1 Análise de metais em amostras ambientais utilizando ICP-MS Aluno: Lorreine dos Santos Cursino Ferreira Orientador: Adriana Gioda 1 Introdução A atmosfera urbana é um grande veículo de transporte de várias partículas. Essas partículas presentes no ar entram em suspensão e conseguem se locomover longas distancias (Alves, 2005). Infelizmente, muitas dessas partículas são de natureza antropogênica e podem, não só causar problemas climáticos, impactos no meio ambiente, mas também problemas de saúde para a população. As partículas, conhecidas como material particulado (MP), são compostas de várias substâncias e elementos, tais como os metais. Os metais como zinco, cobre, chumbo, cadmio entre outros, são um grupo de elementos da tabela periódica. Alguns, em pouca quantidade, são vitais para a vida dos seres vivos; outros não possuem nenhuma função dentro dos organismos e quando ultrapassam certa concentração, acabam se tornando extremamente tóxicos (Shaltout et al., 2013) O teor de metais associados a partículas presentes na atmosfera em áreas urbanas cresceu de maneira significativa com o aumento dos rejeitos industriais e queima de combustível. Esses metais presentes nas partículas em suspensão acabam sendo depositados e acumulam-se na superfície de plantas e árvores. Muitas plantas possuem a capacidade de absorver esses metais. Devido a essa propriedade, certas plantas são utilizadas como biomonitores em áreas industriais e urbanas. Esses biomonitores poderão ser analisados em laboratório, como uma forma de controle ambiental, permitindo também encontrar a natureza e proveniência da poluição em certo local (Hu et al., 2014). O papel das plantas como bioacumuladores tem algumas vantagens em relação aos filtros, como o menor custo e a possibilidade de estudo direto do impacto do material particulado atmosférico em organismos vivos (Al-Masri, et al., 2006). Os biomonitores em estudos de monitoramento ambiental fornecem um melhor entendimento do impacto ambiental, atuando como bioindicadores da qualidade do ar ou bioacumuladores de poluentes atmosféricos. Certas indústrias, como as de couro, participam de maneira ativa na poluição atmosférica. O Brasil é um dos maiores produtores de couro do mundo, principalmente pelo potencial de rebanho bovino que possui, o qual desempenha um papel importante para a economia brasileira. O setor de curtume apresenta um grande impacto ambiental, pois em seu processo produtivo, gera uma excessiva carga de resíduos sólidos, líquidos e gasosos, além de grande consumo de água, lenha, energia e produtos químicos (cromo, sal comum, soda cáustica, ácidos, solventes, corantes, óleos e resinas). Atualmente, existem dois processos de curtimento i) curtimento ao cromo e ii) curtimento vegetal, onde ao redor de 90 % das peles do mundo são curtidas como o cromo, a causa de sua boa resistência e maleabilidade. Porém, segundo a Norma Brasileira (NBR) 10004, da Associação Brasileira de Normas Técnica (ABNT) 1, classifica o cromo como resíduo classe I, ou seja, perigoso (Cr6+). Já o Conselho Nacional do meio ambiente (CONAMA) 2 estabelece que a concentração máxima de Cr+6 nos efluentes descartados seja inferior a 0.5 ug g-1 e para Cr+3inferior a 2 ug g-1. E a, Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ASTDR) 3, diz que a toxidade do cromo VI aos seres humanos inclui, além do câncer, danos ao estômago, ao fígado e aos rins, sensibilização e irritação da pele e é altamente tóxico aos animais, plantas e micro-organismos. Portanto, é necessário avaliar o nível de poluição causado por este setor ao meio ambiente. 2 Objetivos Este trabalho teve por objetivo quantificar as concentrações de diferentes metais (Cr, Co, Zn, Pb, Cu, Cd e outros) em amostras de plantas coletadas ao redor de indústrias do couro para avaliar a poluição 2 ambiental causada por estas indústrias. A técnica multielementar ICP-MS (espectrometria de massa com plasma acoplado indutivamente) foi utilizada para a análise desses metais. 3 3.1 Métodos Local de coleta As amostras de plantas contendo partículas, Figura 1, foram coletadas em Nova esperança do Sul no Rio Grande do Sul em uma região próxima a curtumes. Figura 1: Plantas coletadas Podemos observar na imagem as folhas com um tipo de material particulado depositado de cor escura. 