Princípios básicos de neurociências

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Parte I
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
Princípios básicos
de neurociências
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Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
Biologia celular e
molecular do neurônio
A. Kimberley McAllister, Ph.D.
W. Martin Usrey, Ph.D.
Arnold R. Kriegstein, M.D., Ph.D.
Stephen Rayport, M.D., Ph.D.
M
uitos transtornos neuropsiquiátricos podem ser relacionados a aberrações em mecanismos do desenvolvimento neural. Nos estágios iniciais do desenvolvimento cerebral,
interações celulares representam a força dominante no estabelecimento de conexões no cérebro. À medida que os circuitos se formam, os neurônios individuais, bem como suas conexões, são refinados de um modo dependente da atividade,
direcionados por sua atividade intrínseca e pela competição
por fatores tróficos. Em um estágio mais maduro, a experiência torna-se a força dominante ao dar forma às conexões neuronais e ao regular sua eficácia. No cérebro maduro, esses
mecanismos relacionados ao desenvolvimento neural são controlados de maneira diferente e medeiam a maioria dos processos plásticos (Black, 1995; Kandel e O’Dell, 1992). Os transtornos neuropsiquiátricos originados de problemas no
desenvolvimento cerebral inicial são provavelmente gerados
intrínseca ou geneticamente, enquanto os surgidos durante
estágios mais tardios são provavelmente relacionados à experiência. Na senescência, processos neurodegenerativos podem
desconectar circuitos neurais por mecanismos de desenvolvimento neural empregados erroneamente.
A experiência é tão importante no ajuste fino das conexões neurais, que experiências aberrantes — particularmente
durante os períodos críticos do desenvolvimento — podem
dar origem ou exacerbar transtornos neuropsiquiátricos. Por
exemplo, a oclusão monocular ou o estrabismo em animais
jovens ocasiona uma conectividade patológica permanente no
sistema visual (Hubel et al., 1997). Em humanos, falhas na
visão conjugada durante a infância resultam em perda visual
permanente. Alterações similares, porém mais sutis, ocorrem
na infância, durante o aprendizado. A partir de trabalhos realizados em sistemas nervosos simples de animais, tais como a
lesma marinha Aplysia (Kandel, 1989), sabe-se que alterações
em conexões sinápticas codificam a memória. Aqui, também,
experiências anormais podem alterar permanentemente o padrão da conectividade neuronal. No cérebro humano, estudos
de imagem começam a revelar alterações regionais na atividade cerebral que ocorrem após o aprendizado, sugerindo alte-
rações na força das conexões neuronais (Pantev et al., 1998;
Sadato et al., 1996). Atualmente, pode-se demonstrar que alguns transtornos neuropsiquiátricos funcionais apresentam
um impacto direto sobre a estrutura cerebral; por exemplo, o
transtorno de estresse pós-traumático tem sido associado a
alterações no tamanho do hipocampo (Bremner et al., 1995).
Neste capítulo, focalizaremos primeiro a função celular
dos neurônios e, a seguir, o modo como se desenvolvem. O
ritmo dos avanços recentes nos deixa confiantes de que, em
um futuro não muito distante, será possível intervir durante
os estágios iniciais do desenvolvimento para corrigir aberrações no crescimento e na diferenciação neuronais, ou mais
tardiamente para corrigir a sinalização neuronal, dessa forma
conseguindo tratamentos revolucionários para os transtornos
neuropsiquiátricos.
FUNÇÃO CELULAR DOS NEURÔNIOS
Cada neurônio no cérebro recebe sinais de milhares de
neurônios, os quais, por sua vez, enviam informações a milhares de outros neurônios. Enquanto a atividade em neurônios
sensoriais periféricos pode representar pequenos pedaços de
informação, a atividade das redes dos neurônios no sistema
nervoso central (SNC) representa a informação sensorial integrada e associativa. Os neurônios do SNC podem ser vistos
como parte de uma associação celular dinâmica que troca sua
participação de uma rede para outra na medida em que a informação é utilizada em tarefas variadas. A sofisticação dessas
redes depende tanto das propriedades dos próprios neurônios
quanto dos padrões e da força de suas conexões.
Composição celular do cérebro
As células cerebrais compreendem dois tipos principais:
os neurônios e a glia. Os neurônios são o substrato para a
maior parte do processamento de informações, enquanto se acredita classicamente que a glia desempenha o papel de suporte.
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Yudofsky & Hales
Os neurônios são células altamente diferenciadas que apresentam considerável heterogeneidade de forma e tamanho; na
verdade, existem mais tipos de neurônios do que tipos de células em qualquer outra parte do corpo. Alguns deles estão
entre as maiores células do corpo, como no caso dos neurônios motores superiores, que se projetam à medula espinal lombar e apresentam axônios de um metro ou mais de comprimento; outros estão entre as menores células do corpo, como
no caso das células granulares do cerebelo. Os neurônios são
extremamente numerosos, e suas interconexões, chamadas sinapses, são ainda mais numerosas. O cérebro humano contém entre 1012 e 1013 neurônios. Se cada neurônio forma uma
média de 103 conexões, o que é uma estimativa mínima, então
o cérebro possui pelo menos de 1015 a 1016 sinapses.
As células gliais podem ser divididas em três classes: 1)
astrócitos, 2) oligodendrócitos e 3) microglia. Os astrócitos
apresentam três funções tradicionais: fornecem o assoalho de
sustentação cerebral, formam a barreira hematencefálica e
guiam a migração neuronal durante o desenvolvimento. Entretanto, existe um número crescente de evidências de que as
células astrogliais são mais dinâmicas do que se suspeitava
anteriormente e de que são capazes de realizar sinalização celular a longas distâncias (Dani et al., 1992; Murphy et al., 1993).
Além disso, podem influenciar a atividade neuronal, facilitar a
conectividade neuronal e desempenhar um papel crítico na
regulação da excitabilidade neuronal durante processos normais, bem como em estados patológicos (Araque et al., 1999;
Mennerick e Zorumbski, 1994; Nedergaard, 1994; Pfrieger e
Barres, 1997). Os oligodendrócitos produzem a bainha de mielina, a qual aumenta a velocidade da condução de potenciais
de ação ao longo dos axônios. Assim, em pacientes com esclerose múltipla, resultante de um ataque imunológico à principal proteína da bainha de mielina (proteína básica da mielina),
ocorre uma falha na condução do potencial de ação. As microglias são os macrófagos do cérebro; via de regra, permanecem quiescentes até serem ativadas por lesões neuronais.
