Ninguém está a salvo dos lixões marinhos

Propaganda
Latinstock
O plástico que viaja pelos oceanos
A poluição marítima acaba se acumulando nos chamados giros, regiões em que correntes marítimas e de ventos formam imensos vórtices que capturam e
concentram muitos detritos. Estes giros cobrem cerca de 40% da superfície dos oceanos
Menor
densidade
de detritos
plásticos
Maior
densidade
de detritos
plásticos
Giro do
Atlântico
Norte
Giro do
Pacífico
Norte
ÁSIA
EUROPA
EUA
ÁFRICA
Brasil
Austrália
Ninguém está a salvo
dos lixões marinhos
TUBARÃO
CARREGA pedaço
de plástico preso
à boca: animais
confundem
detritos com
alimentos e
acabam morrendo
6 PLANETA TERRA
AGOSTO 2010
Durante séculos, o homem acreditou que,
com sua vastidão, os imensos oceanos do
planeta seriam capazes de assimilar e diluir o
que quer que se jogasse neles. A realidade,
no entanto, mostrou-se bem diferente. Em
1997, após participar de uma regata, o americano Charles Moore e sua tripulação voltavam de catamarã do Havaí para o sul da Califórnia quando o capitão decidiu alterar o
curso e experimentar uma nova rota, um
pouco mais ao norte, passando pela borda
do chamado Giro Subtropical do Pacífico
Norte, uma grande área do oceano que, apesar das águas calmas, normalmente era evitada pelos marinheiros.
Os anos de experiência no mar, porém,
não prepararam Moore para o que ele encontrou lá: pedaços de redes, sacolas, garrafas e tampas; brinquedos, escovas de dentes, tênis e isqueiros. De embalagens de
óleo e produtos de limpeza a cones de sinalização em estradas, Moore viu boiando
praticamente todo objeto possível de ser feito com plástico. De volta para casa e chocado com a imagem de tanta sujeira em um
lugar tão isolado, ele abandonou seu negócio de reforma de móveis para criar a Fundação de Pesquisa Marinha Algalita (AMRF,
na sigla em inglês) e estudar o que batizou e
passou a ser conhecida como a "Grande
Mancha de Lixo do Pacífico".
Com uma área estimada em mais de 1,3
milhão de quilômetros quadrados, o lixão do
Pacífico cobre uma extensão maior que o estado do Pará. E também não é o único. Existem mais quatro giros oceânicos semelhantes no mundo, verdadeiros vórtices formados
pela ação das correntes marítimas e dos ventos e que lentamente acumulam em seu interior o lixo que chega no mar e eventualmente não é devolvido à costa. Na semana
passada, artigo publicado na revista “Science” trouxe uma radiografia de outro destes
grandes lixões marítimos, no Atlântico Norte.
Ao todo, os cinco giros cobrem mais de 40%
da superfície dos oceanos, ou um quarto do
globo terrestre.
Não existem estatísticas precisas sobre a
poluição oceânica, mas os cálculos são de
que passa de 600 milhões de toneladas a
quantidade de plástico nos oceanos. Segundo o Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (Pnuma), o plástico representa 70% de todos os detritos encontrados
no mar, com 46 mil pedaços flutuando a cada 2,58 quilômetros quadrados de oceano.
Além disso, estima-se que chegam nos oceanos aproximadamente 10% de toda a produção anual de plásticos, a maior parte (80% a
90%) carregada pelas chuvas e rios de fontes
em terra, como aterros sanitários e o descarte direto em mananciais e no litoral.
Um dos grandes obstáculos para chamar a
atenção para o problema, porém, é que grande parte desta sujeira não é facilmente visível.
Isso porque, embora a maioria dos plásticos
não seja biodegradável, a ação do Sol e da
água faz boa parte dele se fragmentar relativamente rápido, sumindo da vista humana. A
própria Grande Mancha do Pacífico, com
uma estimativa de 150 milhões de toneladas
de plásticos, é uma sopa de água e poluição
com, em média, 10 metros de profundidade.
