Iniciação à Matemática

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Mestrado Profissional
em Matemática em Rede Nacional
Iniciação à Matemática
Autores:
Krerley Oliveira
Adán J. Corcho
Unidade I:
Capítulos I e II
.
Dedicamos este livro as nossas esposas e lhos, que compreenderam
os sábados sacricados em função de escrevê-lo e a nossos pais, por
tudo o que eles representam.
Tente! E não diga que a vitória está perdida. Se é de batalhas que se
vive a vida. Tente outra vez! (Raul Seixas)
vi
Sumário
Prefácio
xi
1 Primeiros Passos
1
1.1
Organizando as Ideias
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
1
1.2
Verdadeiro ou Falso?
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5
1.3
Teoremas e Demonstrações . . . . . . . . . . . . . . . .
9
1.3.1
Métodos de Demonstração . . . . . . . . . . . .
1.4
Algumas Dicas para Resolver Problemas
1.5
Soluções dos Problemas da Seção 1.4
1.6
Exercícios
. . . . . . . .
15
. . . . . . . . . .
18
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
26
2 Equações e Inequações
2.1
2.2
. . . . . . . . . . . . . . .
33
Problemas Resolvidos . . . . . . . . . . . . . . .
37
Sistemas de Equações do Primeiro Grau
. . . . . . . .
42
Problemas Resolvidos . . . . . . . . . . . . . . .
46
Equação do Segundo Grau . . . . . . . . . . . . . . . .
49
2.3.1
Completando Quadrados . . . . . . . . . . . . .
50
2.3.2
Relação entre Coecientes e Raízes
. . . . . . .
55
2.3.3
Equações Biquadradas
. . . . . . . . . . . . . .
59
2.3.4
O Método de Vièti
. . . . . . . . . . . . . . . .
60
2.2.1
2.3
31
Equações do Primeiro Grau
2.1.1
10
vii
viii
SUMÁRIO
2.4
Inequações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
62
2.5
Inequação do Primeiro Grau . . . . . . . . . . . . . . .
63
2.6
Inequação do Segundo Grau
69
2.6.1
2.7
2.8
. . . . . . . . . . . . . . .
Máximos e Mínimos das Funções Quadráticas
.
75
Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
77
2.7.1
Equações Modulares
77
2.7.2
Um Sistema de Equações Não lineares
Exercícios
. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . .
80
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
81
3 Divisibilidade
89
3.1
Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana
. . . . .
90
3.2
Bases Numéricas
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
99
3.3
Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum
. 106
3.3.1
Máximo Divisor Comum . . . . . . . . . . . . . 106
3.3.2
Algoritmo de Euclides
3.3.3
Mínimo Múltiplo Comum
3.3.4
Equações Diofantinas Lineares . . . . . . . . . . 120
. . . . . . . . . . . . . . 111
. . . . . . . . . . . . 115
3.4
Números Primos e Compostos . . . . . . . . . . . . . . 123
3.5
Procurando Primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
3.6
3.5.1
O Crivo de Eratóstenes . . . . . . . . . . . . . . 127
3.5.2
Primos de Mersenne
3.5.3
O Teorema Fundamental da Aritmética . . . . . 133
Exercícios
. . . . . . . . . . . . . . . 129
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
4 O Princípio da Casa dos Pombos
143
4.1
Primeiros Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
4.2
Uma Versão mais Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
4.3
Aplicações na Teoria dos Números . . . . . . . . . . . . 149
4.4
Aplicações Geométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
SUMÁRIO
ix
4.5
Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
4.6
Exercícios
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
5 Contagem
161
5.1
Princípio Aditivo da Contagem
. . . . . . . . . . . . . 162
5.2
Princípio Multiplicativo de Contagem . . . . . . . . . . 170
5.3
Uso Simultâneo dos Princípios Aditivo e Multiplicativo
5.4
Permutações Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
5.5
Arranjos Simples
5.6
Combinações Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
5.7
O Binômio de Newton
5.8
Contagem e Probabilidades
5.9
Exercícios Propostos
178
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
. . . . . . . . . . . . . . . 195
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
6 Indução Matemática
203
6.1
Formulação Matemática
. . . . . . . . . . . . . . . . . 204
6.2
Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206
6.2.1
Demonstrando Identidades . . . . . . . . . . . . 206
6.2.2
Demonstrando Desigualdades
6.2.3
Indução e Problemas de Divisibilidade
. . . . . . . . . . 210
. . . . . 212
6.3
Indução na Geometria
6.4
Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
6.4.1
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
Cuidados ao Usar o Princípio da Indução . . . . 222
6.5
Indução e Recorrências . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222
6.6
Exercícios
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229
7 Desigualdades
233
7.1
Desigualdade Triangular
. . . . . . . . . . . . . . . . . 234
7.2
Desigualdade das Médias . . . . . . . . . . . . . . . . . 238
x
SUMÁRIO
7.3
Desigualdade de Cauchy-Schwarz
. . . . . . . . . . . . 245
7.4
Desigualdade de Jensen . . . . . . . . . . . . . . . . . . 246
7.5
Exercícios
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250
8 Polinômios
255
8.1
Operações com Polinômios . . . . . . . . . . . . . . . . 255
8.2
Algoritmo de Euclides
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 263
8.3 Sempre Existem Raízes de um Polinômio?
8.3.1
8.4
. . . . . . . . 268
Números Complexos e Raízes de Polinômios
Exercícios
. . 269
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272
A Apêndice: Funções
279
Referências
285
Prefácio
Imaginação é mais importante que onheimento.
Albert Einstein
Leo, voê tem uma religião? Assim, uma religião, omo judaísmo,
ou ristianismo, ou Matemátia...?
Alon Peres, 6 anos, lho do Matemátio Yuval Peres
Neste livro pretendemos oferecer ao leitor uma introdução à Matemática Elementar.
Juntando as experiências didáticas vividas pelos
autores individualmente no Brasil e em Cuba, e mais alguns anos
juntos como treinadores de projetos de introdução à Matemática no
estado de Alagoas, esperamos tornar para o leitor a Matemática mais
interessante, mostrando um pouco do imenso brilho e beleza que ela
esconde.
O livro foi escrito em capítulos, cada um deles detalhando um
tema central e trazendo alguns teoremas fundamentais. Com muitos
exemplos e aplicações dos conceitos introduzidos, pretendemos mostrar ao leitor a importância do assunto abordado. A organização dos
exemplos tenta seguir uma linha em ordem crescente de diculdade e,
para o melhor aproveitamento do livro, o trabalho com os exercícios
é parte fundamental. Ler o enunciado e resolver o maior número pos-
xi
xii
Prefácio
sível de exercícios é imperativo.
Como já disse o Prof.
Elon Lima,
Matemática não se aprende passivamente.
Os exemplos e aplicações dos conceitos, bem como os teoremas,
devem ser lidos com cuidado e muita atenção.
Para os estudantes
que desejem treinar para olimpíadas de Matemática, sugerimos que
formem grupos de estudo para trabalhar os temas individualmente,
sob a orientação de um professor. Acreditamos que o texto pode ser
utilizado em uma disciplina elementar num curso de licenciatura ou
bacharelado em Matemática.
O primeiro capítulo é para introduzir o leitor no espírito do livro
e dar uma amostra do tipo de problemas e material que seguirá nos
demais capítulos. São propostos alguns problemas, muitos deles com
soluções, e discutimos alguns métodos importantes para uso no dia a
dia dos estudantes. Nesta discussão incluímos o estudo de proposições
matemáticas, provas por contraposição, o método de redução ao absurdo e algumas outras regras básicas e cuidados que devemos ter ao
resolver problemas em Matemática.
Em seguida, estudamos as equações do primeiro e do segundo grau.
Estudamos os métodos de resolução dessas equações, sistemas de equações, relações entre raízes e coecientes, bem como alguns problemas
interessantes que podem ser solucionados via essas equações. Em seguida, estudamos inequações do primeiro e do segundo grau.
O capítulo seguinte trata do conceito de divisibilidade. Tentamos
introduzir o leitor nos principais aspectos básicos, incluindo-se a divisibilidade com resto, máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum,
números primos e compostos, e um pouco de equações diofantinas lineares.
Um capítulo útil para o estudante que deseja participar de Olim-
Prefácio
xiii
píadas de Matemática é o que trata do princípio da casa dos pombos.
Este capítulo é um belo exemplo de como algo aparentemente ingênuo
pode gerar consequências interessantes.
Alguns dos exemplos estão
conectados com os capítulos anteriores e aparentemente aplicam o
princípio de modo inusitado, em problemas de geometria, teoria dos
números e em áreas diversas.
No capítulo de contagem, começamos com noções úteis sobre conjuntos e princípios básicos para contar os elementos de um conjunto.
Nesse capítulo, estamos mais preocupados com as aplicações imediatas
do assunto, sugerindo alguns problemas para o estudante iniciante.
Seguimos discutindo os tipos de agrupamento de elementos e suas
consequências. Obtemos o binômio de Newton e introduzimos a noção de probabilidade de um conjunto, resolvendo alguns problemas
relacionados.
Em seguida, estudante se depara com uma arma poderosa do matemático. O método da indução nita é estudado procurando conectar
esta noção com os capítulos anteriores, reobtendo com o auxílio do
método da indução algumas coisas que já foram deduzidas por outros
métodos. Vários exemplos e problemas são resolvidos, alguns deles de
modo surpreendente e inesperado.
No próximo capítulo, introduzimos algumas desigualdades populares para o uso do estudante. Algumas dessas desigualdades são muito
importantes no estudo mais profundo da Matemática e não aparecem em cursos introdutórios, apesar de suas provas e aplicações serem
elementares.
Todas as desigualdades aparecem com demonstrações,
em muito dos casos utilizando-se álgebra elementar e o método de
indução nita. São apresentados vários exemplos que mostram a utilidade dessas desigualdades em alguns problemas práticos. Para xar
xiv
Prefácio
o conhecimento, propomos vários exercícios complementares. Alguns
deles, cuja solução é mais elaborada, são sugeridos.
No último ca-
pítulo, estudamos um pouco as propriedades gerais dos polinômios.
Para complementar a formação do leitor menos experiente, incluímos
um apêndice sobre funções.
Somos gratos a muitas pessoas que colaboraram com a elaboração
deste livro com sugestões e correções em versões iniciais. Entre eles,
citamos: Carlos Gustavo Moreira, Ali Tahzibi, Feliciano Vitório, Eduardo Teixeira, Chico Potiguar e vários de nossos alunos de Iniciação
Cientíca e mestrado, que por várias ocasiões deram sugestões para
a melhoria do texto. Um agradecimento especial vai para Fernando
Echaiz, que nos ajudou ativamente nas notas do Capítulo 5 que originaram este texto. Finalmente, agradecemos aos revisores pela leitura
cuidadosa e ao comitê editorial da SBM, na pessoa da profa. Helena
Lopes, pelo excelente trabalho de editoração.
Maceió, Abril de 2010
Krerley Oliveira
Adán J. Corcho
1
Primeiros Passos
Redutio ad absurdum,
que Eulides gostava tanto, é uma das mais
nas armas do matemátio. É muito mais no que um movimento
de xadrez: o jogador de xadrez pode ofereer o sarifíio de uma
peça, mas o matemátio oferee o jogo inteiro.
G. H. Hardy
Neste capítulo, discutiremos algumas ideias gerais e convenções
que servirão como base para os diferentes métodos de resolução de
problemas que trataremos nos capítulos seguintes. Alguns dos exemplos que abordamos serão úteis para orientar quanto ao cuidado que
devemos ter quando discutimos problemas em Matemática.
1.1
Organizando as Ideias
Para resolver problemas matemáticos precisamos ter bem claro o que
devemos provar e o que estamos assumindo como verdade.
É sobre
isso que falaremos agora. Começaremos observando as seguintes armações:
1
2
1
Primeiros Passos
(a) A soma de dois números pares é sempre um número par.
(b) Todo brasileiro é carioca.
(c) A terra é um planeta.
(d) Se
b,
(e) Se
c
é o comprimento da diagonal de um retângulo de lados
então
a
e
c 2 = a2 + b 2 .
a < 1,
então
a2 > a.
Todas as armações acima se encaixam no conceito de proposição,
que damos a seguir.
Uma proposição ou sentença é uma frase armativa em forma de
oração, com sujeito, verbo e predicado, que ou é falsa ou é verdadeira,
sem dar lugar a uma terceira alternativa.
Por exemplo, as proposições (a) e (c) são claramente verdadeiras;
mais adiante nos convenceremos da veracidade da proposição (d). Por
outro lado, as proposições (b) e (e) são falsas. Com efeito, para constatar a veracidade da sentença (b) teríamos que checar o registro de
nascimento de cada brasileiro e vericar se nasceu no Rio de Janeiro,
mas isto é falso pois o conhecido escritor Graciliano Ramos é um
brasileiro nascido em Alagoas. Analogamente, para convencer-nos de
que a proposição (e) é falsa basta tomar
1/4
não é maior do que
1/2
a = 1/2 e checar que (1/2)2 =
como a sentença arma. Em ambos os
casos temos vericado que as proposições (b) e (e) são falsas apresentando casos particulares onde as mesmas deixam de valer. Estes
casos particulares são chamados de contraexemplos e são muito úteis
para vericar a falsidade de algumas proposições.
Notemos que as proposições (d) e (e) são do tipo:
1.1
Organizando as Ideias
Se
onde
P
e
Q
3
P,
então
Q,
também são sentenças. Por exemplo, na proposição (e)
temos que:
P: c
é o comprimento da diagonal de um retângulo de lados
a
e
b,
Q: c2 = a2 + b2 ,
ou seja, estamos assumindo que
mos vericar se
P
P
é verdade e usando este fato deve-
é verdade ou não.
Uma proposição condicional ou implicativa é uma nova proposição
formada a partir de duas proposições
Se
P,
então
Q
ou
P
e
P
Q,
implica
onde para o último caso usamos a notação:
a proposição
P
que é escrita na forma:
de hipótese e a proposição
Q,
P =⇒ Q. Chamaremos
Q de tese. A hipótese
também é chamada de proposição antecedente e a tese, de proposição
consequente.
Por exemplo, na proposição condicional (f ) a hipótese é:
tese é:
a<1
e a
2
a > a.
A partir de uma de uma proposição condicional podem-se gerar
novas proposições que são de especial interesse para os matemáticos.
Vamos chamar o modo em que apresentamos uma proposição de forma
positiva. Por exemplo, quando enunciamos a proposição
Se como laranja, então gosto de frutas,
assumimos esta armação como sua forma positiva. Vamos descrever
agora como podemos obter novas proposições a partir desta.
4
1
Primeiros Passos
Forma recíproca de uma proposição condicional:
para cons-
truirmos a forma recíproca, temos que trocar na forma positiva a hipótese pela proposição consequente e vice-versa.
Vejamos em nosso
exemplo:
Forma da proposição
Positiva
Recíproca
Hipótese
Tese
como laranja
gosto de frutas
gosto de frutas
como laranja
Assim, a recíproca de proposição de nosso exemplo é então:
Se gosto de frutas, então como laranja
Forma contrapositiva de uma proposição condicional:
Para
obtermos a forma contrapositiva a partir da forma positiva de uma
