Edição 19 | Outubro 2015 Consequências bucais da bulimia e orientação aos pacientes com o Prof. Dr. Claudio Heliomar Um dos autores do estudo “Manifestações orais e maxilofaciais secundárias à bulimia nervosa: uma revisão sistemática” publicado na revista de Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada da Universidade Estadual da Paraíba; 12(2); Jul, 2012. •Vice-presidente da ABO-PE. •Membro do Grupo Brasileiro de Professores de Dentística. •Coordenador do Curso de Especialização em Dentística do CPO/Recife/PE. •Professor Associado do Curso de Odontologia da UFPE. 1. O que é a bulimia e quais os principais sinais e sintomas observados em pacientes com este transtorno alimentar? A bulimia é um tipo de transtorno alimentar específico, invariavelmente crônico, de etiologia complexa e multifatorial que envolve aspectos psicológicos/ socioculturais, individuais/familiares, neuroquímicos e genéticos, podendo estar associado à busca constante pelo padrão de beleza corporal contemporâneo (corpo magro/culto ao corpo). É caracterizada por hiperfagia (ingestão excessiva de alimentos) em curto período de tempo, seguida de condutas compensatórias inapropriadas para evitar o ganho de peso, como por exemplo, a autoindução de regurgitação/vômitos; o uso abusivo de medicamentos como laxantes, diuréticos, hormônios tireoidianos e anorexígenos; dietas severas ou períodos de jejum; bem como a prática excessiva de exercícios físicos. 2. Qual o perfil do paciente que normalmente é acometido pela bulimia? A bulimia atinge 1-2% da população, acometendo pacientes no final da adolescência até os 40 anos, com maior prevalência no gênero feminino, em uma proporção de 9:1 em relação ao masculino. O perfil epidemiológico dos pacientes mostra que estes revelam ansiedade, baixa autoestima, insegurança, depressão, sentimento de vergonha e de culpa. Cerca de 25 a 30% dos bulímicos têm história prévia de anorexia nervosa. 3. Como o dentista clínico pode desconfiar que um de seus pacientes pode ser bulímico? Pela relação direta da bulimia com a cavidade bucal, o cirurgião-dentista pode ser o primeiro profissional de saúde a suspeitar que o paciente seja bulímico, basta que realize uma anamnese criteriosa e fique atento a sinais que evidenciam os danos causados pela bulimia ao organismo, com foco para as manifestações bucais (tecidos duros e moles) e maxilofaciais, as quais podem ser as primeiras alterações a aparecer, evoluindo aproximadamente seis meses após o indivíduo se submeter a comportamentos alimentares deletérios associados a episódios de vômito auto induzido. Edição 19 | Outubro 2015 4. Quais são as consequências bucais da bulimia? precisa desejar o tratamento odontológico. A bulimia traz consequências bucais que podem se 6. Quais são os profissionais que devem ser envolvidos acentuar com o tempo e são expressas por sinais pro- no tratamento multidisciplinar da bulimia? duzidos pelo contato do ácido proveniente do estômaA atuação de uma equipe de saúde multiprofissional go com dentes e tecidos moles da boca, o que acarse faz necessária para o tratamento da bulimia, com o reta destruição do esmalte dentário, atinge dentina e acompanhamento e intervenção médica, psicológica/ resulta em sintomatologia dolorosa (sensibilidade), psiquiátrica, nutricional e odontológica. bem como irrita facilmente a mucosa bucal. Assim, podem-se evidenciar, como exemplos, sinais clínicos de: 7. Erosão dentária, Hipersensibilidade Dentinária e erosão/perimólise (perda progressiva de tecido dental problemas gengivais podem ocorrer em decorrência mineralizado em forma de U ou pires, sem brilho, em de transtornos alimentares. Qual a principal conduta especial na face palatina dos dentes anteriores superio- clínica para o controle e tratamento dessas doenças res, além das faces oclusais e vestibulares dos dentes bucais no consultório e para o paciente em casa? posteriores inferiores – podendo acometer outras áreas Algumas orientações devem ser dadas para que o a depender da gravidade do caso); bordas incisais finas; paciente possa proceder o controle e tratamento da restaurações proeminentes/projetadas acima da superdoença em casa, no que tange as alterações dos tefície dental formando verdadeiras ilhas de restaurações; cidos bucais: bruxismo; perda da dimensão vertical; aumento do índice de cárie (fenômeno que deve-se aos “ataques” de A) Em casa hiperfagia de alimentos cariogênicos • Higiene bucal: controle da pressão acompanhados pela acidificação causade escovação (deve ser leve a moderada pelo vômito consequente). Pode-se da) com uso de escova dental macia e observar também, outros sinais clínicos creme dental fluoretado, não abrasivo O cirurgião-dentista como halitose; aumento das papilas e para dentes sensíveis (quando a senpode ser o primeiro linguais; mucosite (mais prevalente); sibilidade dentinária estiver presente), profissional de saúde queilite descamativa crônica; formabochecho com solução de 0,05% de flua suspeitar que o ção de úlceras; gengivite; sialometaoreto de sódio. paciente seja bulímico plasia necrosante; eritema do palato; • Alimentação: reduzir a frequência de xerostomia e até mesmo sialoadenoconsumo e o tempo de permanência de se parotídea (aumento de volume da bebidas/alimentos ácidos na boca, evitanglândula parótida). do reter bebidas na boca e quando da ingestão de líquidos fazer uso de canudos. 5. Uma vez identificada a hipótese de diagnóstico de • Controle do fluxo salivar e capacidade de tampão bulimia, quais as condutas a serem tomadas? da saliva: estimular o aumento do fluxo salivar com o O primeiro passo é a informação do paciente sobre consumo de goma de mascar sem açúcar; auxiliar o a hipótese diagnóstica com a busca pela sua aceita- tamponamento do meio bucal com bochechos de soção, conscientização e compromisso com o tratamen- lução bicarbonatada após refeições e antes da escovato multiprofissional. Deve haver o encaminhamento ção dentária. para avaliação e acompanhamento médico, psicológico/psiquiátrico e nutricional (reeducação alimentar), B) Em Consultório associado a condutas odontológicas para prevenção/ • O reforço da necessidade do acompanhamento mullimitação dos danos bucais novos/existentes focadas tiprofissional do paciente se faz necessário. O controna neutralização do pH bucal; estimulação do fluxo le odontológico do paciente bulímico se faz de forma salivar; reposição minerais; fluorterapia; limpeza bucal periódica auxiliado pelo uso de modelos em gesso e adequada; restaurações diretas com resina compos- fotografias intra-orais, que são úteis para avaliar a prota ou indiretas com cerâmica, quando as perdas es- gressão ou estagnação dos sinais bucais da doença. truturais dos dentes forem acentuadas. Vale ressaltar Aplicações tópicas, trimestrais, de vernizes de flúor ou que nenhuma conduta clínica odontológica será eficaz caseína fosfato de cálcio são importantes para repor para o tratamento da bulimia se for tomada isolada. perdas minerais; a aplicação de dessensibilizante pode Para o sucesso do tratamento as causas deste trans- ser adotada quando se faz necessário, bem como a restorno precisam ser identificadas, tratadas e o paciente tauração das perdas de estrutura dentária.