3.2 Preparo das amostras Foram coletados dois tipos de plantas, uma com material particulado depositado na superfície (preta e viscosa) e outra sem partículas (Figura 2), consideradas como brancos. Figura 2: Amostras limpas 3 Figura 3: Amostras com material particulado depositado Figura 4: Pó retirado das plantas O pó foi retirado delicadamente das plantas e colocado em um tubo de 50,0 mL. As plantas limpas e sem pó foram também colocadas separadas em tubos de 50,0 mL. Cada tubo continha 6 folhas de cada amostra. Após a separação, as folhas foram lavadas com água ultrapura sob agitação e liofilizadas durante 3 dias. Após a secagem, as plantas foram moídas até virarem pó e pesadas na balança da marca com precisão de 0,0001 g. 3.3 Extração das amostras Extração com ácido nítrico e bombonas A extração foi realizada em frascos fechados de Teflon. No caso das bombonas, a amostra foi pesada na bombona. Adicionou-se 2,0 mL de ácido nítrico em cada e a abertura foi feita na chapa de aquecimento com temperatura a 180 oC durante 2 horas. 3.4 Análise A curva analítica utilizada no momento da análise no ICP-MS depende muito dos elementos analisados. Nesta analise quase todos os elementos foram analisados, mas a prioridade eram os elementos seguintes: Cr, Co, Cu, Cd, Pb, Ni. 3.4.1 Caracterização elementar Todas as amostras foram diluídas em 10 vezes e 20 vezes com água ultrapura. Foram realizadas caracterizações multielementares das amostras, por espectroscopia de massa com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS), (ELAN600-SCIEX, Perkin Elmer). A verificação da eficiência de extração do método foi feita a partir da análise de amostras certificadas de plantas, tais como o SRM 1515 Apple leaves. Foram feitas quadruplicadas dos 3 tipos de amostras (limpas, sem pó e o pó), pesando 0,1 g de cada amostra. A amostra certificada foi feita em duplicata, e foi pesado 0,01 g. Em todas as amostras adicionou-se 2,0 mL de ácido nítrico bidestilado. 4 3.4.2 Espectrometria de Massa com Plasma Indutivamente Acoplado (ICP-MS) Nas determinações realizadas, utilizou-se o ICP-MS modelo DRC II (PerkinElmer-Sciex, EUA). Não houve problemas nas determinações, uma vez que não se utilizou o dispositivo para eliminação de interferências, a célula de reação dinâmica (DRC) que este último modelo possui, e as condições experimentais foram mantidas iguais, como pode ser visto na Tabela 1. Tabela 1: Condições de análise do ICP-MS Parâmetro Potência RF Plasma Auxiliar Vazão de Ar nebulizador Leituras por replicatas Replicatas Dwell time Operação do detector Isótopos utilizados para quantificação Padrão interno Valor 1300 W 15 L min-1 1,2 L min-1 0,42 L min-1 2 3 50 ms Dual mode 51 V , 60Ni 103 Rh+ As soluções de calibração foram preparadas com utilizando soluções estoque Perkin Elmer 29 (Al, V, Cr, Mn, Fe, Ni, Cu, Zn, Ga, Se, Cd e Pb), PerkinElmer 12 (Mo, Nb, P, S, Ta, Ti), Perkin Elmer 17 (La, Y), Merck IV (Al, Ba, Ce, Cd, Cr, Cu, Fe, Ga, K, Li, Mg, Ni, Pb, Na, Sr, Zn), PerkinElmer 15 (Fe, Ca, K, Mg, Na) e padrões individuais de Sb, Ti, Au Br e Sn todos com 1000 μg L-1 de concentração. As concentrações da curva de calibração variaram de 10 μg L-1 a 100 μg L-1, e o padrão interno de calibração foi uma solução de concentração 400 μg L-1 de Rh a 1 % de HNO3. As soluções de calibração receberam 100 μL de HNO3, a fim de evitar a precipitação dos padrões, uma vez que a matriz da curva é aquosa. Os elementos, massas atômicas, os limites de detecção (LD) e quantificação (LQ) estão apresentados na Tabela 2. 