CENTRO BÍBLICO “MATER MISERICORDIAE” CURSO BÍBLICO: A HISTÓRIA DO ANTIGO ISRAEL DO EXÍLIO BABILÔNICO AO TEMPO DO NOVO TESTAMENTO TEMA 1. OS ÚLTIMOS DIAS DO REINO DE JUDÁ E O EXÍLIO BABILÔNICO 1. Cronologia dos últimos reis de Judá / O império babilônico Josias Joacaz Joaquim (Eliaquim) Joakin (Jeconias) Sedecias (Matanias) 640-609 609 609-598 597 597-587/6 3 meses de reinado 11 anos de reinado 3 meses de reinado 11 anos de reinado A partir da primeira metade do século VII, o poder assírio, que dominou grande parte do Próximo Oriente, começa a decair. Com a morte de seu rei Assurbanipal (668-631), o império entra rapidamente em declínio, sobretudo devido a disputas internas. Os babilônios, então sob o domínio assírio, começam a ganhar força e o rei babilônico Nabopolassar (625-605) conquista Nínive, a capital da Assíria, em 612. Uma parte do exército assírio e seu rei Assurbalit II fugiram para Harã, mas acabaram totalmente dominados pelos babilônios em 609. O sucessor de Nabopolassar, Nabucodonosor II (605-562) subiu ao trono e levou o novo império babilônico ao seu máximo poder. 2 2. Principais acontecimentos 609: depois da derrota dos israelitas pelo exército egípcio, sob Necao II, Judá tornou-se vassalo do Egito. O povo coroa um filho de Josias, Joacaz (Shalum), mas este é deposto pelo faraó e substituído por outro filho de Josias, Eliaquim que muda seu nome para Joaquim. “O povo da terra tomou Joacaz, filho de Josias, ungiu-o e o constituiu rei em lugar de seu pai. Joacaz tinha vinte e três anos quando começou a reinar e reinou três meses em Jerusalém. (...) Ele fez o mal aos olhos do Senhor, como o haviam feito seus pais. O faraó Necao o aprisionou em Ribla, para que não reinasse mais em Jerusalém, e impôs ao país um tributo de cem talentos de prata e talentos de ouro. O faraó Necao constituiu como rei a Eliacim, filho de Josias, em lugar de seu pai Josias, e mudou seu nome para Joaquim. Tomou Joacaz e levou-o para o Egito, onde ele morreu.” (2Rs 23,30b-34) “Joaquim tinha vinte e cinco anos quando começou a reinar e reinou onze anos em Jerusalém.” (2Rs 23,36) Segundo as fontes bíblicas, Joaquim instituiu altos impostos, devido às exigências feitas pelo Egito, ligando-se completamente ao Egito; chegou a recuperar alguns territórios. “Joaquim pagou ao faraó a prata e o ouro, mas teve de criar impostos no país, para pagar a quantia exigida pelo faraó; exigiu de cada um, segundo suas posses, a prata e o ouro que era preciso dar ao faraó Necao.” (2Rs 23, 35) Em 605, com a vitória de Nabucodonosor II (605 – 562) sobre o Egito, em Karkemish, começa o período de dominação babilônica sobre Judá. Quando, em 601/600, Necao II invadiu novamente a Palestina pelo sul, ocupando Gaza, parece que Joaquim colocou-se do lado do Egito. Por volta de 601, Joaquim se revolta contra Babilônia. “Nabucodonosor, rei de Babilônia, marchou contra ele, e Joaquim lhe esteve sujeito durante três anos e depois se revoltou de novo contra ele.” (2Rs 24,1) Em 598, Nabucodonosor veio contra Judá e assediou Jerusalém. Joaquim morreu nessa ocasião, sem que se possa identificar o momento exato. Poderia ser alguns meses antes da vinda de Nabucodonosor, já que seu sucessor ficou somente três meses no trono (o tempo entre a morte do Joaquim e a vinda dos caldeus); ou ainda durante o assédio. Flávio Josefo afirma que o rei foi morto por Nabucodonosor (cf. Flávio Josefo, Antiq. Jud. X. 6 96-7). Sucedeu-o seu filho Joakin, que se entrega quase que imediatamente ao babilônios (597). O rei é deposto e deportado para Babilônia. Recebeu um tratamento favorável: vivia na corte e, com a morte de Nabucodonosor, foi anistiado e hospedado na corte babilônica como rei aliado (cf. 2Rs 25,27-30; Jr 52,31-34). Nabucodonosor apoderou-se de tesouros 3 do templo de Jerusalém e levou cativos para Babilônia pessoas de influência, soldados e artesãos (entre os deportados, Ezequiel: cf. Ez 1,1-3): 1ª deportação, em 597 (cf. 2Rs 24,23-26). “Joakin tinha dezoito anos quando começou a reinar e reinou três