Juan Marcel Frighetto - IFRS

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1
JUAN MARCEL FRIGHETTO
ISOLAMENTO E CARCTERIZAÇÃO DE BACTÉRIAS LÁCTICAS
ASSOCIADAS À VINIFICAÇÃO
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso
Superior de Tecnologia em Alimentos do Campus Bento
Gonçalves do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul, requisito parcial para
conclusão de curso.
Orientadora: Drª. Cristina Simões da Costa
Co-orietadores: Dr. Adriano Brandelli
Dr. Luís Fernando da Costa Medina
Bento Gonçalves
2009
2
JUAN MARCEL FRIGHETTO
ISOLAMENTO E CARACTERIZAÇÃO DE BACTÉRIAS LÁCTICAS
ASSOCIADAS À VINIFICAÇÃO
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso
Superior de Tecnologia em Alimentos do Campus Bento
Gonçalves do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul, requisito parcial para
conclusão de curso.
Aprovado em: .......... / .......... / ..........
BANCA EXAMINADORA
...........................................................
Prof. André Mezzomo
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, IFRS
...........................................................
Prof. Juliano Garavaglia
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, IFRS
3
AGRADECIMENTOS
Aos professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Sul, especialmente à professora Drª. Cristina Simões da Costa pela
paciência, dedicação, amizade e contribuição pessoal e acadêmica.
Ao professor Dr. Adriano Brandelli, por oportunizar a realização do Estágio
Supervisionado Obrigatório no Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e contribuir em meu desenvolvimento
pessoal e acadêmico.
Ao professor Dr. Luís Fernando da Costa Medina, pela receptividade, paciência e
pelo apoio durante o desenvolvimento deste trabalho.
Aos bolsistas de graduação e pós-graduação do Laboratório de Biologia Molecular
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, pela receptividade e apoio.
Aos bolsistas de graduação e pós-graduação do Laboratório de Bioquímica de
Alimentos do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, especialmente à Stela Maris Meister Meira pela
receptividade e apoio.
À professora Dr. Mirian Salvador, por oportunizar a minha primeira experiência
acadêmica.
Ás equipes do Laboratório de Análises e Pesquisas em Alimentos da Universidade
de Caxias do Sul, Laboratório de Garantia da Qualidade da Penasul Alimentos e
Laboratório MercoLab, pelo companheirismo e pela contribuição técnica.
Aos pais Mário Frighetto e Lenir Luiza Hahn Frighetto pelo carinho, incentivo,
compreensão e apoio durante todas as etapas de minha vida.
4
À Linamar Martins Alves, Jacques Freire Alves e Vera Lúcia Martins Matias pelo
carinho e pela hospitalidade durante o período de estágio.
Aos amigos e aos colegas do Curso Superior de Tecnologia em Alimentos, pelo
companheirismo e pela amizade.
5
RESUMO
Cinco linhagens Gram-positivas, catalase negativas e morfologicamente organizadas
em tétrades foram isoladas de vinhos provenientes do município de Bento
Gonçalves e testadas quanto à atividade antimicrobiana. O sequenciamento do
rDNA 16S e consequentemente, a determinação de espécie destas linhagens, não
foram
possíveis
a
partir
dos
métodos
de
extração
de
DNA
aplicados.
Corynebacterium fimi NCTC 7547, Lactobacillus casei, Lactobacillus plantarum, e
uma linhagem Gram-negativa, catalase positiva e morfologicamente organizada em
diplococos isolada de vinho Seibel (S14), foram usadas como indicadores para o
teste de atividade antimicrobiana. Todas as linhagens testadas apresentaram
atividade antimicrobiana, inibindo o crescimento de Corynebacterium fimi NCTC
7547 e Lactobacillus plantarum. O crescimento da linhagem S14 apresentou um
sinergismo frente às linhagens testadas. Os resultados garantiram a padronização
de técnicas de pesquisa aplicadas às bactérias lácticas e informações importantes
para a continuação de estudos relacionados.
Palavras-chave: Pediococcus, vinho, atividade antimicrobiana.
6
ABSTRACT
CHARACTERIZATION AND ISOLATION OF WINEMAKING ASSOCIATED LACTIC
ACID BACTERIA. Five Gram-positive, catalase-negative and morphologically
organized in tetrads strains were isolated from Bento Gonçalves city’s wines and
tested for antimicrobial activity. The sequencing of 16S rDNA and consequently, the
determination of these strains species were not possible with the DNA extraction
methodology applied. Corynebacterium fimi NCTC 7547, Lactobacillus casei,
Lactobacillus plantarum and a Gram-negative, catalase-positive and morphologically
organized in diplococci strain isolated from Seibel wine (S14) were used as indicators
for antimicrobial activity test. All tested strains showed antimicrobial activity, inhibiting
the growth of Corynebacterium fimi NCTC 7547 and Lactobacillus plantarum. The
S14 strain growth showed a synergism against the tested strains. The results
ensured the standardization of lactic acid bacteria research techniques and consisted
of important informations to future studies.
Keywords: Pediococcus, wine, antimicrobial activity.
7
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Espécies de bactérias lácticas isoladas a partir de uvas, mostos e vinhos,
distribuídas de acordo com seu caráter fermentativo (INÊS et al., 2008, p. 89) ... p. 16
Tabela 2. Compostos de depreciação do vinho como resultado do metabolismo
bacteriano durante a vinificação (BARTOWSKY, 2009, p. 151)............................ p. 31
Tabela 3. Mecanismos de remoção e inibição de bactérias indesejáveis no vinho
(BARTOWSKY, 2009, p. 153). .............................................................................. p. 34
Tabela 4. Principais diferenças entre bacteriocinas e antibióticos (ROSA; FRANCO,
2009, p. 12) ........................................................................................................... p. 37
Tabela 5. Classificação das bacteriocinas (ROSA; FRANCO, 2009, p. 10). ......... p. 37
Tabela 6. Atividade antimicrobiana de L. plantarum J23 frente a 94 bactérias
indicadoras pelo método “spot-on-the-lawn” (ROJO-BEZARES, 2007, p. 485). ... p. 39
Tabela 7. Amostras utilizadas para o isolamento de linhagens bacterianas. ........ p. 45
Tabela 8. Linhagens bacterianas isoladas ............................................................ p. 52
Tabela 9. Prova da catalase.................................................................................. p. 53
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Concentrações de SO2 livre necessárias para produzir 0,5 ou 0,8 mg L-1 de
SO2 molecular, em função do pH (FUGELSANG; EDWARDS, 2007, p. 68)......... p. 21
Figura
2.
Via
homofermentativa,
ilustrando a
produção de
ácido
láctico
(FUGELSANG; EDWARDS, 2007, p. 36)...............................................................p.27
Figura 3. Via heterofermentativa, ilustrando a produção de ácido láctico, CO2 e
etanol ou ácido acético (FUGELSANG; EDWARDS, 2007, p. 37) .........................p.28
Figura 4. Fermentação de ácido málico segundo Charpentie (1952) (LEPE; LEAL,
2004) ......................................................................................................................p.28
Figura 5. Fermentação de ácido málico segundo Ochoa et al. (1950) (LEPE; LEAL,
2004) ......................................................................................................................p.29
Figura 6. Fermentação de ácido málico segundo Radler (1973) (LEPE; LEAL, 2004)
...............................................................................................................................p.29
Figura 7. Resumo das vias bacterianas que conduzem à depreciação do vinho
(BARTOWSKY, 2009, p. 150) ................................................................................p.30
Figura 8. Mecanismo de regulação da biossíntese de bacteriocinas (NASCIMENTO;
MORENO; KUAYE, 2008, p. 123) ......................................................................... p. 38
Figura 9. Modelos de formação de poros em membrana citoplasmática (ROSA;
FRANCO, 2009, p. 11) .......................................................................................... p. 39
Figura 10. Representação esquemática da estrutura das paredes celulares de
bactérias Gram-positivas e bactérias Gram-negativas (AMABIS; MARTHO, 2006)......
.............................................................................................................................. p. 42
9
Figura 11. A reação em cadeia da polimerase (TORTORA; FUNKE; CASE, 2005, p.
255) ....................................................................................................................... p. 44
Figura 12. Métodos de inoculação em placas. (a) O método pour plate (b) o método
de espalhamento em placa (TORTORA; FUNKE; CASE, 2005, p. 175)............... p. 46
Figura 13. Técnica de esgotamento utilizada na obtenção de colônias isoladas de
bactérias (TORTORA; FUNKE; CASE, 2005, p. 170). .......................................... p. 47
Figura 14. Coloração de Gram. (TORTORA; FUNKE; CASE, 2005, p. 68). ......... p. 48
Figura 15. Microscopia óptica das linhagens isoladas .......................................... p. 52
Figura 16. Linhagens S31 e S32 testadas quanto à atividade antimicrobiana ...... p. 55
10
LISTA DE ABREVIATURAS
ADP
adenosina difosfato
ATP
adenosina trifosfato
BA
bactéria(s) acética(s)
BL
bactéria(s) láctica(s)
CO2
dióxido de carbono
CTAB
brometo de cetiltrimetilamônio
CV-I
complexo violeta-iodo
DNA
ácido desoxiribonucleico
FA
fermentação alcoólica
FML
fermentação maloláctica
g
grama(s)
H2O2
peróxido de hidrogênio
ICTA
Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos
IFRS
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul
L
litro(s)
LDH
lactato desidrogenase(s)
mg
miligrama(s)
mm
milímetro(s)
MRS
Man, Rogosa & Sharpe
NCTC
National Collection of Type Cultures
ºC
grau(s) Celsius
PCA
ágar padrão para contagem
PCR
reação em cadeia da polimerase
pH
potencial hidrogeniônico
Pi
fosfato inorgânico
RNA
ácido ribonucléico
SDS
dodecil sulfato de sódio
SO2
dióxido de enxofre
TSA
ágar triptona de soja
TSB
caldo triptona de soja
UFRGS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UNISINOS
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................13
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA..................................................................................14
2.1 Características gerais das bactérias lácticas .......................................14
2.2 Taxonomia ...............................................................................................14
2.2.1 Leuconostoc (van Tieghem 1878) ...............................................15
2.2.2 Pediococcus (Balcke 1884).........................................................17
2.2.3 Lactobacillus (Beijerinck 1901)....................................................17
2.2.4 Oenococcus (Dicks et al. 1995)...................................................18
2.3 Crescimento ............................................................................................19
2.3.1 Exigências nutricionais................................................................19
2.3.2 pH................................................................................................20
2.3.3 Dióxido de enxofre (SO2).............................................................20
2.3.4 Etanol ..........................................................................................22
2.3.5 Temperatura e aeração...............................................................22
2.4 Ecologia microbiana durante a vinificação ..........................................23
2.4.1 Uvas e mostos.............................................................................24
2.4.2 Fermentação alcoolica e maloláctica ..........................................24
2.4.3 Pós-fermentação .........................................................................26
2.5 Metabolismo............................................................................................26
2.5.1 Glicose ........................................................................................26
2.5.2 Ácido málico ................................................................................28
2.5.3 Outros compostos .......................................................................30
2.6 Controle de crescimento........................................................................33
2.6.1 Dióxido de enxofre (SO2) e filtração ............................................34
2.6.2 Dimetil Dicarbonato (DMDC) .......................................................35
2.6.3 Lisozima ......................................................................................36
2.6.4 Bacteriocinas...............................................................................36
2.7.5 Tecnologias alternativas..............................................................40
2.7 Métodos de isolamento e identificação ................................................41
2.7.1 Coloração de Gram .....................................................................41
12
2.7.2 Catalase ......................................................................................43
2.7.3 Reação em cadeia da polimerase (PCR) ....................................43
3 MATERIAL E MÉTODOS ......................................................................................45
3.1 Material.....................................................................................................45
3.2 Métodos ...................................................................................................46
3.2.1 Isolamento...................................................................................46
3.2.2 Identificação ................................................................................48
3.2.2.1 Coloração de Gram........................................................48
3.2.2.2 Catalase.........................................................................49
3.2.2.3 Reação em cadeia da polimerase (PCR).......................49
3.2.3 Teste de atividade antimicrobiana...............................................50
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................51
4.1 Isolamento ...............................................................................................51
4.2 Identificação ............................................................................................51
4.2.1 Coloração de Gram .....................................................................51
4.2.2 Catalase ......................................................................................53
4.2.3 Reação em cadeia da polimerase (PCR) ....................................53
4.3 Teste de atividade antimicrobiana.........................................................54
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................57
13
1 INTRODUÇÃO
As bactérias lácticas são frequentemente associadas à produção de alimentos
fermentados como iogurtes, queijos, bebidas, e embutidos, sendo considerados
microrganismos inócuos. A indústria vinícola, por sua vez, vem realizando estudos
para identificar e compreender as características das bactérias lácticas presentes em
uvas, mostos e vinhos. Para tanto, países como França, Espanha e Chile, realizam
grandes esforços. Mais recentemente, Austrália e África do Sul também vêm se
destacando em estudos promissores, incluindo a caracterização de bacteriocinas
produzidas por bactérias lácticas isoladas de mostos e vinhos.