5 Tabela 2: Parâmetros analíticos para a técnica de ICP-MS: Elemento, LD e LQ Elemento Li Be Na Mg Al K V Cr Mn Fe Co Ni Cu Zn Ga As Se Sr Ag Cd Ba Tl Pb Bi Rb Ca Nb Mo Cs 7 9 23 24 27 39 51 53 55 57 59 60 65 66 69 75 82 88 107 114 138 205 208 209 85 44 93 95 133 LD (mg L-1) 0,015 0,016 3,568 0,491 2,554 3,564 0,024 0,190 0,095 41,607 0,013 0,150 0,112 1,492 0,008 0,040 0,548 0,021 0,014 0,006 0,051 0,001 0,139 0,008 0,006 84,591 0,004 0,021 0,001 LQ (mg L-1) 0,050 0,052 11,775 1,621 8,427 11,761 0,078 0,628 0,314 137,304 0,042 0,496 0,371 4,925 0,026 0,131 1,808 0,070 0,046 0,020 0,170 0,004 0,457 0,027 0,020 279,150 0,013 0,070 0,004 A calibração realizada foi do tipo externa, e o modelo estatístico adotado na regressão linear pelo método dos mínimos quadrados foi do tipo y = ax. Os limites de detecção e quantificação foram calculados segundo as equações (1 e 2), respectivamente. Na equação 1, “s” representa o desvio padrão amostral de 10 leituras do branco da curva de calibração (água ultrapura acidificada com HNO3), e “a” representa o coeficiente angular da equação da reta. LD = (3 x s)/a (1) LQ = 3,3 x LD (2) 4 Resultados Para avaliar a precisão das analises, utilizou-se o material de referência o SRM 1515. Os resultados para os elementos mais importantes seguem na tabela abaixo: 6 Tabela 3: Recuperação do SRM 1515 Elemento Recuperação (%) Cr 75,8 Co 78,9 Cu 114 Cd 103 Pb 104 Ni 70 Figura 5: Porcentagem de extração de material certificado (SRM) Como pode ser observado a recuperação para o material certificado foi boa (76-114 %), o que evidencia que a extração foi feita corretamente e que os dados apresentados estão certos. Segue abaixo a tabela com todos os elementos analisados no equipamento. Para avaliar como a planta atua como um biomonitor analisou-se três diferentes amostras: A1 (folhas limpas), A2 (Folhas após ser limpas do pó) e A3 (pó obtido das folhas) 7 Tabela 4: Elementos analisados nas amostras em ug.g-1 Elemento Li 7 Be 9 Na 23 Mg 24 Al 27 K 39 V 51 Cr 53 Mn 55 Fe 57 Co 59 Ni 60 Cu 65 Zn 66 Ga 69 As 75 Se 82 Sr 88 Ag 107 Cd 114 Ba 138 Tl 205 Pb 208 Bi 209 Rb 85 Ca 44 Nb 93 Mo 95 Cs 133 A1 A2 A3 0,06 0,24 1,73 <0.016 <0.016 0,14 9,79 22,12 294,64 1990,01 1959,97 1029,47 23,88 50,98 5117,92 10629,89 14277,02 8367,75 0,04 0,14 16,90 0,24 1,64 96,02 246,06 2935,49 170,70 67,96 165,19 5132,17 0,06 0,29 2,05 1,22 4,17 3,18 7,41 3,33 23,66 40,15 41,36 112,53 1,91 6,71 2,61 <0.04 <0.04 2,03 <0.5 <0.5 <0.5 36,07 93,14 17,79 <0.014 <0.014 0,23 0,06 0,15 0,17 71,60 302,65 54,97 <0.001 <0.001 0,03 0,05 0,19 7,53 < 0.008 <0.008 0,13 10,53 9,43 14,57 6817,29 13315,93 1125,27 199,83 368,05 29459,59 3710,72 587,42 2007,84 0,02 0,03 0,70 A Tabela 5 apresenta as concentrações (n=4) medias dos elementos analisados e a recuperação (70-114%) do material de referencia SRM 1515 Apple leaves. Esses elementos foram separados, pois são considerados de maior importância. Eles são considerados os de maior impacto atmosférico proveniente de curtumes. Tabela 5: Resultados Amostras (n=4, ug.g-1) A1 A2 A3 Recovery (%) SRM1515 53 Cr 0,24 1,64 96,02 71 59 Co 0,06 0,29 2,05 79 65 Cu 3,33 7,41 23,66 114 114 Cd 0,06 0,15 0,17 104 208 Pb 0,05 0,19 7,53 104 60 Ni 1,22 3,18 4,17 70 8 As figuras abaixo mostram a comparação das médias entre os tipos de amostra para cada elemento. 9 Figura 6: Gráficos ilustrativos das concentrações de metais para cada amostra 10 5 Discussão de resultados Analisando os resultados obtidos foi possível observar que as concentrações mais baixas dos elementos poluentes foram encontradas para as plantas consideradas limpas, e as mais altas concentrações forem encontradas no pó. Os resultados demonstram altos teores tanto para o cromo quanto para o cobre. A legislação possui um limite rigoroso para as emissões de cromo presente nos efluente de industrias de couro, mas para as emissões atmosféricas, a legislação é muita fraca e não leva em consideração as emissões provenientes do cromo que entra em suspensão durante o processo. 6 Conclusões A alta concentração de Cr encontrada nas amostras de plantas é um reflexo da contaminação proveniente das indústrias de couro na região. Esse elemento foi eliminado durante o processo de queima de restos de couros e outros resíduos tratados com produtos químicos contendo cromo. Com esse trabalho pudemos verificar que as plantas podem ser bons biomonitores da poluição atmosférica em regiões de curtumes. 11 7 Referências Alves, C. (2005). Aerossóis atmosféricos: perspectiva histórica, fontes, processos químicos de formação e composição orgânica. Química Nova, 28(5), 859–870 Hu, Y., Wang, D., Wei, L., Zhang, X., & Song, B. (2014). 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