5 | DOAÇÃO DE SANGUE 68 A doação de sangue deve ser um ato espontâneo, voluntário e não remunerado. Trata-se de um procedimento totalmente seguro para o doador, executado apenas com material descartável. A motivação da decisão de doar sangue deve ser o exercício da cidadania em sua forma mais nobre – a de salvar a vida de uma pessoa. ETAPA I REQUISITOS PARA O C ANDIDATO A DOADOR O candidato(a) a doador(a) deve ter em mente que o receptor de seu sangue, ou de derivados de seu sangue, será uma pessoa fragilizada por alguma enfermidade. Portanto, o doador potencial deverá, desde a véspera, ou no mínimo quatro horas antes da doação, não comer demais, não comer alimentos muito gordurosos nem consumir bebidas alcoólicas, porque isto pode interferir nos testes de triagem sangüínea e/ou prejudicar o receptor. Alguns requisitos são necessários, visando proteger a saúde + paraSabermais Estima-se que apenas 2% da população brasileira doe sangue. Segundo a Organização Mundial de Saúde, esse percentual do doador: ele deve ter entre 18 e 65 anos, ter o peso pro- está bem abaixo do necessário, já que o número de doações porcional à altura, deve estar se sentindo bem e com aparên- anuais deve representar de 3% a 5% da população de um cia saudável. Além disso, o candidato é submetido a um teste país. O Brasil necessita diariamente de 5.500 bolsas de san- de anemia e, caso se constate a doença, não haverá doação gue e, para suprir essa demanda, precisa de um número muito para não agravar sua condição de saúde. maior de doadores. + 69 ETAPA II ainda que não produzam os anticorpos detectados na triagem. TRIAGEM CLÍNICA DO CANDIDATO A DOADOR Em outras palavras, devem ser identificados comportamentos que Uma triagem clínica é realizada para determinar se o candida- aumentam as chances de contrair infecções. to a doador esteve em risco de contrair alguma doença transmissível pelo sangue. Antes da doação, portanto, o candidato Há várias condições que excluem temporariamente o será entrevistado por um profissional treinado e terá garantia candidato da doação, como gravidez, uso de certos medica- de anonimato sobre as informações que forneceu sobre seu mentos, transfusão de sangue ou de hemoderivados nos últi- histórico de saúde, hábitos e comportamentos. mos 12 meses, entre outros. O candidato recebe um folheto explicativo e deve ter acesso a todas estas informações antes fiqueligado Importância da janela imunológica da triagem clínica e coleta de sangue. O questionário feito ao candidato busca identificar os se- para a doação de sangue guintes grupos de pessoas que devem ser excluídos da doa- Há um conceito fundamental para ajudar a compreender a ção de sangue: importância da triagem e da obtenção de informações verdadeiras do candidato: janela imunológica é o nome dado ao período • Pessoas que usam ou usaram, no passado, drogas injetáveis. de tempo que o nosso organismo leva para responder à presen- • Homens e mulheres que tenham feito sexo em troca de ça de agentes infecciosos com anticorpos, em níveis detectáveis dinheiro ou de drogas; pessoas que tenham feito sexo com pelos testes de triagem sangüínea. um ou mais parceiros ocasionais, sem uso do preservativo; os Por exemplo, no caso do vírus HIV, a janela imunológica para a parceiros sexuais destas pessoas. infecção do HIV é de aproximadamente 22 dias. Isto significa que, • Pessoas que foram vítimas de estupro. se uma pessoa que foi infectada hoje doar sangue nos próximos • Homens ou mulheres que tenham tido relação sexual 22 dias, seu sangue será aceito para doação, já que os testes con- com pessoa com exame reagente para a detecção dos vírus vencionais de triagem não vão detectar anticorpos anti-HIV. No causadores de AIDS, de hepatite B, hepatite C ou outras infec- caso do vírus da hepatite C, a janela imunológica é ainda maior, ções de transmissão sexual e/ou sangüínea. de dois meses e meio a três meses. Desta forma, o risco de um portador do HCV ser “falso-negativo” na triagem é ainda maior. Por isso, a triagem clínica procura identificar candidatos que possuem comportamento de risco para os agentes infecciosos, 70 • Pessoas que tenham