Forma neuronal
Os neurônios compartilham uma organização comum, a
qual é ditada por sua função — receber, processar e transmitir
informação. O grande neuroanatomista espanhol Santiago
Ramón y Cajal chamou isso de polarização dinâmica (Craig e
Banker, 1994). Embora os neurônios apresentem grande diversidade de tamanhos e formas, geralmente têm quatro regiões bem-definidas (Figura 1–1): 1) dendritos, 2) corpo celular, 3) axônio e 4) especializações sinápticas. Cada região
apresenta funções distintas. Os dendritos recebem sinais de
outros neurônios, processam e modificam essa informação e
então conduzem esses sinais ao corpo celular. Como em todas
as células, o corpo celular contém, em seu núcleo, a informação genética que codifica para a fabricação dos elementos necessários à função celular e é o local onde esses elementos são
sintetizados, processados e transportados. O axônio transmite
informação a longas distâncias e então se ramifica para formar
as sinapses. As especializações sinápticas são diferenciadas por
suas conexões altamente específicas, com dendritos pós-sinápticos; os elementos-chave são a zona ativa pré-sináptica, de
onde o neurotransmissor é liberado, e a densidade pós-sináptica, onde estão concentrados os receptores para os neurotransmissores na membrana do dendrito pós-sináptico.
A forma de um neurônio é determinada por seu citoesqueleto. Os componentes essenciais do citoesqueleto são três
Figura 1–1 Organização funcional do neurônio. Os neurônios
apresentam regiões celulares distintas que são responsáveis pela
entrada, integração, condução e saída de informações: os dendritos,
o corpo celular, o axônio e as especializações sinápticas,
respectivamente. Neurotransmissores excitatórios e inibitórios
liberados por outros neurônios induzem correntes despolarizantes ou
hiperpolarizantes nos dendritos. Essas correntes convergem ao corpo
celular; se a polarização resultante é suficiente para fazer com que o
segmento inicial do axônio atinja o limiar, um potencial de ação é
iniciado. O potencial de ação percorre todo o axônio, conduzido
rapidamente devido à mielinização, para atingir os terminais
sinápticos. Os terminais axonais formam sinapses com outros
neurônios ou com células efetoras, reiniciando o ciclo de fluxo de
informação nas células pós-sinápticas. Como em todas as células, o
corpo celular (ou pericário) é também onde está localizada a
informação genética do neurônio (no núcleo), sendo o principal sítio
de síntese de macromoléculas.
Fonte: Reeditada de Kandel ER, Schwartz JHS, Jessel TM: Principles of
Neural Science, 3ª edição. Stamford, CT, Appleton & Lange, 1991. Utilizada
com permissão.
proteínas filamentosas: 1) os microtúbulos, 2) a actina e 3) os
neurofilamentos (Schwartz e Westbrook, 2000). Os microtúbulos são compostos de subunidades de tubulina e formam
feixes que se estendem ao longo dos principais processos neu-
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
ronais; são estabilizados por proteínas associadas aos microtúbulos. Os microtúbulos são os principais componentes do
citoesqueleto do dendrito, enquanto os neurofilamentos são
os principais componentes do citoesqueleto axonal. Os neurofilamentos são muito mais estáveis do que os microtúbulos.
Os neurofilamentos agregam-se patologicamente na doença
de Alzheimer, formando os emaranhados neurofibrilares. Os
filamentos de actina, juntamente com várias proteínas que
se ligam à actina, formam uma densa rede concentrada logo
abaixo da membrana celular, a qual fornece a força motora
para a plasticidade da estrutura axônica e dendrítica. Além
de seu essencial papel estrutural, o citoesqueleto medeia o
tráfego intracelular de proteínas e de organelas ao axônio e
aos dendritos (Burack et al., 2000). Assim, defeitos no citoesqueleto causam devastadores danos neuronais; prejuízos no
transporte axonal e dendrítico não apenas interferem na sinalização neuronal, como freqüentemente resultam em morte
celular.
Excitabilidade neuronal
Os neurônios são capazes de transmitir informação porque são elétrica e quimicamente excitáveis. Essa excitabilidade é
conferida por várias famílias de canais iônicos que são seletivamente permeáveis a íons específicos e regulados por voltagem
(canais ativados por voltagem), por ligação com o neurotransmissor (canais ativados por ligantes) ou por pressão ou estiramento (canais ativados mecanicamente) (Hille, 1992). Em geral,
os canais iônicos neuronais conduzem íons através da membrana citoplasmática de forma extremamente rápida — 100
milhões de íons podem passar através de um único canal iônico
em um segundo. Esse intenso fluxo de corrente provoca rápidas alterações no potencial de membrana e é a base para o potencial de ação, o mecanismo biofísico para passagem de informação dentro dos neurônios, e para respostas sinápticas rápidas,
o substrato para transferência de informação entre os neurônios. Como seria esperado, diversas doenças devastadoras resultam de defeitos nos canais iônicos. Por exemplo, na paralisia
periódica hipercalêmica, a rigidez e a fraqueza muscular que se
seguem ao exercício são causadas por uma mutação pontual
nos canais iônicos de Na+ ativados por voltagem; a ataxia episódica resulta de várias mutações pontuais em um canal de K+
ativado por voltagem retificador tardio, e a miastenia grave resulta de um ataque imunológico aos receptores de acetilcolina
nicotínicos (Koester e Siegelbaum, 2000). Canais ativados por
ligantes costumam ser alvo de drogas psiquiátricas e anestésicos, bem como de neurotoxinas.
Os neurotransmissores liberados por um neurônio (a célula pré-sináptica) em uma sinapse ativam receptores (canais
ativados por ligantes) em dendritos de um outro neurônio (a
célula pós-sináptica) e induzem o fluxo iônico através da membrana. Os sinais elétricos resultantes espalham-se passivamente
por certa distância, freqüentemente atingindo o corpo celular
dessa maneira. Além das condutâncias passivas, mecanismos
regenerativos localizados, similares àqueles que dão origem ao
potencial de ação (discutido mais adiante nesta seção), amplificam os sinais que entram no dendrito, potencializando-os de
modo que atinjam o corpo celular (Eilers e Konnerth, 1997;
Yuste e Tank, 1996). No corpo celular, esses sinais sinápticos
combinam-se e, se forem suficientes, despolarizam o segmento inicial do axônio, ou o hilo axonal, parte do axônio mais
próxima ao corpo celular e que apresenta o menor limiar para
ativação. Quando o nível do limiar de despolarização é atingi-
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do, o potencial de ação é iniciado. O potencial de ação é uma
onda elétrica que se propaga ao longo do axônio. Nos terminais axonais, essa onda desencadeia um influxo de cálcio (Ca2+),
o que leva à exocitose dos neurotransmissores das vesículas
sinápticas em áreas especializadas, chamadas de zonas ativas.
O neurotransmissor liberado atravessa a fenda sináptica e ativa receptores na densidade pós-sináptica nos dendritos da
célula pós-sináptica. Por fim, esse fluxo de informação atinge
células efetoras, principalmente fibras motoras que medeiam
o movimento e que, portanto, geram comportamentos.
