166 ANAIS III FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2005 A DIMENSÃO FILOSÓFICA DA ARTE: UMA ANÁLISE DO ESPAÇO CONCEITUAL NA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA André Luiz Visinoni* RESUMO: O objetivo principal do presente trabalho é demonstrar como a experiência artística, por não se limitar ao campo das puras percepções formais, pode se estender a um espaço conceitual, em que a filosofia desempenha um papel determinante na apreciação dos objetos de arte. Esse espaço conceitual parece ser intuído durante todo o percorrer histórico da reflexão estética, para, contudo, alcançar, no século XX, sua maturidade como possibilidade de criação artística: como nas palavras de Marcel Duchamp, para quem a arte deveria estar a serviço da inteligência, é, na arte moderna e pós-moderna, que a experiência artística, nitidamente, determina-se mais mediante a relação intelectual com o objeto e sua compreensão e menos por meio da relação sensorial com o objeto e sua apreensão. Tomandose esse ponto de partida, surge a principal questão deste trabalho: a possibilidade de se chamar de filosófica uma experiência artística que seja essencialmente determinada pelo conceito do objeto. Abrindo-se tal discussão, este trabalho, portanto, se propõe a alargar as possibilidades de diálogo e de intercâmbio entre arte e filosofia, ao colocar em evidência o verdadeiro papel que desempenha o pensamento filosófico na criação e na apreciação dos objetos de arte. O problema exposto neste trabalho está sendo apresentado como projeto de iniciação científica à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), sob a orientação do Professor Doutor José Oscar de Almeida Marques, professor do Departamento de Filosofia da Unicamp. As questões que serão levantadas aqui são uma condensação * Graduando no Instituto de Artes na Universidade Estadual de Campinas. Em 2004, criou com os Professores Paulo Justi, Tristan Torriani e José Oscar de Almeida Marques, o Núcleo de Estudos em Filosofia e Música, no Departamento de Música da Unicamp. 167 daquele projeto, que tem como um de seus objetivos principais contribuir para as discussões interdisciplinares entre arte e filosofia. A sensibilidade, entendida como capacidade receptiva de formas estéticas, foi sempre considerada a grande responsável pela determinação da experiência com objetos de arte. Marcel Duchamp denuncia essa tradição, a da arte como experiência puramente sensorial, quando diz, por exemplo, que “cem anos de pintura retiniana já são suficientes”. 1 Para essa tradição, a arte parecia circunscrever-se a uma questão meramente corporal, um descortinar de timbres e cores, fruir de notas e imagens de responsabilidade dos nervos e, por essa razão, sua influência (não sua função) era, quando muito, fisiológica. Immanuel Kant chega a ponto de comparar a música com a piada, já que o movimento causado por ambas, depois do qual não havia nada a ser pensado, era meramente físico, consistindo-se simplesmente na sensação de saúde e bem-estar causada pelas agitações intestinais. Eduard Hanslick, mentor do formalismo musical da segunda metade do século XIX, concorda, por sua vez, com Grillparzer, quando este define “o efeito da música como estímulo sensível, um jogo de nervos, que quando muito, atinge o espírito”.2 O próprio século XIX, contudo, iria principiar a dar respostas a essa “sensorialista” abordagem dispensada às artes. Na metade do século, por exemplo, Richard Wagner, ao apagar as luzes do teatro, inclinar a platéia, esconder a orquestra no fosso e mergulhar a todos em seu Gesamtkunstwerk, parece não mais pensar em uma arte meramente sensível. Wagner baseava sua obra em uma profunda reflexão teórica e seria, entre os compositores, um pioneiro no uso ostensivo de meios que exigem do espectador ir muito além da escuta. Assim, mesmo sendo Tristan und Isolde música “fisiológica”, feita para se sentir, há, por detrás, uma imensa estrutura conceitual que lhe dá sustentação e sua apreciação auditiva depende muito de uma compreensão essencialmente intelectual de proposta. A totalidade do problema surge exatamente neste ponto: em um certo momento, a experiência com objetos de arte desloca-se da sensação para a compreensão. O espectador não se utiliza somente de seu aparato sensorial para sua experiência com a arte, mas é, antes, requisitado a fazer uso de capacidades intelectuais para apreender o objeto em questão. Nessa nova relação que se cria, desaparece a contemplação e a prática artística se aproxima sensivelmente do pensar filosófico. As primeiras vanguardas artísticas do século XX caminharam muito em direção a essa arte de fundamentação reflexiva. O próprio cubismo encerrava dentro de si uma pretensão científica, mediante suas especulações com geometrias não-euclidianas e com a cronofotografia. O dadá e o surrealismo, por sua vez, respondem também à mesma questão. O 1 2 VENÂNCIO FILHO, Paulo. Marcel Duchamp: A Beleza da Indiferença. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 50. HANSLICK, Eduard. Do belo musical. Campinas: Ed. da Unicamp, 1992. p. 167, nota 1. 168 fato é, porém, que a tela não estava mais unicamente destinada a uma experiência retiniana, limitada à sensibilização dos sentidos, mas se estendia a um espaço conceitual, no qual as imagens se tornavam veículo para um gigantesco universo a ser apreendido por meio da compreensão; ou seja, a arte deixava seu tradicional posto de fim para se tornar um meio. A obra de Marcel Duchamp, por exemplo, não procura, simplesmente, explorar novos procedimentos materiais ou formais para novas experiências visuais, mas é, na verdade, um comentário plástico sobre a própria arte. Obviamente, a obra em si, considerada em sua materialidade, fornece novas experiências visuais, pois esse comentário plástico exige novos procedimentos materiais e formais. O conteúdo dos objetos de Duchamp é, porém, outro. Seus objetos passam de veículo para a experiência sensível a veículo para a experiência intelectual. Ninguém chamará um de seus ready-mades de belo, pelo menos não no sentido que se aplicaria a um quadro de Monet. Há um conceito por trás de cada um de seus ready-mades e a idéia que lhe deu gênese parece ser antes inteligente, perspicaz ou jocosa, mas nunca bela. De qualquer maneira, o julgamento é sempre realizado em cima da concepção e nunca do objeto, tanto que o próprio Duchamp tentou, dentro do possível, afastar-se de seu gosto pessoal na escolha dos objetos. Essa atitude demonstra a importância de não os experimentar somente em sua materialidade, mas sim no espaço conceitual em que eles habitam, já que é nesse espaço que residem a concepção da obra e a reflexão que ela instiga. Torna-se, portanto, clara a existência de um aproximar de campos entre arte e filosofia, visto que o objeto de arte parece dirigir-se cada vez mais ao intelecto e ao mundo conceitual do pensamento filosófico. Se a apreciação de um objeto de arte se dá através da compreensão do conceito de arte que o transforma em objeto de arte, até que ponto não é possível dizer que esta apreciação depende diretamente de uma filosofia da arte? Investigar esta relação e demonstrar a sua possibilidade objetiva resultaria em uma amplificação das relações entre arte e filosofia, pois, se pode, então, estabelecer novos modelos para a prática e a teoria artísticas, já que, criar e apreciar um objeto de arte passa a ser, acima de tudo, um exercício de filosofia. DA MIMESE AO CONCEITO A relação que se estabelece entre arte e filosofia está presente nas discussões sobre estética desde os primórdios da teoria da arte: ao se analisar a história do pensamento artístico a partir da teoria mimética dos gregos até o contemporâneo espaço intelectual como experiência do objeto, observa-se a constante necessidade de fundamentar a prática criativa sobre um conceito filosófico que a torne legítima. 169 As teorias sobre arte desenvolvidas por Platão e Aristóteles estavam principalmente baseadas em se pensar a arte como imitação. Platão, por considerar os objetos comuns meras cópias do mundo das Formas, questiona o valor do objeto de arte, insistindo nos aspectos negativos da imitação, pois o objeto, ao se limitar à representação da natureza sensível, é somente a cópia da cópia. Qual é o valor do retrato de uma cama, independentemente do estímulo sensível que a escolha das cores ou dos traços proporcione, se nela nem se pode deitar? Além disso, a poesia, ao retratar falsamente os deuses, ou a música, com suas harmonias torpes ou indolentes, perdem seu poder pedagógico e político. Sob um ou outro aspecto, já se vê, em Platão, a concepção de que a experiência artística não deve ser limitada à pura experiência sensível, sob