meses em Jerusalém (...). Ele fez o mal aos olhos do Senhor, como o havia feito seu pai. Naquele tempo, os oficiais de Nabucodonosor, rei de Babilônia, marcharam contra Jerusalém e a cidade foi sitiada. Nabucodonosor, rei de Babilônia, veio contra a cidade, enquanto seus soldados a sitiavam. Então Joakin, rei de Judá, foi ter com o rei de Babilônia, ele e sua mãe, seus oficiais, seus dignitários e seus eunucos, e o rei de Babilônia os fez prisioneiros, no oitavo ano de seu reinado” (2Rs 24,8.10-12). A Crônica babilônia precisa que isto se deu em 16 de março de 597. Nabucodonosor nomeou um outro filho de Josias, Matanias, mudando seu nome em Sedecias. “Sedecias tinha vinte e um anos quando começou a reinar e reinou onze anos em Jerusalém.” (2Rs 24,28a) A situação era difícil, pois o rei legítimo, embora deportado, ainda vivia. Sedecias era só um regente. O país dividiu-se em facções: a filo-egípcia e a filo-babilônica. Liverani admite um terceiro grupo, que defendia o acordo de vassalagem pelo fato de ter sido feito diante dos deuses das duas nações (cf. Cf. M. Liverani, Para além da bíblia, São Paulo: Loyola: Paulus, 2008, p. 237-238). Em 594/3, provavelmente com apoio do faraó Psamético II, Sedecias procura formar, com outros soberanos da região (cf. Jr 27,1), uma coalizão anti-babilônica. Por razões desconhecidas, o plano não avançou e o rei se submeteu a Babilônia. Em 589/8, formou-se nova coalizão contando também com o Egito (faraó Hophra/Aprias). Os exércitos babilônicos vieram contra Judá e conquistaram suas fortalezas. Os óstracos de Láquis (J.B. Pritchard, Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament. 3rd ed. with Supplement, Princeton, NJ, Princeton University Press, 1969, p. 321) narram a conquista de Azeca; Láquis parece ter sido destruída num incêndio. 4 Em 588 (nono ano do reinado de Sedecias), Nabucodonosor assediou Jerusalém. Sitiou-a até o 11º ano de Sedecias, e a cidade que caiu em junho-julho de 586. “No nono ano de seu reinado, no décimo mês, no dia dez, Nabucodonosor, rei de Babilônia, veio contra Jerusalém com todo o seu exército. Acampou diante da cidade e construiu trincheiras ao seu redor. A cidade ficou sitiada até o décimo primeiro ano de Sedecias. No quarto mês, no dia nove, quando a fome se agravava na cidade e a população não tinha mais nada para comer, a cidade foi aberta. Então o rei fugiu de noite, com todos os guerreiros, pela porta que há entre os dois muros, perto do jardim do rei (...) e tomou o caminho da Arabá. O exército dos caldeus perseguiu o rei e o alcançou nas planícies de Jericó, onde todos os seus soldados se dispersaram para longe dele.” (2Rs 25,1-5) Sedecias foi capturado junto com seus familiares, que foram mortos, enquanto que o rei, tendo seus olhos perfurados, foi conduzido a Babilônia (cf. 2Rs 25,6-7). Jerusalém foi submetida a saque; suas fortificações, destruídas; o templo, incendiado e os objetos de valor, levados para Babilônia. Sorte análoga tiveram outras cidades de Judá. Uma parte da classe dirigente e dos artesãos foi deportada (cf. 2Rs 25,8-21). Foi nomeado como governador um membro da nobreza local, Godolias (cf. 2Rs 25,22), que alguns meses depois é morto (cf. 2Rs 25,25). Houve talvez uma terceira deportação (cf. Jr 52,30). Parte do povo fugiu para o Egito (cf. 2Rs 25,26; Jr 42). Os babilônios iniciam uma colonização mediante elementos locais: distribuem as terras dos deportados aos remanescentes. Criam assim uma classe de pequenos proprietários com os que ficaram e com outros trazidos do exterior (cf. 2Rs 25,12). Lm 1,1-3 Que solitária está a cidade populosa! Tornou-se viúva a primeira entre as nações, a princesa das províncias, em trabalhos forçados. Passa a noite chorando, pelas faces correm-lhe lágrimas. Não há quem a console! ... Judá foi desterrada, humilhada, submetida a dura servidão. Hoje habita entre as nações, sem encontrar repouso. Lm 4,4-6.9-10 A língua do lactente colou-se, de sede, ao seu palato. As criancinhas pedem pão: não há ninguém que lho parta! Os que