A habilidade dos neurônios de gerar um potencial de ação
deriva da presença de fortes gradientes iônicos ao longo da
membrana; o sódio (Na+) e o cloreto (Cl–) são altamente concentrados do lado de fora da membrana, enquanto o potássio
(K+) é altamente concentrado do lado de dentro. Esses gradientes são gerados por uma ação contínua das bombas da membrana, as quais obtêm energia da hidrólise de adenosina trifosfato (ATP). Também na membrana estão os canais iônicos
ativados por voltagem, que regulam o fluxo dos íons Na+, K+ e
Ca2+ através da membrana. Em repouso, os canais de K+ e Cl–
estão abertos, de modo que os gradientes de K+ e Cl– determinam o potencial de membrana, fazendo com que a célula seja
negativa do lado de dentro, com valores que variam entre –50 e
–75 mV. Entretanto, se a membrana é despolarizada, ultrapassando o potencial limiar para a geração de um potencial de ação,
os canais de Na+ ativados por voltagem abrem-se rapidamente.
Devido ao fato de que o influxo de Na+ despolariza a membrana, isso confere uma propriedade regenerativa — uma vez que
o potencial limiar é atingido, o aumento no influxo de Na+ leva
à despolarização, o que abre mais canais de Na+, aumentando,
por sua vez, ainda mais o influxo de Na+, e assim consecutivamente. Portanto, uma vez que o limiar é atingido, o potencial de
membrana sobe muito rapidamente para +50 mV. O potencial
de membrana permanece despolarizado apenas por um tempo
de cerca de um milissegundo, já que os canais de Na+ apresentam uma inativação dependente de tempo (Figura 1–2). Ao
mesmo tempo, canais de K+ dependentes de voltagem, os quais
também são ativados pela despolarização, mas em uma velocidade mais baixa, aumentam sua permeabilidade (Figura 1–2).
Devido ao fato de o íon K+ fluir a favor do seu gradiente de
concentração para fora da célula, juntamente com a redução na
corrente de Na+, ocorrerá a repolarização da membrana. Dessa
forma, o potencial de membrana atinge seu pico a um nível de
despolarização determinado pelo gradiente de Na+ e então rapidamente retorna ao potencial de repouso, determinado pelo
gradiente de K+. Uma vez repolarizada, a inativação do Na+ termina (o tempo que isso leva para acontecer indica o período
refratário do neurônio — um breve período no qual o limiar
para disparar um potencial de ação éé elevado
elevado —
— ))ee então a célula pode disparar novamente.
novamente.
A propriedade regenerativa do potencial de ação não apenas serve para amplificar os potenciais limiares (sua principal
função nos dendritos), mas também para dar capacidade de
sinalização a longas distâncias ao axônio (Figura 1–3). Quando o potencial de membrana atinge seu pico, sob o comando
do aumento da permeabilidade ao Na+, regiões adjacentes do
axônio tornam-se suficientemente despolarizadas, de maneira
que são levadas, por sua vez, ao limiar, e geram um potencial
de ação. À medida que segmentos axonais sucessivos são despolarizados, o potencial de ação é conduzido com grande velocidade ao longo do axônio. Isso é potencializado pela mielinização, que aumenta várias vezes a velocidade de condução,
pois restringe o fluxo de corrente necessário para a condução
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Yudofsky & Hales
segundos-mensageiros também podem afetar profundamente
a atividade ou a propriedade de resposta dos neurônios, levando a um repertório ainda maior de funcionamento de neurônios individuais. Portanto, estímulos sinápticos podem não apenas evocar uma resposta em um neurônio pós-sináptico, mas
também dar forma a padrões de disparo intrínsecos, fazendo
com que a célula altere de um modo de atividade a outro, ou
modulando respostas a outros estímulos sinápticos.
Sinalização entre neurônios
Figura 1–2 A abertura de canais iônicos dá origem ao potencial
de ação. O potencial de ação é composto primariamente de duas
correntes: a de sódio (Na+) e a de potássio (K+). Uma vez que o
neurônio atinge o limiar para o disparo do potencial de ação, canais
de sódio dependentes de voltagem abrem-se, dando início à rápida
corrente de entrada de Na+ e à rápida fase de aumento no potencial
de ação. Em seguida, os canais de Na+, que são rapidamente
inativados em potenciais despolarizados, encurtam a duração da
corrente de Na+ e, portanto, contribuem para a fase de queda no
potencial de ação. A corrente de saída de K+ também contribui para
a fase de queda do potencial de ação, já que os canais de K+ são
lentos para abrir, mas permanecem abertos por mais tempo do que
os de Na+. Abreviações: ENa e EK = potenciais reversos para Na+ e K+,
respectivamente.
Fonte: Reeditada de Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM: Principles of
Neural Science, 4ª edição. New York, Mcgraw-Hill, 2000, p.158. Utilizada com
permissão.
do potencial de ação aos espaços localizados entre os segmentos da mielina — aos nódulos de Ranvier (Figura 1–3). Devido
às suas características de “tudo-ou-nada” e à sua habilidade
em ser conduzido por longas distâncias, o potencial de ação
confere ao neurônio um mecanismo de sinalização digital de
alta qualidade.
Embora a informação integrada por um neurônio venha
da entrada sináptica, a maneira como o neurônio processará
essa informação depende de suas propriedades intrínsecas (Llinás, 1988). Muitos neurônios no SNC possuem a capacidade
de gerar seus próprios padrões de atividade na ausência de entrada de informação sináptica, disparando a uma taxa regular
(disparo marca-passo) ou em grupamentos de picos (disparo
em rajada) (McCormick e Bal, 1997). Essa atividade endógena é
comandada por canais iônicos especializados, os quais apresentam dependência de voltagem e tempo próprios, periodicamente levando o segmento inicial do axônio ao seu limiar. Esses canais podem ser modulados pelo potencial de membrana
da célula ou por sistemas de segundos-mensageiros. Além disso, neurônios do SNC podem ser alterados profundamente na
maneira como respondem a um dado estímulo sináptico em
função de pequenas alterações no potencial de repouso (Llinás
e Jahnsen, 1982; Sherman, 1996) (Figura 1–4). Por exemplo, um
neurônio talâmico dispara como marca-passo quando estimulado a partir de níveis levemente despolarizados, enquanto dispara em rajadas de pontecial de ação quando estimulado a partir de níveis hiperpolarizados. Alterações nos níveis de
Os neurônios comunicam-se uns com os outros em locais
especializados de grande proximidade de aposição da membrana chamados sinapses. O protótipo de sinapse axodendrítica
conecta um terminal axônico pré-sináptico a um dendrito póssináptico. Esse arranjo é típico para neurônios de projeção que
transmitem informação de uma região a outra do cérebro. Em
contrapartida, interneurônios de circuitaria local interagem com
neurônios vizinhos. Enquanto os interneurônios podem apresentar conexões axodendríticas e axossomáticas, eles também
podem formar vários outros tipos de contatos sinápticos que
aumentam de forma significativa sua sofisticação funcional (Figura 1–5). Em alguns casos, dendritos podem fazer contatos
sinápticos com dendritos (conexões dendrodendríticas), ou corpos celulares com corpos celulares (conexões somatossomáticas), formando circuitos neurais locais que transmitem informação sem disparar o potencial de ação. Axônios podem formar
sinapse em terminais axônicos de outros axônios (conexões axoaxônicas) e modular a liberação de neurotransmissores mediante a inibição ou a facilitação pré-sináptica. Alguns neurônios
podem funcionar como interneurônios e como neurônios de
projeção, sendo o exemplo mais importante os neurônios
GABAérgicos (ácido γ-aminobutírico, GABA) mediais espinhosos do estriado, os quais constituem aproximadamente 95%
dos neurônios dessa região (A.D. Smith e Bolam, 1990).
