Composição e abundância da comunidade de insetos aquáticos no Rio de Contas - Bahia. Anthony Epifânio Alves1, Adriano Calmon da Silva Queiroz2, Hugo Leandro Ferreira Borges1, Renata Pires de Castro1, Elizabete Lacerda de Andrade Lima1, Daniel de Figueiredo Ramalho1, Viviane Ferreira de Melo3, William Severi4 Introdução A comunidade de macroinvertebrados bentônicos é um importante componente do sedimento de rios e lagos, sendo fundamental para a dinâmica de nutrientes, transformação de matéria e o fluxo de energia [1]. Os organismos aquáticos, principalmente invertebrados, são os que melhor respondem às mudanças das condições ambientais. Ambientes fortemente impactados mostram poucas espécies que, se estiverem bem adaptadas, podem exibir ótimo desenvolvimento e o monitoramento de estações a montante e a jusante da fonte poluidora podem identificar as conseqüências ambientais para a qualidade de água e saúde do ecossistema aquático [2]. As larvas de insetos destacam-se entre os principais grupos de macroinvertebrados bentônicos, pois geralmente são encontradas em grande quantidade. Muitas permanecem associadas ao substrato de fundo durante parte do seu ciclo de vida como, por exemplo: Diptera, Ephemeroptera, Plecoptera, Odonata, Hemiptera, Coleoptera, Neuroptera e Trichoptera, enquanto outros grupos de invertebrados vivem ali permanentemente, como os Platyhelmintes, Nematoda, Anellida e Molusca, entre outros [3]. Neste contexto, propõe-se neste estudo a análise da estrutura da fauna de insetos aquáticos do Rio de Contas, localizado no estado da Bahia, compreendendo as UHE Pedra e UHE Funil, em dois períodos climatológicos diferentes ao longo de um ano. Material e métodos As coletas de campo foram trimestrais, realizadas no período compreendido entre dezembro de 2007 e Setembro de 2008. Foram selecionadas 8 estações com seus respectivos pontos litorâneos e limnéticos, totalizando 16 pontos de coleta ao longo do rio, sendo doze a montante da barragem e quatro a jusante. As coletas foram realizadas através de pegadores tipo Petersen modificado (área de pegada= 0,0345 m2) para amostragens bênticas. Todo material coletado para análise biológica foi lavado com água corrente em peneiras acopladas, com as seguintes malhas: 2, 1 e 0,2 mm. Os animais retidos nas malhas foram retirados e preservado em álcool a 70%. Os insetos foram triados e identificados sob estereomicroscópio até o menor nível taxonômico possível, com o auxílio de literatura especializada [4,5,6]. A abundância relativa (%) foi calculada a partir da contagem total dos organismos nas amostras, de acordo com a seguinte fórmula: Abundância relativa (%) = (n/N) x 100 onde, n é o número de indivíduos de cada táxon e N é o numero total de indivíduos de todos os táxons. O resultado das percentagens foi enquadrado nos seguintes critérios, de acordo com [7], dominantes (>50%), abundantes (30-49%), comuns (10-29%), ocasionais (19%) e raros (<1%). Resultados Ao longo do período de estudo no Rio de Contas foram coletados 1.651 insetos aquáticos, representados pelas ordens Coleoptera, Diptera, Ephemeroptera, Hemiptera, Hymenoptera, Odonata, Trichoptera e pupas de insetos (TABELA 1). Observou-se que a ordem que apresentou maior quantidade de indivíduos durante todo o período de coleta foi Diptera, com alta dominância em 80% do total de insetos identificados (FIGURA 1). Dentre os três ambientes ao longo do rio, a UHE Funil apresentou maior participação de organismos durante o período de estudo registrando um total de 1.022 indivíduos, seguidos dos trechos a jusante que apresentaram 323. Por outro lado, na UHE Pedra, apenas 306 indivíduos foram identificados (TABELA 1). Os meses que correspondem ao período chuvoso (dezembro/07 e março/08) foram os que apresentaram maior abundância de organismos (TABELA 1). No mês de dezembro/07, foram registrados 361 indivíduos, sendo ________________ 1. Discente de graduação do curso de Bel. Ciências Biológicas e estagiário do Laboratório de Limnologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Recife, PE, CEP 52171-900. E-mail: [email protected] 2. Discente de graduação do curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas, Universidade de Pernambuco e estagiário do Laboratório de Limnologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Recife, PE, CEP 52171-900. 