No Brasil, este segmento se concentra na Região Sul, sendo o estado do Rio
Grande do Sul o principal produtor. A enologia, embora tenha evoluído sob o
aspecto
tecnológico,
carece
de
informações
quanto
a
diversidade
de
microrganismos e seu potencial uso na elaboração de vinhos.
Desta forma, o objetivo do presente estudo foi isolar, identificar, determinar a
atividade inibitória de bactérias lácticas de mostos e vinhos, e consequentemente,
fornecer subsídios para a continuação de estudos relacionados.
14
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 Características gerais das bactérias lácticas
Bactérias lácticas (BL) compreendem um grupo ecologicamente variado de
microrganismos caracterizados principalmente pela formação de ácido láctico a partir
de
carboidratos,
apresentando
características
metabólicas
e
fisiológicas
semelhantes (FUGELSANG; EDWARDS, 2007).
Todas são Gram-positivas, não esporogênicas, microaerófilas ou anaeróbias
facultativas, catalase e oxidase negativas (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2007).
São amplamente utilizadas na produção de alimentos fermentados, como
queijos, iogurtes e embutidos. Os alimentos fermentados adquirem maior
estabilidade e atributos sensoriais característicos (JAY, 2005).
Bactérias lácticas, somadas às bactérias acéticas (BA), constituem a
“microbiota” bacteriana encontrada em uvas, mostos e vinhos e ambos os grupos,
são frequentemente indesejáveis (BARTOWSKI, 2009). Entretanto, determinados
vinhos adquirem maior complexidade aromática, suavidade e maciez gustativa
graças a certas BL, responsáveis pela fermentação maloláctica (FML) (VENTURINI
FILHO, 2005).
Nos últimos anos, a detecção e caracterização de bacteriocinas produzidas
por BL isoladas de mostos e vinhos vêm ampliando as possibilidades de aplicação
destas bactérias em vinhos (NAVARO et al., 2000; ROJO-BEZARES et al., 2007).
2.2 Taxonomia
Originalmente, esse grupo incluía os gêneros Lactobacillus, Leuconostoc,
Pediococcus e Streptococcus. Gradativamente, esses gêneros foram subdivididos
nos novos gêneros Carnobacterium, Enterococcus, Lactococcus, Oenococcus,
Tetragenococcus, Vagococcus e Weissella (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2007).
15
Os gêneros Leuconostoc, Pediococcus, Lactobacillus e Oenococcus são
predominantes em uvas, mostos e vinhos (BARTOWSKI, 2009). Os demais gêneros
ocorrem em menor frequência (Tabela 1). Bae et al. (2006 apud INÊS et al., 2008)
isolaram linhagens de Enterococcus spp., Weissella spp. e Lactococcus spp. da
superfície de bagas de várias cultivares viníferas na Austrália. Encontram-se ainda
referências ao isolamento de duas linhagens de Lactococcus lactis em amostras de
vinho tinto, uma isolada a partir de vinho da região espanhola de Rioja (NAVARRO
et al., 2000) e outra isolada de vinho italiano (SPANO et al., 2002 apud INÊS et al.,
2008).
2.2.1 Leuconostoc (van Tieghem 1878)
É um dos gêneros originais de bactérias lácticas e algumas espécies de
importância em alimentos foram reclassificadas nos novos gêneros Oenococcus e
Weissella.
Nos alimentos podem ser encontrados como deteriorantes ou coadjuvantes
de fabricação de produtos fermentados.
A morfologia é de cocos, imóveis, frequentemente lenticulares, ocorrendo em
pares ou pequenas cadeias. Requerem aminoácidos, peptídeos, ácidos graxos,
ácidos nucléicos, vitaminas e carboidratos fermentáveis para o crescimento (SILVA;
JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2007). Crescem muito lentamente, produzindo colônias
pequenas que podem ser viscosas em meios contendo sacarose (BERGEY; HOLT,
1994). São heterofermentativos e crescem melhor em meios neutros ou levemente
ácidos, sendo menos acidúricos do que Lactobacillus (SILVA; JUNQUEIRA;
SILVEIRA, 2007). Os principais produtos da fermentação da glicose são etanol e Dlactato (BERGEY; HOLT, 1994). A temperatura ótima é de 20 a 30 ºC, com mínimo
por volta de 5 ºC. A maioria das cepas é aerotolerante, mas cresce melhor em
condições microaerófilas (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2007).
16
Tabela 1. Espécies de bactérias lácticas isoladas a partir de uvas, mostos e vinhos, distribuídas de
acordo com seu caráter fermentativo (INÊS et al., 2008, p. 89).
Espécies
Referências bibliográficas
Homofermentativos
Pediococcus acidilactici
Pc. damnosus
Pc. dextrinicus
Pc. inopinatus
Pc. parvulus
Pc. pentosaceus
Pediococcus spp.
35, 36, 44, 45
3, 9, 14, 23, 44, 45
44
9
5, 9, 34, 44
3, 23, 24, 32, 40, 42, 44, 45
31
Lactobacillus delbrueckii
Lb. jensenii
Lb. mali
Lb. vini
7, 18, 23, 46
3
4, 32, 33, 44
34
Heterofermentativos facultativos
Lactobacillus casei
Lb. coryniformis
Lb. curvatus
Lb. homohoichii
Lb. paracasei
Lb. pentosus
Lb. plantarum
Lb. sakei
Lb. zeae
Lb. nagelli
Lb. diolivorans
5, 22, 40, 44
32
38
16
8, 26, 32, 33, 44, 45
33
5, 11, 22, 32, 33, 38, 39, 41, 44, 45
16, 44
41
13
44
Heterofermentativos
Lactobacillus brevis
Lb. buchnerii
Lb. collinoides
Lb. fermentum
Lb. fructivorans
Lb. hilgardii
Lb. kinkeei
Lb. sanfrancisensis
Labtobacillus spp
2, 3, 6, 8, 11, 18, 22, 24, 28, 32, 33, 42, 44, 45
3, 5, 7, 24, 44
4, 32, 33, 44
3, 5, 24, 44
4, 11, 25, 27, 30, 46
3, 4, 6, 7, 8, 11, 18, 22, 23, 25, 28, 32, 33, 40, 44
12
44
31
Leuconostoc citrovorum
Leuc. mesenteroides subsp. dextranicum
Leuc. mesenteroides subsp. mesenteroides
Leuconostoc spp.
19
2, 42
14, 15, 22, 32, 44, 45, 46
31
Weissella confusa
W. paramesenteroides
25
25
Oenococcus oeni
1, 2, 6, 10, 14, 17, 20-23, 25, 27-29, 32, 33, 37, 38, 40,
42, 44, 45
1 Beelman et al. (1977); 2. Chalfan et al. (1977); 3. Costello et al. (1983); 4. Couto e Hogg (1994); 5. Davis et al. (1986);
6. Dicks e van Vuuren (1988); 7. Du Plessis e Van Zyl (1963); 8. Du Plessis et al. (2004); 9. Edwards e Jensen (1992);
10. Edwards et al. (2000); 11. Edwards et al. (1991); 12. Edwards et al. (1993); 13. Edwards et al. (1998); 14. Fleet et al.
(1984); 15. Fornachon (1965); 16. Fulgesang (1996); 17. Guerrini et al. (2003); 18. Ingraham et al. (1960); 19. Kunkee
(1967); 20. Lafon-Lafourcade et al. (1983); 21. Li et al. (2006); 22. Lonvaud-Funel (1999); 23. Manca de Nadra e
Strasser de Saad (1987); 24. Pan et al. (1982); 25. Pardo e Zuñiga (1992); 26. Patarata et al. (1994); 27. Peynaud e
Domercq (1968); 28. Peynaud e Domercq (1970); 29. Pilone et al. (1991); 30. Radler e Hartel (1984); 31. Rankine
(1977); 32. Rodas et al. (2003); 33. Rodas et al. (2005); 34. Rodas et al. (2006); 35. Rojo-Bezares et al. (2006); 36.
Rojo-Bezares et al. (2007); 37. Sato et al. (2001); 38. Sieiro et al. (1990); 39. Spano et al. (2002); 40. Strasser de Saad
e Manca de Nadra
(1987); 41. Stratiotis A.L. e Dicks, L.M.T. (2002); 42. Suárez et al. (1994); 43. Weiller e Radler (1970); 44. Claisse et al.
(2007); 45. Navarro et al. (2000); 46. Yurdugûl e Bozoglu 2002.
17
2.2.2 Pediococcus (Balcke 1884)
É um dos gêneros originais de bactérias lácticas e algumas espécies de
importância em alimentos foram reclassificadas no novo gênero Tetragenococcus.
Nos alimentos podem ser encontrados como deteriorantes ou coadjuvantes
de fabricação de produtos fermentados.
São cocos imóveis, que se dividem em dois planos e em ângulos retos,
formando agrupamentos de quatro células, denominados tétrades. As células nunca
são alongadas, nunca formam cadeias e também podem ocorrer em pares,
especialmente entre o início e o meio da fase logarítmica de crescimento. Células
isoladas são mais raras, mas podem ocorrer (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA,
2007).