Uma minoria das conexões locais é mediada por sinapses
elétricas, que não requerem neurotransmissores químicos. As
sinapses elétricas são formadas por canais compostos de multissubunidades, chamados de junções comunicantes, os quais
ligam o citoplasma de células adjacentes (Bennett et al., 1991),
permitindo que pequenas moléculas e íons carregando sinais
elétricos fluam diretamente de uma célula a outra. Sinapses
elétricas conectam dendritos ou corpos celulares de células
adjacentes do mesmo tipo, tipicamente dendritos a dendritos
ou corpos celulares a corpos celulares. A capacidade de passagem de pequenas moléculas entre as células, incluindo segundos-mensageiros, é importante durante o desenvolvimento embrionário para estabelecer gradientes morfogênicos (Dealy et
al., 1994) e durante o desenvolvimento inicial do cérebro para
regular a proliferação celular e estabelecer padrões de conectividade (Kandler e Katz, 1995). No SNC maduro, sinapses elétricas agem para sincronizar a atividade elétrica de grupos de
neurônios e mediar a transmissão de alta freqüência de sinais
(Bennett, 1977; Brivanlou et al., 1998; Tamas et al., 2000). As
células gliais também são conectadas por junções comunicantes que ligam essas células, formando um grande sincício e
fornecendo avenidas para propagação intercelular de sinais químicos mediados por pequenas moléculas e por íons, tais como
o Ca2+ (S.J. Smith, 1994). A importância das junções comunicantes para a função das células gliais é enfatizada pelo fato
de que a forma ligada ao X da doença de Charcot-MarieTooth é causada por uma simples mutação no gene da conexina necessário para a formação das junções comunicantes
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
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Figura 1–3 Condução do potencial de ação. Painel A. Representação esquemática de um axônio mielinizado. Os oligodendrócitos produzem
a bainha de mielina que reveste os axônios. A mielina previne o vazamento de corrente entre os nódulos de Ranvier (local onde há
concentração de canais de Na+), aumentando, portanto, a velocidade de condução do potencial de ação. Painel B. Devido ao fato de os canais
de Na+ serem ativados pela despolarização da membrana e também induzirem despolarização, eles têm propriedades regenerativas. Isso não é
responsável apenas pelas propriedades de “tudo-ou-nada” do potencial de ação, mas também explica a rápida propagação do potencial de
ação ao longo do axônio. O potencial de ação é uma onda elétrica, como mostrado nesta figura. À medida que cada segmento do axônio é
despolarizado, despolariza o segmento subseqüente, levando a alterações na corrente local produzida pela iniciação do potencial de ação em
sítios específicos, como mostrado em detalhe no Painel C. Painel C. O fluxo de íons Na+, responsável pelo potencial de ação, é mostrado em
três imagens sucessivas a intervalos de 0,5 milissegundos (ms) e corresponde aos traços de correntes observados no Painel B. À medida que o
potencial de ação é propagado para a direita, os canais de Na+ fechados vão sendo abertos e, em seguida, inativados e fechados novamente.
Dessa forma, um potencial de ação iniciado no segmento inicial do axônio é conduzido até o terminal axonal. Devido à inativação dos canais de
Na+ e à ativação dos canais de K+, há um período refratário após o potencial de ação, razão pela qual a condução procede em apenas uma
direção.
Fonte: Reeditada de Purves D, Augustine GJ, Fitzpatrick D et al., (eds): Neuroscience. Sunderland, MA, Sinauer Associates, 1997, p.67. Utilizada com
permissão.
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Yudofsky & Hales
Figura 1–4 Propriedades intrínsecas determinam as respostas neuronais. Muitos neurônios do SNC respondem de formas diferentes aos
mesmos estímulos, dependendo do seu nível de despolarização. Painel A. Neurônios talâmicos geram espontaneamente disparos de potencial
de ação, resultantes da interação entre uma corrente marca-passo e uma corrente de Ca2+. A despolarização desses neurônios altera seu
disparo para um modo tônico. Painel B. Disparos de potenciais de ação a uma maior resolução de tempo a partir do traçado do Painel A. Painel
C. Maior resolução de tempo das correntes do modo tônico do painel A. Abreviações: Ih e IT = as correntes através de canais ativados pela
hiperpolarização e por canais de cálcio do tipo T, respectivamente.
Fonte: Reeditada de McCormick DA: “Membrane Potential and Action Potential”, em Fundamental Neuroscience. Editado por Zigmond MJ, Bloom FE,
Landis SC, et al., San Diego, CA, Academic Press, 1999, p.150. Utilizada com permissão.
entre as células de Schwann (revisado em Schenone e Mancardi, 1999).
A maioria das conexões sinápticas no SNC é mediada por
neurotransmissores químicos. Embora as sinapses químicas
sejam mais lentas do que as elétricas, permitem a amplificação
do sinal, podem ser inibitórias ou excitatórias, são suscetíveis
a uma ampla faixa de modulação e podem modular as atividades de outras células através da liberação de transmissores que
ativam cascatas de segundos-mensageiros. Existem duas classes principais de neurotransmissores no sistema nervoso: pequenas moléculas transmissoras e neuropeptídeos. Em geral,
as pequenas moléculas transmissoras medeiam a transmissão
sináptica rápida, são armazenadas em vesículas sinápticas pequenas e claras e incluem o glutamato, o GABA, a glicina, a
acetilcolina, a serotonina, a dopamina, a norepinefrina, a epinefrina e a histamina. Os mecanismos celulares e moleculares
de liberação dessas vesículas sinápticas serão descritos em seguida. Em contrapartida, os neuropeptídeos representam uma
grande família de neurotransmissores que modulam a transmissão sináptica, são armazenados em grandes vesículas den-
sas e incluem a somatostatina, os hormônios liberadores hipotalâmicos, as endorfinas, as encefalinas e os opióides. É interessante notar que as pequenas moléculas transmissoras e
os neuropeptídeos são freqüentemente liberados pelo mesmo
neurônio e podem agir em conjunto sobre o mesmo alvo
(Hökfelt et al., 1984).
