ÉTICA Odilio Sepulcri1 Introdução A sociedade brasileira passa por momentos conturbados. Seguidamente depara-se com casos de corrupções, subornos, mistura do dinheiro público com o privado, superfaturamento de obras, injustiças, em fim, uma série de atos que ferem o princípios éticos e morais. Diante da repetição de tais práticas, sem a devida punição, fica difícil para um jóvem, criado nesse meio, discernir sobre o que é certo ou errado, se não tiver uma sólida formação moral no berço familiar. Afinal, o que se entende por ética? É o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana, suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, de modo absoluto ou relativo de uma dada sociedade ou realidade. Depende da escala de valores, sendo, por conseguinte, complementar em relação à moral (GUIMARÃES, 2006). O que se entende por moral? O conjunto de regras de condutas julgadas válidas, quer de modo absoluto, para qualquer tempo e lugar, quer para o grupo ou pessoa determinada; refere-se, também, às pessoas que têm bons costumes. Só tem sentido diante de um sistema preciso e claro da realidade, que requer a busca de felicidade como um dos objetivos do homem (GUIMARÃES, 2006). 1 Engenheiro Agrônomo, MSc., Mestre em Desenvolvimento Econômico, Especialista em Gestão da Qualidade, Extensionista do Instituto Emater, Unidade Estadual, Curitiba-PR. 2 De tanto triunfar nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, e ter vergonha de ser honesto (Ruy Barbosa) Como saber o que é bom, o que é certo e o que é justo? Para Marinoff (2006), existem várias teorias filosóficas que tratam do assunto, entre elas tem-se: Deontologia – Essa palavra vem do grego deon, ligado à noção do dever. Significa seguir regras da moralidade. No contexto religioso e secular, os dez mandamentos seguidos por judeus e cristãos são um exemplo, outro são os oitos caminhos muito usados pelos budistas. Alguns filósofos seguem a regra de Kant, conhecida como “imperativo categórico”. Todos condenam o roubo. O oitavo mandamento de Moisés é “Não roubarás”. O quarto dos Oito Caminhos de Buda diz, entre outras coisas, “Evita roubar e abstém-te do roubo”. Kant nos diz para só fazer o que desejaríamos que todos fizessem o tempo todo. Como não queremos uma população de ladrões em tempo integral, nós mesmos não deveríamos roubar. Contudo, como todos os sistemas éticos, a deontologia tem seus pontos fortes e fracos, que não cabe aqui discutir. Teleologia – também é uma palavra grega, telos, que significa “propósito” ou “fim”. A Teleologia afirma que nenhum ato é certo ou errado em si mesmo, mas que sua correção ou erro depende de suas consequências boas ou más. Uma das formas mais comuns da teleologia é chamada “utilitarismo das ações”. Se tivéssemos de resumí-la em uma só frase diríamos: “aja de modo a produzir o maior bem para o maior número de pessoas”. A sua marca principal é sua abertura, pois ela não aprova e nem rejeita nenhuma ação à priori, 3 esperando os resultados antes de qualquer julgamento. Mas também esta tem os seus pontos fracos. Ética da virtude – Aristóteles, Buda e Confúncio formam o “ABC” da ética. Esses três sábios pregaram um tipo de moderação, ensinando, de formas distintas, que o bem vem simplesmente da prática das virtudes e da rejeição dos vícios. A virtude e os vícios, não muito diferentes do virus, são coisas que pegamos dos outros e transmitimos aos outros. São como bons e maus hábitos. Assim, se queremos ver gente agindo corretamente numa sociedade justa, devemos manter e criar ambientes virtuosos em casa, na escola, no trabalho, no governo e assim por diante. A ética da virtude favorece que as pessoas sejam mais autônomas e não precisam ser constantemente governadas por outras, o que minimiza o risco de cair vítima da anarquia num extremo e do despotismo no outro. Ética Religiosa da Providência – várias religiões acreditam que Deus criou o mundo, criou seres humanos à Sua imagem e semelhança dando-lhes uma missão: sejam bons e façam as coisas certas neste mundo e obterão a justiça como recompensa eterna, no próximo mundo. Se você é mau e faz as coisas erradas nesse mundo, receberá a justiça como condenação no próximo. “Providência” significa cuidado ou proteção. Na verdade é bem ao contrário: parece negligência e insegurança. Esse é o problema mais antigo da religião, o problema do mal, ou o “problema da teodiceia”, e sua resposta padrão é “você sofre aqui e agora para ter sua fé testada neste mundo”. Se passar no teste, será recompensado mais tarde, no outro mundo ou na próxima vida. Feud e outros compararam a psicologia dessa afirmação com o comportamento dos pais com filhos pequenos por meio de recompensas e punições. Essa também é a base do behaviorismo, provocar comportamento desejado por meio de punições. Assim, Freud concluiu que as religiões são infantis. 