pena de ser relegada ao plano do simples agradável, pois, para o filósofo, a arte, na verdade, se estende ao campo da pedagogia, da política, da moral e da filosofia e, exatamente por essa razão, deve ser cuidadosamente considerada pelo Estado ideal. Como bem ressalta Marc Jimenez, “ao expulsar os artistas da pólis, Platão demonstra a importância da arte e como ela está longe de ser uma questão menor”.3 Aristóteles, por sua vez, assinala os aspectos positivos da imitação. Ao vivenciar os conflitos das personagens durante uma tragédia, por exemplo, o espectador sai do espetáculo, purificado por aquelas emoções que, por serem ficção sobre o palco, ele pode vivenciar sem o receio que o impediriam de fazê-lo na realidade. É exatamente nessa purgação das paixões que estaria o prazer com o objeto de arte: como uma terapia, a arte, proporcionando um retorno a um estado de equilíbrio, permite que o espectador, agora curado, volte da experiência artística às suas atividades de cidadão na pólis. Aristóteles, assim como Platão, também dedica uma atenção particular às relações que extrapolam a natureza sensível da arte, pois, para ele, o mérito de uma obra não está na simples competência técnica do artista, mas, na verdade, na capacidade que a obra possui de expugnar as emoções. Novamente, o valor da experiência se estende a relações além da simples recepção sensorial, como a educação, a terapia e a política. O platonismo influencia a Idade Média através de sua vestimenta cristã e vai alimentar, principalmente sob a figura de Santo Agostinho, grande parte das discussões sobre arte, contemporâneas ao nascimento da nova religião. Nas suas Confissões, Santo Agostinho demonstra como a música pode ser nociva quando a experiência estética se limita a um simples fruir da percepção: “Para que essas melodias se possam intrometer no meu interior, em companhia dos pensamentos que lhes dão vida, procuram no meu coração um lugar de certa dignidade. [...] Os sentidos, não querendo colocar-se humildemente atrás da razão, negam-se a acompanhá-la. [...] Quando, às vezes, a música me sensibiliza mais do que as letras que se cantam, confesso com dor que pequei. Neste caso, por castigo, preferiria não 3 JIMENEZ, Marc. O que é estética? São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1999. p. 209. 170 ouvir cantar”.4 Santo Agostinho mostra a influência do platonismo na sua visão sobre arte, pois, para ele, o sensível desempenha um papel menor na experiência artística. A obra possui um compromisso com o intelectual e o moral e, por isso, a mais profunda experiência estética se dá, portanto, exatamente onde se extrapola o mero captar das formas. É somente a partir do final da Idade Média, porém, que a arte adquire autonomia como atividade essencialmente intelectual, pois, nesse momento, a concepção de arte se desliga da concepção de artesanato. Enquanto o artesanato passa a ser identificado como uma técnica, que por mais complexa que seja, não possui, necessariamente, um arcabouço reflexivo que a sustente, os artistas do início da Renascença se esforçam para demonstrar que a arte está muito mais próxima das ciências humanas do que a tradição medieval considerava. A criação de um objeto de arte não é apenas uma confecção; ela exige muito mais do que perícia, exige uma compreensão das técnicas e dos meios e, principalmente, uma absorção crítica e racionalizada da realidade. Assim, os artistas do Cinquecento italiano são também grandes humanistas, já concebendo a arte como uma atividade de reflexão, que envolve matemática e geometria, digna, portanto, dos mesmos méritos dos quais desfrutavam a teologia e a filosofia. A partir do Maneirismo, contudo, esse processo se acelera e a arte, finalmente, passa a ser considerada como a representação da visão subjetiva que o artista tem da realidade. A arte transporta-se, desta maneira, do campo da imitação para o campo da expressão. Como bem assinala Arnold Hauser, é no século XVI que o artista, deliberadamente, se afasta da retratação fidedigna da natureza. Esse afastamento parece exigir uma certa tomada de consciência de que a experiência artística não se limita à apreensão do material, que pode ser dominado pela perícia do ofício de artesão, mas que ela é, antes de tudo, a experiência da concepção do artista. Mesmo que se argumente que na Idade Média também