As pequenas moléculas transmissoras são armazenadas
em grânulos claros e pequenos delimitados por membrana,
denominados de vesículas sinápticas (Figura 1–6). Cada vesículas sináptica contém vários milhares de moléculas de neurotransmissores. Quando um potencial de ação pré-sináptico
invade a região terminal, canais de Ca2+ dependentes de voltagem são ativados (Figuras 1–6 e 1–7). O subseqüente influxo
de Ca2+ provoca um grande aumento na concentração de Ca2+
próximo à zona ativa, o que promove a fusão da vesícula sináptica e a liberação do neurotransmissor, a qual é chamada
de exocitose. O neurotransmissor então se difunde em uma
curta distância pela fenda sináptica e se liga aos receptores
pós-sinápticos. A dinâmica e a modulação da transmissão sináptica são fundamentais para alterações nas conexões sináp-
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Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
Figura 1–5 Modos de intercomunicação neuronal. Painel A.
Diferentes padrões de conexão ditam como a informação flui entre
os neurônios. Na divergência sináptica, um neurônio (a) pode
disseminar informação a várias células pós-sinápticas (b-f) ao mesmo
tempo. Alternativamente, no caso da convergência sináptica, um
único neurônio (d) pode receber estímulos de vários neurônios présinápticos (a-c). Na inibição pré-sináptica, um neurônio (b) pode
modular o fluxo de informação entre dois outros neurônios (de a
para c) por influenciar a liberação de neurotransmissores pelos
terminais do neurônio pré-sináptico, de maneira inibitória (como
mostrado) ou facilitatória. Painel B. Os neurônios podem modular
suas próprias ações. Em uma inibição por pró-alimentação, a célula
pré-sináptica (a) pode ativar diretamente a célula pós-sináptica (b) e,
ao mesmo tempo, modular seus efeitos através da ativação de uma
célula inibitória (c), a qual, por sua vez, inibe a célula b. Na inibição
recorrente (a informação flui de acordo com a indicação das setas),
uma célula pré-sináptica (a) ativa uma célula inibitória (b), que faz
um contato sináptico de volta com a mesma célula, limitando a
duração de sua atividade. Abreviações: pa = potencial de ação; il =
inibição lateral; ir = inibição recorrente.
Figura 1–6 Micrografias eletrônicas de sinapses químicas. Junções
neuromusculares do músculo sartório de rã foram rapidamente
congeladas milissegundos após tratamento com potássio para
aumentar a transmissão sináptica. Painel A. As vesículas sinápticas
estão agrupadas em duas zonas ativas (setas), as quais são os sítios
onde as vesículas podem fundir-se com a membrana plasmática e
liberar o neurotransmissor. Painel B. Após a estimulação, padrões
ômega de vesículas em processo de liberação do neurotransmissor
são visíveis.
Fonte: Reeditada de Zucker RS, Kullmann DM, Bennett M: “Release of
Neurotransmitters” em Fundamental Neuroscience. Editado por Zigmond MJ,
Bloom FE, Landis SC et al., San Diego, CA, Academic Press, 1999, p.156.
Utilizada com permissão.
Fonte: Adaptada de Shepherd GM, Koch C: “Introduction to Synaptic
Circuits”, em The Synaptic Organization of the Brain. Editado por Shepherd
GM. New York, Oxford University Press, 1990, p.3-31. Utilizada com
permissão.
3.
ticas responsáveis pelo aprendizado e pela memória tanto em
situações normais quanto patológicas. A maquinaria molecular (Figura 1–8) da transmissão sináptica está agora sendo compreendida (Scheller, 1995; Sudhof, 1995). É interessante notar
que várias neurotoxinas potentes agem diretamente nessa
maquinaria (ver a seguir). A transmissão sináptica compreende uma seqüência complexa de eventos pré e pós-sinápticos.
Seis eventos principais estão envolvidos no ciclo da vesícula
sináptica (Figura 1–7):
1. As vesículas ficam ancoradas em zonas ativas antes de sua
liberação por exocitose.
2. Ocorre a preparação ou priming quando as vesículas ficam prontas para responder ao aumento do Ca2+ intrace-
4.
5.
6.
lular (as potentes neurotoxinas botulínica e tetânica bloqueiam a transmissão sináptica ao causar proteólise de
moléculas-chave envolvidas na preparação).
Desencadeada pelo influxo de Ca+2, ocorre então a fusão/
exocitose em menos de 1 milissegundo, liberando o neurotransmissor na fenda sináptica.
O processo de endocitose recupera a membrana das vesículas sinápticas.
As vesículas sinápticas são novamente preenchidas com
neurotransmissor, um processo direcionado por um gradiente ácido intravesicular ou por um gradiente de voltagem.
As vesículas sinápticas preenchidas são transportadas de
volta à zona ativa, completando o ciclo.
A duração da atividade do neurotransmissor em geral é
limitada por vários mecanismos que rapidamente removem o
neurotransmissor liberado da fenda sináptica. Em primeiro
26
Yudofsky & Hales
Figura 1–7 Passos na transmissão sináptica em uma sinapse química. Os passos essenciais na transmissão sináptica estão numerados.
Fonte: Reeditada de Purves D, Augustine GJ, Fitzpatrick D et al. (eds): Neuroscience. Sunderland, MA, Sinauer Associates, 1997, p.88. Utilizada com
permissão.
lugar, em alguma proporção, todos os neurotransmissores se
difundem para fora da fenda. Em segundo, os neurotransmissores podem ser enzimaticamente degradados; por exemplo, a
acetilcolina é hidrolisada pela acetilcolinesterase, a qual encontra-se ligada à membrana pós-sináptica adjacente aos receptores. E, em terceiro, embora as monoaminas e os aminoácidos neurotransmissores sejam também sujeitos à degradação
enzimática, são principalmente removidos da fenda sináptica
por um mecanismo de recaptação rápida e, subseqüentemen-
te, reempacotados em vesículas sinápticas ou metabolizados
(Amara e Kuhar, 1993).