4 As éticas religiosas variam de religião para religião ou seita, tornando difícil captar todas; no entanto, seguem breve ponto de vista das quatro principais religiões, segundo Marinoff (resumo das páginas 45-56). Judaísmo: O judaísmo ensina que o Messias virá um dia para corrigir todos os erros. Enquanto isso, os judeus não devem enfrentar o mal com o mal. (Salomão: “Não entre pela senda dos ímpios e não andes no caminho dos perversos!”) O judaísmo dura porque os judeus suportam o sofrimento. Cristianismo: o cristianismo abomina o derramamento de sangue e ao mesmo tempo trava guerras justas. O próprio Jesus disse: “Dai a César” (isto é, pague seus impostos), e ensinou: “Não combatei o mal” (ele também era judeu). Entretanto muitos cristãos se envolveram em guerra contra a cobrança de impostos e no comércio de escravos. Islamismo: Os muçulmanos crêem que Alá deu uma série de revelações, incluindo o Antigo e Novo Testamentos, que é chamado de Corão. Segundo eles, as antigas revelações de Alá na Bíblia foram corrompidas pelos cristãos, e, por isso, não são de confiança. Existem os extremistas islâmicos e os moderados. Os extremistas são fanáticos e suas ações são inconsequentes. Os estados islâmicos moderados e as seitas esotéricas do Islamismo, como o sufismo, são muçulmanos guerreiros da paz, travando dentro de si sua jihad contra as imperfeições. Khalil Gibran diz: “E se é um déspota que destronarás, cuida primeiro de destruir o trono construído dentro de ti.” Hinduísmo: No hinduísmo a alma viaja de vida em vida, habitando e abandonando corpo após corpo em sua jornada rumo à unificação com a divindade. Esta vida atual é resultante das vidas anteriores. O que é “certo” no hinduísmo é cumprir seu dever, seja o que for que a vida lhe preserva. Existencialismo – surgiu no final do século XIX na Europa, com base na idéia de que a existência material de uma coisa precede sua essência imaterial. 5 Essa posição inverte a de Platão, de que a essência imaterial precede a existência material da coisa. Segundo Platão, o bem é uma idéia eterna. O que torna um ato “bom” é a extensão em que contém a essência do bem. Assim, para fazer o bem é preciso entender o bem e capturar sua essência em seus atos. Os Existencialistas, ao contrário, rejeitam o platonismo. Supõem que optamos por fazer determinada ação segundo deliberações e preferências pessoais. Depois da ação realizada, podemos determinar, a partir de sua existência, a idéia essencial do bem. Ética objetivista – esta filosofia de interesse pessoal esclarecido estimula boa parte do sucesso do Ocidente como pioneiro da democracia, da ciência, da tecnologia, do desenvolvimento econômico e da globalização. Diz mais ou menos assim: as necessidades e quereres do indivíduo têm prioridade sobre a necessidade e quereres do coletivo, o que também é melhor para o grupo a longo prazo. Ayn Rand é a defensora mais famosa dessa idéia. Ela sustenta que, mesmo quando ajudamos os outros, agimos assim porque é nosso próprio interesse. Deveres prima facie – Prima facie significa “a primeira vista” . Este sistema nascido da ética da virtude originou-se no século XX com o eticista aplicado William Ross. Considera cada ser humano como participante de um contrato social, segundo o qual adquirimos certos direitos legais e benefícios morais e aceitamos alguns deveres legais e obrigações morais. Em países civilizados, o mesmo tem deveres e obrigações – por exemplo, com os cônjugues, filhos, amigos, vizinhos, colegas, sócios, empregadores, empregados e assim por diante, sem falar da participação obrigatória no júri. Sociobiologia – criada na década de 1970 com E. O. Wilson e Richard Dawkins na linha de frente, a Sociobiologia visa explicar os comportamentos sociais em termos de processos biológicos subjacentes. Embora isso faça todo o sentido quando se estudam insetos sociais e explique bastante bem vários comportamentos sociais em animais, inclusive macacos, sua aplicação a seres 6 humanos continua sendo muito contestada, em especial quando tentamos reduzir comportamentos morais a preocupações biológicas. Ética centrada no outro – Emmanuel Levinas defende a idéia simples mas atraente de que a própria noção de moralidade envolve o relacionamento com os outros. Para Levinas, moralidade significa pensar nos outros. Nossas