EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO OMNILATERAL DOS POVOS DO CAMPO Geandro de Souza Alves dos Santos - UNESPAR101 Elias Canuto Brandão - UNESPAR102 Resumo O artigo “Educação e formação omnilateral dos povos do campo” tem a intencionalidade de discutir os aspectos educativos da educação dos povos do campo, contrapondo a tese da formação para a vida em sociedade e para o mundo do trabalho. A discussão dar-se-á à luz do pensamento marxista, considerando a Educação do Campo, objeto de possibilidade de emancipação humana nos aspectos políticos sociais e culturais, através da categoria trabalho. O artigo demarca a importância da educação dos povos do campo como política pública e como elemento crítico norteador das contendas acerca da formação omnilateral destes povos, sendo importante sua ressignificação na construção do debate sobre a exploração e expropriação, tanto do trabalho humano, quanto da terra como meio de produção capitalista em uma sociedade contemporânea na qual a educação está cada vez mais concentrada nos centros urbanos, em detrimento dos povos que residem nas áreas rurais. Para o feito, utilizamos o método materialismo histórico dialético, possibilitando-nos fazer a discussão da educação dos povos do campo diante da formação omnilaterial para o trabalho no campo. Palavras-chave: Educação dos povos do Campo; Políticas Públicas; Trabalho. INTRODUÇÃO Os princípios e objetivos da Educação do Campo elucidam o entendimento do contexto social em que estão inseridos os povos que vivem e produzem no meio rural e tem sua origem demarcada pela luta histórica destes povos em oposição aos ideais burgueses e capitalistas que neste sentido apontam para a exploração do trabalho e da terra, expropriando e destruindo seus valores e características, bem como, alienando o trabalho e as forças produtivas no meio rural. Ao apontarmos neste artigo, alguns conceitos desenvolvidos por Marx e Engels, entre outros, elencamos a Educação do Campo como meio de resistência e emancipação, compilando seu ideário que visa a consciência de classe e libertação da 101 Mestrando em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR-Campus de Paranavaí-PR); Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação da Diversidade do Campo (GEPEDIC-UNESPAR-Paranavaí-CNPq); E-mail: [email protected]. 102 Doutor em Sociologia; Docente do Colegiado de Pedagogia e do Mestrado em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR-Campus de ParanavaíPR); Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação da Diversidade do Campo (GEPEDICUNESPAR-Paranavaí-CNPq); Membro da Articulação Paranaense de Educação do Campo. E-mail: [email protected]. classe trabalhadora, que em nosso entendimento, habita nas concepções dos trabalhadores do campo e da cidade. Apesar dos mundos distintos, campo e cidade se identificam nas determinações das lutas dos trabalhadores, da superação dos valores inseridos pelas ideologias capitalistas e do mundo do trabalho. Assim, é através da educação que dialogamos sobre a consciência de classe e suas implicações, pois é a partir desta que se reconhece seu lugar e papel social, assim como as percas, enquanto ser humano que se aliena para a produção de bens materiais e da transformação de sua força de trabalho em mercadoria. É o que se espera, como bem apontado por Manacorda e Gadotti: O chegar histórico do homem a uma totalidade de capacidades e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidade de consumo e gozo, em que se deve considerar, sobretudo, o usufruir dos bens espirituais, além dos materiais de que o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho (MANACORDA apud GADOTTI, p. 58, 1995). Neste sentido, discutimos neste artigo as questões pertinentes à Educação do Campo e a formação omnilateral, conceituada nos aportes de Marx, Engels e outros autores que delimitam tais conceitos de formação como exigência para a articulação de uma educação que liberte e desaliene o ser humano, entendendo o trabalho como meio fundamental de humanização do homem, a partir do qual o mesmo, produz, cria, transcende sua condição e torna possível as relações e as transformações que lhes permitam a realização como indivíduo e como ser social. EDUCAÇÃO DO CAMPO E FORMAÇÃO OMNILATERAL Ao discutirmos a educação para os povos do campo dentro de uma perspectiva omnilateral, encontramos no formato erigido pelos movimentos sociais e pelos teóricos que enveredam por este caminho, a Educação do Campo como elemento chave para entender tal conceito e ressignificação da formação para o mundo do trabalho e para a vida em sociedade. Para o feito, realizaremos uma abordagem que visualize a emancipação humana e a desalienação, tanto do trabalho docente, quanto da produção de