TEOREMA DE RECORRÊNCIA DE DEDEKIND prefácio do artigo

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TEOREMA DE RECORRÊNCIA DE DEDEKIND
Resumo. Nesta nota apresentamos o Teorema de Recorrência de Dedekind seguindo de perto
[2, Capítulo 1]. Este resultado fundamental garante a possibilidade de definir funções por meio
de indução.
In science nothing capable of proof ought to be accepted
without proof. (. . . ) My answer to the problems propounded in the title of this paper is, then, briefly this:
numbers are free creations of the human mind; they serve
as a means of apprehending more easily and more sharply the difference of things. It is only through the purely
logical process of building up the science of numbers and
by thus acquiring the continuous number-domain that we
are prepared accurately to investigate our notions of space
and time by bringing them into relation with this numberdomain created in our mind. ( Richard Dedekind no
prefácio do artigo The Nature and Meaning of Numbers [1] )
Adotaremos aqui o ponto de vista (assim como as notações) de [3]. Seja N um conjunto (o
conjunto dos números naturais) e s : N → N uma função (função sucessor) que satisfazem os
seguintes axiomas (axiomas de Dedekind-Peano).
(1) A função s : N → N é injetiva.
(2) Existe um único elemento 1 ∈ N tal que 1 6= s(n) para qualquer n ∈ N.
(3) Se X ⊂ N é tal que 1 ∈ X; e s(X) ⊂ X então X = N.
O axioma (3) é também chamado de princípio da indução.
Teorema 1 (Teorema de Recorrência de Dedekind). Seja A um conjunto não vazio e fixe um
elemento a ∈ A qualquer. Se g : A → A é uma função então existe uma única função
ϕ:N→A
satisfazendo
(1) ϕ(1) = g(a); e
(2) ϕ(s(n)) = g(ϕ(n)).
Demonstração. Dividiremos a prova em duas etapas. Existência e unicidade. Ambas serão
estabelecidas utilizando o princípio da indução. Comecemos pela unicidade.
Unicidade. Sejam
ϕ1 , ϕ2 : N → A
duas funções satisfazendo as propriedades (1) e (2) do enunciado.
Considere o conjunto X = {n ∈ N; ϕ1 (n) = ϕ2 (n)}. Queremos verificar que X coincide com
N. Note que 1 ∈ X pois tanto ϕ1 (1) quanto ϕ2 (1) coincide com g(a) de acordo com a propriedade
(1). Se n ∈ X então, pela definição do conjunto X, ϕ1 (n) = ϕ2 (n). Aplicando g aos dois lados
desta igualdade obtemos que g(ϕ1 (n)) = g(ϕ2 (n)). Utilizando a propriedade (2) do enunciado
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em ambos os lados desta equação, deduzimos que
ϕ1 (s(n)) = g(ϕ1 (n)) = g(ϕ2 (n)) = ϕ2 (s(n)).
Segue que se n ∈ X então s(n) também pertence à X. Concluímos, por indução, que X coincide
com N e provamos assim a unicidade de ϕ satisfazendo (1) e (2).
Existência. Considere todos os conjuntos
H ⊂N×A
gozando das seguintes propriedades
(a) (1, g(a)) ∈ A; e
(b) para todo (n, b) ∈ N × A, se (n, b) ∈ H então (s(n), g(b)) ∈ H.
Seja D a interseção de todos os conjuntos H ⊂ N × A com estas duas propriedades. Ou seja D é
o subconjunto minimal de N × A com respeito a inclusão satisfazendo as propriedades (a) e (b).
Para estabelecer a existência de ϕ provaremos que D é o gráfico de uma função ϕ : N → A,
isto é D = {(n, ϕ(n)); n ∈ N}. Uma vez estabelecido este fato segue da propriedade (a) que
ϕ(1) = g(a) e a da propriedade (b) que (s(n), g(ϕ(n)) = (s(n), ϕ(s(n)). Em particular g(ϕ(n)) =
ϕ(s(n)) como previsto pelo enunciado. Portanto, para concluir a prova do teorema é suficiente
mostrar que D é o gráfico de uma função.