3. Bióloga da Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Recife, PE, CEP 52171-900. 4. Professor Associado do Departamento de Pesca e Aqüicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Recife, PE, CEP 52171-900. Diptera a ordem mais representativa com 318 indivíduos seguidos de pupa de insetos (35), Ephemeroptera (3), Trichoptera (3), Hemiptera (1) e Odonata (1). Por outro lado, março/08 foi o mês em que ocorreu a maior quantidade de insetos, num total de 752 indivíduos, e mais uma vez a ordem Diptera foi a mais abundante, representando 611 do total de indivíduos, seguidos de Ephemeroptera (89), pupa de insetos (39), Odonata (10), Coleoptera (2) e Trichoptera (1). No período seco, no mês de junho/08 foram analisados 429 indivíduos, no entanto observou-se o mesmo padrão de distribuição dos indivíduos que ocorreram no mês de março. Dentre as ordens identificadas, Diptera foi a mais abundante com 303 indivíduos, em seguida Ephemeroptera (101), Odonata (14), Trichoptera (7), pupa de insetos (2) e Coleoptera (1). Em setembro/08, observou-se um total de 109 insetos, no qual mais uma vez Diptera foi o mais representativo com 87 indivíduos, em seguida Odonata (11), Ephemeroptera (3), Trichoptera (3), pupa de insetos (3) e Coleoptera (2). Discussão Entre os principais fatores que influenciam a distribuição e abundância da comunidade de macroinvertebrados bentônicos destacam-se: a natureza do sedimento, a profundidade, as flutuações do nível da água, a concentração do oxigênio, a variação do potencial hidrogeniônico, o grau de trofia, a competição entre as diferentes populações, as pressões de predação, entre outros [8]. Embora o período de dezembro/07 a março/08 seja considerado chuvoso para a região estudada, o que teoricamente contribuiria para um pequeno número de indivíduos, a maior abundância de insetos neste período provavelmente foi influenciada pelo baixo nível fluviométrico dos reservatórios da UHE Pedra e UHE Funil. Dependendo de suas características hidráulicas, especialmente o tipo de tomada de água da barragem, as represas apresentam grande instabilidade limnológica. Estes ecossistemas, por apresentarem baixo tempo de residência da água (tempo de permanência da água na represa) podem ser considerados na sua grande maioria como um estágio intermediário entre um rio e um lago, ou seja, entre um ambiente lótico e lêntico. Outra característica das represas é a grande variação do nível d’água, que pode ocorrer em pouco tempo, em função das necessidades do uso da água de uma usina [9]. Conforme [10], a recorrência e magnitude do pulso de inundação exercem influência direta sobre os organismos bênticos e o ambiente apresenta uma maior integridade de micro-habitats, o que pode levar à maior abundância. A presença de determinados organismos animais, plantas, microrganismos e suas complexas interações com o meio ambiente respondem de maneira diferenciada às modificações da paisagem, produzindo informações, que não só indicam a presença de poluentes, mas como estes interagem com a natureza, proporcionando uma melhor indicação de seus impactos na qualidade dos ecossistemas [11]. Os insetos aquáticos apresentam adaptações morfológicas, fisiológicas e comportamentais distintas ao local em que vivem, podendo ser especialistas ou generalistas quanto a sua distribuição. Portanto tal amplitude advém da grande plasticidade adaptativa do grupo [12]. Dentre os grupos de insetos analisados no rio de Contas, a ordem Diptera foi a que obteve maior representatividade. Estes são frequentemente os componentes dominantes das comunidades de invertebrados bentônicos, tanto em águas lênticas como lóticas, [6], o que corrobora com o presente estudo. Alguns gêneros são