conhecimento fomentado nas escolas e nas práticas humanas. A Educação do Campo, segundo Caldart (2002), demarca as questões relativas aos interesses dos povos do campo, com relevância aos aspectos de sua cultura, produção, organização social e meio ambiente. Nestes termos, é a preocupação com a educação básica dos povos do campo que viabilizam tal categoria e norteiam o pensamento que a articula (CALDART, 2002). Diferentes estudos concluem que historicamente a educação camponesa fora tratada como elemento desnecessário ao progresso dos povos do campo e suas necessidades, sobretudo desvalorizada pelo fato do trabalho realizar-se fora do perímetro urbano e estar ligado ao trabalho braçal, por vezes sem o uso de tecnologias. Esta visão econômica preconceituosa fomentou a premissa que a cultura campesina sempre esteve alienada ao progresso e, portanto, não passiva de credibilidade por parte daqueles que a tem como tal. Adiantamos ao leitor que a Educação do Campo é diferente da educação rural pelo viés conceitual, metodológico, estrutural e ideológico e para agravar, a Educação do Campo – e não foi diferente com a educação rural – tem sido tratada com descaso pelas políticas públicas de estado. A Educação para os povos do campo articula uma realidade muitas vezes alicerçada nos processos de exclusão social, engendrados pelas classes dominantes no meio rural, desconsiderando-a nas políticas públicas. É possível afirmar que historicamente a educação para os povos do campo fora tratada como elemento desnecessário ao progresso, uma vez que estes povos estão intrinsecamente ligados ao trabalho braçal, não usando tecnologias. Esta visão econômica burguesa preconceituosa fomenta a premissa de que a cultura campesina está alienada ao progresso e, portanto, não passiva de credibilidade por parte daqueles que a discrimina. Historicamente a educação voltada para os povos do campo sempre foi considerada como educação rural, o que ainda continua sendo na concepção liberal, que é aquela educação situada no meio rural, cuja população abrangente está diretamente ligada aos meios de produção agrícola (BRASIL, 2007). Em contraposição, a identificação ligada à Educação do Campo está relacionada, não ao seu conceito de produção material, imaterial ou geográfico, mas às suas características sociais inseridas em seu conceito pedagógico e em seus objetivos, ligados aos seus aspectos de lutas e resistências dos povos campesinos, realidades sociais e visão de mundo. A este respeito, revela-nos Molina (2006): A Educação do Campo originou-se no processo de luta dos movimentos sociais camponeses e, por isso, traz de forma clara sua intencionalidade maior: a construção de uma sociedade sem desigualdades, com justiça social. Ela se configura como uma reação organizada dos camponeses ao processo de expropriação de suas terras e de seu trabalho pelo avanço do modelo agrícola hegemônico na sociedade brasileira, estruturado a partir do agro negócio. A luta dos trabalhadores para garantir o direito à escolarização e ao conhecimento faz parte das suas estratégias de resistência, construídas na perspectiva de manter seus territórios de vida, trabalho e identidade, e surgiu como reação ao histórico conjunto de ações educacionais que, sob a denominação de Educação Rural, não só mantiveram o quadro precário de escolarização no campo, como também contribuíram para perpetuar as desigualdades sociais naquele território. (MOLINA, 2006, p. 11). Na prática, o Estado tem se voltado ao campo com uma estratégia de desenvolvimento por meio de políticas de compensação pelo atraso no meio rural – esmola educacional –, com políticas governamentais, sem conexão e respeito às ideologias e concepções dos movimentos sociais do campo, partindo do princípio do fornecimento de “educação de qualidade” nos moldes liberais aos moradores da zona rural, com o mínimo de escolas e o máximo de transporte escolar, permitindo que vivam e permaneçam no campo (BRASIL, 2007), no entanto com ações políticas que expulsam o homem do campo. Para enfrentar estas políticas é que se consolida a Educação do Campo. Como afirma Molina (2006), a Educação do Campo, originou-se no processo de luta dos movimentos sociais. Entendendo os espaços da Educação do Campo como espaços de desenvolvimento de resistências culturais, conjecturamos que o multiculturalismo crítico ou de resistência como perspectiva que norteia nossas argumentações e a luta pela Educação do Campo. Desta forma, consideraremos as características multiculturais da Educação do Campo em um país eminentemente rural, onde as discussões de políticas públicas em torno das especificidades locais são amplas e com vasta produção cultural, no entanto, em disputa pelas concepções neoliberais que utiliza projetos