Algumas
cepas
são
inibidas
em
condições
de
aerobiose.
São
homofermentativos, produzindo DL- ou L-lactato a partir da glicose (BERGEY;
HOLT, 1994). Algumas cepas apresentam atividade de pseudocatalase, em meios
contendo baixa concentração de carboidratos. A temperatura ótima de crescimento
varia entre 25 e 40 ºC. Algumas espécies podem crescer a 45 ºC, mas não crescem
a 10 ºC, com raras exceções (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2007).
2.2.3 Lactobacillus (Beijerinck 1901)
É um dos gêneros originais de bactérias lácticas e algumas espécies de
importância em alimentos foram reclassificadas nos novos gêneros Carnobacterium
e Weissella.
Nos alimentos, podem ser utilizadas como coadjuvantes de fabricação de
inúmeros produtos fermentados e muitas delas são reconhecidas como probióticas.
A morfologia é de bastonetes, imóveis (com raras exceções), usualmente
regulares e de tamanho variado. Algumas espécies formam pequenos cocobacilos,
que lembram Leuconostoc. Algumas espécies apresentam variação na morfologia,
como é o caso de L. bulgaricus, que podem formar bastonetes regulares ou longas
espirais. A forma de espirais também é encontrada em L. curvatus, cujas células são
curvas.
18
Algumas espécies apresentam atividade de catalase ou pseudocatalase em
meios contendo sangue. Podem ser homofermentativos, produzindo mais de 85% de
ácido láctico a partir da glicose, ou heterofermentativos, produzindo ácido láctico,
CO2, etanol e/ou ácido acético. Requerem aminoácidos, peptídeos, ácidos graxos,
derivativos de ácidos nucléicos, vitaminas, sais e carboidratos fermentáveis para o
crescimento (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2007). Produzem colônias convexas,
inteiras, opacas, incolores e de diâmetro de 2 a 5 mm (BERGEY; HOLT, 1994). A
maioria cresce melhor em condições anaeróbias ou microaerófilas. A temperatura
ótima de crescimento é de 30 a 40 ºC e o crescimento a 15 ou 45 ºC varia entre as
espécies. São acidúricos, crescendo em pH 4,5 e não em 9,0 (SILVA; JUNQUEIRA;
SILVEIRA, 2007).
2.2.4 Oenococcus (Dicks et al. 1995)
Esse gênero foi criado em 1995 para acomodar uma espécie anteriormente
classificada como Leuconostoc (L. oenos). A única espécie do gênero, O. oeni
ocorre naturalmente em polpas de frutas e habitats relacionados (SILVA;
JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2007).
O. oeni é responsável pela FML em determinados vinhos, que consiste
basicamente na conversão do ácido málico em ácido láctico (VENTURINI FILHO,
2005).
Oenococcus apresenta todas as características típicas de Leuconostoc, mas,
ao contrário desses, cresce em meios de cultura ácidos (pH inicial entre 4,2 e 4,8) e
pode crescer em pH menor do que 3,9. (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2007).
Oenococcus também é resistente ao álcool, pode crescer na presença de 10% de
etanol, mas requer fatores especiais de crescimento encontrados na uva ou no suco
de tomate (JAY, 2005).
19
2.3 Crescimento
Um conjunto de fatores influencia o crescimento e o desenvolvimento das BL
durante a vinificação e, consequentemente, a FML. Estes fatores interagem entre si,
estimulando, reduzindo ou impedindo a atividade de certos microrganismos (LEPE;
LEAL, 2004). Além dos fatores nutricionais, a atividade das BL durante a vinificação
depende de condições favoráveis de pH, concentração de dióxido de enxofre (SO2)
e etanol, temperatura e aeração (INÊS et al., 2008).
2.3.1 Exigências nutricionais
Bactérias lácticas possuem uma capacidade biossintética limitada e, refletindo
isto, são descritas nutricionalmente como fastidiosos (FUGELSANG; EDWARDS,
2007).
O carbono é um elemento estrutural básico, essencial para a síntese dos
compostos orgânicos necessários para a viabilidade celular (TORTORA; FUNKE;
CASE, 2005). As BL obtêm carbono através da fermentação de glicose ou de outros
compostos. Muitas espécies são capazes de fermentar o ácido málico e o ácido
tartárico e por esta questão, possuem grande interesse sob o aspecto enológico
(ZAMBONELLI, 2003).
As BL são incapazes de utilizar o nitrogênio a partir de compostos
inorgânicos. O nitrogênio disponível às BL encontra-se sob forma de resíduos de
aminoácidos e peptídeos (ZAMBONELLI, 2003). Este elemento é necessário para a
síntese de proteínas, DNA e RNA, assim como, para a síntese de ATP (TORTORA;
FUNKE; CASE, 2005).
Os sais minerais, especialmente manganês, magnésio, potássio, fósforo e
cálcio são essenciais ao metabolismo celular. O manganês é ativador da enzima
maloláctica, o magnésio é ativador da multiplicação celular, e o potássio é
necessário para a descarboxilação do ácido málico (LEPE; LEAL, 2004).
20
Em relação às vitaminas, biotina, tiamina, riboflavina, piridosina, ácido fólico,
ácido pantotênico, ácido nicotínico são requeridas em diferentes combinações entre
as espécies (ZAMBONELLI, 2003).
2.3.2 pH
O pH é um fator decisivo para a atividade das BL durante a vinificação. Baixos
pHs são altamente inibitórios para o crescimento bacteriano, provocando
prolongação da fase lag e declínio na taxa de crescimento (LEPE; LEAL, 2004).
Normalmente, observa-se que em vinhos com pH inferior a 3,5, a espécie
Oenococcus oeni predomina, não ocorrendo o crescimento de espécies de
Lactobacillus e de Pediococcus. As espécies destes dois gêneros têm maior
incidência em vinhos com pH próximo a 4,0 e nestes, podem realizar a FML ou
contribuir para a depreciação após a FML realizada por Oenococcus oeni (INÊS et
al., 2008).
O pH condiciona não somente o crescimento bacteriano, como também os
substratos metabolizados, os quais estão relacionados com a origem de algumas
alterações indesejáveis nos vinhos (LEPE; LEAL, 2004).
A enzima maloláctica purificada apresenta pH ótimo de 5,9. Entretanto, a
atividade máxima na célula é observada a valores de pH entre 3,0 e 3,2. O período
de duração da FML nos vinhos é reduzido à medida que o pH aumenta (INÊS et al.,
2008).
O pH ainda interage com outros fatores físico-químicos, como etanol e SO2,
potencializando ou minimizando seus efeitos inibitórios (LEPE; LEAL, 2004).
2.3.3 Dióxido de enxofre (SO2)
Em função do pH, o SO2 encontra-se livre ou combinado à compostos
carbonados, como aldeídos, cetonas e açúcares. Nos vinhos, o SO2 livre encontrase predominantemente sob a forma de íon bissulfito (HSO3- ).
21
O SO2 molecular é a forma ativa e sua porcentagem pode ser calculada em
função do pH dos vinhos (Figura 1). Por exemplo, a pH 3,2 a porcentagem de SO2
ativo é de 3,91%, a pH 3,5 é de 2,00% e a pH 3,8 é de 1,01%. Concentrações de
100-150 mg/L de SO2 total, 50-100 mg/L de SO2 combinado ou 1-10 mg de SO2 livre
são suficientes para inibir o crescimento das BL e bloquear a FML. De modo geral,
as BL apresentam dificuldade de crescimento na presença de concentrações
superiores a 100 mg/L e 10 mg/L de SO2 total e livre, respectivamente (INÊS et al.
2008).
-1
Figura 1. Concentrações de SO2 livre necessárias para produzir 0,5 ou 0,8 mg L de SO2 molecular,
em função do pH (FUGELSANG; EDWARDS, 2007, p. 68).
A sensibilidade ao SO2 varia entre as BL. Os cocos são menos resistentes
que os lactobacilos, e entre os cocos, espécies de Leuconostoc e Oenococcus
apresentam maior sensibilidade do que espécies de Pediococcus (INÊS et al. 2008).
A atividade antimicrobiana do SO2 é atribuída à fração de SO2 livre que
penetra a célula por difusão e, no seu interior, é convertida em íon bissulfito, que
reage com proteínas, ácidos nucléicos e alguns cofatores enzimáticos, conduzindo à
morte celular (FUGELSANG; EDWARDS, 2007). Recentemente, Carreté et al. (2002
apud INÊS et al. 2008) observaram um decréscimo na atividade da enzima
maloláctica e na variabilidade de Oenococcus oeni associada à inibição da ATPase
pelo SO2.
22
2. 3.4 Etanol
O etanol, principal produto da fermentação alcoólica realizada por
Sacharomyces cerevisiae, também afeta a atividade das BL. A capacidade de
sobrevivência e crescimento das BL decresce à medida que as concentrações de
etanol aumentam (INÊS et al., 2008).
A sensibilidade ao etanol varia entre espécies de BL (ZAMBONELLI, 2003).
De modo geral, os lactobacilos heterofermentativos apresentam maior tolerância ao
etanol do que os cocos. Os cocos podem tolerar cerca de 12 a 14% de etanol. Em
relação aos lactobacilos, já foram isoladas linhagens de Lactobacillus fructivorans, L.
brevis e L. hilgardii em vinhos fortificados contendo 16 a 20% de etanol. Esta
variabilidade é resultado de modificações estruturais e funcionais, relacionadas
principalmente à composição lipídica e protéica da membrana celular (INÊS et al.,
2008).
Contudo, baixas concentrações de etanol podem aumentar a taxa de
crescimento de BL. Fernandes et al. (1991 apud INÊS et al., 2008) sugerem a
utilização de 2 a 4% de etanol como suplemento para meios de cultura destinados
ao isolamento de BL.
A temperatura e o pH também estão associados à tolerância ao etanol. À
medida que a temperatura aumenta e o pH diminui, a tolerância ao etanol reduz
(INÊS et al., 2008).
2.3.5 Temperatura e aeração
As temperaturas ótimas de crescimento das BL nos vinhos variam entre 20 e
23 ºC. A FML realizada por Oenococcus oeni é máxima a cerca de 20 ºC.
Temperaturas inferiores atrasam e prolongam a FML, enquanto temperaturas
superiores a 25 ºC estimulam a formação de ácido acético (INÊS et al., 2008).
Em relação à aeração, as BL crescem melhor em condições de microaerofilia
ou anaerobiose (ZAMBONELLI, 2003).
23
2.4 Ecologia microbiana durante a vinificação
A existência de leveduras, bolores, bactérias acéticas, bactérias lácticas e
bacteriófagos durante a vinificação promovem o estabelecimento de relações
antagonísticas e sinergísticas entre estes grupos de microrganismos (INÊS et al.,
2008).