proposição condicional podemos fazer primeiro sua forma recíproca e
em seguida negamos as sentenças antecedente e consequente da recíproca ou, também, podemos primeiro negar as sentenças antecedente
e consequente da forma positiva e imediatamente fazer a forma recíproca desta última. A forma contrapositiva também é conhecida como
forma contrarrecíproca. Usando novamente nosso exemplo temos que:
Forma da Proposição
Positiva
Recíproca
Contrapositiva
Hipótese
Tese
como laranja
gosto de frutas
gosto de frutas
como laranja
não gosto de frutas
não como laranja
Portanto, a forma contrapositiva escreve-se assim:
1.2
Verdadeiro ou Falso?
5
Se não gosto de fruta, então não como laranja
Em particular, a forma contrapositiva de uma proposição poderá ser,
eventualmente, uma forma indireta muito ecaz de vericar resultados
em Matemática.
1.2
Verdadeiro ou Falso?
Uma das coisas que distingue a Matemática das demais ciências naturais é o fato de que um tema de Matemática é discutido utilizando-se
a lógica pura e, por conta disso, uma proposição em Matemática, uma
vez comprovada sua veracidade, é aceita como verdade irrefutável e
permanecerá assim através dos séculos. Por exemplo, até hoje usamos
o teorema de Tales do mesmo modo que foi usado antes de Cristo e
este fato continuará valendo eternamente.
Vamos ilustrar melhor essa diferença com um exemplo em Geograa.
Hoje, todos nós sabemos que a Terra tem aproximadamente
o formato de uma laranja, um pouco achatada nos polos.
Porém,
na época de Pitágoras, um dos grandes temores dos navegadores era
encontrar o m do mundo. No pensamento de alguns destes aventureiros, a Terra tinha o formato de um cubo, e uma vez chegando em
um dos seus extremos, o navio despencaria no vazio. Esse é um dos
muitos exemplos de como a concepção da natureza mudou ao longo
do tempo, transformando uma concepção verdadeira num período da
humanidade em algo completamente falso em outra época.
Porém,
para nossa felicidade, isso não acontece na Matemática. Uma proposição matemática ou é verdadeira ou é falsa e permanecerá assim para
sempre.
6
1
Primeiros Passos
Mas como saber se uma proposição é verdadeira ou falsa? A primeira coisa que devemos fazer é tomar muito cuidado. As aparências
enganam ou, como diziam nossos avós, nem tudo que reluz é ouro.
O leitor, avisado disso, pense agora na seguinte pergunta:
Pergunta 1:
Qual é a chance de que pelo menos duas pessoas num
ônibus com 44 passageiros façam aniversário no mesmo dia do ano?
Como já avisamos, o leitor deve ter cuidado ao responder à pergunta acima, pois podemos nos enganar muito facilmente. Por exemplo, podemos formular o seguinte argumento errado: o ano tem 365
dias e, como estou escolhendo um grupo de 44 (número muito pequeno
com respeito a 365) pessoas ao acaso, é claro que podemos responder
à pergunta com a seguinte armação:
Resposta intuitiva:
A chance de que num grupo de 44 pessoas pelo
menos duas delas façam aniversário no mesmo dia do ano é pequena.
À primeira vista a resposta dada pode até parecer verdadeira, mas
com uma análise mais cuidadosa veremos que é completamente falsa.
Na verdade, a chance de que pelo menos duas pessoas do ônibus façam
aniversário no mesmo dia do ano é de cerca de 93%!
Quem não acreditar nisto pode fazer duas coisas: primeiro, ir a
sua sala de aula ou no seu ônibus escolar, que deve ter pelo menos
44 pessoas, e fazer o experimento ao vivo. Muito provavelmente você
deve conseguir duas pessoas que fazem aniversário no mesmo dia do
ano. Se você verica que existem duas pessoas que fazem aniversário
no mesmo dia do ano, não é por acaso, pois a chance de isso acontecer
é muito alta. Mas, cuidado! Isso não é uma prova matemática para
este fato. Para provar que este fato é verdadeiro você deve vericar
que se escolhermos ao acaso um grupo de 44 pessoas então com aproxi-
1.2
Verdadeiro ou Falso?
7
madamente 93% de chance, pelo menos duas delas fazem aniversário
no mesmo dia do ano!
Porém, se você faz o experimento e não encontra duas pessoas que
fazem aniversário no mesmo dia do ano (você seria muito azarado!),
não se desespere. Lembre-se de que se trata de algo que acontece com
chance de 93% e que pode não acontecer quando fazemos um teste.
Em qualquer um dos casos, para ter a certeza de que a proposição
é verdadeira o leitor deve demonstrá-la.
Faremos isso no nal do
Capítulo
Vamos analisar agora outro fato aparentemente óbvio.
Pergunta 2:
Num campeonato de futebol onde cada time joga a
mesma quantidade de jogos, cada vitória vale três pontos, o empate
vale um ponto e a derrota nenhum ponto.
Em caso de empate, o
critério de desempate entre as equipes era o seguinte:
•
A melhor equipe é aquela que tem mais vitórias.
Os organizadores decidiram passar a adotar o critério a seguir:
•
A melhor equipe é aquela que tem mais derrotas.
Você acha que este último critério adotado é justo?
Com respeito a esta pergunta, o leitor deve ter respondido do seguinte modo:
Resposta:
Um time que perdeu mais é pior que um que perdeu me-
nos; portanto, a mudança de critério é totalmente injusta. Acertamos
a sua resposta?
Na verdade, não houve mudança nenhuma de critério, ou seja,
ambos os critérios nos conduzem ao mesmo ganhador.
8
1
Primeiros Passos
Para ver isso rapidamente, lembre-se de que se a equipe
mais que a equipe
B
conseguisse empatar com a equipe
Sejam
perdeu
e ainda assim empataram, então ela deve ter
ganho mais, para que no m do campeonato a equipe
mente.
A
d1 , e1 , v1
B.
A
ainda assim
Vamos mostrar isso precisa-
o número de derrotas, empates e vitórias,
respectivamente, da equipe
A.
Do mesmo modo, sejam
d2 , e2 , v2
o
número de derrotas, empates e vitórias, respectivamente, da equipe
B.
B,
Suponhamos que a equipe
ou seja, que
v1 > v2 .
A
obteve mais vitórias do que a equipe
Como cada equipe jogou o mesmo número de
jogos, temos que
d1 + e1 + v1 = d2 + e2 + v2 .
(1.1)
Por outro lado, note que o número de pontos obtidos pela equipe
e1 + 3v1 .
B é igual
A
é
Do mesmo modo, o número de pontos obtidos pela equipe
a
e2 + 3v2 .
Como as duas empataram, temos que:
e1 + 3v1 = e2 + 3v2 .
Ou ainda,
3(v1 − v2 ) = e2 − e1
Como
ou
v2 − v1 = −
v1 −v2 > 0, temos que e2 −e1 > 0.
e2 − e1
.
3
Reescrevendo a equação (1.1),
temos que:
d1 − d2 = e2 − e1 + (v2 − v1 ) = e2 − e1 −
e2 − e1
2
= (e2 − e1 ).
3
3
d1 − d2 > 0, pois e2 − e1 > 0. Isso signica que
derrotas que B ; logo, qualquer um dos dois critérios de
Logo, temos que
A
teve mais
desempate usado nos leva à equipe vencedora.
1.3
Teoremas e Demonstrações
9
Assim, como estes dois exemplos mostram, ao depararmos com um
problema em Matemática, devemos ter cuidado ao tirar conclusões
apressadas para evitar que cometamos algum engano. Pode acontecer
que uma situação que é claramente falsa para um observador menos
atento, se mostre verdadeira quando fazemos uma análise mais criteriosa.
1.3
Teoremas e Demonstrações
Agora denimos o que entendemos por demonstração matemática de
uma proposição.
Uma demonstração em Matemática é o processo de raciocínio lógico e dedutivo para checar a veracidade de uma proposição condicional. Nesse processo são usados argumentos válidos, ou seja, aqueles
que concluam armações verdadeiras a partir de fatos que também
são verdadeiros.
Como exemplo de demonstração citamos a argumentação usada
para mostrar na segunda pergunta da seção anterior que os critérios
de desempate eram similares.
Sempre que, via uma demonstração, comprovemos a veracidade de
uma proposição passamos então a chamar esta de teorema. Assim, um
teorema é qualquer armação que possa ser vericada mediante uma
demonstração.
Alguns teoremas se apresentam na forma de uma proposição con-
P , então Q ou implicativa
sentença P é chamada de hipótese
dicional, isto é, uma sentença do tipo Se
da forma P
e a sentença
=⇒ Q. Nesse caso, a
Q é denominada de tese.
nos implica a veracidade da tese.
Ou seja, a validade da hipótese
10
1
Primeiros Passos
Um exemplo de teorema é o famoso teorema de Pitágoras, cujo
enunciado diz o seguinte:
Teorema 1.1
(Teorema de Pitágoras)
.
Num triângulo retângulo a
soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa.
Notemos que o teorema de Pitágoras não está enunciado na forma
condicional, mas pode ser reescrito nessa forma como:
Teorema 1.2 (Teorema de Pitágoras). Se T
de catetos
a
e
b
e hipotenusa
Observação 1.3.
c,
então
2
é um triângulo retângulo
2
c = a + b2 .
Em geral, é mais comum usar a palavra teorema
apenas para certas proposições que são de grande importância matemática, chamando-se simplesmente de proposição ao resto das proposições verdadeiras que admitem uma demonstração. Para uma discussão mais detalhada, recomendamos [8].
1.3.1 Métodos de Demonstração
Quando realizamos uma demonstração não existe um caminho único.
Dependendo do problema em questão podemos usar métodos diferentes. A seguir ilustramos os seguintes três métodos:
•
Demonstração direta.
•
Demonstração por contraposição.
•
Demonstração por redução ao absurdo.
1.3
Teoremas e Demonstrações
11
Demonstração Direta
A demonstração direta é aquela em que assumimos a hipótese como
verdadeira e através de uma série de argumentos verdadeiros e deduções lógicas concluímos a veracidade da tese.
a
b
b
β a
γ
Q
a
α
b
c
Figura 1.1: Figura auxiliar para a demonstração do teorema de Pitágoras
Um exemplo de demonstração direta é a que daremos a seguir,
para o teorema de Pitágoras enunciado anteriormente no Teorema
1.1. Com efeito, usando a gura acima temos que a área do quadrado
de lado
a+b
é a soma das quatro áreas dos triângulos retângulos
congruentes pelo critério lado-ângulo-lado (de catetos
área do quadrilátero
Q,
e
b)
mais a
o qual é um quadrado visto que cada um dos
seus lados coincide com a hipotenusa
c
dos triângulos retângulos de
b e, além disso, cada um dos seus ângulos internos
γ = 180 − (α + β) = 180◦ − 90◦ = 90◦ (veja a Figura 1.1).
catetos
a
a
e
o
Portanto,
(a + b)2 = 4 ·
ab
+ c2 ,
2
de onde
a2 + 2ab + b2 = 2ab + c2 ,
e consequentemente
a2 + b 2 = c 2 ,
mede
12
1
Primeiros Passos
como queríamos.
Demonstração por Contraposição
Este método é baseado no fato de que a veracidade de forma positiva
de uma proposição é equivalente à veracidade de sua forma contrapositiva, podendo ser esta última, eventualmente, mais fácil de se provar.
Por exemplo, a armação
Se sou alagoano, então sou brasileiro
é equivalente à armação
Se não sou brasileiro, então não sou alagoano
Por exemplo, provemos a seguinte proposição:
Proposição 1.4.
•
Hipótese:
•
Tese:
N
Se
N2
N2
é par, então
N
é par.
é par.
é par.
Desaamos o leitor a tentar mostrar esta proposição partindo da hipótese e tentando concluir a tese. Note que podemos vericar que nossa
proposição é verdadeira para vários valores de
N2
como na tabela a
seguir, mas isso não é uma prova matemática da nossa proposição.
N2
N
4
16
36
64
100
144
2
4
6
8
10
12
1.3
Teoremas e Demonstrações
13
Mesmo vericando para um bilhão de valores de
restariam números para serem vericados.
N 2,
sempre nos
Como nossas tentativas
de provar a forma positiva dessa proposição estão sendo frustradas,
apelaremos para mostrar a forma contrapositiva da mesma, isto é:
Proposição 1.5.
Se
N
não é par, então
N2
não é par.
Neste caso, temos:
•
Hipótese:
•
Tese:
N2
N
não é par.
não é par.
N
tem que ser ímpar, ou seja, existe p, número inteiro, tal que N = 2p+1.
Demonstração. Como estamos assumindo que
N
não é par, logo
Logo,
N 2 = (2p + 1)(2p + 1)
= 4p2 + 2p + 2p + 1
= 4p2 + 4p + 1
= 2(2p2 + 2p) + 1
= 2q + 1,
onde
q = 2p2 + 2p.
Logo,
N 2 = 2q + 1
é ímpar e concluímos assim
nossa prova.
Demonstração por Redução ao Absurdo
Este método é uma das ferramentas mais poderosas da Matemática.
O nome provém do latim reductio ad absurdum e também é conhecido
como método do terceiro excluído devido ao mesmo estar baseado na
14
1
Primeiros Passos
lei do terceiro excluído que diz o seguinte: uma armação que não
pode ser falsa, deverá ser consequentemente verdadeira.
De um modo geral, o roteiro que segue uma demonstração por
redução ao absurdo é o seguinte:
•
Assumimos a validade da hipótese.
•
Supomos que nossa tese é falsa.
•
Usando as duas informações anteriores concluímos, através de
argumentos verdadeiros, uma armação falsa; como tal fato não
poderá ocorrer, então nossa tese deverá ser verdadeira.
Vamos mostrar como o método funciona na prática provando a
seguinte proposição:
Proposição 1.6.
Seja
x
um número positivo, então
x + 1/x ≥ 2.
Destaquemos primeiramente a nossa hipótese e a nossa tese.
•
Hipótese:
•
Tese:
x
é um número positivo.
x + 1/x ≥ 2.
Demonstração. Seja
é falsa, isto é,
x+
1
x
x um número positivo e suponhamos que a
< 2. Usando que x > 0 e multiplicando por
tese
este
a desigualdade anterior, obtemos que
x2 + 1 < 2x.
x2 − 2x + 1 < 0 é equivalente a (x − 1)2 < 0, já que
x2 − 2x + 1 = (x − 1)2 , o que é impossível. Portanto, x + 1/x ≥ 2,
Daí segue-se que
como desejávamos.
1.4
Algumas Dicas para Resolver Problemas
1.4
15
Algumas Dicas para Resolver Problemas
Nesta seção, damos algumas regras gerais que consideramos importante ter em mente na hora de resolver um problema de Matemática.
Aplicaremos estas regras a alguns problemas interessantes para ilustrar a sua importância. Elas são:
R1) Ler bem o enunciado do problema e utilizar todas as informações
disponíveis.
R2) Fazer casos particulares ou casos mais simples de problemas similares, para adquirir familiaridade com o problema.
R3) Mudar a representação do problema, transformando-o em um
problema equivalente.
R4) Usar a imaginação pesquisando caminhos alternativos.
Extra-
polar os limites!
A seguir propomos vários problemas onde as regras anteriores são
muito úteis.
O leitor deve tentar resolvê-los; mas se não conseguir
achar solução depois de muito tentar poderá então passar para a próxima seção onde os solucionamos.
Problema 1.7.
Ao encontrar uma velha amiga (A), durante uma
viagem de trem, um matemático (M) tem a seguinte conversa:
(M)
Como vão os três lhos da senhora?
(A)
Vão bem, obrigada!
16
1
Primeiros Passos
(M)
Qual a idade deles mesmo?
(A)
Vou lhe dar uma dica. O produto das idades deles é 36.
(M)
Só com essa dica é impossível!
(A)
A soma das idades deles é igual ao número de janelas deste
vagão.
(M)
Ainda não sei!
(A)
O mais velho toca piano!
(M)
Agora eu sei!
Você é capaz de descobrir as idades dos três lhos da senhora?
Problema 1.8.
Numa cesta encontram-se 9 moedas idênticas, sendo
que 8 delas têm o mesmo peso e uma moeda é mais leve que as demais.
Usando duas vezes uma balança de dois pratos, encontrar a moeda
mais leve.
Problema 1.9.
Numa pequena ilha existem 5 pessoas de olhos azuis
e 5 pessoas de olhos verdes. Existe um grande tabu nesta ilha que é o
seguinte: se uma pessoa descobre que possui olhos azuis ela se suicida
à meia-noite do dia em que descobriu, pulando do alto da prefeitura.
Por conta disso, ninguém conversa sobre o assunto, olha para espelhos
ou vê seu reexo na água. Todos se cruzam diariamente e conhecem
os olhos de seus amigos. Numa manhã, um estrangeiro chegou à ilha