que manipulam politicamente educadores e educandos. Na prática, apesar dos projetos existentes, os diferentes estudos e pesquisas acadêmicas evidenciam que a manipulação por parte dos gestores públicos nas esferas municipais, estaduais e da União, contradiz-se com o que orienta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9394/1996 (BRASIL, 1996). A Lei prescreve em seu art. 28 que, Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural. Consideremos em nossa discussão o atual cenário brasileiro, em que o campo volta-se essencialmente às características do agronegócio e suas determinações produtivas, cujo objetivo principal é o lucro e a exploração da terra e do trabalho do homem do campo à exaustão, modelo que denota o empobrecimento da terra, através da utilização desregrada do solo e do envenenamento, das águas e dos seres, o que não é em grau e número o conceito de Educação do Campo. O conceito de Educação do Campo se contrapõe à Educação Rural, ao modelo de desenvolvimento calcado no agronegócio, ao modo de conceber antagonicamente a relação campo-cidade; em suma, se contrapõe ao projeto hegemônico do modo de produção capitalista da existência. Seus princípios pedagógicos são claros. Veem em defesa de uma educação como um direito universal, acompanhada de um corolário de exigências éticas, políticas e pedagógicas. (LOKS et al, 2015, p. 143). Diante do exposto por Loks, Graupe e Pereira (2015), o conceito de Educação do Campo surge como contraponto ao modelo de educação rural, pois este tem por objetivo apenas demarcar o simples ato de educar, de formação humana enraizada somente no aspecto do preparo humano para o mundo do trabalho, dos interesses do capital e das escolas no meio rural como extensão das escolas urbanas. A Educação do Campo, pelo contrário, afirma a resistência e a universalização do conhecimento como um direito, o aprendizado como perspectiva de mudança, tanto de conjuntura, quanto da capacidade de se auto afirmar como trabalhadores capazes de transformar sua realidade sem a dependência exclusiva sobre o livro didático, uma vez que “a Educação do Campo, como prática social, em processo de constituição histórica, tem características que podem ser destacadas para identificar, em síntese, sua novidade ou a “consciência de mudança” (CALDART, 2002, p. 263). A autoafirmação como trabalhadores conscientes de seu tempo e seus valores e de sua classe viabilizam a construção de ideias que dialogam com a questão da resistência a modelos não vinculados à sua realidade ou a seus interesses. Assim, o ideário da Educação do Campo supera os uniformismos e as dicotomias impostas pelo modo de produção capitalista, que não considera o campo como participe dos processos de modernidade e desenvolvimento cultural humano nos mesmos patamares do mundo urbano, a não ser o campo do agronegócio e da agroindústria. Neste sentido, a Educação do Campo, ao assumir característica própria de modelo educacional voltada para as intencionalidades do meio rural, das culturas e perspectivas desses povos, ultrapassa as questões meramente desenvolvimentistas e analógicas do ganho, do lucro e da utilização da terra como meio de produção de riquezas e objeto de exploração. O campo, nesta vertente, é lugar de vida, produção, auto sustentação e, por isto, [...] valorizar a identidade cultural do homem/mulher do campo, ao estabelecer que a educação condizente com as necessidades desse povo vai além da apreensão de novas técnicas agropecuárias, ao buscar condições reais para que os povos do campo tenham acesso à educação (vista como desenvolvimento das potencialidades humanas) está se proclamando um projeto societal pautado em valores que privilegiam o ser em detrimento do ter, que estabelecem prioridades ao ser humano e não ao capital; está se propondo uma sociedade que procure na solidariedade e não na competição alicerce para as relações sociais. (MARTINS, 2008, s/p). A Educação do Campo precisa ser considerada pelos entes federativos e pela sociedade como possibilidade de marco e referência territorial da reprodução das identidades dos povos do campo que nele vivem e constroem-se socialmente como indivíduos que desta necessitam e permanecem, ensejando seu aspecto místico e humanista, através das lutas por sua manutenção ou pela sua posse. Para Arroyo (2004), a Educação do Campo trata do rompimento dos estabelecimentos e padrões de pensamento universal, do conservadorismo e dos fundamentos da sociedade burguesa, visando um modelo de educação que possibilite às classes trabalhadoras, sobretudo os trabalhadores do campo, representar-se, organizarem-se e lutarem em torno de seus objetivos. Ainda para Arroyo, enquanto a educação rural tem o objetivo de oferecer formação técnica e capacidade