As leveduras, por competirem nutricionalmente e por produzirem substâncias
inibidoras como etanol, SO2 e ácidos graxos de cadeia média, retardam o
crescimento das BL durante a fermentação alcoólica (FA). Contudo, as leveduras
também podem estimular o crescimento das BL e a atividade maloláctica. Capucho
& São Romão (1994 apud INÊS et al., 2008) verificaram que os ácidos decanóico e
dodecanoico em concentrações inferiores a 12,5 e 2,5 mg/L, respectivamente,
estimularam o crescimento das BL e a atividade maloláctica (INÊS et al., 2008). A
lise das leveduras com liberação de nutrientes, após a FA, explica a sucessão das
BL e permite o início da FML (LEPE; LEAL, 2004).
A seleção natural de O. oeni durante a fermentação, deve-se principalmente
ao progressivo aumento de etanol e outros produtos do metabolismo de leveduras.
Dentre as BL, O. oeni é provavelmente a melhor adaptada para superar estes
obstáculos (LONVAUND-FUNEL, 1999).
Adicionalmente, algumas linhagens BL, pela produção de substâncias como
peróxido de hidrogênio, ácidos orgânicos e bacteriocinas podem inibir outras
linhagens de BL, inclusive pertencentes à mesma espécie. Segundo RibérauGaynon et al. (2006), a atividade de bolores e de bactérias acéticas sobre o
crescimento de BL é negligenciável.
A ocorrência de FML incompleta ou irregular associada à presença de
bacteriófagos foi descrita por alguns autores. Entretanto, segundo Ribérau-Gaynon
et al. (2006) a FML só é anulada por bacteriófagos em circunstâncias excepcionais,
quando as duas populações atingem o mesmo número.
24
2.4.1 Uvas e mostos
Como as leveduras, as BL também estão presentes nos vinhedos. Contudo,
considerando seus requerimentos nutricionais, a densidade da população é limitada.
Uvas não danificadas contêm menos de 103 UFC g-1. Sempre que ocorrer o
rompimento
das
bagas,
as
populações
nativas
podem
se
desenvolver
substancialmente. O aumento destas populações ocorre, principalmente, em
resposta ao aumento da disponibilidade de nutrientes, resultantes da danificação
dos frutos. Além das uvas, populações nativas são frequentemente isoladas de
barris, bombas mal sanitizadas, válvulas, e linhas de transferência bem como de
filtros e drenos em salas de engarrafamento (FUGELSANG; EDWARDS, 2007).
2.4.2 Fermentação alcoólica e maloláctica
Uma vez que os frutos são esmagados, a ecologia de BL torna-se complexa,
com diferentes espécies dominando em diferentes tempos durante a vinificação.
O crescimento e declínio de qualquer espécie são influenciados por uma
variedade de condições, incluindo fatores nutricionais, pH, e álcool, bem como
temperatura e impacto interativo de leveduras e outras bactérias. Por exemplo,
vinhos de regiões quentes tipicamente têm valores de pH acima de 3,5, condições
favoráveis para o crescimento de lactobacilos e outras bactérias. As decisões dos
enólogos, como seleção de cultura starter, temperatura de fermentação e
armazenamento e filtração desempenham papel importante neste aspecto.
Apesar da diversidade de espécies aumentar logo após o esmagamento dos
frutos, o número de células viáveis normalmente mantêm-se relativamente baixo no
mosto (< 103 a 104 UFC mL-1) por algum período de tempo. Mesmo se inoculadas
antes da fermentação alcoólica, a maioria das BL sofrem um declínio durante a FA,
comumente a populações abaixo de 100 UFC mL-1. Como um exemplo, Edwards et
al. (1990 apud FUGELSANG; EDWARDS, 2007) observaram que a população de O.
oeni diminuiu de 106 UFC mL-1para menos de 30 UFC mL-1, resultando em um
atraso na FML. Algumas vezes, após terminada a FA, a população de O. oeni pode
25
aumentar para conduzir a FML. Uma exceção ocorre com certas espécies de
Lactobacillus, onde o rápido crescimento durante a FA tem sido observado.
Em geral, o crescimento de Pediococcus em vinhos é indesejável devido á
formação de quantias excessivas de diacetil e outros aromas indesejáveis, bem
como, aminas biogênicas. Algumas espécies de Pediococcus também são capazes
de converter glicerol em acroleína, um componente que reage com antocianinas que
produzindo um traço amargo no vinho.
Apesar do crescimento de algumas espécies de Pediococcus em vinhos ser
indesejável Edwards & Jensen (1992 apud FUGELSANG; EDWARDS, 2007)
relataram vários vinhos dos quais pediococos haviam sido isolados não estavam
depreciados. Em concordância, Edwards et al. (1994 apud FUGELSANG;
EDWARDS, 2007) relatou que P. parvulus alterou o bouquet de um vinho Cabernet
Sauvignon não submetido à FML, mas que não demonstrou imperfeição.
Furthermore, Silver & Leighton (1981 apud FUGELSANG; EDWARDS, 2007)
relataram que a linhagem B44-40, a qual se acreditava inicialmente uma linhagem
de O. oeni e agora como um Pediococcus sp realizou a FML sem formação de
aromas indesejáveis.
Portanto, o crescimento de pediococos no vinho pode não afetar
adversamente a qualidade e pode realmente adicionar aromas sob certas
circunstâncias. Adicionalmente, o impacto destes microrganismos na composição
química, bouquet, e aroma justifica o isolamento de Pediococcus spp de vinhos
muldialmente.
A ocorrência e sobrevivência de Lactobacillus no vinho dependem, em grande
parte, das condições de pH e etanol. Em vinhos com pH > 3,5, Lactobacillus spp.
frequentemente dominam, enquanto O. oeni estará presente em populações
relativamente elevadas em vinhos com baixo pH. Em relação ao etanol, o
crescimento de L. plantarum cessa em condições de 5% a 6%, enquanto L. casei e
L. brevis têm sido usados com sucesso para induzir a FML. Contudo, é claro que
diferenças entre linhagens existem. G-Alegría et al. (2004 apud FUGELSANG;
EDWARDS, 2007), por exemplo, notaram que outras linhagens de L. plantarum
toleraram concentrações mais altas de etanol, acima de 13%.
Como os pediococos, a maioria das espécies de Lactobacillus são
consideradas como agentes de depreciação. O crescimento destas bactérias em
vinhos engarrafados pode resultar em formação névoa, depósito, formação de gás,
26
odores, e/ou excessiva acidez volátil e/ou ácido láctico. L. fructivorans tem sido
envolvido na depreciação de vinhos fortificados na Califórnia. Outros Lactobacillus
spp. têm comprometido o processo da FA (FUGELSANG; EDWARDS, 2007).
2.4.3 Pós-fermentação
Uma vez que a fermentação maloláctica é concluída, BL podem ainda crescer
no vinho, resultando em sua depreciação. Vinhos comumente contêm pequenas
concentrações de arabinose, glicose, frutose, e trealose, acúcares que podem ser
metabolizados por microrganismos, incluindo BL (LIU; DAVIS, 1994). Mesmo em
vinhos pós-MLF, lactobacilos e/ou pediococos podem crescer, conduzido a
problemas de névoas, formação de gás, ácido acético e acidez volátil em excesso,
acroleína, aminas biogênicas, diacetil em excesso, carbamato de etila, odor/tom de
gerânio devido ao metabolismo de ácido sórbico, formação de manitol, odor de rato,
viscosidade, e utilização do ácido tartárico (FUGELSANG; EDWARDS, 2007).
2.5 Metabolismo
2.5.1 Glicose
Após o término da fermentação alcoólica, baixas concentrações de açúcares
podem permanecer no vinho. Estes incluem hexoses, principalmente glicose e
frutose, e em menores concentrações, manose e galactose. Entre as pentoses,
arabinose, ribose e xilose são os açúcares mais comuns. Além disso, pode
permanecer quantidades suficientes de açúcar para sustentar o crescimento de BL
em vinhos secos (FUGELSANG; EDWARDS, 2007).
BL utilizam açúcares para formar ácido láctico por vias homofermentativas e
heterofermentativas (INÊS et al., 2008). A via homofermentativa (Figura 2) resulta na
conversão da glicose em piruvato através da glicólise, produzindo ácido láctico. O
27
NADH produzido pela oxidação do gliceraldeído-3-fosfato para 1,3-bifosfoglicerato é
reoxidado para NAD+, na formação do lactato a partir do piruvato através da ação de
lactato-desidrogenases (LDH). As enzimas LDH variam quanto à especificidade e
podem produzir DL-, D- ou L-lactato. Cada molécula de glicose rende duas
moléculas de ácido láctico e duas moléculas de ATP.
Figura 2. Via homofermentativa, ilustrando a produção de ácido láctico
(FUGELSANG; EDWARDS, 2007, p. 36).
A enzima aldolase, presente nos microrganismos que possuem esta via,
cataliza a conversão de 1 mol de frutose-1,6-bifosfato para 2 mols de gliceraldeído3-fosfato. Essas bactérias não metabolizam pentoses.
Heterofermentativos obrigatórios, como O. oeni, L. brevis, L. hilgardii, L.
fructivorans e L. kunkeei, carecem da enzima aldolase e desviam o fluxo de carbono
através de uma série de reações diferentes, compreendidas pela via pentose fosfato
(Figura 3).
Para um mol de glicose, bactérias heterofermentativas produzem um mol de
lactato, CO2 e ácido acético ou etanol. Ao contrário dos microrganismos
homofermentativos, estas bactérias não possuem aldolase, mas possuem
fosofoquetolase, a enzima responsável pela clivagem da xilose-5-phosfato para
formar gliceraldeído-3-fosfato e acetil fosfato. Devido à biossíntese da pentose nesta
via, algumas linhagens podem utilizar as pentoses presentes no vinho, como ribose,
xilose e arabinose (FUGELSANG; EDWARDS, 2007).
28
Figura 3. Via heterofermentativa, ilustrando a produção de ácido láctico, CO2 e etanol ou ácido
acético (FUGELSANG; EDWARDS, 2007, p. 37).
2.5.2 Ácido málico
Segundo Lepe & Leal (2004), a fermentação de 1 g de ácido málico forma
0,67 g de ácido láctico e aproximadamente 167 cm3 de CO2 .
A fermentação do ácido málico apresenta três vias possíveis. Para Charpentie
(1952 apud LEPE; LEAL, 2004) o esquema mais provável consiste inicialmente em
uma descarboxilação que conduz ao ácido oxalacético. Este ácido é então
descarboxilado e o piruvato formado, reduzido a ácido láctico pelo hidrogênio
liberado na primeira reação (Figura 4).
Figura 4. Fermentação de ácido málico segundo Charpentie (1952) (LEPE; LEAL, 2004).
29
Ochoa et al. (1950 apud LEPE; LEAL, 2004) isolaram e purificaram uma
enzima denominada como enzima málica. Com esta enzima, a reação ocorre em
presença de NAD e íons Mn++. Esta reação não consiste apenas em uma simples
descarboxilação, e sim em um processo redox, passando por uma etapa
intermediária com formação de piruvato (Figura 5).
Figura 5. Fermentação de ácido málico segundo Ochoa et al. (1950) (LEPE; LEAL, 2004).