e reuniu as 10 pessoas para o seguinte pronunciamento:
Nesta ilha, existe uma pessoa de olhos azuis.
Pergunta-se:
1.4
Algumas Dicas para Resolver Problemas
17
(a) O que aconteceu com os habitantes da ilha?
(b) Que informação nova o estrangeiro trouxe?
Problema 1.10. Um viajante deseja se hospedar durante 31 dias num
hotel. Entretanto, percebe que está sem dinheiro e que a única coisa
que possui é uma corrente com 31 elos de ouro. Para pagar sua conta,
ele acertou com o gerente pagar um elo por dia, sem atrasar ou adiantar o pagamento, durante os 31 dias. O gerente pode dar troco em
elos. Depois ele deseja recuperar a corrente e por isso ele quer pagar
a conta cortando a corrente no menor número de pedaços. Quantos
cortes você conseguiria dar e pagar a conta?
Problema 1.11.
Sabendo que em cada jogada o movimento do cavalo
consiste em se deslocar duas casas na horizontal e uma na vertical
ou duas na vertical e uma na horizontal, decidir se é possível sair
da conguração apresentada no tabuleiro (a) e chegar à conguração
apresentada no tabuleiro (b) da Figura 1.2 sem que em algum momento
existam dois cavalos na mesma casa.
(a)
(b)
Figura 1.2: Cavalos de xadrez
18
1
Primeiros Passos
Problema 1.12. Mostre que podemos cobrir os 9 pontos no reticulado
da Figura 1.3 traçando 4 segmentos de reta sem tirar o lápis do papel.
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Figura 1.3: Reticulado de 9 pontos
Sugerimos seguir as dicas abaixo para obter sucesso na solução dos
problemas:
•
Para os problemas 1.7 e 1.8 use a primeira regra.
•
Para os problemas 1.9 e 1.10 use a segunda regra. Por exemplo,
no problema 1.9 fazer primeiro o caso: uma pessoa com olhos
azuis e uma com olhos verdes e depois fazer o caso: duas pessoas
de olhos azuis e duas de olhos verdes; generalize.
•
Para os problema 1.11 use a terceira regra.
•
Para o problema 1.12 use a quarta regra.
1.5
Soluções dos Problemas da Seção 1.4
A seguir apresentamos soluções para os problemas enunciados na seção
anterior.
Solução do Problema 1.7.
É muito importante neste problema tirar
o máximo de informação das dicas da senhora. Vamos à primeira dica:
o produto das idades é 36.
1.5
Soluções dos Problemas da Seção 1.4
19
0 6 x 6 y 6 z 6 36.
possibilidades para os números x,
Suponhamos que as idades dos lhos sejam
Como
y
e
xyz = 36,
temos as seguintes
z:
x y
1
1
1
1
1
2
2
3
z
xyz
1 36
2 18
3 12
4 9
6 6
2 9
3 6
3 4
36
36
36
36
36
36
36
36
A segunda dica dada pela senhora é a soma das idades.
Assim,
vamos agora calcular todas as possíveis somas de acordo com as fatorações de 36 dadas na tabela anterior:
x y
1
1
1
1
z
x+y+z
1 36
2 18
3 12
4 9
1 6
6
2 2
2 3
3 3
9
6
4
38
21
16
14
13
13
11
10
Sabemos que após a segunda dica, o matemático ainda não conseguiu deduzir as idades das crianças.
20
1
Primeiros Passos
Por que ele não conseguiu? Imagine que o número da casa fosse
14. Ora, de acordo com nossa tabela, só existe um terno de números
cujo produto é 36 e a soma é 14, que é o terno (1,4,9). Assim, se o
número da casa fosse 14 o matemático teria dado a resposta após a
segunda dica. Como ele cou em dúvida, olhando a tabela 2, chegamos
à conclusão de que o número da casa só pode ser igual a 13.
Lembremos a última dica: o mais velho toca piano. No início essa
dica parecia inútil, mas agora ela é fundamental para resolvermos o
problema. De fato, como o mais velho toca piano, isso signica que
existe um mais velho, o que descarta o caso (1,6,6). Assim, as idades
são 2, 2, e 9.
Solução do Problema 1.8.
Este é o tipo de problema que a primeira
vista pode parecer difícil, mas que quando usamos todas as informações do seu enunciado se torna fácil. A ideia é dividir as moedas em
A, B
Colocaremos na balança os grupos A e B e deixaremos o grupo C
três grupos de três moedas cada, que chamaremos grupos
e
C.
fora.
Podem acontecer duas coisas:
(a) Os pratos cam equilibrados.
(b) Os pratos cam desequilibrados.
A e B têm o mesmo peso. Logo,
a moeda mais leve deve estar no grupo C . No caso (b), um dos grupos
No caso (a), temos que os grupos
cou mais leve, o que signica que a moeda mais leve está neste grupo.
Assim, utilizando a balança apenas uma vez conseguiremos descobrir
qual é o grupo em que a moeda mais leve está. Digamos que este grupo
seja o grupo
A.
Para achar a moeda mais leve, procedemos de modo
semelhante ao que zemos anteriormente: separamos as três moedas
1.5
Soluções dos Problemas da Seção 1.4
do grupo
A
21
colocando uma em cada prato e deixando a terceira de
fora. Podem acontecer duas coisas:
(a) Os pratos cam desequilibrados e assim a moeda mais leve está
no prato mais leve.
(b) Os pratos cam equilibrados, logo a moeda mais leve foi a que
cou fora.
No nal, usamos a balança exatamente duas vezes.
Solução do Problema 1.9.
Como em muitos problemas de Mate-
mática, abordar casos mais simples do problema pode ajudar bastante
na solução.
Assim, vamos imaginar o seguinte caso mais simples:
na ilha existe somente uma pessoa de olhos azuis e a outra de olhos
verdes. Pensando neste caso, a pessoa que tinha olhos azuis só via as
que tinham olhos verdes.
Quando o estrangeiro armou que existia
uma pessoa de olhos azuis, ela descobriu que tinha olhos azuis, pois as
outras pessoas tinham olhos verdes. Assim, à meia-noite ela subiu na
prefeitura e pulou. Com isso, a pessoa que tinha olhos verdes descobriu
que tinha olhos verdes, pois se ela tivesse olhos azuis sua companheira
não se suicidaria no dia anterior.
Vamos agora dar um passo crucial na solução do nosso problema
original, considerando o caso onde existem duas pessoas de olhos azuis
e duas pessoas de olhos verdes na ilha. Vamos chamar as pessoas de
olhos azuis de
A
e
B
e as pessoas de olhos verdes de
C
e
D.
No dia
em que o estrangeiro fez o seu pronunciamento, nada aconteceu, pois
as pessoas
A
C
e
via a pessoa
pessoa
A
D
B
viam as pessoas
A
e
B
com olhos azuis e a pessoa
com olhos azuis e vice-versa. Já no segundo dia, a
teve o seguinte pensamento:
22
1
Primeiros Passos
Se eu tivesse olhos verdes, a pessoa B teria descoberto que
tinha olhos azuis ontem, pois ela veria três pessoas de olhos
verdes. Como ela não se suicidou ontem, eu tenho olhos
azuis.
Pensando da mesma forma, a pessoa
B
descobriu que também tinha
olhos azuis. Por isso, à meia-noite do segundo dia, as pessoas
A
e
B
se suicidaram.
O que aconteceu depois? As pessoas
C
e
D
ainda tinham a dúvida
da cor de seus olhos. Para chegar à conclusão de que seus olhos são
verdes, no terceiro dia, a pessoa
C
pensou assim:
Bem, se eu tivesse olhos azuis, as pessoas
A
e
B
veriam
cada uma duas pessoas com olho azul. Logo, elas não teriam se suicidado no segundo dia, pois não conseguiriam
deduzir a cor de seus olhos.
Logo, tenho olhos verdes.
Ufa!
Do mesmo modo, a pessoa
D
conseguiu descobrir a cor de seus olhos.
Analisando de modo semelhante, conseguiremos deduzir que no
problema original as cinco pessoas de olhos azuis descobrirão que possuem olhos azuis e juntas se suicidarão no quinto dia após o pronunciamento do estrangeiro.
Agora vamos descobrir a resposta da segunda pergunta do enunciado:
que informação nova o estrangeiro trouxe?
Aparentemente
nada de novo foi acrescentado pela frase do estrangeiro, pois cada
pessoa estava vendo alguma pessoa com olhos azuis. Mas isso não é
verdade.
Para ver isso e descobrir qual é a nova informação que o estrangeiro
trouxe, vamos voltar ao caso de somente duas pessoas na ilha, uma
1.5
Soluções dos Problemas da Seção 1.4
23
de olhos azuis e outra de olhos verdes. Neste caso, a pessoa de olhos
azuis somente vê uma pessoa de olhos verdes. Com a informação de
que existe uma pessoa de olhos azuis ela pode descobrir a cor de seus
olhos.
Note que a pessoa de olhos verdes já sabia que existia pelo
menos uma pessoa de olhos azuis.
Mas ela não sabia que a pessoa
de olhos azuis tinha conhecimento de que na ilha existia alguém com
olhos azuis. Essa é a nova informação que o estrangeiro trouxe.
Solução do Problema 1.10.
Uma primeira solução é cortar a cor-
rente 30 vezes, separando todos os elos. Porém, essa não é a melhor solução, como veremos a seguir. Vamos iniciar nossa análise observando
que para pagar o primeiro dia precisamos dar um corte na corrente.
Assim, o gerente receberá um elo. O pulo do gato do problema vem
agora: para pagar o 2
◦
dia, vamos cortar a corrente de modo a separar
dois elos de uma vez. Assim, daremos dois elos ao gerente e ele devolverá um elo de troco. Com este elo pagaremos o terceiro dia. Note
que pagamos três dias fazendo dois cortes na corrente, como mostra a
tabela:
Elos
Gerente
Viajante
1, 2
28
Note que o número 2 denota o pedaço que contém 2 elos.
pagar o 4
◦
Para
dia, cortaremos a corrente de modo a obter um pedaço
com quatro elos.
Entregamos ao gerente este pedaço e recebemos
de troco um elo solto e um pedaço com dois elos.
Com o elo solto,
◦
◦
pagamos o 5 dia. Assim, no 5 dia teremos os seguintes grupos de
elos:
Elos
Gerente
Viajante
1, 4
2, 24
24
1
Primeiros Passos
◦
Assim, pagamos o 6 dia com o pedaço que contém dois elos e
receberemos o elo solto de troco. Finalmente pagaremos o 7
◦
dia com
o elo solto. Note que foi possível pagar 7 dias com apenas três cortes na
corrente. A continuação do procedimento está quase revelada. Para
◦
pagar o 8 dia, cortaremos um pedaço com oito elos.
Daremos este
pedaço e receberemos de troco 7 elos, sendo um elo solto, um pedaço
com 4 e um pedaço com dois elos. Repetindo o procedimento anterior,
◦
pagaremos os 7 dias seguintes, pagando até o 15 dia sem precisar de
cortes adicionais. Ou seja, para pagar os 15 primeiros dias, precisamos
de 4 cortes na corrente. Neste momento, a corrente está distribuída
do seguinte modo:
Elos
Para pagar o 16
◦
Gerente
Viajante
1, 2, 4, 8
16
dia, entregaremos ao gerente o pedaço com os 16
elos restantes, recebendo 15 elos divididos em pedaços de 1, 2, 4 e 8
elos. Se repetirmos o processo, pagaremos o hotel até o 31
◦
dia sem
precisar de novos cortes. Assim, o mínimo número de cortes é 4.
Solução do Problema 1.11.
Para resolver este problema vamos usar
a estratégia de mudar a representação. O que signica isso? Vamos
reescrever o problema com outros ingredientes, porém sem alterar em
nada sua essência. Primeiramente, enumere as casas do tabuleiro com
os números
1, 2, . . . , 9,
como na Figura 1.4.
Vamos agora associar ao tabuleiro, um conjunto de nove pontos
também enumerados com os números 1, 2, . . . , 9. Se for possível sair
de uma casa
i
e chegar à casa
j
com apenas uma jogada do cavalo,
colocaremos um segmento ligando os pontos
i
e
j.
Por exemplo, é
1.5
Soluções dos Problemas da Seção 1.4
25
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Figura 1.4: Tabuleiro de 9 casas
possível, saindo da casa 1 chegar à casa 6 e a casa 8.
Desse modo,
o ponto com número 1 está ligado com o ponto com número 8.
Se
analisarmos todas as possíveis ligações entre os pontos obteremos um
esquema com o mostrado na Figura 1.5
9
9
2•
7
•
5
•
•
•
6
•
1
2•
•4
•
3
•
8
Figura 1.5: Conexões das casas
7
•
•4
5
•
•
•
6
•
1
•
3
•
8
Figura 1.6: Tabuleiro (a)
Assim, se colocarmos os cavalos como no tabuleiro (a), teremos
a situação descrita na Figura 1.6. Deste modo, ca evidente que não
podemos trocar a posição dos cavalos branco e preto sem que em algum
momento eles ocupem a mesma casa.
26
1
1.6
Primeiros Passos
Exercícios
1. Uma sacola contém meias cujas cores são branca, preta, amarela
e azul. Sem olhar para a sacola, qual é a quantidade mínima de
meias que precisamos retirar da mesma para garantir pelo menos
um par de meias da mesma cor?
2. O pai do padre é lho único de meu pai. O que eu sou do padre?
3. Numa mesa há 5 cartas:
Q
T
3
4
6
Cada carta tem de um lado um número natural e do outro lado
uma letra. João arma: Qualquer carta que tenha uma vogal
tem um número par do outro lado.
Pedro provou que João
mente virando somente uma das cartas. Qual das 5 cartas foi a
que Pedro virou?
4. A polícia prende 4 homens, um dos quais é culpado de um furto.
Eles fazem as seguintes declarações:
•
Arnaldo: Bernaldo é o culpável.
•
Bernaldo: Cernaldo é o culpável.
•
Dernaldo: eu não sou culpável.
•
Cernaldo: Bernaldo mente ao dizer que eu sou culpável.
Se se sabe que só uma destas declarações é a verdadeira, quem
é culpável pelo furto?
1.6
Exercícios
27
5. Numa cidade existe uma pessoa
X
que sempre mente terças,
quintas e sábados e é completamente sincera o resto dos dias
da semana.
Felipe chega um certo dia na cidade e mantém o
seguinte diálogo com a pessoa
X:
Felipe: Que dia é hoje?
X: Sábado.
Felipe: Que dia será amanhã?
X: Quarta-feira.
Em qual dia da semana foi mantido este diálogo?
6. Divida o relógio de parede abaixo em 6 partes iguais de forma tal
que a soma das horas que cam em cada parte seja a mesma.n
11
10
1
•
9
8
12
7
6
2
3
5
4
7. João adora Gabriela, que é uma aluna excelente em Matemática.
João armou um plano para dar um beijo nela, e descobriu que
poderá fazer isso apenas dizendo uma frase. Que frase é essa?
8. No plano se colocam 187 rodas dentadas do mesmo diâmetro,
enumeradas de 1 até 187. A roda 1 é acoplada com a roda 2, a 2
com a 3,
...,
a 186 com a 187 e esta última com a roda 1. Pode
tal sistema girar?
28
1
Primeiros Passos
9. Um canal, em forma quadrada, de 4 metros de largura rodeia um
castelo. A ponte do castelo está fechada e um intruso quer entrar
no castelo usando duas pranchas de 3,5 metros de comprimento.
Será que o intruso consegue?
10. Os números
1, 2, 3, . . . , 99 são escritos no quadro-negro e é permi-
tido realizar a seguinte operação: apagar dois deles e substituílos pela diferença do maior com o menor. Fazemos esta operação
sucessivamente até restar apenas um último número no quadro.
Pode o último número que restou ser o zero?
11. Alguém elege dois números, não necessariamente distintos, no
conjunto de números naturais
2, . . . , 20.
O valor da soma destes
A) e o valor do produto dos
números é dado unicamente a Karla (K).
números é dado somente a Adriano (
Pelo telefone
A diz a K: Não é possível que descubras minha
soma.
Uma hora mais tarde,
K lhe diz a A: Ah!
sabendo disso, já
sei quanto vale tua soma!
Mais tarde
A
chama outra vez a
K
e lhe informa: Poxa,
agora eu também conheço teu produto!
Quais números foram eleitos?
12. É possível cobrir um tabuleiro de xadrez com 31 dominós onde
removemos as casas dos vértices superior esquerdo e inferior direito?
13. Num saco encontram-se 64 moedas leves e 64 moedas pesadas.
1.6
Exercícios
29
É possível separar duas moedas de pesos diferentes com 7 pesagens?
14. Quantas vezes precisamos dobrar um papel de 1mm de espessura
para que a altura da pilha chegue da Terra à Lua?
15. Descubra o erro da prova da armação abaixo:
Armação: Três é igual a dois.
Seja
x
um número diferente de zero. Temos que:
3x − 3x = 2x − 2x.
Colocando
x−x
em evidência, temos que:
3(x − x) = 2(x − x).
Cancelando
x−x
em ambos os lados, obtemos que
3 = 2.
30
1
Primeiros Passos
2
Equações e Inequações
Álgebra é generosa; ela geralmente nos dá mais do que lhe pedimos.
D'Alembert
