Estimulação Magnética Transcraniana: Um Instrumento

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Estimulação Magnética Transcraniana: Um
Instrumento Neuropsiquiátrico de Grande
Utilidade nos Tempos Atuais
Cardoso, Ana Margarida
Abstract:
This work has the aim of relate the electromagnetism with a
practical application in the health branch. So, the chosen
theme was the “Transcranial magnetic stimulation”, a new
technique which is able to stimulate the human cortex
through a pulsed magnetic field based on a variable one.
This new tool has been proposed to be used in several
neurologic and psychiatric diseases – depression included.
It’s achievement was only possible through the theoric
framework from many researchers about the theme, as well
as through the electromagnetism material available in
physics manuals.
Keywords:
transcranial magnetic stimulation;
electromagnetic induction; treatment of neurological
disorders
F
oi no século XIX, mais concretamente em 1831, que
Michael Faraday (1791 – 1867) desvendou, na
Inglaterra, a base da estimulação magnética.
Segundo esta nova descoberta, a indução eletromagnética
seria o fenómeno que originaria a produção de uma força
eletromotriz num meio/corpo que estivesse exposto a um
campo magnético variável ou num meio móvel exposto a
um campo magnético estático. Deste modo, a variação de
corrente elétrica produziria assim um campo magnético,
que, se fosse variável, induziria correntes elétricas em
materiais condutores.
Mais tarde, nas décadas de 80 e 90, foi a vez de surgirem
estudos realizados por Sanes, Merzenich, Kaas, entre
outros, que contribuíram para eliminar um velho dogma da
biologia que defendia a inexistência de neuroplasticidade e,
consequentemente, de reorganização cortical, em animais
adultos. Ora, estas novas descobertas aliadas à certeza de
que um campo magnético variável poderia ser gerado por
uma corrente elétrica variável (como a que passa por dentro
de uma bobina) constituíram os pilares da estimulação
magnética transcraniana.
A estimulação magnética transcraniana (EMT), introduzida
por Anthony Barker em 1985, era a princípio usada
unicamente na propedêutica (sem o uso de procedimentos
diagnósticos específicos) com o intuito de pesquisar
alterações nas vias motoras. Quanto à forma terapêutica,
esta consiste na utilização de um aparelho estimulador que
aplica pulsos magnéticos rapidamente variáveis no tempo
sobre o crânio, pulsos esses que irão gerar pequenas
correntes elétricas. O fato de se tratar de uma técnica
indolor que permite um mapeamento topográfico nãoinvasivo do córtex motor, simples de ser aplicada e de
baixo risco para pesquisas em seres humanos torna-la uma
mais-valia no tratamento de diversas doenças neurológicas
e psiquiátricas e um instrumento extremamente valioso para
a elucidação de diversos aspetos da fisiologia do sistema
motor humano. A técnica é simples: um aparelho produz
um campo eletromagnético com aproximadamente a
mesma intensidade que o campo magnético estático
produzido por um aparelho de ressonância magnética (na
ordem dos 2 Tesla, o que corresponde a 40 mil vezes o
campo magnético da
Terra), que é conduzido através
de uma bobina pequena que está colocada sobre o crânio do
indivíduo (mais concretamente sobre a região a ser
estimulada) e que entrará em contato com o couro cabeludo
do indivíduo. A mudança constante de orientação da
corrente elétrica que ocorre dentro da bobina faz então com
que o campo eletromagnético gerado (com linhas de fluxo
perpendiculares) tenha a capacidade de atravessar materiais
isolantes, como a pele e os ossos, atuando deste modo
dentro do crânio e estimulando uma área cortical que esteja
próxima pela indução de cargas elétricas (indução
eletromagnética). Quando essa corrente atinge o córtex
motor, produzirá movimentos visíveis da musculatura no
membro contralateral. De salientar que a forma e a
geometria da bobina são responsáveis pelas caraterísticas
do campo magnético, existindo diferentes formatos de
bobina e, portanto, diferentes resultados sobre a
distribuição da corrente induzida. A título de exemplo, as
bobinas em forma de oito (dois círculos com uma
interseção entre eles) são as mais frequentes, uma vez que
produzem um campo magnético mais focal, permitindo ter