Uma terceira via de degradação é possível graças a uma enzima maloláctica
que transforma diretamente o ácido málico em L-lactato (RADLER, 1973 apud
LEPE; LEAL, 2004), sem conhecer atualmente as reações ou passos intermediários
desta degradação (Figura 6). Das três vias bioquímicas possíveis, esta é, para
alguns pesquisadores, predominante nas bactérias lácticas dos vinhos.
Figura 6. Fermentação de ácido málico segundo Radler (1973) (LEPE; LEAL, 2004).
Apesar do ácido málico estimular o crescimento de O. oeni, o benefício
bioquímico da FML para a bactéria tem sido um enigma, pois a formação de ATP ou
outra energia direta não pôde ser detectada.
Contudo, tornou-se claro que a FML, de fato, produz energia em um meio
indireto baseado na teoria quimiosmótica, a qual detém que microrganismos viáveis
mantêm um gradiente de pH através das membranas celulares e é este gradiente
que permite a produção de energia (ATP). Sob condições normais, uma alta
concentração de H+ existe no exterior da célula comparado com o interior. Como um
próton (H+) passa através de um complexo enzimático associado à membrana
(ATPase) do maior gradiente de concentração para o menor, isto permite a bactéria
gerar uma molécula de ATP do ADP e fosfato inorgânico (Pi). Este modelo descrito
30
requer que a membrana seja impermeável a prótons exceto no sítio específico onde
o complexo ATPase está localizado (FUGELSANG; EDWARDS, 2007).
2.5.3 Outros compostos
Muitos metabólitos secundários produzidos por BL afetam potencialmente os
atributos sensoriais do vinho (Figura 7; Tabela 2).
Figura 7. Resumo das vias bacterianas que conduzem à depreciação do vinho
(BARTOWSKY, 2009, p. 150).
31
Tabela 2. Compostos de depreciação do vinho como resultado do metabolismo bacteriano durante a
vinificação (BARTOWSKY, 2009, p. 151).
Composto
Descrição sensorial
Limiar de
aroma
Acetaldeído
Maçã, noz
100 mg L-1
Acetobacter,
Gluconobacter
Ácido acético
Vinagre, azedo,
picante
0,2 g L-1
Acetobacter,
Gluconobacter, BL*
Acetato de etila
Removedor de
esmalte de unha
7,5 mg L-1
Acetobacter,
Gluconobacter, BL
2,3-butanodiona (diacetil)
Amanteigado, noz,
caramelo
0,1-2 mg L-1
Oenococcus,
Lactobacillus
2-etoxi-3,5-hexadieno
Folhas de gerânio
0,1 µg L-1
Lactobacillus,
Pediococcus
2-acetil-tetrahidropiridina
Rato
4-5 µg L-1
Lactobacillus,
Oenococcus
2-etiltetrahidropiridina
Rato
2-18 µg L-1
Lactobacillus,
Oenococcus
2-acetil-1-pirrolina
Rato
7,8 µg L-1
Lactobacillus,
Oenococcus
Acroleína
Amargura
Lactobacillus,
Pediococcus
β-D-Glucano
(exopolissacarídeo)
Oleoso, viscoso,
textura espessa
Pediococcus
Manitol
Viscoso, doce,
irritante
Oenococcus
Gênero
* Espécies de Lactobacillus, Pediococcus e Oenococcus.
O crescimento de espécies de Lactobacillus, Pediococcus e até mesmo de
algumas linhagens de Oenococcus no vinho, normalmente após a FML, origina
vários cenários de depreciação, podendo formar compostos de aroma e sabor
indesejáveis. Felizmente, a maioria dos cenários podem ser evitados com a higiene
adequada durante a vinificação (BARTOWSKY, 2009).
O caráter de um composto no vinho é dependente de sua concentração e do
tipo de vinho (FRANCIS; NEWTON, 2005 apud BARTOWSKY, 2009). Por exemplo,
o diacetil (2,3-butanodiona), que é um metabólito intermediário do metabolismo do
ácido cítrico em BL (RAMOS et al. 1995 apud BARTOWSKY, 2009), pode conferir
aromas agradáveis e complexidade ao vinho, em concentrações abaixo de 4 mg L-1.
No entanto, acima disto, o diacetil pode conferir evidentes notas amanteigadas
(MARTINEAU et al., 1995 apud BARTOWSKY, 2009). Uma variedade de fatores,
incluindo os que o produtor pode controlar, especialmente durante a fermentação
32
maloláctica, afetam a concentração de diacetil. A linhagem bacteriana utilizada, a
exposição ao oxigênio, a temperatura de fermentação e a duração da fermentação
maloláctica impactam sobre a produção de diacetil (EDWARDS; FUGELSANG,
2007).
O ácido acético está dentre os principais compostos indesejáveis produzidos
por espécies de bactérias acéticas associadas ao vinho. Entretanto, pequenos
aumentos no ácido acético podem ser observados após a conclusão da fermentação
maloláctica, geralmente a partir do metabolismo do ácido cítrico por BL (RAMOS E
SANTOS, 1996 apud BARTOWSKI, 2008).
O metabolismo de ornitina e lisina resulta na formação de compostos
nitrogenados
heterocíclicos
extremamente
desagradáveis,
como
2-acetil-
tetrahidropiridina (ACTPY), 2-acetil-1-pirrolina (ACPY) e 2-etiltetrahidropiridina
(ETPY) (COSTELLO et al., 2001; Costello e Henschke, 2002 apud BARTOWSKY,
2009). Estes compostos são percebidos como um sabor persistente que faz lembrar
excrementos de rato (TUCKNOTT, 1977 apud BARTOWSKY, 2009). A produção de
compostos
nitrogenados
heterocíclicos
parece
estar
limitada
a
BL
heterofermentativas (O. oeni e algumas espécies de Lactobacillus) (Costello et al.,
2001; COSTELLO; HENSCHKE, 2002 apud BARTOWSKY, 2009).
O ácido sórbico pode ser usado como um conservante químico em vinhos
para impedir a fermentação por leveduras após o engarrafamento. No entanto,
várias espécies de BL, incluindo linhagens de O. oeni, são capazes de metabolizar o
ácido sórbico, resultando na formação de 2-etoxi-3,5-hexadieno, que tem um odor
que lembra folhas de gerânio (RIESEN, 1992 apud BARTOWSKY, 2009).
O metabolismo de açúcares e polióis por diversas bactérias pode resultar na
depreciação do vinho. O amargor no vinho pode provir do metabolismo do glicerol,
principalmente por Lactobacillus sp. O gosto amargo é resultado da reação de
compostos fenólicos do vinho tinto com acroleína. (SPONHOLZ 1993 apud
BARTOWSKY, 2009).
O metabolismo da frutose por BL heterofermentativas, incluindo O. oeni pode
resultar na formação de manitol (WISSELINK et al., 2002 apud BARTOWSKY,
2009). A depreciação por manitol é complexa e geralmente é acompanhada por
ácido acético, ácido D-láctico, n-propanol e 2-butanol (SPONHOLZ, 1993 apud
BARTOWSKY, 2009). Tal vinho também pode ser percebido como tendo uma
textura pegajosa, um aroma de vinagre e sabor ligeiramente adocicado.
33
Vinhos
com
exopolissacarídeos,
textura
como
viscosa
refletem
β-D-glucano.
a
Neste
presença
em
contexto,
a
excesso
de
produção
de
exopolissacarídeos é quase exclusivamente decorrente do crescimento de
Pediococcus no vinho, que é induzido pelo pH elevado. A produção de β-D-glucano
e sua polimerização mostraram ser resultado da presença de um gene localizado em
um plasmídio. Recentemente, algumas cepas O. oeni portadoras deste gene têm
sido isoladas (WALLING et al., 2005 apud BARTOWSKY, 2009).
2.6 Controle de crescimento
A natureza quimicamente “dura” do vinho é insuficiente para impedir o
crescimento de microrganismos indesejáveis. Como uma barreira inicial, as altas
concentrações de etanol (acima de 16% v/v) e a alta acidez do vinho (pH acerca de
2,9) podem inibir o desenvolvimento de populações bacterianas. No entanto, nos
vinhos com menor concentração de etanol e baixa acidez (pH acima de 3,7) o
controle do crescimento bacteriano pode ser um desafio.
A armazenagem de vinhos a temperaturas abaixo de 15 ºC pode minimizar a
proliferação bacteriana, mas também atrasa a maturação do vinho (BARTOWSKY,
2009).
A pasteurização rápida do vinho antes do engarrafamento tem sido explorada,
no entanto, preocupações quanto ao impacto deste tratamento nas características
sensoriais do vinho impedem que esta tecnologia seja amplamente utilizada
(RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
Uma tendência geral para reduzir o uso de dióxido de enxofre e a utilização
da filtração, considerando os riscos à saúde pública do dióxido de enxofre e o
impacto negativo da filtração no aroma do vinho tem sido a procura de metodologias
alternativas, incluindo inibidores químicos e meios físicos para impedir a depreciação
bacteriana do vinho.
Existem vários inibidores químicos e biológicos que podem ser usados para o
controle de bactérias no vinho (Tabela 3). Embora estas opções têm um grande
potencial para reduzir ou eliminar as populações bacterianas, são aditivos, e, como
34
tal, é necessária aprovação legislativa para a sua utilização na vinificação
(BARTOWSKY, 2009).
Tabela 3. Mecanismos de remoção e inibição de bactérias indesejáveis no vinho (BARTOWSKY,
2009, p. 153).
Agente de controle
Mecanismo de ação
Tradicionais
Dióxido de enxofre (SO2)
Inibe o desenvolvimento bacteriano.
Filtração
Remoção física de bactérias do vinho.
Químico
Dimetil dicarbonato (DMDC)
Reage irreversivelmente com os grupos amina nos sítios ativos de
enzimas.
Biológicos
Lisozima
Interrompe a síntese da parede celular causando lise celular.
Bacteriocinas
Altera componentes da parede celular causando lise celular.
Físicos
Ultra alta pressão
Causa danos à membrana citoplasmática e inativa enzimas.
Ultrassom de alto
desempenho
Enfraquecimento das membranas celulares, aquecimento
localizado e produção de radicais livres.
Radiação UV
Danifica o DNA
Campo elétrico pulsado
Quebra dielétrica das membranas celulares
2.6.1 Dióxido de enxofre (SO2) e filtração
Tradicionalmente, o dióxido de enxofre tem sido usado para o controle de
microrganismos
indesejáveis
durante
a
vinificação,
onde
normalmente
é
acrescentado imediatamente após o esmagamento (VENTURINI FILHO et al., 2005)
e após a fermentação maloláctica. O dióxido de enxofre atua como um agente
antimicrobiano e antioxidante do vinho (ROMANO; SUZZI, 1993). No entanto, várias
espécies de bactérias são resistentes a altas concentrações de dióxido de enxofre.
35
O SO2 apresenta alguns inconvenientes quando utilizado em doses altas,
podendo retardar a fermentação, diminuir a intensidade de cor dos vinhos tintos e
provocar o aparecimento de odor desagradável (VENTURINI FILHO et al., 2005). A
ingestão em excesso é capaz de causar redução do nível de vitamina B1 e
mutações genéticas (CARVALHO, 2005).