para o mundo do trabalho, a Educação do Campo proposta pelos movimentos sociais está pautada na luta por estudar, conhecer e conquistar os direitos sociais, políticos, econômicos e culturais, construindo uma escola que nasce destas populações, com sua forma, seu currículo e seu processo de formação, considerando os aspectos comunitários e coletivos, reivindicando direitos à educação, a financiamentos, a organização, a reforma agrária e ecologia (ARROYO, 2008). Nesta vertente, antecipa Lima (2014) que, A luta de classes diz respeito não apenas ao fato de o indivíduo ser trabalhador rural ou urbano e se reconhecer explorado (classe em si), mas fundamentalmente de estabelecer o elo de unidade por meio dos organismos da classe que fazem a luta avançar para além da revolta e da resistência, rumo à destruição dos pilares da sociedade atual e da construção de outra socialidade. (LIMA, 2014, apud SANTOS, p. 94). É através da consciência de classe que os trabalhadores e trabalhadoras do campo e das cidades se capacitam para as possibilidades de emancipação. Segundo Marx e Engels (2004), tal emancipação só se torna possível através da superação da hegemonia do capital como ditador de demandas sociais e do estado burguês, articulador destas. Para tal, é o conhecimento de suas demandas e da articulação histórica que o mesmo pressupõe, que torna possível sua contestação e resistência por meio da organização. Por isto, no final de o Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels (1984, p. 45) afirmam: “Proletários de todos países, uni-vos!”. Nesta ótica, o conceito de Educação do Campo, definido como uma educação para os povos do campo como meio libertador e desalienador, encontra pressupostos que se interligam com os conceitos da formação omnilateral proposto por Marx e Engels (1978), pois tem por base a formação do homem para o desenvolvimento de todas as suas potencialidades e no preparo para manifestação universal como ser humano, como indivíduo pensante e condutor de seu destino, através da consciência. Este processo, segundo Machado (2006), deve ser constituído desde a infância, com uma educação voltada à organização de trabalhadores autônomos, que tomam decisões a partir de suas próprias análises e trabalhos em grupo, como acontece nas práticas dos movimentos sociais. Considerando a categoria da formação omnilateral, a partir do pensamento marxista, precisamos considerar também a questão do trabalho educativo como princípio básico de formação humana para a vida em sociedade. Segundo Marx, é pelo trabalho que o homem se torna ser social e modifica o mundo. Nesta ótica, é o trabalho, entre eles o trabalho educativo, que forma o homem e não o contrário. No caso do trabalho no campo e no trabalho educativo, a Educação do Campo, não é diferente. Ao tecer tal análise, aponta Frigotto que, [...] o trabalho é princípio educativo porque é através dele que o ser humano produz a si mesmo, produz a resposta às necessidades básicas, imperativas, como ser da natureza (mundo da necessidade), mas também e não separadamente às necessidades sociais, intelectuais, culturais, lúdicas, estéticas, artísticas e afetivas (mundo da liberdade). (FRIGOTTO, 2009, p. 72). Neste sentido, entender o mundo do trabalho, inclusive o trabalho nas escolas do campo, enquanto construtor e articulador das relações humanas, pressupõe entender este como elemento utilizável para a formação das classes e da exploração de um ser pelo outro. Em Marx, o homem “põe em movimento as forças naturais de seu corpo: braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana” (MARX, 2008, p. 211). Este movimento é necessário no dia a dia do educador nas escolas do campo, pois o possibilita avançar na exploração e conhecimento da realidade social e política além do que elas nos apresentam. Ainda segundo Marx (2005), é a partir do trabalho que o homem se identifica como tal, pois enquanto realiza o trabalho, inclusive o trabalho educativo, auto realiza-se, interagindo com a natureza e fomentando assim identidades e culturas, manipulando materiais e garantindo sua sobrevivência, superando a condição irracional do mundo animal e penetrando no espectro humano. Assim é preciso rediscutir incessantemente o papel da escola na contemporaneidade dentro das novas perspectivas de sociedade e de produção capitalista, sobretudo as escolas do campo que sofrem ataques constantes dos gestores públicos atuais. O trabalho desenvolvido diante do sistema de produção capitalista, independente onde ele ocorra, tende a ser alienado, pois nega a essência humana ali aplicada. É um ato sem sentido pleno, descaracterizado e que descaracteriza o homem como ser pensante. Assim o trabalho deixa de ser condição de humanidade e se transforma em mercadoria, que