Um subconjunto G ⊂ N × A é o gráfico de uma função se, e somente se, para todo n ∈ N
existe um único b ∈ A tal que (n, b) ∈ G. Para mostrar que D possui esta propriedade considere
X = {n ∈ N; existe um único b ∈ A tal que (n, b) ∈ D}.
Queremos mostrar que X = N. Comecemos por verificar que 1 ∈ X. Note que (a) garante que
(1, g(a)) ∈ D. Em busca de uma contradição, suponha que existe c 6= g(a) tal que (1, c) ∈ D.
Note que D − {(1, c)} ainda satisfaz as propriedades (a) e (b) visto que 1 ∈
/ s(N). Obtemos uma
contradição com a minimalidade de D.
Suponha agora que n ∈ X e seja b ∈ A o elemento tal que (n, b) ∈ D. Segue de (b) que
(s(n), g(b)) ∈ D. Se (s(n), c) ∈ D com c 6= g(b) podemos considerar D − {(s(n), c)} e obter uma
contradição como anteriormente, visto que D − {(s(n), c)} ainda satisfaz (a) e (b). Usando o
princípio da indução deduzimos que X = N e concluímos assim a prova do Teorema de recorrência
de Dedekind.
Corolário 1. Sejam (N, s, 1) e (N0 , s0 , 10 ) dois ternos da forma (conjunto, função, elemento) que
satisfazem os axiomas de Dedekind-Peano. Então existe uma bijeção canônica ψ : N → N0 tal
que
(1) ψ(1) = 10 ; e
(2) s0 ◦ ψ = ψ ◦ s.
Demonstração. Aplicamos o Teorema 1 com A = N0 , a = 10 e g = s0 para obter ϕ : N → N0
satisfazendo (1) e (2) do enunciado. Como o terno (N0 , s0 , 10 ) também satisfaz os axiomas de
Dedekind-Peano podemos aplicar o Teorema 1, intercambiano os papéis de N e N0 , para obter
função ϕ0 : N0 → N com as propriedadesϕ0 (10 ) = 1 e s ◦ ϕ0 = ϕ0 ◦ s.
Afirmamos que ϕ0 ◦ ϕ nada mais é que a função identidade de N. Para verificar este fato
procedemos como de costume. Tome X = {n ∈ N; ϕ0 ◦ ϕ(n) = n}. Note que 1 ∈ X claramente.
Se por outro lado n ∈ X então ϕ0 ◦ ϕ(n) = n. Aplicamos s a ambos os lados da igualdade.
Utilizando as propriedades de ϕ e ϕ0 dadas pelo Teorema 1 podemos reescrever o lado esquerdo
do resultado como
s ◦ ϕ0 ◦ ϕ(n) = ϕ0 ◦ s0 ◦ ϕ(n) = ϕ0 ◦ ϕ ◦ s.
O lado direito do resultado nada mais é do que s(n). Temos portanto que s(n) ∈ X. O corolário
segue pelo princípio da indução.
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Referências
[1] Richard Dedekind. Essays on the theory of numbers. I:Continuity and irrational numbers. II:The nature and
meaning of numbers. Traduzido por Wooster Woodruff Beman. Dover Publications, Inc., New York, 1963.
Disponível online em http://www.gutenberg.org/ebooks/21016.
[2] H.-D. Ebbinghaus, H. Hermes, F. Hirzebruch, M. Koecher, K. Mainzer, J. Neukirch, A. Prestel, and R. Remmert. Numbers, volume 123 of Graduate Texts in Mathematics. Springer-Verlag, New York, 1990. With an
introduction by K. Lamotke, Translated from the second German edition by H. L. S. Orde, Translation edited
and with a preface by J. H. Ewing, Readings in Mathematics.
[3] Elon Lages Lima. Curso de análise. Vol. 1, volume 1 of Projeto Euclides [Euclid Project]. Instituto de Matemática Pura e Aplicada, Rio de Janeiro, 1976.
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