responsabilidades para com os outros nascem da própria existência deles. A preocupação consigo mesmo não é necessariamente moral – por exemplo, alimentar-se quando se tem fome é apenas uma questão de autopreservação. Mas a mesma preocupação dirigida a outra pessoa, como ao alimentar uma criança, hóspede ou estranho com fome, significa cuidar daquela pessoa de uma maneira moral. Para Levinas, todo o conceito de moralidade envolve, portanto, o reconhecimento do outro, fora de nós mesmos, como alguém que merece nossa consideração e nosso auxílio. Ética Budista – na ética budista, tudo o que causa sofrimento é mau, enquanto tudo o que o alivia é bom. Mas o sofrimento propriamente dito é um tipo de professor, que aumenta nossa percepção da condição humana, de sua impermanência e ilusão, de sua fragilidade, futilidade, vanidade e nobreza. Buda propôs que estar vivo e consciente é sofrer (sua “Primeira Nobre Verdade”). O sofrimento é onipresente entre seres humanos, um tipo fundamental de mal-estar pelo qual todos passam, sejam quais forem as causas específicas. Ricos e pobres sofrem igualmente, assim como homens e mulheres, negros e brancos, velhos e jovens, embora o sofrimento de cada um pareça a si mesmo ser único. A boa nova é que Buda também propôs que o sofrimento é o efeito de causas identificáveis (sua “Segunda Nobre Verdade”) e que, com a remoção destas causas, podemos remover os efeitos (sua “Terceira Nobre Verdade”). Então, ele ensinou maneiras muito simples e práticas de remover as causas do sofrimento e, assim, de levar a consciência de um estado de mal-estar para um estado de bem-estar (sua “Quarta Nobre Verdade”). Às vezes isso é chamado 7 de travessia do mar do sofrimento da vida. Quem aprender a cruzar este mar encontra a serenidade e a compaixão para ajudar os outros a cruzá-lo também. Moralismo legal – esta escola de pensamento iguala a legalidade à moralidade, seu lema é: “Se é legal é moral”. Do lado bom, é claro que queremos que nossas leis reflitam nossa moral. Ao mesmo tempo, não podemos permitir que nossas leis a ditem. Porém existem ou existiram atos legais que não são morais, como é o caso da escravidão na América, o aborto, a pena de morte. Também há atos ilegais que são morais, como a falta de liberdade e a manifestação democrática em países comunistas. A mensagem filosófica final é que temos o dever, como seres humanos, de apoiar as leis justas e combater as injustas. Mas uma questão chave – o que é justo? – nunca foi totalmente resolvido. Todas as pessoas devem esforçar-se para seguir o que é certo, e não o que está estabelecido (Aristóteles). Conclusões: Uma vez visto todas essas teorias filosóficas, como decidir qual é a melhor? O problema é que não podemos decidir qual a teoria do bem é melhor a menos que saibamos o significado do próprio bem. Nenhuma delas, isoladamente, cobre todas as contingências morais. A única alternativa, então, é supor que sistemas éticos diferentes funcionam melhor em situações diferentes. Esta abordagem é chamada de relativismo metaético, o qual nos ajuda a identificar uma bússola moral mais sábia e digna de confiança. Seria a combinação de todas as teorias filosóficas para cumprir três tarefas vitais: harmonizar-se com sua intuição moral; fundir-se à sua experiência anterior de ética e, por último, deve ajudar a remediar ou resolver o problema em foco. Todas as questões éticas são importantes, quer envolvam assuntos de vida ou morte, quer não. Um dilema moral não resolvido pode causar muito mal-estar e nunca parece trivial para a pessoa que o vivencia. 8 Mais uma vez a obra do homem só se realiza de acordo com a sabedoria prática e também com a virtude moral; pois a virtude nos faz visar ao que é certo e a sabedoria prática nos faz adotar os meios certos (Aristóteles). A meu ver, a sociedade deveria pautar-se numa ética que compreende: a igualdade, de fato e de direito, entre os seres humanos, a transparência nos seus atos, a franqueza e a lealdade, o comportamento moral, praticar a solidariedade humana em seus atos, na busca permanente da justiça e da igualdade. Finalmente, o Poder Judiciário deve ser mais ágil, aplicando a Lei com rigor aos infratores, para que sirva de exemplo à sociedade e o Poder Legislativo necessita aperfeiçoar o conjunto de leis que trata do tema, onde ela é falha ou demasiadamente branda. Curitiba, novembro de 2007. REFERÊNCIAS GUIMARÃES, JOÃO FRANCISCO. A filosofia do conhecimento. 2ª edição – São Paulo : Madras, 2006 il. MARINOFF, LOU. Pergunte a Platão. Tradução Maria Beatriz de Medina. 5ª ed. – Rio de Janeiro, 2006. p 43-76).