passa a ser negociado, trocado, e por sua vez explorado, no mais amplo dos sentidos. O trabalho para o homem deveria ser motivo de satisfação em que este se auto realiza, reconhecendo-se como parte da espécie humana e de modo prazeroso, o que é difícil ou praticamente impossível se considerarmos o modo de produção capitalista, pois neste, o trabalho não pertence ao trabalhador, mas sim àquele que pode comprá-lo, pois como já reiteramos, o trabalho assim se torna mercadoria. A realização do trabalho surge de tal modo como desrealização que o trabalhador se invalida até a morte pela fome. A objetivação revela-se de tal maneira como perda do objeto que o trabalhador fica privado dos objetos mais necessários, não só à vida, mas também ao trabalho. Sim, o trabalho transforma-se em objeto, que ele só consegue adquirir com o máximo esforço e com interrupções imprevisíveis. A apropriação do objeto manifesta-se a tal ponto como alienação que quanto mais objetos o trabalhador produzir, tanto menos ele pode possuir e mais se submete ao domínio do seu produto, o capital. (MARX, 2005, p. 112). Ao atender os modos de produção capitalista, o trabalhador, em qualquer nível, entre eles no campo, na cidade e na educação, exaure suas forças para vendê-las e o trabalho deixa de ser objeto de satisfação e, suas necessidades passam a atender as necessidades do mercado. Perde-se assim o prazer pelo trabalho e o prazer em realizá-lo. Nesta mesma ótica, a utilização da terra como meio de expropriação do trabalho, torna inerte o sentido de constituição de vida e de prazeres. A terra ao ser utilizada como elemento de exploração perpetua as desigualdades no campo. O trabalho a partir das novas perspectivas da modernidade, sobretudo na sociedade capitalista arranja-se sob o modo de produção unilateral, engendrando-se também à formação humana, principalmente na educação pela ótica da divisão do trabalho e da sociedade em classes distintas, formuladas a partir da distinção entre os processos de produção e da atividade intelectual. Pelo que temos, ao assumir tal característica, o trabalho em si, se configura como um processo alienante, em que o trabalhador se torna incapaz de superar sua condição ou ao menos refletir sobre ela, aplicando-se, tanto aos trabalhadores da cidade, das indústrias, fábricas e comércio, quanto aos trabalhadores do campo – bóias frias, pequenos agricultores, sitiantes, professores e aqueles que através do trabalho e da expropriação da terra como meio de produção ali delimitam seu espaço social e cultural. A partir da expropriação do trabalho pelo capitalista, expropria-se também a terra e sua essência, como elemento que interage com a história da humanidade, com a necessidade vital de produção de alimentos e sobrevivência. Neste sentido, uma educação que considere a formação omnilateral como base, pode descaracterizar a teoria de dependência das relações de mercado e de uma economia voltada para o consumo e para o uso desenfreado dos recursos naturais e do ser humano, à medida que questiona a exploração do trabalho pelo capital da forma que está constituído. Este processo de construção de uma educação ommnilateral demanda entre outras coisas um processo de formação permanente e do entendimento de que a educação na sua essência ontológica não deve servir apenas para nichos de mercado, uma vez estes que estão cada vez mais escassos, mas por sua vez especializados exigindo cada vez mais uma formação que a escola pública, dado a sua fragilidade não pode atender em função de vários aspectos próprios do sucateamento do setor público educacional. (SANTOS, 2012, p. 98). Desta forma, a educação enquanto atividade educacional trabalho pode contribuir com a formação social, com o desenvolvimento da consciência política, com a transformação e a modificação da realidade, ou seja, a formação do homem todo, o homem omnilateral. Assim, além da dimensão pedagógica, o processo formativo-educativo deve preocupar-se com a formação omnilateral do homem, isto é, deve estar fundamentado numa perspectiva científicocrítica que aponta para o desenvolvimento integral do homem, propiciando uma visão totalizante da realidade que lhe permita viver criticamente em sociedade. Isto é, uma proposta pedagógica voltada para a formação omnilateral do homem deve estar fundamentada na unidade dialética entre teoria e prática, pensamento e ação, homem e sociedade, o pedagógico, o político e o social, ou seja, precisa estar sintonizada com toda a problemática social que envolve o fenômeno educativo. (CRUZ, 2004, p. 02). O homem omnilateral pode ser entendido como um homem em pleno desenvolvimento de suas capacidades no mundo do trabalho, em que o julgo das relações acontece além dos interesses econômicos de grupos