Os transportadores de neurotransmissores monoaminérgicos (Figura 1–9), os quais medeiam esse rápido processo de
recaptação, são sítios de ação de um grande número de drogas
e neurotoxinas. Entre eles, podemos destacar os antidepressivos tricíclicos, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), os psicoestimulantes e a neurotoxina 1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetrahidropiridina (MPTP) (Giros e Caron, 1993;
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
27
Figura 1–8 Eventos moleculares na ancoragem e fusão das vesículas sinápticas. Um conjunto coordenado de proteínas está envolvido no
posicionamento das vesículas na membrana pré-sináptica e no controle da liberação pela fusão com a membrana. Painel A. Muitas das
proteínas das vesículas sinápticas que foram recentemente clonadas integram esse processo. Algumas dessas proteínas interagem com o
citoesqueleto para posicionar as vesículas no terminal, enquanto outras são proteínas integrais ao processo de fusão. Além disso, várias dessas
proteínas das vesículas sinápticas são alvos para neurotoxinas que funcionam influenciando a liberação de neurotransmissores. Painel B. A
teoria atual de como as vesículas sinápticas fundem-se com a membrana e liberam neurotransmissores é chamada de hipótese SNARE. Tanto as
vesículas sinápticas quanto a membrana plasmática expressam proteínas específicas que medeiam a ancoragem e a fusão: v-SNAREs (vesículas
sinápticas) e t-SNAREs (membrana plasmática). As vesículas são trazidas para próximo da membrana por meio de interações entre a VAMP
(sinaptobrevina), a sintaxina e a SNAP-25. A proteína de fusão sensível à N-etilmaleimida (FSN) liga-se ao complexo, facilitando a fusão. O
influxo de cálcio é necessário para estimular a fusão, mas o sítio preciso de ligação para o cálcio e os eventos exatos que levam à fusão
permanecem indefinidos. Painel C. A estrutura cristalizada do complexo de fusão, mostrada aqui, é consistente com a hipótese SNARE.
Abreviações: BoNT = toxina botulínica; TeNT = toxina tetânica.
Fonte: Adaptada de Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM: Principles of Neural Science, 4ª edição. New York, Mcgraw-Hill, 2000, p.271-273. Utilizada com
permissão.
28
Jaber et al., 1997). Os tricíclicos bloqueiam a recaptação de serotonina e noradrenalina, enquanto os ISRSs, como seu nome
sugere, bloqueiam seletivamente a recaptação de serotonina.
Outros antidepressivos mais novos bloqueiam o mecanismo de
inibição por retroalimentação da liberação, aumentando, assim,
os níveis sinápticos de serotonina. A cocaína previne a recaptação de dopamina e serotonina, enquanto a anfetamina retarda a
recaptação de dopamina e serotonina, além de também induzir
a liberação de dopamina (Ramamoorthy e Blakely, 1999; Saunders et al., 2000). Estudos moleculares também têm sugerido
que a ligação da cocaína e a recaptação da dopamina ocorrem
em sítios distintos do transportador, indicando a possibilidade
de que a ação da cocaína poderia ser bloqueada com sucesso,
sem impedir o processo de recaptação normal (Kitayama et al.,
1992). Camundongos modificados geneticamente nos quais o
transportador de dopamina está ausente apresentam uma importante persistência da dopamina sináptica, como se estivessem
permanentemente sob o efeito de psicoestimulantes; os psicoestimulantes não têm efeito sobre esses animais, confirmando
que o transportador de dopamina é essencial para a ação dessas
drogas (Giros et al., 1996). O MPTP é captado seletivamente
pelo transportador de dopamina (Javitch e Snyder, 1984) e então provoca um aumento no estresse oxidativo, levando à morte dos neurônios dopaminérgicos e à doença de Parkinson induzida pela droga (Przedborski e Jackson-Lewis, 1998).
Respostas pós-sinápticas rápidas
A ação de um neurotransmissor depende das propriedades dos receptores pós-sinápticos ao qual ele se liga. Os receptores pós-sinápticos ativados por neurotransmissores dividem-se em duas classes: receptores ionotrópicos e
metabotrópicos (discutidos na seção a seguir). Os receptores
ionotrópicos são diretamente acoplados a um canal iônico;
esses receptores sofrem uma mudança conformacional que
abre o canal quando há a ligação do neurotransmissor. Isso
resulta em despolarização, dando origem a um potencial excitatório pós-sináptico, ou em hiperpolarização, dando origem a
um potencial inibitório pós-sináptico. A junção neuromuscular é o protótipo de uma sinapse excitatória; a ligação simultânea de duas moléculas de acetilcolina abre um canal no receptor que é permeável a Na+ e a K+ (Karlin e Akabas, 1995). Isso
resulta em uma forte despolarização da membrana pós-sináptica mediada pelo influxo de Na+ (e modulada pelo efluxo de
K+), levando a um potencial de ação que evoca a contração na
fibra motora. Canais ativados por ligantes são encontrados em
sinapses, tais como a junção neuromuscular, onde a ativação
rápida e confiável da célula pós-sináptica é necessária. Na junção neuromuscular, a resposta pós-sináptica é suficientemente forte, de maneira que existe uma tradução de um-para-um
das variações de voltagem do neurônio motor para as variações de voltagem da fibra muscular, assegurando, portanto,
uma contração muscular confiável.
Diferentemente da junção neuromuscular, os neurônios
do SNC funcionam em redes dinâmicas, nas quais geralmente
nenhuma célula individual possui uma conexão sináptica tão
forte com outra célula, de forma que possa atingir sozinha o
seu limiar. Em vez disso, grupos de neurônios — ativados em
conjunto — convergem em um neurônio pós-sináptico para
gerar múltiplos potenciais pós-sinápticos. Esses potenciais podem somar-se em regiões do neurônio pós-sináptico (somação espacial), caso ocorram suficientemente próximos, a tempo de provocar o disparo do neurônio pós-sináptico. Como
Yudofsky & Hales
regra, canais rápidos ativados por ligante medeiam o fluxo de
informação, representando padrões de informação sensorial
e associações entre modalidades sensoriais, responsáveis por
representações centrais que, em última análise, darão origem
a respostas motoras. No SNC, receptores glutamatérgicos medeiam a maioria das transmissões excitatórias rápidas; o GABA
e a glicina são os neurotransmissores inibitórios mais comuns.
Receptores glutamatérgicos
Os receptores glutamatérgicos são divididos em três tipos
gerais: receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), receptores
ionotrópicos não-NMDA, e receptores glutamatérgicos metabotrópicos (Dingledine et al., 1999; Hollmann e Heinemann,
1994). Os receptores glutamatérgicos são todos proteínas
multiméricas, em geral compostas de quatro subunidades. Os
receptores NMDA são formados de combinações das subunidades NR1 e NR2; a subunidade NR1 é universalmente expressa em neurônios, enquanto a subunidade NR2, a qual pode
ser de vários subtipos, é expressa heterogeneamente durante o
desenvolvimento e também entre os diferentes tipos de neurônios, dando origem a diferentes propriedades de resposta
(Schoepfer et al., 1994). Os receptores NMDA despolarizam a
célula pela abertura de canais que permitem principalmente a
entrada de Ca2+ na célula (MacDermott et al., 1996). A propriedade mais fascinante dos receptores NMDA é que seu canal
iônico costuma estar bloqueado pelo íon Mg2+ em potenciais
de membrana mais negativos do que –40 mV (Mayer et al.,
1994). Como resultado, no potencial de repouso da maioria
dos neurônios, o canal do receptor NMDA encontra-se obstruído. Para a corrente fluir pelos canais NMDA, o glutamato
deve ligar-se ao receptor e a membrana deve ser despolarizada
simultaneamente para deslocar o Mg2+. Esse duplo requerimento representa o papel único dos receptores NMDA em
processos tão variados como a sinaptogênese, o aprendizado e
a memória e até mesmo a morte celular. É provável que os
receptores NMDA sejam essenciais para o desempenho adequado de funções psiquiátricas; camundongos transgênicos
com a expressão reduzida dos receptores NMDA apresentam
comportamentos similares àqueles vistos em pacientes com
esquizofrenia (Mohn et al., 1999).