realizado piercing ou tatuagem sem condições de avaliação quanto à segurança do procedimento. ETAPA III O VOTO DE AUTO - EXCLUSÃO Ao terminar o questionário, o candidato passa a um local isolado, no qual ele deve refletir sobre seu estilo de vida e, de forma confidencial, decidir se apresenta ou não comportamento de risco. Caso o candidato decida se auto-excluir como doador, seu sangue será coletado, os testes da triagem sorológica serão realizados, porém a sua bolsa será descartada independentemente dos resultados dos testes. Portanto, o candidato voluntário que se dirige ao banco de sangue será, ou não, efetivamente um doador, dependendo das três etapas de triagem: 1) avaliação de suas respostas ao questionário clínico, 2) voto de auto-exclusão e 3) resultados dos testes sangüíneos para os agentes infecciosos (que veremos na Etapa V). ETAPA IV A COLETA DE SANGUE E O FRACIONAMENTO EM HEMODERIVADOS A coleta deve ser feita sob supervisão médica, em ambiente confortável e limpo. Normalmente, o volume admitido por + paraSabermais doação é de 450 ml a 500 ml e uma pequena quantidade de O volume de sangue total a ser coletado não pode exceder sangue é coletada separadamente em tubos de ensaio para a 8 ml/kg de peso para as mulheres e 9 ml/kg de peso realização dos testes de triagem sorológica. para os homens. + O sangue coletado percorrerá um longo caminho até ser liberado para a doação. A parcela coletada para a pesquisa de doenças transmissíveis pelo sangue será enviada ao laboratório de sorologia. Paralelamente, a bolsa contendo o maior 71 O caminho do sangue coletado. Orientação, recrutamento, seleção e doação Separação de plaquetas Testes obrigatórios no Brasil: . ABO e RhD . Sífilis . Doença de Chagas . Malária * . HIV . Hepatites B e C . HTLV I e II . Hemoglobinas anormais . Anticorpos irregulares . TGP/ALT Separação dos componentes do sangue Filtragem para remoção dos leucócitos * apenas nos estados da Amazônia Legal Plasma Fracionamento glóbulos vermelhos plaquetas plasma congelado Derivados do plasma, isto é, albumina, imunoglobulina 4ºC / 35 dias Confirmação de compatibilidade 22ºC / 5 dias (Plaquetas) Doente 72 -30ºC / 12 meses (Descongelar) volume de sangue será encaminhada à seção de fracionamento dos componentes sangüíneos (também chamados de hemoderivados ou hemocomponentes). O sangue total, como coletado, tem um tempo de viabilidade + paraSabermais muito curto e é raramente utilizado em transfusões. Portanto, O crioprecipitado é a fração do plasma que se obtém o sangue passa por um processo de fracionamento antes de por meio de congelamento (daí o nome “crio”) seguido de ser utilizado. Esse processo, além de aumentar a longevidade descongelamento, que contém os fatores de coagulação das diferentes frações do sangue, otimiza sua utilização, uma do sangue. + vez que os receptores, em sua grande maioria, não necessitam do sangue total mas somente de componentes específicos (veja a figura ao lado). O sangue coletado é separado, basicamente, nos seguintes hemoderivados: concentrado de hemácias, de plaquetas, de plasma e o crioprecipitado (veja o quadro a seguir). Principais hemocomponentes e suas aplicações Componente/Produto (volume aproximado) Composição Aplicação ou indicação quando há necessidade de : Sangue total (500 ml) hemácias, plasma, leucócitos e plaquetas aumento da massa de hemácias e do volume de plasma Concentrado de hemácias (250 ml) concentrado de hemácias, com pequeno volume de plasma, leucócitos e plaquetas aumento do volume de hemácias em tratamento de certas anemias Concentrado de plaquetas (50 ml) cerca de 0,5x1010 plaquetas tratamento ou prevenção de sangramentos devido à diminuição do número de plaquetas no sangue Plasma fresco congelado (220 ml) Plasma, contendo todos os fatores da coagulação (menos plaquetas) tratamento de problemas de coagulação do sangue e queimaduras Crioprecipitado (15 ml) Fibrinogênio; fatores de coagulação VIII e IX deficiência do fator VIII (hemofilia A) e do fator IX (hemofilia B) Fator de coagulação VIII (25 ml) Fator VIII hemofilia A Fator de coagulação IX (25 ml) Fator IX hemofilia B Fatores II, VII, IX, X (25 