hegemônicos que podem vir a explorar seu trabalho. Neste sentido, quando de fato a Educação do Campo é de fato Educação do Campo, contribui para a formação omnilateral, unindo teoria e prática, problematizando dialeticamente a educação, a escola, o trabalho, a terra, a organização social e política, a história. Diante destas pontuações e nesta vertente, a educação não se coloca a serviço da reprodução das ideias e ideologias de exploração e expropriação do trabalho humano. Pelo contrário, questiona-as. Não se trata de imputar à educação apenas o papel de reproduzir e ajustar os homens a um determinado modelo social, como se o ato educativo fosse um processo unilateral, vertical, mecânico, e o indivíduo, um ser passivo, apático; nem de concebê-la como instrumento de equalização social, desconsiderando as determinações sociais, mas de entendê-la como uma instância libertadora e emancipatória para o indivíduo. Trata-se de perceber que a educação, apesar de estar inserida numa sociedade capitalista e de ser influenciada por essas relações, pode ser não somente um elemento de reprodução, mas uma instância que contribua para a transformação social. (CRUZ, 2009, p. 05). Por outro lado observamos que o sistema em que está inserido a educação e o trabalho, assim como as escolas do campo, centra-se na unilateralidade da formação, limitando-se à reprodução dos saberes construídos pela humanidade, dos valores culturais do capital e da economia. É uma formação para o trabalho de acordo com as demandas de produção de riquezas. Por isto, dezenas de escolas no campo que tentam introduzir a denominação “campo” na nomenclatura da escola, não conseguem alterar seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), nem realizar um trabalho pedagógico com alunos e professores, continuando a metodologia de escolas rurais, reproduzindo os interesses e os ideais do capital, sem questioná-los. Esta concepção que engessa as escolas denominadas do campo está alicerçada legalmente na educação brasileira através da Lei 9394/1996 – LDB (BRASIL, 1996), que traz em seu texto, no art. 2º, que “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, art. 2). Os gestores públicos, sem levar em consideração o que determina o art. 28 da LDB trabalhado no início deste texto, vêem apenas a formação unilateral do homem para o trabalho, seja nas escolas das cidades ou do campo, como prescreve o art. 22 da mesma Lei “A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996, art. 22). Ao considerar o mundo do trabalho como essencial para a formação da sociedade brasileira, as diretrizes educacionais apontam para um modelo centrado na produção de riquezas e nas perspectivas econômicas, sem levar em consideração o homem enquanto ser de direito, concepções ideológicas, sentimentos e culturas. Assim sendo tal modelo, condiciona o “funil” educacional às demandas de mercado e aos interesses das atividades capitalistas, da valorização do indivíduo e do mérito, em detrimento da autonomia, da criatividade humana e das ações comunitárias. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando o exposto neste artigo, conjecturamos que a Educação do Campo, como política pública ou como manifestação cultural popular, pode ser meio de expressão e posicionamento ideológica da classe trabalhadora do campo, considerando sua característica coletiva, comunitária e libertadora, a partir das implicações ideológicas que a norteiam e lhe dão forma. Ao surgir como instrumento de combate à alienação e desenvolvimento do homem do campo, rompe com as proposições do mundo capitalista e com os interesses da sociedade de consumo que delineia o campo como objeto de produção e de opressão humana. Tal afirmação encontra amparo em sua proposta educacional, que reafirma a necessidade da formação do homem para a liberdade, para o pleno gozo de suas potencialidades criativas e do rompimento com interesses alheios aos seus e de sua comunidade. Finalizamos afirmando que a Educação do Campo pode se concretizar como um modelo de formação omnilateral, em que o ser humano é entendido como um ser pleno, em todas as dimensões, como nos apontamentos marxistas, que enxergam na educação a possibilidade de emancipação humana (MARX e ENGELS, 1978). Tal emancipação se encontra na proposta do rompimento com o trabalho alienante, possibilitando o homem a abandonar a caracterização de ser passivo, para sujeito da história, consciente de seu tempo e, portanto, omnilateral. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Cristiane Silva de. A relação entre trabalho e educação no Brasil. IX Seminário nacional de estudos e pesquisas: “história, sociedade e educação no Brasil”. João Pessoa-PB, UFP, 2012. ARROYO, M. G. 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