comiam iguarias desfalecem pelas ruas; os que se criaram na púrpura, apertam-se no lixo. A falta da filha de meu povo é maior do que os pecados de Sodoma, que foi arrasada num momento, onde as mãos não se cansaram. (...) Mais felizes foram as vítimas da espada do que as da fome, que sucumbem, esgotadas, por falta dos frutos do campo. As mãos de mulheres compassivas fazem cozer seus filhos; eles serviram-lhe de alimento na ruína da filha de meu povo. 5 Salmo 78(79),1-4 Invadiram vossa herança os infiéis, profanaram, ó Senhor, o vosso templo, Jerusalém foi reduzida a ruínas! Lançaram aos abutres como pasto os cadáveres dos vossos servidores; e às feras da floresta entregaram os corpos dos fiéis, vossos eleitos. Derramaram o seu sangue como água em torno das muralhas de Sião, e não houve quem lhes desse sepultura! Nós nos tornamos o opróbrio dos vizinhos, um objeto de desprezo e zombaria para os povos e aqueles que nos cercam. 3. A situação dos exilados Houve um grande número de deportados: 2Rs 24,14.16 fala de 17.000 pessoas; Jr 52,2829 fala de 4.600 pessoas (seriam somente homens? O total seria cerca de 4 vezes mais). Aspecto social: - agrupados em aldeias: Ez 3,15. - a carta de Jeremias aos exilados (Jr 29) supõe que eles gozassem de uma relativa liberdade; ao menos podiam trabalhar, guardar suas tradições, adquirir bens e reunir-se para orações (cf. Ez 8,1; 14,1; 33,30-32). - prosperidade: em 450-400, os arquivos do banco Murashû, em Nippur (Mesopotâmia) testemunha que muitos ricos locais eram judeus. Cf. também Esd 2,68-69. - o rei Joakin, exilado em 597, foi agraciado por Evil-Merodac (em 562-560: cf. 2Rs 25,27-30), o que foi um sinal de esperança para o povo. Aspecto religioso: - perigo diante da religião estrangeira: necessidade de reforçar a fé: circuncisão, sábado, pureza cultual: Jr 17,19-27; Is 56,1-8; Gn 1,1–2,4. - tendência nacionalista: Sl 137; Is 40,1-2. - queda de Jerusalém vista como punição pela infidelidade (Jr 44,2-6) se o povo agora for fiel, pode ter esperança (1Rs 8,46-51). - reflexão teológica: coleção de tradições e releitura e aplicação para a situação atual: trabalho da tradição Sacerdotal (P) do Pentateuco e do Deuteronomista. - reflexão sapiencial. - interiorização da religião (Jr 31,31-33; Ez 36). - responsabilidade pessoal x mentalidade do clã: Ez 18,1-36; Jr 31,29. - ênfase no poder de Deus Criador, capaz de retirar seu povo de Babilônia (II Is). - abertura da salvação a todos, mesmo não judeus, que aderirem ao Senhor (II Is). - grandes promessas para o futuro (Ez 36; Jr 31,31-34). Expectativa de retorno para Judá (“novo êxodo”). Aspecto cultural: 6 - contato com a cultura babilônica. - abandono progressivo do hebraico em favor do aramaico. - contraposição aos mitos babilônicos ênfase no monoteísmo (Is 44,6). 3. A situação dos remanescentes em Judá - Aspecto social a divisão das terras de Judá pelos que ali ficaram implicou descontentamento por parte dos mais abastados (cf. Lm 5,2: “nossa herança passou a estranhos, nossas casas a desconhecidos”) mas satisfação para os mais pobres. Justificava-se teologicamente esta situação: o desterro foi o juízo do Senhor para os poderosos (cf. Ez 11,15; 33,24). - Aspecto político o domínio babilônico: impostos, chefes administrativos. Judá tinha alguma autonomia administrativa, centrada na autoridade dos anciãos. problemas com alguns povos vizinhos, que se aproveitaram da situação para invadir partes do território: Edom (Am 1,11-12) Fenícios e filisteus (Ez 26,2; 25,15) Amon (Jr 49,1) Houve ataques à população (Am 1,9) - Aspecto religioso: impossibilidade de realizar sacrifícios no Templo → desenvolvimento de liturgias de lamentação nas ruínas do templo (cf. Jr 41,5). ênfase em ritos penitenciais: jejum – que se celebrava 4 vezes ao ano (cf. Zc 7,2-5; 8,1819): 10º mês – início do assédio de Jerusalém 4º mês – primeira brecha aberta nas muralhas de Jerusalém 5º mês – destruição do templo e do palácio 7º mês – assassinato de Godolias E também em outras ocasiões (cf. Esd 8,21.23).