Na antiguidade, todo conhecimento matemático era passado de
geração para geração através de receitas. A falta de símbolos e notação
adequada complicava substancialmente a vida de quem precisava usar
a Matemática e de quem apreciava sua beleza. Por exemplo, o uso de
letras (x,
y, z
etc.) para representar números desconhecidos não tinha
sido inventado ainda.
Isso só veio ocorrer por volta dos meados do
século XVI, ou seja, a menos de 500 anos atrás.
Apesar disso, o conhecimento matemático das antigas civilizações
era surpreendente. Os egípcios, babilônios, gregos e vários outros povos tinham o domínio de métodos e técnicas que são empregados hoje,
como soluções de equações do primeiro e segundo graus, inteiros que
são soma de quadrados e vários outros conhecimentos. Especialmente
os gregos, cuja cultura matemática resistiu aos tempos com a preservação de Os Elementos de Euclides, tinham desenvolvido e catalisado
31
32
2
Equações e Inequações
muitos dos avanços da época.
Entretanto, todos os resultados tinham uma linguagem através dos
elementos de geometria, mesmo aqueles que só envolviam propriedades sobre os números. Essa diculdade deve-se em parte aos sistemas
de numeração que eram utilizados pelos gregos e, posteriormente, pelos romanos, que eram muito pouco práticos para realizar operações
matemáticas.
Por volta de 1.100, viveu na Índia Bhaskara, um dos mais importantes matemáticos de sua época. Apesar de suas contribuições terem
sido muito profundas na Matemática, incluindo-se aí resultados sobre
equações diofantinas, tudo indica que Bhaskara não foi o primeiro a
descobrir a fórmula, que no Brasil chamamos de fórmula de Bhaskara,
assim como Pitágoras não deve ter sido o primeiro a descobrir o teorema que leva o seu nome, já que 3.000 a.c.
os babilônios tinham
conhecimento de ternas pitagóricas de números inteiros bem grandes.
Apesar de ter conhecimento de como solucionar uma equação do
segundo grau, a fórmula que Bhaskara usava não era exatamente igual
a que usamos hoje em dia, sendo mais uma receita de como encontrar
as raízes de uma equação.
Para encontrar essas raízes, os indianos
usavam a seguinte regra:
Multiplique ambos os membros da equação pelo número que vale
quatro vezes o coeciente do quadrado e some a eles um número igual
ao quadrado do coeciente original da incógnita. A solução desejada
é a raiz quadrada disso.
O uso de letras para representar as quantidades desconhecidas só
veio a se tornar mais popular com os árabes, que também desenvolveram um outro sistema de numeração, conhecido como indo-arábico.
Destaca-se também a participação do matemático francês François
2.1
Equações do Primeiro Grau
33
Vièti, que aprimorou esse uso dos símbolos algébricos em sua obra In
artem analyticam isagoge e desenvolveu um outro método para resolver a equação do segundo grau.
Na seção seguinte estudaremos com detalhe a equação do primeiro
grau, e como podemos utilizá-la para resolver alguns problemas em
Matemática.
2.1
Equações do Primeiro Grau
Iniciamos nossa discussão resolvendo o seguinte problema:
Exemplo 2.1.
Qual é o número cujo dobro somado com sua quinta
parte é igual a 121?
x, para
2x e sua
Solução: Vamos utilizar uma letra qualquer, digamos a letra
designar esse número desconhecido. Assim, o dobro de
quinta parte é
x/5.
x
é
Logo, usando as informações do enunciado, obte-
mos que:
2x +
x
= 121,
5
ou ainda,
10x + x = 605,
onde
11x = 605.
Resolvendo, temos que
x = 605/11 = 55.
Se você já teve contato com o procedimento de resolução do exemplo acima, notou que o principal ingrediente é a equação do primeiro
grau em uma variável.
Denição 2.2.
Uma equação do primeiro grau na variável
expressão da forma
ax + b = 0,
x
é uma
34
2
onde
a 6= 0, b ∈ R
e
x
Equações e Inequações
é um número real a ser encontrado.
Por exemplo, as seguintes equações são do primeiro grau:
(a)
2x − 3 = 0.
(b)
−4x + 1 = 0.
(b)
3
x − π = 0.
2
Para trabalhar com equações e resolvê-las, vamos pensar no modelo da balança de dois pratos. Quando colocamos dois objetos com
o mesmo peso em cada prato da balança, os pratos se equilibram.
Quando os pratos estão equilibrados, podemos adicionar ou retirar a
mesma quantidade de ambos os pratos, que ainda assim eles permanecerão equilibrados. Essa é uma das principais propriedades quando
estamos trabalhando com uma equação. Em geral, para resolver uma
equação, utilizamos as seguintes propriedades da igualdade entre dois
números:
Propriedade 1.
Se dois números são iguais, ao adicionarmos a
mesma quantidade a cada um destes números, eles ainda permanecem iguais. Em outras palavras, escrevendo em termos de letras, se
e
b
são dois números iguais, então
a=b
=⇒
Note que podemos tomar
c
a+c
é igual a
b + c,
a
ou seja,
a + c = b + c.
um número negativo, o que signica
que estamos subtraindo a mesma quantidade dos dois números. Por
exemplo, se
x
é um número qualquer que satisfaz
5x − 3 = 6,
2.1
Equações do Primeiro Grau
somando-se
35
3 a ambos os lados da equação acima, obtemos que x deve
satisfazer:
(5x − 3) + 3 = 6 + 3,
Propriedade 2.
ou seja,
5x = 9.
Se dois números são iguais, ao multiplicarmos a
mesma quantidade por cada um destes números, eles ainda permanecem iguais. Em outras palavras, escrevendo em termos de letras, se
e
b
são dois números iguais, então
a=b
Por exemplo, se
igualdade por
1/5
5x = 9
a·c
=⇒
é igual a
b · c,
a
ou seja,
ac = bc.
podemos multiplicar ambos os lados da
para obter
x=
5x
9
= ,
5
5
encontrando o número que satisfaz a equação
5x − 3 = 6.
Para nos familiarizarmos um pouco mais com a linguagem das
equações, vamos pensar no seguinte problema:
Exemplo 2.3.
Para impressionar Pedro, Lucas propôs a seguinte
brincadeira:
- Escolha um número qualquer.
- Já escolhi, disse Pedro.
- Multiplique este número por 6. A seguir, some 12. Divida o que
você obteve por 3. Subtraia o dobro do número que você escolheu. O
que sobrou é igual a 4!
Pedro realmente cou impressionado com a habilidade de Lucas.
Mas não há nada de mágico nisso. Você consegue explicar o que Lucas
fez?
36
2
Equações e Inequações
Solução: Na verdade, Lucas tinha conhecimento de como operar com
equações. Vamos ver o que Lucas fez de perto, passo a passo, utilizando a linguagem das equações. Para isso, vamos chamar a quantidade que Pedro escolheu de
x:
•
Escolha um número:
•
Multiplique este número por 6:
•
A seguir, some 12:
•
Divida o que você obteve por 3:
•
O que sobrou é igual a 4!
x.
6x.
6x + 12.
6x + 12
= 2x + 4.
3
• Subtraia o dobro do número que você escolheu: 2x + 4 − 2x = 4.
Observação 2.4. Devemos ter cuidado na hora de efetuar divisões em
ambos os lados de uma equação, para não cometer o erro de dividir
os lados de uma igualdade por zero. Por exemplo, podemos dar uma
prova (obviamente) falsa de que
1 = 2,
utilizando o seguinte tipo de
argumento: sempre é verdade que
x + 2x = 2x + x.
Logo,
x − x = 2x − 2x
Colocando
(x − x)
em evidência:
1(x − x) = 2(x − x)
Dividindo por
1 = 2.
(x − x)
Qual o erro?
os dois lados da igualdade acima, temos que
2.1
Equações do Primeiro Grau
37
Para encontrar a solução da equação
ax + b = 0,
procedemos do
seguinte modo:
•
Somamos
−b
a ambos os lados da equação, obtendo
ax + b + (−b) = 0 + (−b) ⇐⇒ ax = −b.
Note que como somamos a mesma quantidade aos dois lados da
equação, ela não se alterou.
•
Dividimos os dois lados da equação por
altera a igualdade e nos dá que o valor
a 6= 0. Isso também não
de x é:
−b
b
ax
=
⇐⇒ x = − .
a
a
a
Assim, a solução da equação
ax + b = 0
é
b
x=− .
a
2.1.1 Problemas Resolvidos
Vamos ver agora alguns problemas que podem ser solucionados utilizando as equações do primeiro grau.
Problema 2.5.
Se
x
representa um dígito na base 10 e a soma
x11 + 11x + 1x1 = 777,
quem é
x?
38
2
Equações e Inequações
Solução: Para resolver este problema, precisamos nos recordar que se
abc
é a escrita de um número qualquer na base
é igual a
102 a + 10b + c.
10,
então esse número
Assim, temos que
x11 = 100x + 11
11x = 110 + x
1x1 = 101 + 10x
Logo, temos a seguinte equação do primeiro grau:
100x + 11 + 110 + x + 101 + 10x = 777
Logo,
x=
Problema 2.6.
ou
111x + 222 = 777
777 − 222
= 5.
111
Determine se é possível completar o preenchimento
do tabuleiro abaixo com os números naturais de
1
a
9,
sem repetição,
de modo que a soma de qualquer linha seja igual a de qualquer coluna
ou diagonal.
1
6
9
Solução: Primeiro, observe que a soma de todos os números naturais
de
1
a
9
é 45. Assim, se denotamos por
s
o valor comum da soma dos
elementos de uma linha, somando as três linhas do tabuleiro, temos
que:
45 = 1 + 2 + · · · + 9 = 3s,
Onde
s
deve ser igual a
15.
Assim, chamando de
primeira linha que falta ser preenchido,
x
o elemento da
2.1
Equações do Primeiro Grau
39
1
x
6
9
1 + x + 6 = 15. Logo, x = 8. Assim, observando a coluna
contém 8 e 9, temos que sua soma é maior que 15. Logo, não é
temos que
que
possível preencher o tabuleiro de modo que todas as linhas e colunas
tenham a mesma soma.
Os quadrados de números com essas propriedades se chamam qua-
drados mágicos. Tente fazer um quadrado mágico. Você já deve ter
percebido que no centro do quadrado não podemos colocar o número
9.
De fato, vamos descobrir no exemplo abaixo qual é o número que
deve ser colocado no centro de um quadrado mágico.
Problema 2.7.
Descubra os valores de
x
de modo que seja possível
completar o preenchimento do quadrado mágico abaixo:
x
Solução: Para descobrir
x,
vamos utilizar o fato de que a soma de
qualquer linha, coluna ou diagonal é igual a
15,
já obtido no exemplo
anterior. Se somarmos todas as linhas, colunas e diagonais que contêm
x,
teremos que a soma será
4 · 15 = 60,
pois existem exatamente uma
linha, uma coluna e duas diagonais que contêm
x.
Note também que
cada elemento do quadrado mágico será somado exatamente uma vez,
exceto
x
que será somado quatro vezes. Assim:
1 + 2 + 3 + 4 + · · · + 9 + 3x = 60,
onde temos que
45 + 3x = 60
e consequentemente
x = 5.
40
2
Equações e Inequações
O problema a seguir é um fato curioso que desperta nossa atenção
para como a nossa intuição às vezes é falha.
Problema 2.8.
Imagine que você possui um o de cobre extrema-
mente longo, mas tão longo que você consegue dar a volta na Terra
com ele. Para simplicar a nossa vida e nossas contas, vamos supor
que a Terra é uma bola redonda (o que não é exatamente verdade)
sem nenhuma montanha ou depressão e que seu raio é de exatamente
6.378.000
metros.
O o com seus milhões de metros está ajustado à Terra, cando
bem colado ao chão ao longo do equador.
Digamos agora que você
acrescente 1 metro ao o e o molde de modo que ele forme um círculo
enorme, cujo raio é um pouco maior que o raio da Terra e tenha o
mesmo centro. Você acha que essa folga será de que tamanho?
Nossa intuição nos leva a acreditar que como aumentamos tão
pouco o o, a folga que ele vai ter será também muito pequena, digamos alguns poucos milímetros. Mas veremos que isso está completamente errado!
Solução. Utilizaremos para isso a fórmula que diz que o comprimento
C
de um círculo de raio
r
é
C = 2πr,
π (lê-se pi ) é um número irracional que vale aproximadamente
3, 1416 (veja a observação a seguir).
De fato, o comprimento da Terra CT calculado com essa fórmula é
onde
aproximadamente:
CT = 2πrT ∼
= 2 × 3, 1415 × 6.378.000 = 40.072.974
metros,
2.1
Equações do Primeiro Grau
onde
rT
41
é o raio da Terra.
x o tamanho da folga obtida em metros e rf o raio
do o, temos que a folga será igual a x = rf − rT . Logo, basta calcular
rf . Por um lado, o comprimento do o é igual a CT + 1 = 40.072.975.
Se chamamos de
Logo,
40.072.975 = 2πrf
onde
rf =
Fazendo o cálculo acima, temos que
6.378.000, 16
rf − rT = 0, 16
a
metros.
Assim,
x
rf
40.072.975
.
2π
é aproximadamente igual
é aproximadamente igual a
x =
metros, ou seja, 16 centímetros!
Observação 2.9.
Vale observar que a folga obtida aumentando o o
não depende do raio em consideração. Por exemplo, se repetíssemos
esse processo envolvendo a Lua em vez da Terra, obteríamos que ao
aumentar o o em um metro, a folga obtida seria dos mesmos 16
centímetros. Verique isso!
Observação 2.10.
π
De fato, podemos denir (e calcular!) o número
de várias maneiras práticas. Vamos considerar dois experimentos
(que se você não conhece
Experimento 1:
π
deve fazer):
Pegar um cinto e fazer um círculo com ele. Calcule
o comprimento do cinturão e divida pelo diâmetro do círculo obtido.
Experimento 2:
Pegar uma tampa de uma lata e medir o compri-
mento do círculo da tampa e dividir pelo diâmetro da tampa.
Se você efetuou os cálculos acima com capricho, deve ter notado
que o número obtido é aproximadamente o mesmo. Se nossos círculos
fossem perfeitos (eles nunca são: sempre têm algumas imperfeições)
obteríamos o número
π.
Uma aproximação para
π
é
π∼
= 3, 1415926535897932384626433832795.
42
2
2.2
Equações e Inequações
Sistemas de Equações do Primeiro Grau
Nesta seção iremos discutir situações onde queremos descobrir mais de
uma quantidade, que se relacionam de modo linear, ou seja, através
de equações do primeiro grau. Por exemplo, considere o seguinte problema:
Exemplo 2.11.
João possui 14 reais e deseja gastar esse dinheiro em
chocolates e sanduíches para distribuir com seus 6 amigos, de modo
que cada um que exatamente com um chocolate ou um sanduíche.
Sabendo que cada chocolate custa 2 reais e cada sanduíche custa 3
reais, quantos chocolates e sanduíches João deve comprar?
Para resolver esse problema, vamos chamar de
chocolates que João deve comprar e
y
x
a quantidade de
o número de sanduíches. Assim,
como João deseja gastar 14 reais, temos que
2x + 3y = 14.
(2.1)
Como João comprará exatamente 6 guloseimas, uma para cada amigo,
temos que
x + y = 6.
(2.2)
Note que não encontramos uma equação do primeiro grau em uma
variável e sim duas equações do primeiro grau em duas variáveis. Esse
é um caso particular de um sistema de equações do primeiro grau em
várias variáveis.
Denição 2.12.
. . . , xn
Uma equação do primeiro grau nas variáveis
é uma expressão da forma
a1 x1 + a2 x2 + · · · + an xn + b = 0,
x1 , x2 ,
2.2
Sistemas de Equações do Primeiro Grau
onde os números
a1 , a2 , . . . , an
43
são diferentes de zero e
b
é um número
real.
Por exemplo,
2x − 3y = 0
é uma equação do primeiro grau nas variáveis
2a − b +
x
e
y.
Assim como,
c
=5
3
é uma equação do primeiro grau nas variáveis
a, b
e
c.
(r1 , r2 , . . . , rn ) formam uma solução da
equação, se substituindo x1 por r1 , x2 por r2 , . . . , xn por rn , temos
que a equação acima é satisfeita, isto é, a1 r1 +a2 r2 +· · ·+an rn +b = 0.
Por exemplo, (3, 2) é uma solução da equação 2x − 3y = 0 acima,
Dizemos que os números
pois
2 · 3 − 3 · 2 = 0.
(2, 3)
não é solução da equação 2x − 3y = 0, já que 2 · 2 − 3 · 3 = −5 6= 0.
c
Do mesmo modo, (2, 0, 3) é solução da equação 2a − b +
= 5, pois
3
3
2 · 2 − 0 + = 5.
3
Denição 2.13. Um sistema de equações do primeiro grau em n
variáveis x1 , x2 , . . ., xn é um conjunto de k equações do primeiro
grau em algumas das variáveis x1 , x2 , . . . , xn , isto é, tem-se o seguinte
Note que a ordem que apresentamos os números importa, pois
conjunto de equações