considerados indicadores de condições ambientais particulares [13]. A alta densidade de espécies de dípteros, junto com sua extraordinária diversidade de requerimentos ecológicos, faz destes um dos principais grupos de interesse para usar como indicadores ecológicos [14]. Outras ordens de insetos, tais como Ephemeroptera e Trichoptera consideradas mais comuns em ambientes lóticos e muito sensíveis à interferência ambiental [15] foram registradas no rio de Contas, embora com pouca freqüência de ocorrência. Estes têm sido também utilizados como indicadores biológicos de qualidade de água [4]. Devido às dificuldades de amostragens e, principalmente, de identificação taxonômica acurada de seus organismos, tendo em vista que diversos organismos são estágios imaturos, o estudo de insetos aquáticos é bastante complexo. Há falta geral de chaves de classificação para a identificação taxonômica ao nível genérico e/ou específico, sobretudo para a região Neotropical. Portanto, há necessidade de estudos mais aprofundados para um melhor conhecimento da composição taxonômica desta comunidade, dos fatores ambientais que controlam seu desenvolvimento e do papel de determinadas espécies como bioindicadores. Referências [1] BRANDIMARTE, A. L.; ANAYA, M. & SHIMIZU, G. Y. 1999. Comunidades de invertebrados bentônicos nas fases pré e pós enchimento em reservatórios: um estudo de caso no reservatório de aproveitamento múltiplo do rio Mogi-Guaçu (SP). In: HENRY, R. ed. Ecologia de reservatórios: estrutura, função e aspectos sociais. Botucatu, Fapesp/Fundibio. p377-407. [2] MATSUMURA-TUNDISI, T. Diversidade de zooplancton em represas do Brasil. In: HENRY, R. Ecologia de reservatórios. São Paulo: FAPESP/FUNDIBIO, 1999. p.41-54. [3]ROSENBERG, D. M.; RESH, V.H. Freshwater biomonitoring and benthic macroinvertebrates. Nova York: Chapman & Hall, 1993. 488 p. [4] DOMÍNGUEZ, E. FERNANÁNDEZ, H. R. (eds). 2001. 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Gesamten Hydrobiol., Berlin, v. 70, n. 2, p. 221-235. [13] TRIVINHO-STRIXINO, 1995. Larvas de Chironomidae (Díptera) do estado de São Paulo- guia de identificação e diagnose dos gêneros.229p [8]WETZEL, R. G. Limnology. 2 ed. Washington: Saunders College, 1993. 919 p. [14] GALLARDO, A.; PRENDA, J., 1994. Influence of some environmental factors on the freshwater macroinvertebrates distribution in two adjacent river basins under Mediterranean climate. I. Dipteran larvae (excepting chironomids and simuliids) as ecological indicators. Arch. Hydrobiol. 131:435-447 [9] ESTEVES F.A. Fundamentos de limnologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Interciência, 1998.548p. [10] TAKEDA, A. M., SHIMIZU, G. Y. & HIGUTI, J. Variações espaço-temporais da comunidade zoobêntica. In: VAZZOLER, A. E. A. M.; AGOSTINHO, A. A.& HAHN, N. S. A planície de inundação do alto rio Paraná: aspectos físicos, químicos, biológicos e sócioeconômicos. Maringá, EDUEM, 1997. p.157-177. [15] ROSENBERG, D. M.; RESH, V.H. Freshwater biomonitoring and benthic macroinvertebrates. Nova York: Chapman & Hall, 1993. 488 p. Insecta (pupa) Trichoptera Odonata Hymenoptera Hemiptera Ephemeroptera Ambiente Diptera Período Coleoptera Tabela 1: Quantidade total de insetos das diferentes ordens coletados nos diferentes ambientes do Rio de Contas – Bahia, no período de dezembro/07 a setembro/08. 0 41 3 0 0 0 2 1 UHE Pedra 0 49 0 0 0 1 1 5 UHE Funil 0 228 0 1 0 0 0 29 Jusante 0 75 3 0 1 8 0 4 mar/08 UHE Pedra 1 528 86 0 0 2 0 35 UHE Funil 1 8 0 0 0 0 0 0 Jusante 0 148 10 0 0 5 0 0 jun/08 UHE Pedra 1 141 92 0 0 9 7 1 UHE Funil 0 14 0 0 0 0 0 1 Jusante 0 3 0 0 0 0 1 1 set/08 UHE Pedra 0 47 3 0 0 11 2 0 UHE Funil 2 37 0 0 0 0 0 2 Jusante 5 1319 1 do Rio 1 de36 13– Bahia,79 Total de ordens Individuos Figura 1: Participação relativa (%) das de insetos coletados nos diferentes 197 ambientes Contas no período de dezembro/07 a setembro/08. dez/07 0,06% 2,18% 0,79% 4,78% 0,30% 0,06% C oleoptera 11,93% Diptera E phemeroptera Hemiptera Hymenoptera O donata Tric hoptera Ins ec ta (pupa) 79,89%