A remoção física de microrganismos através de filtração de mostos ou vinhos
também pode ser usada. No entanto, além da filtração impactar negativamente no
aroma do vinho, esta normalmente é realizada antes do engarrafamento e, portanto,
não é utilizada para remover microrganismos durante a vinificação (BARTOWSKY,
2009).
2.6.2 Dimetil dicarbonato (DMDC)
O efeito antimicrobiano do DMDC resulta da inativação de enzimas
microbianas. Porter & Ough (1982 apud EDWARDS; FUGELSANG, 2008) relataram
a desnaturação de enzimas gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase e álcool
desidrogenase, envolvidas em vias fermentativas. O DMDC forma pequenas
quantidades de CO2 e metanol, não alterando a cor, o gosto e o aroma dos vinhos. É
capaz ainda, de potencializar a ação de SO2 (SILVA, 2005).
A eficácia do dimetil dicarbonato varia entre espécies e linhagens. Estudos
em mostos demonstraram que as bactérias foram mais resistentes do que as
leveduras ao dimetil dicarbonato (DELFINI et al., 2002 apud BARTOWSKY, 2009). A
Food and Drug Administration (FDA) permite o uso do DMDC na concentração
máxima de 200 mg L-1 (SILVA, 2005). Estudos mais recentes em vinhos tintos
verificaram que a concentração permitida se mostrou ineficaz na inibição de BL e
BA. (COSTA et al., 2008 apud BARTOWSKY, 2008).
A baixa solubilidade em água e a toxicidade após ingestão ou inalação
durante o tratamento do vinho são outras desvantagens da utilização de dimetil
dicarbonato (BARTOWSKY, 2009).
36
2.6.3 Lisozima
A lisozima é um peptídeo que ocasiona a lise da parede celular de bactérias
Gram-positivas. Diferenças estruturais entre a parede celular das bactérias Grampositivas e Gram-negativas limitam sua utilização e justificam sua ineficácia no
controle de BA. Esta enzima também não apresenta efeito inibitório sobre células
eucarióticas (FUGELSANG; EDWARDS, 2007).
As BL variam na sua sensibilidade a lisozima. No entanto, o uso de lisozima
inclui a inibição de espécies de Lactobacillus durante a fermentação alcoólica,
reduzindo assim o risco de aumento da acidez volátil, atraso ou bloqueio da
fermentação maloláctica, controle de populações de BL durante a fermentação
alcoólica e inibição da fermentação maloláctica após o engarrafamento (GERBAUX
et al., 1999 apud BARTOWSKY, 2009). O aroma do vinho não é afetado através da
adição de lisozima. Como os demais tratamentos, a adição de lisozima deve ser
analisada com cuidado. Este peptídeo é capaz de se ligar à taninos e polifenóis em
vinhos tintos e desencadear alterações como a redução da coloração do vinho ou a
formação de névoas (BARTOWSKY, 2009).
2.6.4 Bacteriocinas
As
bacteriocinas
são
peptídeos
antimicrobianos
ribossomicamente
sintetizados durante a fase lag de crescimento e secretados por bactérias.
Diferentemente dos antibióticos, estes peptídeos não apresentam aplicação clínica
até o momento e não alteram a microbiota do trato digestório, sendo digeridos por
enzimas como tripsina e pepsina (ROSA; FRANCO, 2009) (Tabela 4).
Segundo Klaenhammer (1993 apud NASCIMENTO; MORENO & KUAYE,
2008), as bacteriocinas estão distribuídas em 4 classes. Em geral, a classe I, ou
lantibióticos, representada pela nisina, é constituída por peptídeos termoestáveis de
baixo peso molecular (<5 kDa), diferenciados dos demais pela presença de
lantionina e derivados; a classe II é composta por pequenos peptídeos (<10 kDa)
termoestáveis divididos em três subclasses: IIa (pediocina e enterocina), IIb
37
(lactocina G) e IIc (lactocina B); a classe III é representada por peptídeos
termolábeis de alto peso molecular (>30 kDa) como helveticina J; na classe IV
encontram-se grandes complexos peptídicos contendo carboidrato ou lipídio em sua
estrutura (Tabela 5).
Tabela 4. Principais diferenças entre bacteriocinas e antibióticos (ROSA; FRANCO, 2009, p. 12).
Características
Antibiótico
Bacteriocina
Modo de produção
Síntese enzimática
Síntese ribossomal
Fase de produção
Metabolismo secundário
Metabolismo primário
Mecanismo de ação
Diversos
Membrana citoplasmática
Aplicação clínica
Sim
Não
Ação de enzimas proteolíticas
do sistema digestório humano
Não são digeridos
São digeridas
Tabela 5. Classificação das bacteriocinas (ROSA; FRANCO, 2009, p. 10).
Grupo
Características
Bacteriocinas (grupo representativo)
Lantibióticos, peptídeos pequenos (<5kDa)
contendo lantionina e β metil lantionina
Nisina, lacticina 418, carnocina Ul49,
lactocina S, etc.
II
Peptídeos pequenos, termoestáveis e
sintetizados na forma de precursores, os quais
saem processados depois da adesão de dois
resíduos de glicina. São aditivos contra Listeria
spp e apresentam a seqüência YGNGV-C
comum na parte N-terminal da molécula
Pediocina pA-1, sakacinas A e P,
curvacina A, leucocina A, etc.
II
Sistema de dois componentes, dois peptídeos
diferentes necessários para a formação de um
complexo
Lactococcinas G e F, lactacina F
Peptídeos que requerem a presença de resíduos
de cisteína na forma reduzida para atividade
biológica da molécula.
Lactococcina B
III
Moléculas grandes sensíveis ao calor.
Helveticinas J e V-1829,
acidophilucina A, lactacinas A e B
IV
Moléculas complexas constituídas por proteínas
e uma ou mais moléculas como lipídeos ou
carboidratos.
Plantaricina S, leuconocina S,
lactocina 27, pediocina SJ1.
I
a
II
b
II
c
38
O sistema responsável pela produção de bacteriocinas é composto por três
componentes: peptídeo indutor (ferormônio ou fator de ativação), histidina quinase
transmembrana (receptor do ferormônio) e regulador de resposta.
As bacteriocinas geralmente são sintetizadas como pré-peptídeos inativos.
Este precursor é transportado à superfície celular durante a fase de crescimento
exponencial e catalisado na forma ativa (Figura 8). O transportador contém uma
porção proteolítica N-terminal, responsável pela clivagem do peptídeo guia, além de
uma porção C-terminal responsável pela hidrólise do ATP e fornecimento de energia
(AUCHER et al., 2005 apud NASCIMENTO; MORENO & KUAYE, 2008).
Figura 8. Mecanismo de regulação da biossíntese de bacteriocinas (NASCIMENTO; MORENO;
KUAYE, 2008, p. 123).
O mecanismo de imunidade das bactérias produtoras de bacteriocinas é
capaz de distinguir entre a bacteriocina produzida pela própria cultura e por outras. A
proteção pode ser promovida por uma proteína específica e/ou pelo sistema
transportador. O mecanismo através do qual eles funcionam é semelhante, pelo
seqüestro da proteína estrutural ou por competição antagônica pelo receptor de
bacteriocina (HOFFMANN et al., 2004 apud NASCIMENTO; MORENO & KUAYE,
2008).
Segundo Rosa & Franco (2009), as bacteriocinas apresentam ação
bactericida ou bacteriostática, de acordo com sua concentração, sobre bactérias
Gram-positivas e atuam permeabilizando as membranas de células sensíveis por
meio da formação de poros, o que causa desbalanço iônico e fluxo de íons fosfato
(Figura 9).
39
Figura 9. Modelos de formação de poros em membrana citoplasmática
(ROSA; FRANCO, 2009, p. 11)
Tabela 6. Atividade antimicrobiana de L. plantarum J23 frente a 94 bactérias indicadoras pelo método
“spot-on-the-lawn” (ROJO-BEZARES, 2007, p. 485).
Bactéria indicadora (número de isolados)
Inibição de crescimento produzida por L. plantarum J23
++
+
-
14
6
3
Pediococcus pentosaceus (5)
5
-
-
Pediococcus acidilactici (3)
2
1
-
Pediococcus parvulus (2)
-
2
-
Lactobacillus plantarum (22)
1
7
14
Lactobacillus hilgardii (2)
2
-
-
Lactobacillus paracasei (2)
-
-
2
Lactobacillus brevis (1)
-
-
1
Lactobacillus fermentum (1)
-
-
1
Lactobacillus pentosus (1)
1
-
-
Lactobacillus sakei (1)
-
-
1
Lactobacillus lactis (3)
-
-
3
Leuconostoc mesenteroides (3)
-
-
3
Listeria monocytogenes (1)
-
-
1
Enterococcus faecalis (1)
-
-
1
Bactéria acética (23)
-
-
23
Oenococcus oeni (23)
40
A nisina é a única bacteriocina liberada como aditivo alimentar para controle
antimicrobiano em alimentos pela Food and Agriculture Organization (FAO) (ROSA;
FRANCO, 2009).
Navaro et al. (2000) isolaram de vinhos Rioja, linhagens de Lactobacillus
plantarum produtoras de bacteriocinas, as quais inibiram até 31 linhagens diferentes.
Mais recentemente, Rojo-Bezares et al. (2007) avaliaram a atividade de uma
bacteriocina produzida por Lactobacillus plantarum J23 sobre uma diversidade de
linhagens de Oenococcus, Pediococcus e Lactobacillus (Tabela 6).
Espécies de Lactobacillus e Pediococcus são mais resistentes à nisina do que
cepas O. oeni (MENDES FAIA; RADLER, 1990 apud BARTOWSKY, 2009), e
pediocina e plantarincina têm demonstrado sucesso no controle de O. oeni (NEL et
al., 2002 apud BARTOWSKY, 2009).
Uma combinação de nisina e dióxido de enxofre tem sido proposta como
alternativa para reduzir o uso de SO2 em vinificação (ROJO-BEZARES et al. 2007
apud BARTOWSKY, 2009). Embora o uso de bacteriocinas apresente um grande
potencial, sua aplicação em vinhos ainda não foi aprovada.
2.7.5 Tecnologias alternativas
Uma variedade de tecnologias emergentes vem sendo empregada com
sucesso
em
diversas
indústrias
de
alimentos
e
bebidas
para
eliminar
microrganismos. Estas tecnologias incluem a ultra-alta pressão, ultrassom de alto
desempenho, radiação ultravioleta e campo elétrico pulsado.
A ultra-alta pressão foi reconhecida como uma eficiente técnica de
conservação há quase um século atrás. A pressão aplicada causa a inativação de
microrganismos e enzimas sem afetar as vitaminas e o sabor (TAUSCHER, 1995
apud BARTOWSKY, 2009). O efeito a antimicrobiano é resultado, principalmente, do
dano à membrana citoplamática.