Os receptores glutamatérgicos não-NMDA são divididos em: receptores ácido α-amino-3-hidróxi-5-metilisoxazol-4-propiônico (AMPA) e receptores kainato, com base em
suas afinidades por esses análogos glutamatérgicos. Os receptores AMPA são formados a partir de combinações de
subunidades GluR1 a GluR4, e os receptores kainato, por
combinações de subunidades GluR5 a GluR7, além das subunidades KA1 e KA2. A complexidade dos tipos dos possíveis receptores glutamatérgicos aumenta ainda mais pela existência de conformações flip e flop das subunidades de GluR1
a GluR4 e das modificações pós-transducionais do RNAm
do receptor glutamatérgico (Puchalski et al., 1994; Seeburg,
1996; Sommer et al., 1990). Receptores não-NMDA geralmente estão acoplados a canais iônicos que permitem a entrada de Na+ e não de Ca2+ através da membrana. A subunidade GluR2 do canal iônico do receptor AMPA é responsável
pelo bloqueio da passagem de Ca+2. Recentemente, foram
identificados neurônios que expressam receptores AMPA, nos
quais a subunidade GluR2 está ausente, permitindo, dessa forma, a passagem do Ca+2, bem como do Na+, pelo canal (Geiger
et al., 1995). Neurônios que expressam tais receptores AMPA
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
29
Figura 1–9 Transportadores de neurotransmissores. A transmissão sináptica no SNC é terminada, na maioria dos casos, mediante a
recaptação dos neurotransmissores por transportadores específicos, os quais apresentam constituições moleculares comuns. Esses
transportadores carreiam neurotransmissores através da membrana contra seus gradientes de concentração e, portanto, necessitam de energia
metabólica. Freqüentemente, essa energia é fornecida pelo co-transporte de um íon a favor do seu gradiente de concentração. Painel A. Uma
família de transportadores localizados nas vesículas sinápticas tem a função de preencher a vesícula sináptica com neurotransmissores ou
precursores de neurotransmissores. Painel B. Uma segunda família de transportadores localizados na membrana plasmática com oito domínios
transmembrana é responsável pelo transporte de neurotransmissores aminoácidos, tais como o glutamato e o GABA. Painel C. Uma terceira
família de transportadores localizados na membrana plasmática com 12 domínios transmembrana é responsável pelo transporte das
monoaminas dopamina, norepinefrina e serotonina.
Fonte: Reeditada de Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM: Principles of Neural Science, 4ª edição. New York, Mcgraw-Hill, 2000, p.287. Utilizada com
permissão.
30
permeáveis ao Ca2+ podem ser particularmente vulneráveis à
morte celular por excitoxicidade em certos estados patológicos.
Yudofsky & Hales
também aos receptores da glicina) (Mascia et al., 2000; Mihic
et al., 1997).
Receptores metabotrópicos
Receptores GABAérgicos
Potenciais inibitórios pós-sinápticos no cérebro são mediados principalmente por receptores GABAérgicos. Várias
classes de receptores GABAérgicos foram identificadas. Receptores do tipo GABAA são ionotrópicos e formam canais
seletivos ao Cl– que medeiam a inibição sináptica rápida no
cérebro. Receptores do tipo GABAB são metabotrópicos, tendem a ser de ação mais lenta e desempenham um papel modulatório; costumam ser encontrados em terminais pré-sinápticos, onde inibem a liberação de transmissores. Os receptores
GABAA são membros da superfamília do receptor nicotínico
da acetilcolina (DeLorey e Olsen, 1992; Schofield et al., 1990).
O complexo receptor-canal GABAA é composto de uma mistura de cinco subunidades das famílias α, β, γ e ρ. Isso dá origem a receptores com propriedades variadas, dependendo da
composição específica de subunidades do receptor. Já que a
maioria das famílias de subunidades apresenta múltiplos subtipos, alguns dos quais podem sofrer fusão no RNA, existe um
potencial para uma extraordinária diversidade na função do
receptor GABAA.
As seqüências de RNAm para subunidades múltiplas ou
individuais dos receptores podem ser injetadas em oócitos
ou em células de mamíferos sob cultura, e as propriedades
das combinações de subunidades do receptor expressas subseqüentemente podem ser definidas. Essa técnica tem demonstrado como as propriedades de um receptor GABAA
particular depende da composição de subunidades, bem como
das interações entre estas. Mutações direcionadas a sítios
específicos têm sido aplicadas no sentido de localizar os sítios de ligação de ligantes específicos nas subunidades do
receptor. A subunidade α, por exemplo, possui um sítio de
ligação para benzodiazepínicos (Pritchett et al., 1989). As ações
clínicas dos benzodiazepínicos, como também de outras duas
classes de drogas depressoras do SNC, os barbitúricos e os
esteróides anestésicos, parecem estar relacionadas com sua
habilidade de ligarem-se aos receptores GABAA, aumentando o fluxo de íons através do receptor (Callachan et al., 1987;
Choi et al., 1981; MacDonald e Barker, 1978; Majewska et
al., 1986). Os canais individuais GABAA não permanecem
continuamente abertos na presença de GABA; em vez disso,
abrem-se e fecham-se. Os benzodiazepínicos aumentam a
corrente GABAérgica por aumentarem a freqüência das aberturas do canal, sem alterar o tempo de abertura ou a condutância (Study e Barker, 1981). Os barbitúricos prolongam o
tempo de abertura do canal sem alterar a freqüência de aberturas ou a condutância (MacDonald et al., 1989; Mathers e
Baker, 1981). Os esteróides, tais como a androsterona e a pregnenolona, aumentam o tempo e a freqüência das aberturas
(Twyman e MacDonald, 1992). Independentemente dos diferentes mecanismos de ação, cada uma dessas drogas aumenta a transmissão GABAérgica, a qual é responsável pelas
propriedades anticonvulsivantes compartilhadas pelas três.