a estilização da forma era uma maneira de representar um conteúdo expressivo, os artistas medievais estavam, provavelmente, menos cônscios de sua responsabilidade para com esse conteúdo. “No maneirismo, defrontamo-nos pela primeira vez com um desvio consciente e deliberado em relação à natureza, ou seja, com um abandono da fidelidade a ela, que não é baseado nem na falta ou na limitação de habilidade artística, nem nas considerações puramente ideológicas e não-históricas ou da filosofia de vida prevalecente. Ele nasceu, ao invés disso, de um anseio de expressão que, a fim de ser valorizado, renunciou deliberadamente ao quadro familiar e conhecido das coisas. Em épocas anteriores, mesmo quando a arte não era naturalista, os artistas sempre acreditavam estar apresentando o que realmente viam com seus olhos físicos ou espirituais e, muitas vezes, a despeito da mais ousada estilização, não tinham dúvidas de que perseguiam a realidade objetiva”. 5 Um exemplo claro de que, para os artistas a partir da 4 SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 292-293. 5 HAUSER, Arnold. Maneirismo. São Paulo: Perspectiva, 1993. p. 32. 171 Renascença, vai se tornando mais nítida a diferença da experiência artística considerada apenas como sensação e como experiência transcendente à forma e ao material é dado por André Félibien, teórico do Classicismo francês da corte de Luís XIV: “A beleza nasce das proporções e da simetria que se encontra entre as partes corporais e materiais. A graça é engendrada pela uniformidade dos movimentos interiores causados pelos afetos e pelos sentimentos da alma.”6 Félibien chama de beleza a materialidade do objeto de arte e o que os sentidos captam sobre ele. É, porém, a graça, enquanto relação subjetiva, dada aos sentimentos e ao intelecto, que determina a experiência estética. É significativo, por exemplo, observar o surgimento da ópera nessa mesma época. O nascimento da música dramática deve muito ao vislumbre de que o compositor pode associar um evento sonoro a uma palavra para enfatizar uma ação literária. Aí está uma postura estética em relação à música completamente nova: a música polifônica dos compositores da Renascença criava uma massa sonora, dentro da qual não era possível a compreensão das palavras cantadas, correndo os eventos musicais de maneira independente das articulações do texto – era música feita, essencialmente, para se ouvir. A partir da homofonia, que surge no início do período Barroco, porém, a música se entrelaça com a poesia de tal forma que, não apenas a melodia em si, considerada sob o ponto de vista puramente sensorial, determina a relação com o objeto, mas também o texto teatral cantado. Toda a música do século XVII e do início do século XVIII, desde Monteverdi até Bach, baseia-se nessa compreensão do evento musical, a que os italianos chamam stilo rappresentativo. Escutar Il Combatimento di Tancredo e Clorinda, de Monteverdi, e não se ater ao conteúdo literário que os eventos musicais evocam e, assim, permanecer somente na superfície da combinação dos sons e das harmonias, no puro estímulo sensível do interesse sonoro, é perder, em grande parte, o maior interesse da obra, que é a representação musical das ações das personagens. Nessa obra, assim como em obras do estilo de Vivaldi, Bach ou Händel, o aspecto sonoro em si, como dimensão imediata dos sentidos tem, para a experiência estética, o mesmo valor do seu aspecto literário. E se as palavras estão mais próximas do conceito e do entendimento do que o estímulo sonoro puro, a experiência estética, assim, vai se aproximando da experiência do conceito e do entendimento. Em sua Crítica da Faculdade do Juízo, Immanuel Kant propõe uma teoria estética na qual o entendimento desempenha uma importância fundamental. Em arte, para o filósofo, a idéia de beleza tem de ser ocasionada por um conceito do objeto e, portanto, depende diretamente do entendimento. Com isso, torna-se possível, para Kant, afirmar a superioridade da poesia sobre as outras formas de arte, pois ela é a que mais imediatamente se dirige ao intelecto. De outro lado, a importância da música é tornada relativa, já que ela pode se confundir, muitas vezes, com um simples fruir de sensações, que pouco, ou nada, falam ao entendimento. A importância dada por Kant ao papel do entendimento na experiência com 6 JIMENEZ, Marc. O que é estética? São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1999. p. 62. 