O ultrassom de alto desempenho é capaz de causar formação e colapso de
microbolhas de alta energia. A morte microbiana decorre principalmente da diluição
das membranas celulares, aquecimento localizado e produção de radicais livres
(FELLOWS, 2000).
41
Valero et al. (2007 apud BARTOWSKY, 2009) observaram uma redução
significativa de populações de BL e fungos em uvas colhidas submetidas à raios UV.
No entanto, não foram investigados os efeitos sensoriais da irradiação UV sobre os
vinhos.
Em sucos de frutas, o campo elétrico pulsado tem sido explorado como uma
alternativa à pasteurização e como agente antimicrobiano, em combinação com
bacteriocinas e lisozima (LIANG et al., 2006; MOSQUEDA-MELGAR et al., 2008
apud BARTOWSKY, 2009). Estudos recentes mostraram que o campo elétrico
pulsado em combinação com baixas concentrações de SO2 não influencia
negativamente a formação de compostos voláteis nos mostos (Garde-Cerdan et al.
2008).
2.7 Métodos de isolamento e identificação
Os meios de cultura utilizados para isolamento de BL são especialmente
formulados para garantir o crescimento de espécies mais exigentes (SILVA;
JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2005). O meio Man, Rogosa & Sarpe (MRS) é
recomendado para esta finalidade. Contém peptona e dextrose, ingredientes que
fornecem nitrogênio, carbono e outros elementos necessários ao crescimento.
Polisorbato 80, acetato, magnésio e manganês fornecem fatores de crescimento
para uma variedade de Lactobacillus. Estes ingredientes podem ainda inibir o
crescimento de outros organismos (ZIMBRO; POWER, 2003).
A incubação é normalmente realizada em condições microaerófilas e
temperatura entre 20 e 35 ºC (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2005).
2.7.1 Coloração de Gram
A coloração de Gram foi desenvolvida em 1884 pelo bacteriologista
dinamarquês Hans Christian Gram. Graças a esta técnica, é possível classificar as
bactérias em Gram-positivas e Gram-negativas.
42
Entre outras diferenças, as bactérias Gram-positivas têm uma parede celular
mais espessa de peptideoglicana (dissacarídeos e aminoácidos) que as bactérias
Gram-negativas. Além disso, as bactérias Gram-negativas contêm uma camada de
lipopolissacarídeos (lipídeos e polissacarídeos) como parte de sua parede celular
(Figura 10).
Figura 10. Representação esquemática da estrutura das paredes celulares de bactérias
Gram-positivas e bactérias Gram-negativas (AMABIS; MARTHO, 2006).
Quando aplicada a células Gram-positivas e Gram-negativas, a violeta de
genciana e o iodo penetram facilmente nas células. Dentro das mesmas, a violeta de
genciana e o iodo se combinam para formar o complexo violeta-iodo (CV-I). Esse
complexo é maior que a molécula de violeta de genciana que penetrou na célula e
devido o seu tamanho, não pode ser removida da camada intacta de
43
peptídeoglicano das células Gram-positivas pelo álcool. Nas células Gramnegativas, contudo, a lavagem com álcool rompe a camada externa de
lipopolissacarídeos e os complexos CV-I são removidos através da camada delgada
de peptideoglicana.
Em resumo, as células Gram-positivas retêm o corante violeta de genciana,
ao contrário das células Gram-negativas, que permanecem incolores até serem
contracoradas com o corante safranina (TORTORA; FUNKE; CASE, 2005).
2.7.2 Catalase
A catalase é uma enzima que decompõe o peróxido de hidrogênio (H2O2) em
água e oxigênio.
O H2O2 se forma como um dos produtos finais do metabolismo aeróbio dos
açúcares e se acumulado, é letal para as células bacterianas (KOONEMAN, 2001).
Assim, alguns microrganismos contêm a enzima catalase para remover o peróxido
de hidrogênio.
BL são geralmente catalase negativas. Portanto, o tratamento com peróxido
de hidrogênio não provoca a reação de borbulha com notada com BA, catalase
positivas. Entretanto, algumas cepas apresentam uma pseudocatalase, a qual
produzirá uma reação positiva após exposição a H2O2 (FUGELSANG; EDWARDS,
2007).
2.7.3 Reação em cadeia da polimerase (PCR)
A PCR, descrita por Saiki et al. (1985 apud MELO; AZEVEDO, 1998), permite
amplificar pequenos e específicos segmentos do genoma. Esta técnica envolve
extração de DNA, reação de amplicação e eletroforese do produto da reação.
O processo da PCR inicia a partir de um DNA molde para síntese. Uma
provisão dos quatro nucleotídeos (dATP, dCTP, dGTP, dTTP) e a enzima para
catalisar a síntese (DNA polimerase) são acrescentados à este DNA. Pequenos
44
fragmentos de ácido nucléico, denominados primers, são complementares às
extremidades do DNA molde e irão se anelar aos fragmentos a serem amplificados.
A polimerase, então, sintetiza novos fragmentos complementares. Depois de cada
ciclo da síntese, o DNA é aquecido para converter todo o novo DNA em fita simples.
Cada fita de DNA recém sintetizada funciona como mole para novas fitas (Figura
11).
Finalmente, a PCR permite, por exemplo, realizar o sequenciamento de DNA
ribossomal (rDNA) e consequentemente determinar a diversidade de organismos e
relação filogenética entre eles (TORTORA; FUNKE; CASE, 2005).
Figura 11. A reação em cadeia da polimerase (TORTORA; FUNKE; CASE, 2005, p. 255).
45
3 MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Materiais
Foram
utilizadas
amostras
de
vinhos
estabilizados
Tannat/Cabernet
Sauvignon e Seibel, elaborados em pequena escala nas safras de 2007/2008 e
2009, respectivamente, ambos provenientes da Cantina do Campus Bento
Gonçalves do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Sul (IFRS), e vinho Isabel, elaborado artesanalmente na safra de 2009, proveniente
do Centro Educacional Marista de Garibaldi. Deste último, além da amostra do
vinho, foi utilizada uma amostra do mosto utilizado em sua elaboração, mantido em
freezer a cerca -20 ºC (Tabela 7).
Tabela 7. Amostras utilizadas para o isolamento de linhagens bacterianas.
Código Amostra Cultivar
Safra
Local de coleta
1
Vinho
Seibel
2009
IFRS Campus Bento Gonçalves
2
Vinho
Isabel
2009
Centro Educacional Marista de
Garibaldi
3
Vinho
Tannat/Cabernet
2007/2008
IFRS Campus Bento Gonçalves
Sauvignon
4
Mosto
Isabel
2009
Centro Educacional Marista de
Garibaldi
A coleta das amostras foi realizada durante o mês de agosto de 2009.
Aproximadamente 80 mL de cada amostra foram transferidos para um recipiente
estéril. Os recipientes foram armazenados em refrigerador à temperatura de 2 a 8
ºC.
O material coletado foi encaminhado ao Laboratório de Biologia Molecular, do
Centro de Ciências da Saúde, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS) para a realização do trabalho.
46
3.2 Métodos
3.2.1 Isolamento
Em capela de fluxo laminar e com o auxílio de micropipeta 10-100 µL, foram
inoculados 0,1 mL das diluições 10-1 e 10-2 de cada amostra sobre a superfície de
ágar Man, Rogosa & Sharpe (MRS) (Accumedia), ágar triptona de soja (TSA) (Ikro),
ágar padrão para contagem (PCA) (Ikro) e PCA adicionado de 0,20% de ácido
sórbico e acidificado a pH 5,7 + 0,1. A diluição 10-1 corresponde à alíquota inoculada
diretamente de cada amostra (100), enquanto a diluição 10-2 foi obtida da diluição de
1 mL de amostra em 9 mL de solução salina 0,85%.
Com o auxílio de alça de Drigalski, o inóculo foi cuidadosamente espalhado
por toda a superfície do meio, até completa absorção (Figura 12b).
Figura 12. Métodos de inoculação em placas. (a) O método pour plate (b) o método de espalhamento
em placa (TORTORA; FUNKE; CASE, 2005, p. 175).
47
As placas foram incubadas, em aerobiose e anaerobiose, a 30 + 1 ºC por 5
dias. Para a geração de anaerobiose, foram adicionados 10,5 g de bicarbonato de
sódio a 28,4 mL de ácido acético 25%, em um béquer mantido no interior da jarra de
anaerobiose. Buscando minimizar a perda de CO2 no período entre o início da
reação e o fechamento da jarra de anaerobiose, a alíquota de bicarbonato de sódio
foi envolvida em papel toalha.
Após incubação, foram selecionadas colônias típicas ou suspeitas. Bactérias
lácticas crescem muito lentamente, produzindo colônias relativamente pequenas e
raramente pigmentadas (DURRANT, 2009).
As colônias selecionadas foram repicadas em caldo MRS e incubadas a 30 +
1 ºC por 3 dias. A cultura em caldo MRS foi repicada com o auxílio de alça de níquelcromo sobre a superfície previamente seca de ágar MRS adicionado de 0,5% de
glicose monohidratada, utilizando a técnica de esgotamento (Figura 13), a fim de
verificar sua pureza.
Figura 13. Técnica de esgotamento utilizada na obtenção de colônias isoladas de bactérias
(TORTORA; FUNKE; CASE, 2005, p. 170).
48
3.2.2 Identificação
3.2.2.1 Coloração de Gram
Com o auxílio de micropipeta 10-100 µL, 10 µL de cada cultura, proveniente
do caldo MRS, foi transferida sobre a superfície de lâminas para microscopia.
A secagem dos esfregaços ocorreu em capela de fluxo laminar. Depois de
secos, os esfregaços foram fixados com calor, passando-os 3 vezes através da
chama do bico de Bunsen.
A coloração de Gram foi realizada segundo metodologia descrita por
Christiam Gram, modificada por Hucker (Figura 14). Originalmente, a coloração
descrita por Christiam Gram usava violeta de genciana, que é uma mistura de cristal
violeta com outros componentes. Hucker modificou o método substituindo a violeta
genciana pelo cristal violeta puro, que é muito estável e permite uma melhor
diferenciação dos microrganismos (BRASIL, 2003).
Figura 14. Coloração de Gram. (TORTORA; FUNKE; CASE, 2005, p. 68).
49
3.2.2.2 Catalase
Com o auxílio de alça de níquel-cromo, uma alíquota de cada cultura,
proveniente do ágar MRS foi depositada sobre a superfície de lâminas para
microscopia e misturada com uma gota de peróxido de hidrogênio 3% (BRASIL,
2003).
A presença de catalase se traduz pelo aparecimento rápido e sustentado de
borbulhas ou efervescência. Devido a algumas bactérias possuírem enzimas
distintas da catalase que podem decompor o peróxido de hidrogênio, a observação
de poucas borbulhas pequenas depois de 20 a 30 segundos não se considera um
resultado positivo (KONEMAN, 2000).
3.2.2.3 Reação em cadeia da polimerase (PCR)
A extração de DNA foi realizada a partir de culturas overnight. Os métodos
CTAB (MELO; AZEVEDO, 1998) e CTAB alterado pela adição de 1% de SDS ao
tampão de lise, foram testados.