ml) Fatores II, VII, IX, X deficiências hereditárias destes fatores Fonte site: http://www.hemonline.com.br/hemocomp.htm 73 + paraSabermais Na superfície das hemácias encontra-se também um Grupos sangüíneos outro conjunto de substâncias antigênicas pertencentes a São quatro os tipos de sangue com relação ao sistema ABO: vários outros sistemas, um dos quais é o conhecido como Rh. A, B, AB ou O. Essas letras referem-se a duas substâncias, A mais importante delas é o chamado antígeno D. A presen- designadas A e B, encontradas na superfície das hemácias e ça desse antígeno caracteriza o indivíduo “Rh Positivo” (Rh+) que funcionam como antígenos. As hemácias de um indivíduo e a sua ausência, o “Rh Negativo” (Rh-). A transfusão de podem possuir em sua superfície apenas um dos antígenos sangue de indivíduo Rh positivo para um Rh negativo oca- (A ou B), ambos (AB), ou nenhum deles (O). Por outro lado, siona a formação de anticorpos anti-Rh. Se houver outras no plasma dos indivíduos do tipo sangüíneo A estão presentes transfusões, isso também pode ocasionar problemas de aglu- anticorpos anti-B, e nos indivíduos do tipo B, anticorpos anti-A. tinação e destruição de hemácias. Os indivíduos do tipo sangüíneo AB possuem os dois tipos de O esquema a seguir mostra quais são as possibilidades antígenos (AB) e nenhum dos anticorpos; já os pertencentes de doação entre os grupos sangüíneos que não resultam em ao tipo O não possuem tais antígenos, mas apresentam aglutinação de hemácias. + anticorpos anti-A e anti-B. Numa transfusão de sangue entre indivíduos de grupos sangüíneos diferentes, pode ocorrer a ligação do antígeno com o anticorpo correspondente, causando a formação de aglomerados das hemácias do doador, o que pode ser fatal. Possibilidades de doação entre os tipos ABO e Rh. - 74 + ETAPA V sexualmente transmissível, a presença de anticorpos anti-tre- TRIAGEM SOROLÓGIC A ponema no soro significa maior risco para a presença do HIV. ( TRIAGEM Dessa forma, as bolsas de sangue de indivíduos positivos para SANGÜÍNEA ) Antes de o sangue e seus derivados provenientes de uma a sífilis (que poderiam estar no período da janela imunológica determinada bolsa serem liberados para a doação, eles ficam do HIV) serão descartadas. armazenados, aguardando os resultados dos testes generi- A maioria dos testes de triagem de doenças se baseia na camente chamados de “sorológicos” – pois a maioria desses detecção da reação antígeno-anticorpo. No conhecido testes consiste na pesquisa de anticorpos contra os agentes Teste de ELISA, um antígeno específico de um agente infec- causadores das doenças relevantes na porção do sangue cioso é colocado em contato com o soro a ser testado. Caso denominada “soro”. O soro, por sua vez, é o fluido provenien- o soro contenha anticorpos contra esse agente (e o soro só te do plasma, após a coagulação do sangue, ou seja, desprovi- terá este anticorpo se o doador já tiver sido contaminado pelo do de fatores de coagulação. agente infeccioso), haverá ligação entre antígeno e anticorpo e Estes testes buscam a classificação dos grupos sangüíneos o resultado será positivo. e a detecção das doenças transmissíveis pelo sangue. Além Há também testes em que anticorpos específicos são co- disso, alguns testes servem como marcadores indiretos da pre- locados em contato com o soro e, portanto, eles detectam a sença de doenças. Por exemplo, como a sífilis é uma doença presença de antígenos. Esses últimos indicam a presença do agente propriamente dito e, assim, indicam a infecção ativa. + paraSabermais Antígeno: Substâncias ou partes de microorganismos (bactérias, protozoários, vírus) que, introduzidas no organismo, são capazes de estimular a formação de anticorpos específicos. Anticorpo: Proteína sintetizada por um animal em resposta a um antígeno que penetrou no corpo. A produção de anticorpos pelos linfócitos ocorre quando entram em contato com um antígeno. + 75 fiqueligado ETAPA VI Segundo a legislação brasileira, são obrigatórios em todo o territó- TESTES COMPLEMENTARES E DE rio nacional testes para: BIOLOGIA MOLECULAR 1. Classificação sangüínea dos sistemas ABO e Rh Testes