172 objetos de arte é crucial por dois principais motivos. Primeiramente porque se torna claro, em Kant, que o julgamento artístico não se dá, somente, na sensibilidade, mas por uma intervenção do intelecto sobre as puras sensações. Em segundo lugar, porque, levando-se em conta a valorização da teoria e do conceito na arte do século XX, parece haver uma relação entre alguns conceitos kantianos com algumas práticas de vanguarda: “A poesia é a arte de executar um jogo livre da faculdade da imaginação como um ofício do entendimento. [...] O poeta simplesmente anuncia um jogo que entretém com idéias e do qual, contudo, se manifesta tanta coisa para o entendimento, como se ele tivesse simplesmente tido a intenção de estimular seu ofício”.7 Esse pensamento pode se articular com inúmeras tendências da arte moderna e contemporânea e sua presença na atualidade pode ser atestada por catálogos de exposições: “Concluindo que os diversos estilos já existentes em Arte ofereciam apenas valores visuais e materiais limitados, Marcel Duchamp estava decidido a recolocar a pintura ao serviço da mente”. Ou ainda: “Por trás da aparência popular, até mesmo kitsch de seus trabalhos, de uma lógica fundada na apropriação de trabalhos tão anônimos quanto vulgares, insinua-se a mordacidade de Nelson Leirner, sua estratégia de colocar a arte a serviço da inteligência.” Esse é, portanto, o grande momento de contato entre arte e filosofia. Em uma época como a nossa, na qual a forma artística é tão conceitualmente determinada, já que, por detrás dela, se abre um imenso espaço para a experiência do intelecto, é indispensável instigar discussão sobre a natureza filosófica das obras de arte. Dessa maneira, a experiência artística contemporânea se desloca do criar para o refletir, determinando-se pelos seus aspectos teóricos e intelectuais, transcendendo à própria dimensão da filosofia. Um exemplo é a transcrição, que faz Tom Wolfe em sua A palavra pintada, de uma crítica de Hilton Kramer sobre uma exposição de “Sete Realistas”. Kramer aponta a importância da teoria e da fundamentação intelectual da obra, que, ao superarem seus aspectos sensoriais, se estabelecem como critério para o julgamento de valor: “O realismo não carece de adeptos, mas carece, visivelmente, de uma teoria convincente. E dada à natureza do nosso intercâmbio intelectual com as obras de arte, carecer de uma teoria convincente é carecer de algo crucial”.8 Nessa afirmação, torna-se evidente uma nova relação entre os critérios avaliativos de uma obra de arte: experimentar uma obra de arte não é mais uma questão de sensação, mas uma questão intelectual, já que, fundamentalmente experimentar uma obra de arte é compreendê-la. “Na contemporaneidade, para Kramer, é impossível ver uma pintura ou ouvir uma música sem a apreensão intelectual do conteúdo teórico representado, pois criar uma obra de arte passa a ser representar materialmente uma teoria”9, completa Tom Wolfe. 7 KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. § 51. WOLFE, Tom. A palavra pintada. Porto Alegre: L&PM, 1987. p. 6. 9 WOLFE. Op. cit., p. 8. 8 173 Parece evidente, portanto, que, no transcorrer da história da reflexão sobre arte, o conceito do objeto torna-se o mais importante elemento de criação e de apreciação das obras e que estabelecer critérios interpretativos e avaliativos somente mediante a descrição material e formal, ignorando a imensa dimensão filosófica da arte, é limitar toda a potencialidade de transformação que sempre lhe foi inerente. Referências HANSLICK, Eduard. Do belo musical. Trad.: Nicolino S. Neto. Campinas: Ed. da Unicamp, 1992. HAUSER, Arnold. Maneirismo. Trad.: J. Guinsburg; Magda França. São Paulo: Perspectiva, 1993. JIMENEZ, Marc. O que é estética? Trad.: Fulvia Moretto. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1999. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad.: Valério Rohden; Antônio Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. SANTO AGOSTINHO. Confissões. Trad.: J. Oliveira Santos; A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Nova Cultural, 1999. VENÂNCIO FILHO, Paulo. Marcel Duchamp: a beleza da indiferença. São Paulo: Brasiliense, 1986. WOLFE, Tom. A palavra pintada. Trad.: Lia Alverga-Wyler. Porto Alegre: L&PM, 1987.