Resumidamente, as células crescidas em caldo MRS foram precipitadas por
centrifugação, ressuspendidas em tampão de lise e incubadas em banho-maria a 65
ºC por 30 min. Após o período de incubação a suspensão foi submetida à uma
solução de clorofórmio/álcool isoamílico (24:1) por duas vezes consecutivas. O DNA
cromossomal foi precipitado pela adição de isopropanol e etanol 70% gelado.
Finalmente, o DNA precipitado foi suspendido em 30 µL de água mili-Q e
armazenado em freezer a aproximadamente -20 ºC até sua amplificação. Além das
linhagens isoladas, linhagens de bactérias Gram-negativas foram também
submetidas à extração de DNA (controle).
A amplificação do gene 16S rDNA foi obtida pela reação em cadeia da
polimerase
(PCR),
empregando
os
pimers
universais
11Fow
(5’AGAGTTTGAT(C/T)(A/C)TGGCTCAG) e 1492Rev (5’TACCTTGTTACGACTT)
(Figura 13). Esta amplificação permite realizar o sequenciamento do rDNA 16S e
consequentemente, a determinação de espécie.
50
3.2.3 Teste de atividade antimicrobiana
As cepas isoladas foram cultivadas em caldo MRS a 30 + 1 ºC por 24 horas.
Uma gota de 2 µL de cada cultura foi depositada sobre a superfície seca de ágar
MRS. O crescimento destas culturas deve formar uma concentração circular de
células que atuará de modo semelhante à um disco de papel filtro impregnado com
agente antimicrobiano. As placas foram incubadas em jarra de anaerobiose a 30 + 1
ºC por 24 horas.
Após incubação, cada placa foi adicionada de uma sobrecamada de 8 mL de
TSA semi-sólido (TSB adicionado de 0,7% de ágar-ágar) contendo 800 µL de cultura
indicadora em fase estacionária, diluída até 10-3. Corynebacterium fimi NCTC 7547,
Lactobacillus casei, Lactobacillus plantarum, e uma linhagem Gram-negativa,
catalase positiva e morfologicamente organizada em diplococos isolada de vinho
Seibel, suspeita de Acetobacter sp. (S14) foram usadas como indicadores para o
teste de atividade antimicrobiana. As linhagens de Lactobacillus foram isoladas de
leite de ovelha.
C. fimi NCTC 7547 e S14 foram cultivadas em caldo triptona de soja (TSB)
(Accumedia) a 30 + 1 ºC por 24 horas, enquanto L. casei e L. plantarum foram
cultivadas em caldo MRS (Accumedia) a 30 + 1 ºC por 24 horas.
As placas foram novamente incubadas a 30 + 1 ºC por 48 horas. Após
incubação, o diâmetro dos halos de inibição foi mensurado.
51
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Isolamento
Foram selecionadas 31 colônias provenientes das amostras inoculadas em
placas de contendo ágar MRS ou PCA adicionado de 0,2% de ácido sórbico e
acidificado à pH 5,7 e incubadas em condições de aerobiose ou anaerobiose.
Os demais meios de cultura apresentaram crescimento excessivo de
leveduras. O crescimento microbiano “condensado”, obtido nas placas de Petri,
dificultou a seleção de culturas puras.
4.2 Identificação
4.2.1 Coloração de Gram
Dentre as 31 culturas isoladas, apenas sete apresentaram características
bacterianas (Tabela 8). As demais culturas apresentaram características típicas de
Saccharomyces cerevisiae, como células grandes, coradas em púrpura e com
organização celular indefinida na coloração de Gram (Figura 15a).
Cinco culturas, uma originária de uma placa de PCA incubada em aerobiose
(S12) e outras quatro originárias de placas de ágar MRS incubadas em condições de
anaerobiose (S13, S15, CT31 e CT33) (Figura 15b) apresentaram-se como Grampositivas e formadoras de tétrades.
Duas culturas, uma originária de placas contendo PCA (S11) e outra originária
de uma placa contendo ágar MRS (S14) (Figura 15c), ambas incubadas em
aerobiose, apresentaram-se como Gram-negativas e formadoras de diplococos.
52
Tabela 8. Linhagens bacterianas isoladas e Coloração de Gram.
Cultura
Amostra / Cultivar
Meio
Incubação
S11
Vinho Seibel
PCA
Aerobiose
S12
Vinho Seibel
PCA
Aerobiose
S13
Vinho Seibel
MRS
Anaerobiose
S14
Vinho Seibel
MRS
Aerobiose
S15
Vinho Seibel
MRS
Anaerobiose
CT31
Vinho Tannat/Cabernet Sauvignon
MRS
Anaerobiose
CT33
Vinho Tannat/Cabernet Sauvignon
MRS
Anaerobiose
(a)
Gram
+
+
+
+
+
(b) CT33
Arranjo
Diplococos
Tétrades
Tétrades
Diplococos
Tétrades
Tétrades
Tétrades
(c) S14
Figura 15. Microscopia óptica das linhagens isoladas.
A incubação em jarra de anaerobiose pareceu eficaz na inibição do
crescimento de bactérias acéticas, visto que não houve crescimento de colônias
suspeitas nas placas incubadas nestas condições.
A adição de 0,20% de ácido sórbico no ágar MRS visou a prevenir o
crescimento de leveduras e, a acidificação do meio de cultura buscou potencializar o
efeito antimicrobiano do ácido sórbico sem interferir no crescimento das bactérias
lácticas. Mesmo nestas condições, verificou-se o crescimento de colônias de
leveduras, porém em menor proporção se comparado ao crescimento em meio de
cultura isento de ácido sórbico.
Como os demais ácidos fracos, os sorbatos apresentam atividade
antimicrobiana na forma não-dissociada, sendo geralmente ineficazes em pH > 6,5.
São altamente eficientes contra bolores e leveduras e contra um grande número de
bactérias, sendo as aeróbias catalase positivas parcialmente inibidas, enquanto que
as catalase negativas, não o são (FRANCO; LANDGRAF, 2002).
53
4.2.2 Catalase
As cinco linhagens Gram-positivas e formadoras de tétrades apresentaram
reação negativa para catalase, características típicas de Pediococcus sp, enquanto
as duas linhagens Gram-negativas e formadoras de diplococos apresentaram
reação positiva para catalase, características típicas de Acetobacter sp (Tabela 9).
Todas as demais linhagens isoladas apresentaram catalase positiva.
Tabela 9. Prova da catalase.
Cultura
Gram
S11
S12
+
S13
+
S14
S15
+
CT31
+
CT33
+
Arranjo
Diplococcos
Tétrades
Tétrades
Diplococcos
Tétrades
Tétrades
Tétrades
Catalase
+
+
-
Suspeita
Acetobacter sp
Pediococcus sp
Pediococcus sp
Acetobacter sp
Pediococcus sp
Pediococcus sp
Pediococcus sp
4.2.3 Reação em cadeia da polimerase (PCR)
O método CTAB foi ineficaz na extração de DNA para amplificação, visto a
ausência de bandas após eletroforese em gel de agarose 1%.
A extração de DNA baseada no método CTAB alterado pela adição de 1% de
SDS ao tampão de lise, possibilitou a obtenção de estreitas bandas após
eletroforese. Embora este método tenha apresentado um pequeno progresso em
relação ao anterior, a concentração de DNA obtido foi insuficiente para a realização
da amplificação.
Entretanto, os dois métodos utilizados foram eficazes para ao menos uma
linhagem Gram-negativa.
O rompimento da parede celular de bactérias Gram-positivas, rica em
peptideoglicana, é um desafio enfrentado na extração de DNA (MASCO et al., 2003).
Considerando que os métodos utilizados foram efetivos para a linhagem Gramnegativa, é possível pressupor que a ausência de material genético, apresentada
pelas linhagens Gram-positvas, decorra da manutenção da sua integridade celular.
54
Em estudos moleculares aplicados à BL, a lisozima é usualmente aplicada
nos métodos de extração de DNA (WEI et al., 2004; MASCO et al., 2003). Rivas et
al. (2009) propõem ainda, a utilização combinada de lisozima e proteinase K.
Devido à indisponibilidade de lisozima, estes métodos não puderam ser
testados.
4.3 Teste de atividade antimicrobiana
A cepa de Corynebacterium fimi NCTC 7547 foi claramente inibida pelas
cepas isoladas, apresentando halos de inibição entre 12 e 21 mm de diâmetro
(Figura 16a). Esta linhagem é usualmente empregada em testes de atividade
antimicrobiana devido à sua sensibilidade a produtos do metabolismo de BL,
incluindo as bacteriocinas (FERREIRA et al., 2007).
Uma fraca zona de inibição foi observada no crescimento da cepa de L.
plantarum (Figura 16b). Resultados negativos foram obtidos com as cepas S14
(Figura 16c) e L. casei (Figura 16d). Entretanto, em relação à cepa S14, observou-se
um sinergismo, sendo que o crescimento foi favorecido entre zonas de 14 a 25 mm
de diâmetro.
Considerando o metabolismo homofermentativo de Pediococcus, bem como,
a detecção de bacteriocinas produzidas por Pediococcus de origem enológica, como
a pediocina N5p produzida por Pediococcus pentosaceus (SAAD; NANDRA, 1993
apud INÊS et al., 2008) e a pediocina PD-1 produzida por Pediococcus damnosus
NCFB 1832 (NEL et al., 2002; BAUER et al., 2005 apud INÊS et al., 2008), supõe-se
que a produção de lactato e/ou de bacteriocina tenha sido responsável pela inibição
do crescimento de C. fimi.
Considerando o pH do ágar MRS (6,5 + 0,2) e o pH ótimo para crescimento
de Acetobacter sp (5,4 a 6,3) (BERGEY; HOLT, 1994), o sinergismo observado entre
as linhagens isoladas e a linhagem S14 pressupõe que a concentração de colônias
desta última próximas às linhagens testadas possa estar relacionada à acidificação
do meio nesta região.
55
(a)
(b)
(c)
(d)
Figura 16. Linhagens S31 e S32 testadas quanto à atividade antimicrobiana.
56
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho possibilitou isolar bactérias lácticas a partir de amostras
de vinhos tintos e caracterizá-las quanto sua atividade antimicrobiana.
Não foi possível determinar a espécie destas linhagens a partir dos métodos
de extração de DNA utilizados. No entanto, o desenvolvimento deste trabalho
colaborou efetivamente para a observação do comportamento das bactérias lácticas
frente aos procedimentos realizados, à formação de hipóteses e finalmente, à
padronização de técnicas de pesquisa. Assim, os resultados obtidos fornecem
informações importantes para a continuação de estudos relativos às bactérias
lácticas.
Cabe destacar ainda, que este estudo contribuiu para a aquisição de
conhecimentos técnicos e científicos e para o desenvolvimento de habilidades,
especialmente na área de microbiologia aplicada e biologia molecular.
O domínio de idiomas estrangeiros foi essencial durante este estudo, visto a
escassez de produção científica, em idioma nacional, na área e a disponibilidade de
referências técnicas em idiomas como inglês, espanhol e italiano.
57
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