complementares são realizados quando o teste de 2. Pesquisa de Anticorpos Irregulares (anti-eritrocitários no soro ou triagem apresenta um resultado duvidoso ou dependente de plasma, além dos anti-A e anti-B) confirmação. Pode-se recorrer então a técnicas que utilizam 3. Sífilis princípios de detecção diferentes, como buscar as proteínas 4. Doença de Chagas (antígenos) do agente, ao invés dos anticorpos. Nesse caso, 5. HIV também podem ser empregadas técnicas de biologia molecu- 6. HTLV I e II lar que detectam a presença de material genético do agente 7. Vírus da Hepatite B (DNA ou RNA). A detecção de antígenos e, principalmen- 8. Vírus da Hepatite C te, do material genético, permite encurtar o período em que 9. Pesquisa de hemoglobinas anormais agentes, como o HIV e HCV, passam despercebidos pelos tes- 10. TGP/ALT (transaminase glutâmica pirúvica / alanina amino- tes de sorologia. transferase). ETAPA VII RESULTADOS E CONVOC AÇÃO DO DOADOR A bolsa de sangue “não reativa” para as doenças investigadas é distribuída aos hospitais para uso. Nesse caso, o doador receberá uma “carteirinha”, atestando a sua condição de doador de sangue para a amostra colhida naquela data. fiqueligado Quando o resultado da triagem sorológica é positivo para qualquer um dos agentes pesquisados, o mesmo é repetido. Se o resultado for novamente positivo, a bolsa é descartada e o doador é convocado, de forma sigilosa, para tomar ciência do resultado e ser orientado quanto a possíveis tratamentos. 76 TRABALHANDO COM O TEMA EM SALA DE AULA ATIVIDADE 1 REALIZANDO UMA C AMPANHA PUBLICITÁRIA Neste capítulo, vimos a importância da doação de sangue, mas vimos também que no Brasil há uma grande demanda por doadores. Assim, podemos sugerir a realização de uma “campanha publicitária” para estimular e desmistificar a doação. Antes de fazer a campanha propriamente dita, os alunos podem ir aos centros de doação, anotar o endereço e o horário de funcionamento e investigar a demanda e a capacidade de suporte da instituição. Podem pedir materiais informativos e, caso eles não existam, sugerir que os mesmos sejam criados. Com as informações, e em grupos, cada um realiza uma etapa da campanha: a. Um comercial com 30 segundos de duração: os alunos podem encená-lo e até realizar uma peça de teatro de maior duração. b. Cartazes e panfletos: com todas as informações necessárias para o candidato a doador. c. Discussão: apresentar a outros alunos algumas práticas que configurem o comportamento de risco, incluindo temas como as DST/AIDS etc. ATIVIDADE 2 DEB ATE Discuta com os alunos o porquê do descarte da bolsa de sangue da pessoa que se auto-exclui após a triagem clínica, mesmo nos casos em que todos os testes tenham sido negativos. 77 B IBLIOGRAFIA S UGERIDA Jornais e Revistas Revista Ciência Hoje – Edição 156, dezembro 1999 Link: http://cienciahoje.uol.com.br/materia/resources/files/chmais/pass/ch156/entrevis.pdf Trabalhos científicos Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, v. 23, n.2, 2001 A deficiência de ferro nos doadores de sangue - Rodolfo D. Cançado, Carlos S. Chiattone e Dante M. Langhi http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-84842001000200009&lng =es&nrm=iso&tlng=pt Links Hemonline http://www.hemonline.com.br Centro de Vigilância Sanitária http://www.cvs.saude.sp.gov.br/legis.asp?classe=legis_hemo&name=Hemoterapia Programa Nacional de DST e AIDS Boletim Epidemiológico DST-AIDS http://www.aids.gov.br/final/dados/BOLETIM2.pdf Filantropia.org http://www.filantropia.org/DoeSangue.htm 78 CONSULTORIA ESPECIALIZADA Departamento de Genética e Biologia Evolutiva – Centro de Estudos do Genoma Humano Eliana Maria Beluzzo Dessen Maria Gabriela Guimarães Ribeiro dos Santos Rodrigo Venturoso Mendes da Silveira Regina Célia Mingroni Netto REDAÇÃO E METODOLOGIA DO CADERNO DO PROFESSOR Daniel Buss – Consultor de Educação e Meio Ambiente REVISÃO FINAL Sonia Cardoso PROJETO EDITORIAL C O M U N I C A Ç Ã O EQUIPE DA SALA COMUNICAÇÃO: Projeto gráfico – Adriana Amorim e Tetê Sá Ilustrações – Marcelo Rivoli Arte-final – Adriana Amorim, Filipe Chagas e Manuela Roitman FOTOLITO E IMPRESSÃO Sol Gráfica Ltda. 80