um maior controlo sobre a área estimulada. Já as bobinas
circulares produzem um campo magnético mais fraco no
centro e mais forte na periferia, não existindo campo
magnético no ponto central da bobina. Para gerar um
campo magnético que tenha a capacidade de estimular o
córtex, o equipamento deve ser capaz de produzir
diferenças de potencial de 500 a 4000 V e de armazenar
energia equivalente até 2500 J. Este campo magnético
decorrente será perpendicular à direção da corrente elétrica
que o produz. Os primeiros aparelhos de estimulação
magnética transcraniana capazes de emitir um pulso a cada
“x” segundos foram desenvolvidos como auxílio
diagnóstico para neurologistas, que já sabiam há muito
tempo que certos efeitos da estimulação cerebral só
apareciam se a área em questão fosse estimulada
repetitivamente. Por esse motivo, era imperativo o
desenvolvimento dos aparelhos de estimulação magnética
no sentido de que estímulos repetidos pudessem passar a
ser aplicados. Ao final dos anos 1980, os avanços técnicos
nos aparelhos tornaram possível aplicar séries de estímulos
por segundo, usando-se, claro está, o limiar motor como
referência para calcular a intensidade desse mesmo
estímulo. Isto depois de várias questões de ordem técnica
terem sido solucionadas pelos engenheiros, como o
sobreaquecimento das bobinas aquando da passagem de
cargas elétricas de grande intensidade, havendo a
necessidade de implantar sistemas de refrigeração a água
ou a óleo. Presentemente estão disponíveis equipamentos
que são capazes de realizar a estimulação magnética
transcraniana repetitiva, capazes de emitir pulsos de 1 a 20
Hz. Em relação ao número de pulsos por unidade de tempo,
os primeiros estimuladores magnéticos tinham a sua
frequência de estimulação limitada pelo tempo de recarga
dos instrumentos, não sendo possível alcançar frequências
superiores a 0,5 Hertz. Hoje em dia existem dois tipos de
estimulação magnética transcraniana repetitiva: baixa
frequência (1 Hertz) e alta frequência (> 1 Hertz), com
efeitos adversos, sendo que o uso da EMT de alta
frequência aumenta o fluxo sanguíneo cerebral na área,
com consequente aumento da atividade cerebral
caraterizada por uma excitabilidade cortical, verificando-se
o contrário na EMT de baixa frequência. No entanto a
estimulação magnética transcraniana de baixa frequência
apresenta pelo menos duas grandes vantagens: a primeira é
referente ao fato de não haver registos de nenhuma crise
convulsiva durante o seu uso, e a segundo está relacionada
com o custo, que é mais reduzido uma vez que a EMT de
baixa frequência não induz um aquecimento significativo
da bobina, não se tornando necessário adquirir um
complexo sistema de refrigeração. De salientar ainda que
esta última, a EMT de baixa frequência apresenta-se como
sendo um instrumento muito útil para reduzir a excitação
neuronal em casos graves de doentes epiléticos, para que a
diminuição no número de crises seja possível.
No que diz respeito a efeitos da estimulação magnética
transcraniana, estes vão variar em função da área escolhida,
havendo a possibilidade de surgirem efeitos cognitivos e
emocionais. Não há relatos de perda de consciência ou de
perda de memória indesejada com o uso da EMT. O que se
sabe que pode ocorrer são dores de cabeça passageiras e um
leve desconforto associado à contração muscular e à
estimulação nervosa. São no entanto sintomas que
respondem rapidamente a analgésicos comuns, não estando
a estimulação magnética transcraniana associada a efeitos
cognitivos adversos. Os efeitos que se verificam podem
transitoriamente interromper a rede neuronal, dependendo
das vias corticais que se pretendem estimular e do padrão
de conexões neuronais entre as diversas áreas cerebrais.
Assim, e resumindo os efeitos, sabe-se que a estimulação
sobre áreas motoras do cérebro origina um movimento
muscular observável, que a estimulação sobre o córtex
temporal e frontal inferior esquerdo pode causar uma afasia
transitória na maioria dos sujeitos e que a estimulação sobre
o córtex ocipital pode induzir distúrbios visuais (como a
supressão visual), quando a estimulação magnética
transcraniana é aplicada sobre o córtex visual primário. De
salientar também que não há registo de casos que tivessem
causado ou agravado a epilepsia.