a11 x1 + a12 x2 + · · · + a1n xn + b1 = 0,




a x + a x + · · · + a x + b = 0,
21 1
22 2
2n n
2

· · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·




ak1 x1 + ak2 x2 + · · · + akn xn + bk = 0,
(2.3)
44
2
onde alguns dos elementos
Equações e Inequações
aij (1 ≤ i ≤ k, 1 ≤ j ≤ n)
podem ser zero.
Porém, em cada uma das equações do sistema algum coeciente
diferente de zero e, além disso, cada variável
xj
aij
é
aparece em alguma
equação com coeciente distinto de zero.
(r1 , r2 , . . . , rn ) formam uma solução do
se (r1 , r2 , . . . , rn ) é solução para todas as
Dizemos que os números
sistema de equações (2.3)
equações simultaneamente.
Quando resolvemos um sistema de equações do primeiro grau, podem acontecer três situações:
(a) o sistema tem uma única solução;
(b) o sistema tem uma innidade de soluções;
(c) o sistema não possui solução.
A seguir ilustramos com exemplos cada uma das situações acima.
Situação (a):
Retomamos o sistema proposto no Exemplo 2.11, o
qual se encaixa neste caso.

2x + 3y = 14,
x + y = 6.
Isolamos o valor de uma das variáveis numa das equações. Por conveniência nos cálculos isolamos o valor de
x na segunda equação, obtendo:
x = 6 − y.
A seguir, substituímos esse valor na outra equação, obtendo uma equa-
2.2
Sistemas de Equações do Primeiro Grau
45
ção do primeiro grau. Resolvendo temos:
2(6 − y) + 3y = 14,
12 − 2y + 3y = 14,
y = 2.
Assim,
y = 2.
Imediatamente, encontramos o valor de
Vamos agora resolver alguns problemas semelhantes.
Situação (b):
x, y
e
z
x = 6 − 2 = 4.
Consideremos os sistema de primeiro grau nas variáveis
dado por

x + y − z − 1 = 0,
(2.4)
x − y − 1 = 0.
Da segunda equação segue-se que
x = y + 1.
(2.5)
Substituindo esta expressão na primeira equação obtemos
(y + 1) + y − z − 1 = 0,
2y − z = 0,
z = 2y.
Notemos que as variáveis
xez
são resolvidas em função da variável
a qual não possui nenhuma restrição, de modo que se
valor real
valor
t.
t
então
x
e
z
(2.6)
y
y,
assumir um
cam automaticamente determinadas por este
Isto é, para todo
t
real, de (2.5) e (2.6) tem-se que
x = t + 1,
y = t,
z = 2t
é solução do sistema (2.4) e, portanto, temos innitas soluções para
este.
46
2
Situação (c):
variáveis
x, y
e
Equações e Inequações
Consideremos agora o sistema de primeiro grau nas
z
dado por




