características específicas de cada grupo. O fato da região da cintura ter sido o segmento mais hiperesquematico no grupo avaliado neste trabalho, vêm de encontro com estudos que mostraram que a distorção da percepção corporal não é equivalente para todas as partes do corpo na AN. Pesquisas observaram que as pacientes apresentaram 50% de hiperesquematia da região da cintura comparado a um grupo controle que apresentou hiperesquematia de 30% (FICHTER et al., 1986; MOLINAR, 1995). De acordo com os resultados obtidos em relação à classificação do IPC não era esperado, na hipótese inicial, que alguns sujeitos apresentassem hipoesquematia ou mesmo uma percepção adequada do esquema corporal. Perceber a dimensão corporal de forma hipoesquemática também foi reportada no estudo de Bowden et al. (1989). Este achado questiona a afirmação de que nos TA todos percebem o corpo maior do que realmente é. Como algumas pacientes mostraram uma percepção adequada da sua dimensão corporal neste estudo, isto levanta a questão de que a hiperesquematia parece não ser um sintoma que obrigatoriamente está associado com o transtorno alimentar. Ponderou-se que a distorção da percepção corporal não se mostra apenas na superestimação, mas também na percepção inadequada da localização dos segmentos corporais evidenciando outras alterações da percepção corporal que não a dimensional. A significativa insatisfação com o próprio corpo observada em diversos estudos (LAUTENBACHER et al., 1992; PROBST et al., 1997) como também neste, mostrou, que independente do tipo de TA, esta alteração emocional é uma questão importante a ser considerada e tratada. A eficiência do tratamento está na compreensão do perfil da insatisfação. Uma questão importante a este respeito foi encontrada nos resultados deste estudo; a de que a insatisfação com o corpo independe da percepção da dimensão corporal, ou seja, a distorção perceptual não esta relacionada com a insatisfação. Dados na literatura corroboram com este achado como em Lautenbacher et al. (1992) que compararam a percepção da dimensão corporal com a satisfação corporal em pessoas com e sem restrição alimentar e mostraram que o estado de humor depressivo estava associado com a insatisfação corporal e não com a percepção da dimensão do corpo. Eles ainda citam que embora seja um aspecto importante da doença, nenhuma forma terapêutica indica como tratá-la especificamente. 40 Este resultado é um indicativo importante de que o distúrbio da percepção corporal presente nos TA é fruto do aspecto emocional e dimensional. Cada um destes aspectos tem uma representação cortical distinta: as áreas com predominância na percepção da dimensão corporal estão mais relacionadas à região têmporo-parietal direita, já aquelas relacionadas a aspectos cognitivos estão localizadas na área préfrontal e partes do sistema límbico (THURM et al., 2011). Fica claro, por este motivo, que o tratamento só terá mais eficiência se todos os aspectos desta patologia puderem ser tratados de forma específica e por profissionais especializados. Skrzypek et al. (2001) em seu estudo de revisão sobre insatisfação corporal com pacientes com AN mostrou-se esperançoso com o fato de que um melhor entendimento da natureza da distorção da percepção corporal facilitaria o desenvolvimento de estratégias mais efetivas para o tratamento. Neste aspecto o cenário atual mostra que o comportamento atitudinal já tem sido bem assistido pelos profissionais da psicologia e psiquiatria, entretanto o aspecto dimensional ainda não foi devidamente explorado. Neste ponto sugere-se que uma abordagem corporal mais efetiva, como o protocolo de intervenção na percepção corporal proposto neste estudo, poderia ser utilizada por profissionais das áreas de educação física e fisioterapia porque sua formação volta-se especificamente para atividades corporais recreativas, treinamento, tratamento e reabilitação. Portanto seria mais apropriado para eles utilizarem protocolos que atendam especificamente ao mecanismo de composição da percepção corporal. Seria importante considerar que o protocolo de intervenção na percepção corporal pode não favorecer todos os pacientes com TA uma vez que alguns apresentaram um esquema corporal adequado. Incluir a avaliação do esquema corporal junto com a avaliação geral do paciente com TA seria importante para saber quem se beneficiaria desta intervenção corporal. Este estudo mostrou algumas limitações como o fato dos sujeitos avaliados não terem o mesmo tempo de doença, de internação ou tratamento. Não se sabe se esta questão de fato influenciaria no perfil do grupo, pois de qualquer forma o desconforto com o corpo é uma característica da doença. Estudos mais específicos e com uma população maior seriam necessários. O uso de medicações pode ser um fator influenciador do esquema corporal especialmente o topiramato que leva a alterações cognitivas. Mas como o uso da medicação faz parte do tratamento dos transtornos alimentares isto homogeneíza o grupo e, portanto, o perfil do esquema corporal estará interligado com este fator. Uma solução para esta questão seria analisar um grupo com 41 TA que não utiliza medicação e comparar com os resultados do perfil encontrado nesta pesquisa. O resultado do perfil do esquema corporal traçado neste estudo considerou as pacientes que estão em tratamento com uma equipe multidisciplinar. Se podemos generalizar as características dimensionais encontradas neste estudo com sujeitos que estão em estágios iniciais e ainda não se encontram em tratamento da doença ainda precisa ser estabelecido. 10. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo observou que a maioria dos sujeitos com TA se percebem maiores do que realmente são (hiperesquematia), porém nos sujeitos com BN esta tendência é maior. Alguns apresentaram hipoesquematia e poucos se perceberam de forma adequada. Não foi observado um padrão que indicasse alguma tendência corporal ou dimensional no grupo. O grupo se mostrou insatisfeito com o seu corpo sendo que as bulímicas tendem a ser mais insatisfeitas. Um dado clínico importante observado nesse estudo foi que a distorção da percepção da dimensão corporal não está relacionada com a insatisfação com o corpo. A partir do perfil traçado da população com TA neste estudo foi proposto um protocolo de intervenção no esquema corporal que irá respeitar a hierarquia neurológica de sua construção, estimulando cada espaço (pessoal e peripessoal) separadamente com o objetivo de restaurar o déficit de feedback deste mecanismo. Os componentes atitudinal e dimensional que constroem a percepção do corpo são mecanismos distintos e, portanto, a necessidade de tratar cada um separadamente nos transtornos alimentares ficou evidente a partir do perfil desta população traçado neste estudo. Sugere-se a aplicação do protocolo de intervenção na percepção corporal elaborado neste estudo para verificar seus efeitos sobre o distúrbio da percepção corporal em sujeitos com TA. Os profissionais mais indicados para aplicar este protocolo seriam os profissionais de Fisioterapia e Educação Fisica. Portanto sugerimos a aplicação do protocolo corporal proposto neste estudo para avaliar seus efeitos na distorção dimensional em sujeitos com TA. Seria importante também realizar um estudo experimental de forma separada para um grupo com AN e com BN para verificar se os benefícios seriam relevantes para os dois grupos. 42 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSM-IV. Washington (DC), 1994. ANDRADE, L.H.S.G.; VIANA, M.C.; SILVEIRA, C.M. Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos na mulher. Revista de Psiquiatria Clínica, v. 33, n. 2, p. 43-54, 2006. APPOLINARIO, J.C.; CLAUDINO, A.M. Transtornos alimentares. Rev Bras Psiquiatr, v.22, n.2, 2000. ARANDA,F.F.; DAHME, B.;,MEERMANN, R. Body image in eating disorders and analysis of its prevalence: a preliminary study. J of Psychosomatic Res, v. 47, n. 5, p. 419–428, 1999. ASKEVOLD, F. Measuring body image. Psycother Psychosom, v. 26, p.71-77, 1975. 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