A título de exemplo, no caso prático da depressão, muitas
hipóteses foram formuladas para explicar os efeitos
positivos da estimulação magnética transcraniana
repetitiva. Assim, observou-se que a estimulação do córtex
pré-frontal causava algumas mudanças no córtex motor, o
que levava a crer que a ativação do córtex motor estava
relacionada com a fisiopatologia da depressão. Outros
estudos permitiram ainda demonstrar que a estimulação
magnética transcraniana causaria libertação de monoaminas
no cérebro, o que poderia constituir um mecanismo na
melhora da depressão. A depressão é uma doença com uma
prevalência elevada em todas as classes sociais; assim,
neste contexto, a estimulação magnética transcraniana
surge como um instrumento neuropsiquiátrico de grande
utilidade nos tempos atuais. Há estudos a sugerir que a
depressão se deve a uma diminuição da função do lobo
frontal esquerdo em relação ao direito, e é baseando-se
nestes mesmos estudos que se propõe como tratamento a
estimulação magnética transcraniana de baixa frequência
sobre o córtex frontal direito, com o intuito de diminuir a
atividade naquela área. Atua-se assim na depressão
contrabalançando a simetria inter-hemisférica entre o lobo
pré-frontal esquerdo e direito, aspeto mais observado nesta
patologia. Neste sentido, a estimulação magnética
transcraniana torna-se um tratamento não-convulsivo para a
depressão,
permitindo
evitar
o
uso
de
electroconvulsoterapia, um tratamento psiquiátrico no qual
são provocadas alterações na atividade elétrica do cérebro
induzidas por meio de passagem da corrente elétrica, sob
condição de anestesia geral. Quanto a trabalhos mais
recentes que envolvem a EMT no tratamento da depressão,
a maioria tem o córtex pré-frontal dorsolateral como
principal alvo, defendendo que esta estaria ligada à
regulação de conexão de regiões cerebrais (incluindo as
regiões corticais pré-frontal, parietal, temporal e cíngulo,
bem como partes do estriado, tálamo e hipotálamo).
Numa análise à Unidade Local de Saúde do Norte
Alentejano, nomeadamente ao Hospital de Elvas onde me
informei sobre o impacto que esta promissora técnica
poderia apresentar, é fácil concluir que o facto da EMT nos
fornecer localizações específicas de áreas encefálicas seria
muito útil, por exemplo em neurocirurgia. Parece-me até
que o conhecimento da função de áreas corticais seria uma
informação que poderia ser útil até no estudo e no combate
a tumores e outras lesões neurológicas. Se integrássemos a
estimulação magnética transcraniana com outras técnicas
de imagiologia, não tenho dúvidas de que seria possível a
elucidação de mecanismos neurofisiológicos que podem
estar na origem de alguns tipos de depressão ou de outros
distúrbios, desconhecidos até à data.
Conclusão
A estimulação magnética transcraniana apresenta um
grande potencial de aperfeiçoamento, sendo já considerada
confiável e de baixo risco para pesquisa em seres humanos.
Pensa-se que a sua utilização pode ser destinada no estudo
das funções cognitivas (como a função visual), no estudo
das vias corticoespinais e ainda em doenças como a
esclerose múltipla e mielopatias. Constitui assim uma nova
fronteira para a psiquiatria, sendo que se trata de uma
ferramenta terapêutica e não diagnóstica que vem cada vez
mais a ser sugerida no tratamento de, por exemplo,
reabilitação após AVC. Em suma, trata-se nada mais nada
menos de uma técnica de baixos custos (quando comparada
a outras), não invasiva, indolor e com efeitos adversos de
baixo significado clínico. Desde o estudo publicado por
Baker et al. em 1985, o número de artigos e pesquisas sobre
a estimulação magnética transcraniana tem aumentado
consideravelmente. E apesar de muitas questões sobre eta
promissora técnica que usa o eletromagnetismo como ponto
central ainda não estarem totalmente esclarecidas (como
quantos são os dias de tratamento, etc), a utilização da
estimulação magnética transcraniana no tratamento de
transtornos neuropsiquiátricos tem aumentado de forma
significativa, adivinhando-se futuramente uma abordagem
mais segura e mais eficaz no tratamento psiquiátrico.
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preliminary investigation. J Clin psychiatry.2001; 62(12):
981-4.

O artigo foi escrito de acordo com o novo acordo
ortográfico.
Ana Margarida Nunes Ferreira
Ribeiro Cardoso nasceu em
Portalegre a 15 de Novembro de
1993. Frequenta a licenciatura de
Ciências Biomédicas na Covilhã,
tendo completado o 1º ano no
passado ano letivo. Participou no 3rd
International
Symposium
neuromedicine da Harvard Medical
School e estagiou no Laboratório de
Microbiologia de Elvas pertencente à Unidade Local de
Saúde do Norte Alentejano.
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