x + y + 2z − 1 = 0,
x + z − 2 = 0,



y + z − 3 = 0.
(2.7)
Neste caso, da segunda e da terceira equação segue-se que
x=2−z
e
y = 3 − z.
Substituindo estas expressões na primeira equação obtém-se
(2 − z) + (3 − z) + 2z − 1 = 0 ⇐⇒ 4 = 0,
o que é uma incompatibilidade. Logo, este sistema não tem solução.
Observação 2.14. Os sistemas de equações de primeiro grau são também conhecidos como sistemas de equações lineares. Quando um sistema de equações lineares envolve muitas variáveis não é tão fácil
resolvê-lo se não se organiza com cuidado seu processo de resolução.
Existe uma teoria bem conhecida e amplamente divulgada sobre métodos de resolução para esse tipo de sistemas. Um dos métodos mais
usado e eciente para resolver sistemas lineares é o método de eliminação gaussiana. O leitor interessado pode consultar [7].
2.2.1 Problemas Resolvidos
O problema a seguir foi proposto na primeira fase da Olimpíada Brasileira de Matemática.
2.2
Sistemas de Equações do Primeiro Grau
Problema 2.15.
47
Passarinhos brincam em volta de uma velha árvore.
Se dois passarinhos pousam em cada galho, um passarinho ca voando.
Se todos os passarinhos pousam, com três em cada galho, um galho ca
vazio. Quantos são os passarinhos?
Solução: Vamos chamar de
p
o número de passarinhos e
g
o número
de galhos da árvore. Temos que se dois passarinhos pousam em cada
galho, um passarinho ca voando, ou seja,
2g = p − 1.
Além disso, se todos os passarinhos pousam, com três em um mesmo
galho, um galho ca vazio:
3(g − 1) = p.
Substituindo na equação anterior, temos que
segue-se que
g=4
Problema 2.16.
e
p = 9.
Quanto medem as áreas
A1
2g = 3g − 3 − 1,
e
A2
onde
na gura abaixo,
sabendo que o quadrado tem lado 1 e as curvas são arcos de círculos
com centros nos vértices
V1
e
V2
do quadrado, respectivamente.
V2
A2
A1
V
Solução: Aplicando relações de áreas na gura temos que
(
A1 + A2 = π4 ,
A1 + 2A2 = 1,
48
2
Equações e Inequações
ou seja, chegamos a um sistema de equações do primeiro grau com
duas incógnitas
A1
e
A2 .
Da primeira equação temos que
A1 =
π
− A2 ;
4
substituindo esta na segunda equação obtemos
π
− A2 + 2A2 = 1,
4
de onde
Logo,
A2 = 1 −
π
4
Problema 2.17.
e
π
+ A2 = 1.
4
A1 = π4 − 1 − π4 =
π
2
− 1.
Carlos e Cláudio são dois irmãos temperamentais
que trabalham carregando e descarregando caminhões de cimento. Para
Carlos e Cláudio tanto faz carregar ou descarregar o caminhão, o trabalho realizado por eles é o mesmo. Quando estão de bem, trabalham
juntos e conseguem carregar um caminhão em 15 minutos. Cláudio
é mais forte e trabalha mais rápido conseguindo carregar sozinho um
caminhão em 20 minutos.
(a) Um dia, Cláudio adoeceu e Carlos teve que carregar os caminhões
sozinho. Quanto tempo ele leva para carregar cada um?
(b) Quando os dois brigam, Carlos costuma se vingar descarregando
o caminhão, enquanto Cláudio o carrega com sacos de cimento.
Quanto tempo Cláudio levaria para carregar o caminhão com
Carlos descarregando?
Solução: Vamos chamar de
rega por minuto e
y
x
a quantidade de sacos que Cláudio car-
a quantidade de sacos que Carlos carrega por
2.3
Equação do Segundo Grau
49
minuto. Como Cláudio carrega mais que Carlos, sabemos que
y < x.
Do enunciado, sabemos que os dois juntos carregam um caminhão em
15 minutos. Se um caminhão tem capacidade para
c sacos, temos que:
15x + 15y = c.
Além disso, sabemos que Cláudio sozinho carrega o mesmo caminhão
em
20
minutos. Logo,
20x = c.
Assim, igualando as duas equações, temos que
15x + 15y = 20x,
onde
Logo, dividindo ambos os lados por
15y = 20x − 15x = 5x.
5, temos que 3y = x.
Assim, Cláu-
dio carrega três vezes mais sacos que Carlos e a resposta do primeiro
item é
20 × 3
minutos, já que
60y = 20 × 3y = 20x = c.
Para descobrir quanto tempo os dois levam para carregar o caminhão quando estão brigados, observamos que a cada minuto eles carregam
x−y
minutos, já que
2.3
3y − y = 2y
30 × 2y = 60y = c.
sacos, ou seja,
sacos. Logo, precisam de
30
Equação do Segundo Grau
Como já mencionamos em nossa introdução, o conhecimento de métodos para solucionar as equações do segundo grau remonta às civilizações da antiguidade, como os babilônios e egípcios. Apesar disso,
a fórmula que conhecemos por fórmula de Bhaskara, em homenagem
ao matemático indiano de mesmo nome e que determina as soluções
de uma equação do segundo grau, só veio a aparecer do modo que
usamos muito mais tarde, com o francês Vièti.
Nesta seção iremos
deduzir esta fórmula e aplicá-la a alguns problemas interessantes.
50
2
Equações e Inequações
2.3.1 Completando Quadrados
Um modo de resolver uma equação do segundo grau é o método de
completar quadrados. Ele consiste em escrever a equação numa forma
equivalente que nos permita concluir quais são as soluções diretamente.
Vamos ilustrar isso com um exemplo, resolvendo a equação
x2 − 6x − 8 = 0.
Podemos escrever essa equação como:
x2 − 6x = 8.
Somando
2
(x − 3)
Logo,
9
ao lado esquerdo, obtemos
x2 − 6x + 9
que é o mesmo que
. Assim, somando 9 a ambos os lados da equação, obtemos:
x−3=
√
(x − 3)2 = 9 + 8 = 17.
√
x − 3 = − 17. Logo, as soluções
√
√
x1 = 3 + 17 e x2 = 3 − 17.
17
Denição 2.18.
ou
são:
A equação do segundo grau com coecientes
a, b
e
c
é uma expressão da forma:
ax2 + bx + c = 0,
onde
a 6= 0, b, c ∈ R
e
x
(2.8)
é uma variável real a ser determinada.
Para encontrar as soluções desta equação, vamos proceder do seguinte modo: isolando o termo que não contém a variável
direito da igualdade na equação (2.8)
ax2 + bx = −c
x
do lado
2.3
Equação do Segundo Grau
e dividindo os dois lados por
51
a,
obtemos:
b
−c
x2 + x =
.
a
a
Agora vamos acrescentar um número em ambos os lados da equação acima, de modo que o lado esquerdo da igualdade seja um quadrado perfeito. Para isso, observe que é necessário adicionar
b2
aos
4a2
dois lados da igualdade. Assim, temos que:
2
2
b
c
b2 − 4ac
b
b
b2
2
.
x+
=x +2 x+
= 2− =
2a
2a
2a
4a
a
4a2
b2 −4ac de discriminante da equação
maiúscula ∆ (lê-se delta ) do alfabeto
Em geral, chamamos a expressão
(2.8) e denotamos pela letra
grego. Assim, podemos escrever a igualdade anterior como:
b
x+
2a
2
=
∆
b2 − 4ac
= 2.
2
4a
4a
(2.9)
Por isso, para que exista algum número real satisfazendo a igualdade acima, devemos ter que
∆ ≥ 0,
já que o termo da esquerda na
igualdade é maior ou igual a zero. Extraindo a raiz quadrada quando
∆ ≥ 0,
temos as soluções:
b
x+
=
2a
√
b2 − 4ac
2a
e
√
b
b2 − 4ac
x+
=−
.
2a
2a
Assim, obtemos as seguintes soluções:
b
x1 = − +
2a
e
√
√
b2 − 4ac
−b + ∆
=
2a
2a
52
2
b
x2 = − −
2a
√
Equações e Inequações
√
b2 − 4ac
−b − ∆
=
.
4a2
2a
Em resumo,
•
Se
∆>0
existem duas soluções reais.
•
Se
∆=0
só existe uma solução real (x1
•
Se
∆<0
não existe solução real.
= x2 = −b/2a).
A seguir apresentamos alguns exemplos.
Exemplo 2.19.
Encontre as soluções da equação
Solução: Observe que
a = 2, b = −4
e
c = 2.
2x2 − 4x + 2 = 0.
Logo,
∆ = b2 − 4ac = (−4)2 − 4 · 2 · 2 = 0.
Assim, a única solução é
Exemplo 2.20.
x=−
b
4
= = 1.
2a
4
Encontre as raízes da seguinte equação do segundo
grau:
x2 − x − 1 = 0.
Solução: Basta aplicarmos diretamente a fórmula que acabamos de
deduzir. Como
a = 1, b = −1
e
c = −1,
calculando
∆
temos:
∆ = b2 − 4ac = (−1)2 − 4 · 1 · (−1) = 5.
Logo, as soluções são
√
√
−b + ∆
1+ 5
=
x1 =
2a
2
e
√
√
−b − ∆
1− 5
x2 =
=
.
2a
2
2.3
Equação do Segundo Grau
Exemplo 2.21.
Sabendo que
53
x
é um número real que satisfaz
1
x=1+
1+
determine os valores possíveis de
1
x
,
x.
Solução: A solução desse problema consiste numa simples manipulação algébrica, que feita com cuidado nos levará a uma equação do
segundo grau. Com efeito,
1+
Logo,
1+
1
1
x+1
=
.
x
x
=1+
1
x
1 + 2x
,
x=
1+x
1+
Então devemos ter
x
1 + 2x
=
.
1+x
1+x
de onde segue-se que
x2 + x = 1 + 2x ⇐⇒ x2 − x − 1 = 0.
Resolvendo a equação tem-se
√
1+ 5
x1 =
2
Observação 2.22.
O número
e
(1 +
√
1− 5
x2 =
.
2
√
5)/2 é chamado de razão áurea.
Este número recebe essa denominação pois, frequentemente, as proporções mais belas e que a natureza nos proporciona estão próximas
da razão áurea. Por exemplo, no arranjo das pétalas de uma rosa, nas
espirais que aparecem no abacaxi, na arquitetura do Parthenon, nos
quadros de da Vinci e nos ancestrais de um zangão podemos encontrar a razão áurea.
54
2
Equações e Inequações
O problema a seguir está relacionado com a seqüência de Fibonacci
e com a razão áurea.
Dizemos que uma seqüência de números
satisfaz a relação de Fibonacci se, para todo
n ≥ 0,
temos que
an+2 = an+1 + an .
Exemplo 2.23.
para algum
x 6= 0
forma
x
(2.10)
Encontre todas as sequências
an
da forma
an = x n
que satisfazem a relação de Fibonacci.
Solução: Sabendo que
n
an
an
satisfaz a relação de Fibonacci e que
, podemos concluir que para todo
n≥0
an
é da
tem-se
xn+2 − xn+1 − xn = 0.
Colocando
xn
em evidência na equação acima, temos que
xn (x2 − x − 1) = 0
xn = 0 ou x2 − x − 1 = 0. Como
2
portanto, x − x − 1 = 0. Observando a
Logo, temos duas possibilidades:
x 6= 0,
temos que
xn 6= 0
e,
solução do Exemplo 2.20 temos que as únicas sequências são
an =
√ !n
1+ 5
2
ou
an =
√ !n
1− 5
.
2
Observação 2.24. Se an e bn satisfazem a relação de Fibonacci (2.10),
então dados números reais
βbn
com
α
e
β,
qualquer sequência da forma
αan +
satisfaz a relação. Pode-se provar que as sequências dessa forma,
an = xn1
e
bn = xn2
calculados anteriormente, são as únicas
sequências que satisfazem a relação. Veja, por exemplo, [4].
2.3
Equação do Segundo Grau
55
2.3.2 Relação entre Coecientes e Raízes
ax2 + bx + c = 0, com a 6= 0, já calculamos explicitamente as suas raízes x1 e x2 . Vamos estabelecer agora as relações entre
a, b e c e as raízes x1 e x2 . Vamos supor ∆ ≥ 0. Como já sabemos,
Dada a equação
temos que
Assim,
√
√
−b + ∆
−b − ∆
x1 =
e
x2 =
.
2a
2a
somando x1 com x2 tem-se
√
√
−2b
b
−b + ∆ −b − ∆
+
=
=− .
x1 + x2 =
2a
2a
2a
a
Por outro lado, fazendo o produto
x1 x2
obtemos
√ !
√ !
−b + ∆
−b − ∆
x1 x2 =
·
2a
2a
√ √ −b+ ∆ −b− ∆
b2 − ∆
=
=
4a2
4a2
4ac
c
= 2 = .
4a
a
Em particular, quando
Teorema 2.25.
a = 1,
Os números
(2.11)
(2.12)
temos o seguinte resultado.
α
e
β
são as raízes da equação
x2 − sx + p = 0
(2.13)
se, e somente se,
α+β =s
e
αβ = p.
(2.14)
56
2
Demonstração. Com efeito, se
α
e
β
Equações e Inequações
são as raízes de (2.13) então os
cálculos feitos em (2.11) e (2.12) nos dão (2.14). Reciprocamente, se
vale (2.14) então da igualdade
(x − α)(x − β) = x2 − sx + p
segue-se que
α
e
β
são as raízes de (2.13).
Observação 2.26.
ax2 + bx + c = 0, com
a 6= 0, podemos escrevê-la como a(x2 − sx + p) = 0, com s = −b/a e
p = c/a. Supondo que a equação x2 − sx + p = 0 tem raízes α e β , a
Em geral, dada a equação
igualdade
ax2 + bx + c = a(x2 − sx + p) = a(x − α)(x − β)
nos permite concluir que
grau
α
e
β
(2.15)
são as raízes da equação de segundo
2
ax + bx + c = 0.
A equação (2.15) mostra que se
α
é raiz de um polinômio do se-
gundo grau, então a divisão desse polinômio pelo polinômio
(x − α)
é
uma divisão exata. Voltaremos a tratar desse assunto no Teorema 8.5.
Exemplo 2.27.
Paulo cercou uma região retangular de área 28
m2
com 24 metros de corda. Encontre as dimensões dessa região.
Solução: Se chamamos de
a
e
b
os lados do retângulo construído por
Paulo, as condições sobre o perímetro e a área desse retângulo nos
levam às seguintes equações:
(
a + b = 12,
ab = 28.
x2 − 12x + 28 = 0.
2
Calculando o discriminante, obtemos ∆ = 12 −4·28 = 32. Utilizando
Como já observamos,
a
e
b
são raízes da equação
2.3
Equação do Segundo Grau
57
a fórmula, temos que as soluções são
√
√
12 + 32
a=
=6+2 2
2
e
√
√
12 − 32
b=
= 6 − 2 2.
2
Exemplo 2.28.
Mostre que a equação
raiz inteira positiva, se
b
x2 + bx + 17 = 0
não possui
é um inteiro não negativo.
n pon + m = −b,
Solução: Suponhamos que a equação possui alguma raiz inteira
m a outra raiz (podendo ser m = n). Então,
onde m = −n − b deverá ser necessariamente um número inteiro. Por
outro lado, m e n são números inteiros tais que m · n = 17, o que só
é possível se m = 1 ou n = 1, o que nos daria em qualquer um dos
casos que 1 + b + 17 = 0 (b = −18), sendo isto uma contradição com
o fato de b ser inteiro não negativo.
sitiva e seja
Exemplo 2.29.
Numa reunião havia pelo menos 12 pessoas e todos
os presentes apertaram as mãos entre si. Descubra quantas pessoas
estavam presentes na festa, sabendo que houve menos que 75 apertos
de mão.
aperto de mão associaremos
a o número de apertos de mão e enumerar
do conjunto P = {1, 2, . . . , n}. A cada
um par (i, j), signicando que a pessoa i
j.
Assim, os apertos de mão envolvendo a
Solução: Vamos denotar por
as pessoas com os números
apertou a mão da pessoa
pessoa
1
foram
A1 = (1, 2), (1, 3), . . . , (1, n) .
58
2
Equações e Inequações
Do mesmo modo, denimos os apertos de mão envolvendo a pessoa
que não envolvem a pessoa
1,
2
como
A2 = (2, 3), (2, 4), . . . , (2, n) .
Note que o aperto
(2, 1)
aperta a mão de 2, então
é o mesmo que o aperto
2
Ai ∩ Aj = ∅
para
i 6= j .
e
a
para
Ai .
contém todos os apertos de mão. Logo, se
X
1
1 ≤ i ≤ n − 1.
Observe também que todos os
apertos aparecem em um dos conjuntos
elementos do conjunto
já que se
aperta a mão de 1. Analogamente,
Ai = (i, i + 1), (i, i + 2), . . . , (i, n) ,
Note que
(1, 2),
Assim,
|X|
A1 ∪ · · · ∪ An−1
denota o número de
o número de apertos de mão, temos
|(A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ An−1 )| = |A1 | + |A2 | + · · · + |An−1 |
= (n − 1) + (n − 2) + · · · + 2 + 1
=
Portanto,
(n − 1)n
= a.
2
n2 − n − 2a = 0 deve admitir admite uma raiz inteira, maior
ou igual a 12. Deste modo, basta descobrirmos para que valores de
a < 75 a equação acima admite alguma raiz inteira n ≥ 12. Denotemos
as raízes da equação por n1 e n2 e suponhamos que n1 ≥ 12. Das
relações
(
n1 n2 = −2a,
n1 + n2 = 1,
−n2 = n1 − 1 ≥ 11.
−n2 n1 ≥ 11 · 12 = 132, pois −n2 ≥ 11
concluímos que
Assim, podemos deduzir que
e
n1 ≥ 12.
n1 ≥ 13
a ≥ 78, sendo
Observe que o mesmo raciocínio nos leva a concluir que se
então
−n2 n1 = 2a ≥ 12 · 13 = 156,
o que nos daria
2.3
Equação do Segundo Grau
isto impossível pois
a < 75.
59
Assim, a raiz positiva para tal equação
n1 = 12 como
considerarmos a = 66.
não pode ser maior ou igual que 13, restando somente
solução.
De fato, essa solução é possível, se
Logo, haviam 12 pessoas na festa.
2.3.3 Equações Biquadradas
A dedução da solução da equação do segundo grau nos permite resolver
equações de grau mais alto, desde que elas se apresentem numa forma
peculiar, que nos permita reduzi-las a uma equação do segundo grau.
Por exemplo,
Exemplo 2.30.
Resolva a equação
x4 − 2x2 + 1 = 0.
(2.16)
Apesar da equação acima ser de grau quatro, podemos solucioná-la
utilizando o que aprendemos até agora. O truque será denotar por
o valor
x
2
y
.
Solução: Denote por
y = x2 .
(y − 1)2 . Logo, y = 1.
ou x = −1.
Assim,
0 = y 2 − 2y + 1 =
segue-se que x = 1
Neste caso, temos que
x2 = y = 1,
de onde
De modo geral consideremos a equação
ax2k + bxk + c = 0,
e façamos a mudança
y = xk .
k ∈ N,
(2.17)
Então, a equação se transforma na
seguinte;
ay 2 + by + c = 0,
(2.18)
60
2
Equações e Inequações
a qual já sabemos resolver. Logo, se (2.18) não possui solução então
(2.17) também não terá solução e no caso em que
y = α
seja uma
raiz de (2.18) então as soluções para (2.17), correspondentes à raiz
α,
podem ser encontradas resolvendo a equação simples
xk = α,
a qual tem as seguintes possibilidades:
•
uma única solução:
•
nenhuma solução: se
•
duas soluções:
x=
√
k
α
α<0
√
x=±kα
se
se
k
e
k
é ímpar;
é par;
α>0
e
k
é par.
2.3.4 O Método de Vièti
A maneira que François Vièti (1540-1603) descobriu para resolver a
equação do segundo grau baseia-se em relacionar a equação
ax2 + bx + c = 0
(2.19)
como uma equação do tipo
Ay 2 + B = 0,
onde
(2.20)
A e B são números que dependem de a, b, c, de modo que qualquer
solução da equação (2.20) determinará uma solução da equação (2.19).
Note que a última equação possui soluções
r
y1 =
B
−
A
r
e
y2 = −
B
− ,
A
se
−
B
≥ 0.
A
2.3
Equação do Segundo Grau
61
Para fazer isso, usamos o seguinte truque: escrevendo
x = u+v
como
u e v , a equação (2.19) se escreve como
a soma de duas novas variáveis
a(u + v)2 + b(u + v) + c = 0,
a qual, desenvolvendo o quadrado, equivale a
au2 + 2auv + av 2 + bu + bv + c = 0.
Agrupando convenientemente, podemos escrever a expressão acima
como uma equação na variável
v,
isto é,
av 2 + (2au + b)v + au2 + bu + c = 0.
Assim, podemos obter uma equação do tipo da equação (2.20), escolhendo o valor de
u
de modo que o termo
(2au + b)v
se anule. Esco-
u = −b/2a temos que
2
−b
b
b2
b2
2
av + a
− b + c = 0 ⇐⇒ av 2 +
−
+ c = 0,
2a
2a
4a 2a
lhendo
o que é equivalente a
av 2 +
−b2 + 4ac
= 0.
4a
Observando que a equação assumiu a forma da equação (2.20), temos
que suas soluções são
r
v1 =
b2 − 4ac
4a2
Lembrando que
r
e
b2 − 4ac
,
4a2
v2 = −
u = −b/2a
e que
x=u+v
se
∆ = b2 − 4ac ≥ 0.
temos que as soluções da
equação (2.19) são
x1 = −
b
+ v1
2a
e
como já obtivemos anteriormente.
x2 = −
b
+ v2 ,
2a
62
2
2.4
Equações e Inequações
Inequações
Inequações aparecem de maneira natural em várias situações dentro
do contexto matemático, assim como no próprio dia a dia.
Exemplo 2.31.
Numa loja de esportes as bolas de tênis Welson en-
traram em promoção, passando a custar cada uma três reais. Pedro
que é um assíduo jogador de tênis quer aproveitar ao máximo a oferta
da loja, mas ele só dispõe de cem reais. Qual é a maior quantidade
possível de bolas que Pedro pode comprar?
Solução. Se denotamos por
x
o número de bolas que Pedro compra,
então devemos achar o maior valor possível de
x
tal que
3x ≤ 100.
(2.21)
Notemos que o problema se reduz a encontrar o maior múltiplo
99 = 3 · 33
3 · 34 = 102 > 100
positivo de 3 que seja menor ou igual a 100. Observe que
é o maior múltiplo de 3 menor ou igual a 100, pois
e Pedro não teria orçamento para efetuar a compra. Logo, a solução
é
x = 33,
ou seja, Pedro poderá comprar 33 bolas.
Observemos que no exemplo anterior o que zemos foi achar o
maior valor inteiro de
número
x
real menor
x tal que 3x−100 < 0; porém note que qualquer
que 100/3 satisfaz que 3x − 100 < 0. Isto é um
caso particular de resolução de uma inequação, chamada inequação do
primeiro grau.
2.5
Inequação do Primeiro Grau
2.5
63
Inequação do Primeiro Grau
Uma inequação do primeiro grau é uma relação de uma das formas
abaixo