— Temos que nos preocupar com o que a
gente vê e o que a gente não vê. Em algumas
Giro do
Índico
Giro do
Pacífico
Sul
Os restos de plásticos vão
se deteriorando e se
fragmentando em pedaços
cada vez menores, sem
desaparecer
completamente
partes do oceano, quando se passa uma rede
de plâncton (rede muito fina), capturamos
mais partículas plásticas, fibras, do que organismos. O plástico some de nossa vista, mas
é só pôr num microscópio para vermos que
ele está lá — diz Turra.
A primeira vítima de toda essa poluição é a
fauna marinha, já que durante os milhões de
anos em que estes animais evoluíram eles podiam considerar praticamente tudo que caía
na água como alimento. De acordo com relatório da ONG internacional Greenpeace, ao
menos 267 espécies, entre tartarugas, mamíferos, pássaros marinhos e peixes, consomem resíduos plásticos ou os levam a seus filhotes julgando tratar-se de comida. Já a ONU calcula
que mais de um milhão de pássaros e 100 mil
mamíferos e tartarugas marinhas morrem por
ano por comerem ou ficarem presos em restos
de plásticos. Só no remoto Atol de Midway,
próximo ao Havaí, o lixo que vai dar nas suas
praias provoca a morte de metade dos 500 mil
filhotes de albatrozes que nascem anualmente
no local. Já no Brasil, levantamento recente de
Fernanda Imperatrice Colabuono, Satie Tani-
Giro do
Atlântico
Sul
Cetáceos, tartarugas
e uma crescente
lista de espécies de
peixes se alimentam
por engano destes
restos
guchi, Rosalinda Carmela Montone, também
do Instituto Oceanográfico da USP, encontrou
plástico no sistema digestivo de 28% dos pássaros marinhos recolhidos já mortos ou feridos
no litoral do Rio Grande do Sul.
— O consumo de plástico pelos animais
faz com que grande parte acabe morrendo,
tanto por ação mecânica, como engasgamento, quanto por uma sensação falsa de saciedade. Eles param de comer porque estão com
o estômago cheio, mas é de lixo — conta o
biólogo da USP. — Em toda praia que eu fui
nos últimos quatro anos, e foram muitas, eu vi
pellets. É um problema ambiental que ocorre
de forma disseminada do Sul ao Nordeste do
Brasil. Até em locais como Fernando de Noronha eles estão presentes — acrescenta.
Mas os problemas gerados pelo plástico nos
oceanos não ficam por aí. Por repelirem a
água, as resinas acabam atraindo diversos outros tipos de poluentes hidrofóbicos, principalmente compostos orgânicos venenosos como
pesticidas (DDT) e bifenilos policlorados
(PCBs), funcionando como verdadeiras esponjas de sujeira. Estas substâncias — além
Ainda há dúvidas,
mas é possível que
a carne dos peixes
fique contaminada
para consumo
humano
do próprio plástico, tratado com aditivos tóxicos como bisfenol A, que podem causar câncer e infertilidade — vão se acumulando ao
longo da cadeia alimentar e chegam aos seres
humanos. Um zooplâncton, por exemplo, pode consumir um pedaço microscópico de
plástico cheio destes poluentes. Depois, este
zooplâncton é comido por um organismo
maior, que por sua vez alimenta um pequeno
peixe, comido por outros de tamanhos crescentes até chegar no atum, um dos maiores
predadores dos oceanos. Por fim, este atum,
carregado de produtos tóxicos, é pescado e
servido em um restaurante japonês qualquer.
— Assim, o ser humano também acaba sendo indiretamente afetado — comenta Turra.
E, quanto menor é este pedaço de plástico
no mar, maior é sua capacidade de agregar
outros poluentes, lembra Juliana, da UFPE.
— Quanto mais fragmentado o plástico,
maior é sua relação superfície/volume, o que
faz com que ele possa carregar uma maior
quantidade destas substâncias. E uma infinidade de animais está consumindo estes restos — diz ela. ❁
AGOSTO 2010
PLANETA TERRA 7
Download