ax + b < 0, ax + b > 0,
ax + b ≤ 0, ax + b ≥ 0,
onde
a, b ∈ R
e
(2.22)
a 6= 0.
O conjunto solução de uma inequação do primeiro grau é o conjunto
S
de números reais que satisfazem a inequação, isto é, o conjunto
de números que quando substituídos na inequação tornam a desigualdade verdadeira.
Para achar tal conjunto será de vital importância
tomar em conta as seguintes propriedades das desigualdades entre dois
números
•
Invariância do sinal por adição de números reais:
a
e
b
números reais tais que
qualquer número real
tipo:
•
<, ≥
ou
c.
a ≤ b,
a+c ≤ b+c
então
para
O mesmo vale com as desigualdades do
>.
Invariância do sinal por multiplicação de números reais
positivos: sejam a e b números reais tais que a ≤ b, então
ac ≤ bc
c. Resultados
<, ≥ ou >.
para qualquer número real positivo
logos valem para as desigualdades do tipo:
•
sejam
aná-
Mudança do sinal por multiplicação de números reais
negativos: sejam a e b números reais tais que a ≤ b, então ac ≥
bc
c. Resultados
<, ≥ ou >.
para qualquer número real negativo
valem para as desigualdades do tipo:
análogos
64
2
Equações e Inequações
Vejamos como solucionar as inequações estritas
ax + b < 0
ax + b > 0.
e
Para isto, dividimos a análise em dois casos.
•
Caso 1:
a>0
Inequação ax + b < 0:
que
x + b/a < 0
neste caso, dividindo por
S
obtemos
−b/a, em ambos os membros
que x < −b/a. Portanto,
e somando
última inequação, temos
a
desta
= {x ∈ R; x < −b/a},
o qual representamos no seguinte desenho:
S
•
−b/a
Inequação ax + b > 0:
procedendo do mesmo modo que o
caso anterior, obtemos que o conjunto solução vem dado por
S
= {x ∈ R; x > −b/a},
representado no desenho abaixo:
•
S
−b/a
•
Caso 2:
a<0
Inequação ax + b < 0:
sinal da inequação se inverte, obtendo assim que
logo temos que
x > −b/a
S
ao
x + b/a > 0,
neste caso, quando dividimos por
e, consequentemente,
= {x ∈ R; x > −b/a},
cuja representação na reta é a seguinte:
2.5
Inequação do Primeiro Grau
65
•
S
−b/a
Inequação ax + b > 0:
similarmente, o conjunto solução vem
dado por
S
= {x ∈ R; x < −b/a},
cuja representação é a seguinte:
S
•
−b/a
Observação 2.32.
ax + b ≤ 0
e
Notemos que se queremos resolver as inequações
ax + b ≥ 0,
então o conjunto solução S em cada um
dos casos acima continua o mesmo acrescentado apenas do ponto
x=
−b/a.
Vejamos agora um exemplo simples.
Exemplo 2.33.
Para resolver a inequação
8x − 4 ≥ 0,
primeiramente
dividimos por 8 a inequação (prevalecendo o sinal da desigualdade)
1/2 em ambos
x − 4/8 + 1/2 ≥ 1/2, ou seja,
e imediatamente adicionamos
para obter
S
os membros da mesma,
= {x ∈ R; x ≥ 1/2}.
A seguir damos alguns exemplos que podem ser resolvidos usando
inequações lineares.
Exemplo 2.34.
Sem fazer os cálculos, diga qual dos números
a = 3456784 · 3456786 + 3456785 e b = 34567852 − 3456788
é maior?
66
2
Equações e Inequações
x ao número 3456784 então das denições
2
de a e b temos que a = x · (x + 2) + (x + 1) e b = (x + 1) − (x + 4).
2
2
Logo, a = x + 3x + 1 e b = x + x − 3. Se supomos que a ≤ b, então
Solução. Se chamamos de
x2 + 3x + 1 ≤ x2 + x − 3,
e somando
−x2 −x+3 a ambos os membros desta desigualdade obtemos
2x + 4 ≤ 0.
A solução desta inequação do primeiro grau é o conjunto dos
x ≤ −2,
x∈R
x = 3456784. Logo,
nossa suposição inicial de a ser menor ou igual a b é falsa, sendo então
a > b.
tais que
mas isto é falso, desde que
O próximo exemplo já foi tratado antes (ver Problema 2.7), porém
apresentamos a seguir uma solução diferente usando inequações do
primeiro grau.
Exemplo 2.35.
Um quadrado mágico
3×3
é um quadrado de lado 3
dividido em 9 quadradinhos de lado 1 de forma tal que os números de 1
até 9 são colocados um a um em cada quadradinho com a propriedade
de que a soma dos elementos de qualquer linha, coluna ou diagonal é
sempre a mesma. Provar que no quadradinho do centro de tal quadrado
mágico deverá aparecer, obrigatoriamente, o número 5.
Solução. Primeiramente observamos que a soma
45,
1+2+3+···+9 =
logo como há três linhas e em cada uma destas guram números
diferentes temos que a soma dos elementos de cada linha é 15. Logo,
a soma dos elementos de cada coluna ou diagonal também é 15.
Chamemos de
x
o número que aparece no centro do quadrado
mágico, como mostra o desenho a seguir.
2.5
Inequação do Primeiro Grau
67
x
Agora fazemos as seguintes observações:
•
x
O número
não pode ser 9, pois nesse caso em alguma linha,
coluna ou diagonal que contém o quadrado central aparecerá
o número 8, que somado com 9 dá
17 > 15
e isto não pode
acontecer.
•
O número
x não pode ser 1,
pois nesse caso formaria uma linha,
coluna ou diagonal com o número 2 e um outro número que
chamamos de
y,
então
impossível.
1 + 2 + y = 15 ⇔ y = 12,
o qual é
Feitas as observações anteriores, temos então que o número
x forma
uma linha, coluna ou diagonal com o número 9 e algum outro número
que chamamos de
z,
logo
z = 15 − (x + 9) ≥ 1 ⇔ 6 − x ≥ 1,
de onde segue que
x ≤ 5.
x aparece numa linha, coluna ou diagonal
com o número 1 e algum outro número que chamamos de s, logo
s = 15 − (x + 1) = 14 − x ≤ 9, de onde temos que x ≥ 5. Finalmente,
como 5 ≤ x ≤ 5 segue-se que x = 5.
Por outro lado, o número
Exemplo 2.36.
Num triângulo com lados de comprimento
traçamos perpendiculares desde um ponto arbitrário
de comprimento
c,
P,
a, b
e
c
sobre o lado
até cada um dos lados restantes (ver a Figura 2.1).
Se estas perpendiculares medem
x
e
y
e
a > b,
então
68
2
(a) Qual a posição onde deve ser colocado
Equações e Inequações
P
de maneira que
` = x+y
P
de maneira que
` = x+y
seja mínimo?
(b) Qual a posição onde deve ser colocado
seja máximo?
C
a
x P
c
B
y
b
A
Figura 2.1: No desenho, os segmentos que partem do ponto
diculares aos lados
AC
e
S
a área do triângulo e notemos que divi-
dindo este em dois triângulos menores: um com base
b
são perpen-
BC
Solução. Denotemos por
outro com base
P
e altura
a
e altura
y , temos que
ax by
+
= S,
2
2
de onde se segue que
ax = 2S − by
2S − by
x=
.
a
Somando
y
em ambos os lados da última igualdade, obtemos
2S − by
+y
a
2S − by + ay
=
a
2S a − b
=
+
y,
a
a
x+y =
x
e
2.6
Inequação do Segundo Grau
69
logo
` = α + βy,
onde
a−b
2S
e β =
.
a
a
Agora notemos que 0 ≤ y ≤ hb , onde hb denota a altura relativa ao
lado de comprimento b no triângulo dado. Como β é positivo, por ser
a > b, temos então que 0 ≤ βy ≤ βhb e, portanto, α ≤ α + βy ≤
α + βhb , de onde
α=
0 ≤ ` ≤ α + βhb .
` é atingido quando y = 0, portanto
P deve ser colocado no vértice A, e o valor máximo é obtido quando
y = hb , portanto P deve ser colocado no vértice B .
Resumindo, o valor mínimo de
2.6
Inequação do Segundo Grau
Agora passamos a discutir a solução das inequações do segundo grau,
que possuem um maior grau de diculdade quando comparadas com
as inequações do primeiro grau. Será de vital importância o uso das
propriedades da função quadrática
ax2 + bx + c, estudadas no capítulo
anterior.
Uma inequação do segundo grau é uma relação de uma das formas
abaixo

ax2 + bx + c < 0, ax2 + bx + c > 0,
ax2 + bx + c ≤ 0, ax2 + bx + c ≥ 0,
(2.23)
a, b, c ∈ R e a 6= 0. Por simplicidade, chamaremos o número a de
2
coeciente líder da função quadrática ax + bx + c.
onde
70
2
Equações e Inequações
x2 − 3x + 2 > 0 fatoramos
2
equação x − 3x + 2 = 0 são 1 e 2,
Por exemplo, para resolver a inequação
o trinômio usando que as raízes da
isto é,
x2 − 3x + 2 = (x − 1)(x − 2).
O trinômio toma valores positivos quando o produto
positivo, ou seja, quando os fatores
sinal:
•
(x − 1)
e
(x − 2)
(x − 1)(x − 2) for
tenham o mesmo
Ambos positivos:
x−1>0⇔x>1
e
x − 2 > 0 ⇔ x > 2,
logo
•
x > 2.
Ambos negativos:
x−1<0⇔x<1
e
x − 2 < 0 ⇔ x < 2,
logo
Portanto,
x < 1.
x2 − 3x + 2 > 0
se, e somente se,
x<1
ou
x > 2.
A seguir explicamos como podemos resolver a inequação do segundo grau de forma geral.
Suponhamos primeiramente que queremos resolver a inequação
ax2 + bx + c > 0.
(2.24)
2.6
Inequação do Segundo Grau
71
Notemos que valem as seguintes igualdades:
b
c
ax + bx + c = a x + x +
a
a
b
b2
b2
c
2
=a x + x+ 2 − 2 +
a
4a
4a
a
2
2
b
c
b
b
2
−
=a x + x+ 2 −a
a
4a
4a2 a
2
b
∆
=a x+
,
−
2a
4a
2
onde
∆ = b2 − 4ac.
2
(2.25)
Considerando esta igualdade, dividimos em vários
casos:
Caso 1: ∆ = b2 − 4ac > 0.
em conta o sinal de
• (a > 0).
Nesta situação procedemos tomando
a.
Usando (2.25) notamos que basta resolver a inequação
2
b
∆
a x+
−
> 0.
2a
4a
Como
a > 0,
multiplicando por
1/a
em ambos os membros da
desigualdade anterior o sinal desta não muda, obtendo-se então
2
b
∆
x+
− 2 > 0.
2a
4a
Agora usamos que
∆>0
para obtermos que
72
2
onde
b
x+
2a
α=
2
√ !2
2
∆
b
−
x+
2a
2a
!
√ !
√
b− ∆
b+ ∆
x+
= x+
2a
2a
√ !
√ !
−b − ∆
−b + ∆
= x−
x−
2a
2a
∆
− 2 =
4a
√
−b− ∆
e
2a
= (x − α)(x − β) > 0,
β=
Agora notamos que
(x − β)
Equações e Inequações
√
−b+ ∆
são as raízes de
2a
(x − α)(x − β) > 0
ax2 + bx + c = 0.
se os fatores
(x − α)
e
são ambos positivos ou ambos negativos. No primeiro
x > α
caso (ambos positivos) temos que
e
x > β,
mas como
α < β , então x > β . No segundo caso (ambos negativos), temos
que x < α e x < β , logo x < α, novamente por ser α < β .
Resumindo, a solução da inequação vem dada pelo conjunto
S
= {x ∈ R; x < α
ou
x > β},
com a seguinte representação na reta:
S
• (a < 0).
•
α
•
β
S
Esta situação é bem similar à anterior, a única dife-
rença é que ao multiplicar por
1/a o sinal se inverte tendo então
que resolver a inequação
b
x+
2a
2
−
∆
< 0,
4a2
2.6
Inequação do Segundo Grau
73
a qual é equivalente a provar (seguindo os mesmos passos do
caso anterior) que
(x − α)(x − β) < 0,
√
com
−b− ∆
e
2a
α =
√
−b+ ∆
raízes de
2a
β =
ax2 + bx + c = 0.
Notemos que a desigualdade acima é válida sempre que os sinais
(x − α) e (x − β) forem diferentes. Por exemplo,
se x − α > 0 e x − β < 0 temos então que x deve satisfazer a
desigualdade α < x < β , mas isso é impossível considerando que
neste caso α > β , por ser a < 0. No caso restante, se x − α < 0
e x − β > 0 temos então que β < x < α, o que é possível.
dos fatores
Portanto, o conjunto solução, neste caso, é dado por
S
= {x ∈ R; β < x < α},
cuja representação na reta é:
S
•
β
Caso 2: ∆ = b2 − 4ac = 0.
Usando novamente (2.25), devemos
resolver a inequação
b
a x+
2a
a qual é válida para qualquer
a < 0.
Caso 3: ∆ = b2 − 4ac < 0.
os valores de
x
•
α
2
> 0,
b
x 6= − 2a
,
se
a > 0
Neste caso, quando
e sempre falsa, se
a
é positivo todos
reais são solução para (2.24), pois a desigualdade
b
ax + bx + c = a x +
2a
2
2
−
∆
> 0,
4a
74
2
é sempre satisfeita, dado que
∆
− 4a
> 0.
Equações e Inequações
Por outro lado, se
a é negativo
não temos nenhuma solução possível para a inequação (2.24) já que
2
b
∆
ax + bx + c = a x +
−
2a
4a
2
é sempre negativo, dado que
Observação 2.37.
∆
− 4a
< 0.
Para a desigualdade do tipo
ax2 + bx + c < 0
são obtidos resultados similares, seguindo o mesmo processo descrito
anteriormente. Além disso, para as inequações
ax2 + bx + c ≥ 0
e
ax2 + bx + c ≤ 0
os resultados são os mesmos, acrescentados apenas dos pontos
ou
−b/2a,
α, β
dependendo do caso.
Exemplo 2.38.
Provar que a soma de um número positivo com seu
inverso é sempre maior ou igual que 2.
Solução. Seja
x > 0,
então devemos provar que
x+
1
≥ 2.
x
Partimos da seguinte desigualdade, que sabemos vale para qualquer
x ∈ R:
(x − 1)2 ≥ 0
logo
x2 − 2x + 1 ≥ 0 ⇐⇒ x2 + 1 ≥ 2x.
2.6
Se
Inequação do Segundo Grau
x
75
é positivo, podemos dividir ambos os membros da última desi-
gualdade sem alterar o sinal da mesma, ou seja,
x+
1
≥ 2,
x
conforme queríamos provar.
2.6.1 Máximos e Mínimos das Funções Quadráticas
f (x) = ax2 + bx + c,
A função quadrática
como já foi observado ante-
riormente, satisfaz a identidade
2
b
∆
ax + bx + c = a x +
− ,
2a
4a
2
onde
f (x)
∆ = b2 − 4ac.
O valor mínimo (máximo ) da função quadrática
é o menor (maior) valor possível que pode assumir
fazemos
x
do trinômio é obtido quando
Similarmente, quando
quando
f (x)
quando
percorrer o conjunto dos reais.
Da igualdade (2.26) segue-se que, quando
x=
a < 0
x =
Sejam
a, b
a > 0
b
− 2a
e este vale
o valor mínimo
b
∆
f (− 2a
) = − 4a
.
o valor máximo do trinômio é obtido
b
, valendo também
− 2a
Exemplo 2.39.
que
(2.26)
b
∆
f (− 2a
) = − 4a
reais positivos tais que
a + b = 1.
Provar
ab ≤ 1/4.
ab = a(1 − a) = −a2 + a. Denindo f (a) =
−a2 + a, basta provar que f (a) ≤ 1/4 para qualquer 0 < a < 1.
Completando o quadrado a função f (a), obtemos
Solução. Notemos que
f (a) = −(a2 − a) = −(a2 − a + 1/4 − 1/4) = −(a − 1/2)2 + 1/4,
logo este assume seu valor máximo igual a
1/4,
quando
a = 1/2.
76
2
Equações e Inequações
Alguns problemas de máximos ou mínimos não parecem que possam ser resolvidos achando o máximo ou mínimo de funções quadráticas. Porém, estes problemas podem ser reformulados de forma tal
que isto seja possível. Vejamos um exemplo.
Exemplo 2.40. Na gura abaixo ABCD é um retângulo inscrito dentro do círculo de raio
r.
Encontre as dimensões que nos dão a maior
área possível do retângulo
ABCD.
D
C
r y
x
A
B
Solução. A área do retângulo vem dada pela fórmula
A = 2x · 2y = 4xy.
Usando o teorema de Pitágoras, temos que
y=
√
r 2 − x2 ,
(2.27)
logo, substituindo esta última igualdade na fórmula de área anterior,
obtemos
√
A = 4x r2 − x2 .
Não é muito difícil nos convencermos de que as dimensões, que nos
dão a maior área possível para o retângulo
ABCD,
são as mesmas
que nos dão o máximo para o quadrado desta área, ou seja, basta
encontrar as dimensões que maximizam
A2 .
A vantagem que tem esta
2.7
Miscelânea
77
reformulação do problema é que
A2
tem uma expressão mais simples,
dada por
A2 = 16x2 (r2 − x2 ) = 16r2 x2 − 16x4 .
Agora fazemos a mudança
z = x2 ,
para obter
A2 = −16z 2 + 16r2 z = −16 z −
de onde segue que o menor valor de
portanto quando
x=
A2
r2
2
2
+ 4r4 ,
é obtido quando
z =
r2
e
2
√r . Usando agora a igualdade (2.27) temos que
2
r
y=
r2 −
r2
r
=√ .
2
2
Então, o retângulo de maior área possível é o quadrado de lado
2r
√
2
√
= r 2.
2.7
Miscelânea
Nesta seção combinamos a teoria desenvolvida nos tópicos anteriores
para resolver outros tipos de equações com um nível de complexidade
maior.
2.7.1 Equações Modulares
Uma equação modular é aquela na qual a variável incógnita aparece
sob o sinal de módulo. Por exemplo, são equações modulares
(a)
|2x − 5| = 3;
(b)
|2x − 3| = 1 − 3x;
78
2
(c)
Equações e Inequações
|3 − x| − |x + 1| = 4.
Para resolver equações modulares se usam basicamente três métodos:
(1) eliminação do módulo pela denição;
(2) elevação ao quadrado de ambos os membros da equação;
(3) partição em intervalos.
Ilustramos a seguir estes métodos com os exemplos dados em (a),
(b) e (c).
Exemplo 2.41.
|2x − 5| = 3.
Resolver a equação
Solução: O método (1) pode ser utilizado para resolver esta equação.
Para isto, usamos a denição de módulo:

 a
|a| =
−a
se
a ≥ 0,
se
a < 0.
de onde segue-se a propriedade: seja
b um número não negativo, então
|a| = b ⇐⇒ a = b
Logo,
x
ou
a = −b.
é solução da equação se, e somente se,
x
satisfaz uma das
equações de primeiro grau a seguir:
2x − 5 = 3
ou
2x − 5 = −3.
Da primeira equação obtemos a solução
a solução
x2 = 1.
x1 = 4
e da segunda obtemos
2.7
Miscelânea
79
Exemplo 2.42.
Resolver a equação
|2x − 3| = 1 − 3x
Solução: Resolveremos esta equação pelos métodos (1) e (2).
Método (1): Aplicando a denição de módulo temos que resolver a
equação é equivalente a resolver os sistemas mistos
(a)

2x − 3 ≥ 0,
2x − 3 = 1 − 3x,
ou
(b)

2x − 3 < 0,
−(2x − 3) = 1 − 3x.
O sistema (a) não tem solução visto que a solução da equação do
2x − 3 = 1 − 3x ⇔ 5x = 4 é x = 4/5 a qual não satisfaz
a desigualdade 2x − 3 ≥ 0. Por outro lado, no sistema (b) a solução
da equação −(2x − 3) = 1 − 3x tem por solução x = −2 a qual satisfaz
a inequação 2x − 3 < 0. Logo, a única solução da equação é x = −2.
primeiro grau
Método (2): Observemos que a equação é equivalente ao sistema
misto

1 − 3x ≥ 0,
(2x − 3)2 = (1 − 3x)2 .
Resolvendo agora a equação de segundo grau
2
(2x − 3)2 = (1 − 3x)2
a
5x + 6x − 8 = 0, temos que as possíveis soluções
x2 = −2, mas x1 é descartada pois não satisfaz que
qual é equivalente a
x1 = 4/5 e
1−3x1 ≥ 0. Assim, a solução do sistema misto e, portanto, da equação
modular é apenas x2 = −2.
são
Exemplo 2.43. |3 − x| − |x + 1| = 4.
Solução. Neste caso usaremos o método de partição em intervalos que
consiste no seguinte: marcamos na reta real os valores onde
e
|x + 1|
se anulam, neste caso,
x1 = 3
e
x2 = −1.
|3 − x|
Com isto a reta
80
2
numérica é dividida em 3 intervalos
Equações e Inequações
x < −1, −1 ≤ x ≤ 3
e
x > 3.
Agora analisamos a equação em cada intervalo:
Intervalo x < −1: Neste caso a equação modular toma a forma
3 − x − (−x − 1) = 4 ⇐⇒ 4 = 4,
Portanto, todo o intervalo
x < −1
é solução.
Intervalo −1 ≤ x ≤ 3: Neste caso a equação modular toma a forma
3 − x − (x + 1) = 4 ⇐⇒ 2 − 2x = 4,
de onde segue-se que
x = −1.
x = −1.
Portanto, neste intervalo a solução é
Intervalo x > 3: Neste caso a equação modular toma a forma
−3 + x − (x + 1) = 4 ⇐⇒ −4 = 4,
o que é uma contradição. Portanto, neste intervalo não temos solução.
Em resumo, a solução da equação modular é o intervalo
x ≤ −1.
2.7.2 Um Sistema de Equações Não lineares
O seguinte exemplo nos mostra como podemos combinar a técnica de
resolução de sistemas lineares e de equações de segundo grau para
resolver sistemas mais complicados.
Exemplo 2.44.
Resolva o sistema de equações:
√
 x2 + 3x − (x2 − 2)3 = 3,
√
 x2 + 3x + (x2 − 2)3 = 1.
2.8
Exercícios
81
Solução. Propomos a seguinte mudança de variáveis:
u=
√
x2 + 3x
e
v = (x2 − 2)3 .
Assim, o sistema se converte no sistema de equações do primeiro grau

u − v = 3,
u + v = 1,
o qual tem como solução
u=2
e
v = −1.
Verique! Assim,
√
x2 + 3x = 2 ⇐⇒ x2 + 3x = 4,
sendo
x=1
e
x = −4
as soluções desta equação do segundo grau.
Por outro lado
(x2 − 2)3 = −1,
x2 − 2 = −1, sendo x = 1 e x = −1 as soluções desta equação.
Logo, a solução do sistema é x = 1, que é a única que satisfaz u = 2
e v = −1 simultaneamente.
de onde
2.8
Exercícios
1. Observe as multiplicações a seguir:
(a)
12.345.679 × 18 = 222.222.222
(b)
12.345.679 × 27 = 333.333.333
(c)
12.345.679 × 54 = 666.666.666
Para obter
to?
999.999.999 devemos multiplicar 12.345.679 por quan-
82
2
2. Outro
dia
ganhei
250
Equações e Inequações
reais, incluindo o pagamento de horas
extras. O salário (sem horas extras) excede em
200
reais o que
recebi pelas horas extras. Qual é o meu salário sem horas extras?
3. Uma torneira
B
A enche sozinha um tanque em 10 h, uma torneira
enche o mesmo tanque sozinha em 15 h. Em quantas horas
as duas torneiras juntas encherão o tanque?
4. O dobro de um número, mais a sua terça parte, mais a sua quarta
parte somam 31. Determine o número.
5. Uma certa importância deve ser dividida entre 10 pessoas em
partes iguais.
Se a partilha fosse feita somente entre 8 dessas
pessoas, cada uma destas receberia R$5.000,00 a mais. Calcule
a importância.
6. Roberto disse a Valéria: Pense um número, dobre esse número,
some 12 ao resultado, divida o novo resultado por 2.
Quanto
deu? Valéria disse 15 ao Roberto, que imediatamente revelou o número original que Valéria havia pensado. Calcule esse
número.
7. Por
2/3
de um lote de peças iguais, um comerciante pagou
R$8.000,00 a mais do que pagaria pelos
2/5 do mesmo lote.
Qual
o preço do lote todo?
8. Determine um número real
a para que as expressões
3a+6
2a+10
e
8
6
sejam iguais.
9. Se você multiplicar um número real
x
por ele mesmo e do resul-
tado subtrair 14, você vai obter o quíntuplo do número
é esse número?
x.
Qual
2.8
Exercícios
83
10. Eu tenho o dobro da idade que tu tinhas quando eu tinha a
tua idade. Quando tu tiveres a minha idade, a soma das nossas
idades será de 45 anos. Quais são as nossas idades?
11. Um homem gastou tudo o que tinha no bolso em três lojas. Em
cada uma gastou 1 real a mais do que a metade do que tinha ao
entrar. Quanto o homem tinha ao entrar na primeira loja?
12. Com os algarismos
rismos
xy
Quanto
x, y
e
z
yx, cuja soma
valem x, y e z ?
e
formam-se os números de dois algaé o número de três algarismos
zxz .
13. Quantos são os números inteiros de 2 algarismos que são iguais
ao dobro do produto de seus algarismos?
14. Obter dois números consecutivos inteiros cuja soma seja igual a
57.
15. Qual é o número que, adicionado ao triplo do seu quadrado, vale
14?
16. O produto de um número positivo pela sua terça parte é igual a
12. Qual é esse número?
17. Determine dois números consecutivos ímpares cujo produto seja
195.
18. A diferença entre as idades de dois irmãos é 3 anos e o produto
de suas idades é 270. Qual é a idade de cada um?
19. Calcule as dimensões de um retângulo de 16 cm de perímetro e
15 cm2
de área.
84
2
Equações e Inequações
20. A diferença de um número e o seu inverso é
8
.
3
Qual é esse
número?
21. A soma de dois números é 12 e a soma de seus quadrados é 74.
Determine os dois números.
22. Um pai tinha 30 anos quando seu lho nasceu. Se multiplicarmos
as idades que possuem hoje, obtém-se um produto que é igual
a três vezes o quadrado da idade do lho.
Quais são as suas
idades?
23. Os elefantes de um zoológico estão de dieta juntos. Num período
de 10 dias devem comer uma quantidade de cenouras igual ao
quadrado da quantidade que um coelho come em 30 dias. Em
um dia os elefantes e o coelho comem juntos 1.444 kg de cenoura.
Quantos kilos de cenoura os elefantes comem em 1 dia?
24. Sejam
α1
e
α2
Calcule as seguintes expressões, em
(a)
(b)
(c)
ax2 + bx + c, com a 6= 0.
função de a, b e c:
as raízes do polinômio
α1 + α2
;
2
√
√
α1 + α2 ;
√
√
4 α + 4 α .
1
2
25. O número
−3
condições, determine o valor do
Nessas
p(x) = 2x4 +bx3 +cx2 +dx+e que satisfaz
p(x) = p(1 − x).
26. Encontre o polinômio
a equação
x2 − 7x − 2c = 0.
coeciente c.
é a raiz da equação
2.8
Exercícios
85
27. (OBM) Dois meninos jogam o seguinte jogo. O primeiro escolhe dois números inteiros diferentes de zero e o segundo monta
uma equação do segundo grau usando como coecientes os dois
números escolhidos pelo primeiro jogador e 1.998, na ordem
a e b o se1.998x2 + ax + b = 0 ou
que quiser (ou seja, se o primeiro jogador escolhe
gundo jogador pode montar a equação
ax2 + 1.998x + b = 0 etc.)
O primeiro jogador é considerado ven-
cedor se a equação tiver duas raízes racionais diferentes. Mostre
que o primeiro jogador pode ganhar sempre.
28. (OBM) Mostre que a equação
soluções onde
x, y, z
x2 + y 2 + z 2 = 3xyz
tem innitas
são números inteiros.
29. (Gazeta Matemática, Romênia) Considere a equação
a2 x2 − (b2 − 2ac)x + c2 = 0,
a, b e c são números inteiros positivos. Se n ∈ N
p(n) = 0, mostre que n é um quadrado perfeito.
onde
30. (Gazeta Matemática, Romênia) Sejam
equação
a, b ∈ Z.
é tal que
Sabendo que a
(ax − b)2 + (bx − a)2 = x,
tem uma raiz inteira, encontre os valores de suas raízes.
31. (Gazeta Matemática, Romênia) Resolva a equação:
Obs.:
[x]
2x2
= x.
x2 + 1
é o menor inteiro maior ou igual a
x.
86
2
Equações e Inequações
32. Demonstrar que:
(a)
n4 + 4
não é primo se
n > 1;
(b) generalize, mostrando que
n4 + 4n
não é primo, para todo
n > 1.
33. Para fazer 12 bolinhos, preciso exatamente de 100 g de açúcar,
50 g de manteiga, meio litro de leite e 400 g de farinha. Qual a
maior quantidade desses bolinhos que serei capaz de fazer com
500 g de açúcar, 300 g de manteiga, 4 litros de leite e 5 kg de
farinha ?
34. Dadas as frações
966666555557
966666555558
e
966666555558
,
966666555559
qual é maior?
35. Achar o maior valor inteiro positivo de
n
tal que
n200 < 5300 .
36. Achar o menor valor inteiro positivo de
1
2
3
n
tal que
n
10 11 · 10 11 · 10 11 · · · 10 11 > 100000.
37. Nove cópias de certas notas custam menos de R$ 10,00 e dez
cópias das mesmas notas (com o mesmo preço) custam mais de
R$ 11,00. Quanto custa uma cópia das notas?
38. Se enumeram de 1 até
n as páginas de um livro.
Ao somar estes
números, por engano um deles é somado duas vezes, obtendo-se
o resultado incorreto: 1.986. Qual é o número da página que foi
somado duas vezes?
2.8
Exercícios
87
39. Determine os valores de
2
ax − ax + 12
a
para os quais a função quadrática
é sempre positiva.
40. Ache os valores de
x
para os quais cada uma das seguintes ex-
pressões é positiva:
(a)
x
2
x +9
(b)
x−3
x+1
(c)
x2 − 1
x2 − 3x
41. Resolver a equação:
[x]{x} + x = 2{x} + 10,
[x] denota a parte inteira de x. Por exemplo, [2, 46] = 2
[5, 83] = 5. O número {x} é chamado parte fracionária de x e
denido por {x} = x − [x].
onde
e
é
42. Mostre que entre os retângulos com um mesmo perímetro, o de
maior área é um quadrado.
43. Entre todos os triângulos isósceles com perímetro
p
xado, ache
as dimensões dos lados daquele que possui a maior área.
44. (OBM Júnior 1993)
É dada uma equação do segundo grau
x2 + ax + b = 0,
com
a1 e b1 . Consideramos a equação do segundo grau
x + a1 x + b1 = 0. Se a equação x2 + a1 x + b1 = 0 tem raízes
2
inteiras a2 e b2 , consideramos a equação x + a2 x + b2 = 0. Se a
2
equação x +a2 x+b2 = 0 tem raízes inteiras a3 e b3 , consideramos
2
a equação x +a3 x+b3 = 0. E assim por diante. Se encontramos
uma equação com ∆ < 0 ou com raízes que não sejam inteiros,
raízes inteiras
2
encerramos o processo.
88
2
Equações e Inequações
Por exemplo, se começamos com a equação
x2 = 0
podemos
continuar o processo indenidamente. Pede-se:
(a) Determine uma outra equação que, como
x2 = 0,
nos per-
mita continuar o processo indenidamente;
(b) Determine todas as equações do segundo grau completas a
partir das quais possamos continuar o processo indenidamente.
Referências Bibliográcas
[1] AIGNER, M. e ZIEGLER, G. (2002). As Provas estão
no Livro. Edgard Blücher.
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gebra. Projeto Euclides, IMPA.
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MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 1. Sociedade Brasileira de Matemática.
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MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 2. Sociedade Brasileira de Matemática.
[5] LIMA,E.L.;
CARVALHO,P.
C.
P.;
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285
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tica. EDUFCG.
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[11] SANTOS, J. P. O. (1993) Introdução à Teoria dos Nú-
meros. IMPA.
[12] SANTOS, J. P. O.; MELLO, M. P. e MURARI, I. T.
C. (2006). Introdução à Análise Combinatória. Editora
Unicamp.
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plexa. Sociedade Brasileira de Matemática.
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