Na verdade, eles podem diretamente contrabalançar uma deficiência de GABA originada pela redução no número de
transportadores de GABA no córtex epileptogênico, o que
pode ser a etiologia da epilepsia (During et al., 1995). Mais
recentemente, foi demonstrado que anestésicos gerais, bem
como o álcool, agem através da ligação ao receptor GABAA (e
Efeitos modulatórios a longo prazo geralmente são mediados por receptores metabotrópicos. Esses receptores nãoconectados a canais regulam a função celular através da ativação de proteínas G, que se conectam a cascatas de
segundos-mensageiros. Embora existam outros receptores
não-conectados a canais que também são catalíticos, no SNC
apenas os receptores conectados à proteína G são encontrados. Na verdade, a maioria dos neurotransmissores e neuromoduladores exercem seus efeitos através da ligação a receptores conectados à proteína G. Estes receptores G são assim
chamados porque são ligados intracelularmente a proteínas
regulatórias ligantes de guanosina trifosfato (GTP). As proteínas G são formadas por um complexo de três proteínas ligadas à membrana (Gαβγ); quando o receptor é ativado, a subunidade α (Gα) liga-se à GTP e dissocia-se do complexo de
subunidades β e γ (Gβγ). Tanto Gα quanto Gβγ podem desencadear eventos subseqüentes. As proteínas G ativadas apresentam um tempo de vida que vai de segundos a minutos; a Gα é
auto-inativada pela hidrólise da GTP ligada, após o que é reagregada com Gβγ, retornando ao estado de repouso. A continuação da ligação do neurotransmissor ao receptor pode reiniciar o ciclo.
As proteínas G são a primeira conexão nas cascatas sinalizadoras que podem ativar diretamente proteínas quinases —
enzimas que fosforilam proteínas celulares (Walaas e Greengard, 1991) — ou aumentar o Ca2+ intracelular, ativando indiretamente as quinases (Figura 1–10) (Ghosh e Greenberg,
1995). As proteínas sofrem alterações conformacionais quando são fosforiladas, o que pode levar a sua ativação ou inativação. As proteínas afetadas podem incluir canais da membrana,
elementos do citoesqueleto e reguladores de transcrição da
expressão gênica. Dessa forma, as ações modulatórias mediadas por segundos-mensageiros controlam a maioria dos processos celulares. O potencial para amplificação, combinado com
a divergência e a convergência de sinais, fornece o mecanismo
básico para alterações duradouras na função neuronal, especialmente para mecanismos essenciais ao aprendizado e à memória e ao desenvolvimento. As três principais cascatas de segundos-mensageiros envolvendo proteínas G e suas interações
com Ca2+ estão esquematizadas na Figura 1–10.
Uma vez que esses receptores da proteína G são alvos
para muitas drogas terapêuticas ou drogas de abuso, o entendimento de suas regulações é de extrema importância clínica.
Recentemente, avanços importantes têm sido feitos no sentido de definir os mecanismos que medeiam a sub-regulação de
receptores conectados a proteínas G (Tsao e Von Zastrow,
2000). A sub-regulação de receptores é geralmente induzida
por sua ativação prolongada, levando à internalização dos mesmos. Por exemplo, a ativação prolongada de receptores dopaminérgicos do tipo D1 em neurônios estriatais pela injeção de
agonistas in vivo causa a rápida internalização deles (Dumartin
et al., 1998). A internalização desses receptores é mediada por
mecanismos altamente específicos, tanto dependentes quanto
independentes da dinamina (Vickery e Zastrow, 1999). A determinação dos mecanismos que acarretam a sub-regulação
de receptores da proteína G pode identificar alvos para o desenvolvimento de novas classes de drogas úteis para a manipulação terapêutica da sinalização de tais receptores. Por exem-
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
31
Figura 1–10 Principais vias de sinalização intracelular em neurônios. A união de ligantes com seus receptores ativa três vias sinalizadoras
principais através de proteínas G. Painel A. No sistema adenosina monofosfato cíclico (AMPc), uma proteína G medeia o acoplamento de um
ligante à ativação da adenil ciclase. Isso, por sua vez, irá gerar AMPc, que se liga nas unidades regulatórias (R) da proteína quinase dependente
de AMPc (PKAc), liberando as subunidades catalíticas (C). Essas, por sua vez, ativarão os elementos responsáveis das proteínas de ligação do
AMPc (CRB), que se ligam aos elementos responsivos do AMPc (CRE) e regulam a expressão gênica depois de terem sido fosforiladas (P). Painel
B. No sistema do fosfolipídeo inositol, a proteína G ativa a fosfolipase C (PLC), que hidrolisa os fosfolipídeos de membrana para produzir dois
segundos-mensageiros: o diacilglicerol (DAG) e o inositol trifosfato (IP3). O IP3 desencadeia a liberação de Ca2+ pelo retículo endoplasmático
(RE). O Ca2+, por sua vez, faz a translocação da proteína quinase C (PKC) para a membrana celular, onde ela é ativada pelo DAG. Por se
conectar à membrana com a ativação, a PKC pode ser especialmente importante na modulação dos canais de membrana. Também é mostrada
outra ação do Ca2+: a ativação da proteína quinase dependente de Ca2+/calmodulina, que, quando ativada, fosforila outros conjuntos de
proteínas. O Ca2+ liberado dos estoques intracelulares pode agir de forma semelhante ao Ca2+, que entra a partir do lado de fora da célula
(não-mostrado); entretanto, devido ao fato de as células regularem os níveis de Ca2+ de forma muito estrita, os aumentos na concentração de
Ca2+ costumam ser muito localizados. Painel C. No sistema do ácido araquidônico, as proteínas G podem acoplar-se à fosfolipase A2 (PLA2),
formando ácido araquidônico pela hidrólise de fosfolipídeos de membrana. O ácido araquidônico funciona como um segundo-mensageiro
propriamente dito ou como um precursor da via da lipoxigenase, originando uma família de segundos-mensageiros permeáveis à membrana. A
via da ciclooxigenase é importante principalmente fora do cérebro, na produção de prostaglandinas. Abreviações: ATP = adenosina trifosfato;
HPETE = Ácido Hidro-peróxi-eicosa-tetraenóico; PI = Fosfatidil-inositol.
Fonte: Painel A. Reeditado de Lodish H, Berck A, Zipursky L, et al.,: Molecular Cell Biology, 3ª Edição. New York, Scientific American Books, 1995; Painéis B
e C adaptados de Kandel ER, Schwartz JH, Jessell TM: Principles of Neural Science, 4ª Edição. New York, McGraw-Hill, 2000. Utilizada com permissão.
plo, camundongos mutantes nos quais a proteína β-arrestina
2 está ausente não desenvolvem tolerância a opióides (Bohn et
al., 1999).
As ações mais lentas dos receptores metabotrópicos são
responsáveis pela alteração na excitabilidade neuronal e pelo
fortalecimento das conexões sinápticas, freqüentemente refor-
çando vias neurais envolvidas no aprendizado (Bailey et al.,
2000). A ativação desses receptores em geral não altera o potencial de membrana. Em vez disso, a ligação ao receptor ativa
cascatas de segundos-mensageiros que podem alterar de forma considerável as propriedades de resposta de outros receptores. Na retina, por exemplo, a dopamina parece mediar a
32
adaptação à luz (Djamgoz e Wagner, 1992; Doeling, 1987). A
dopamina liberada pelas células interplexiformes age nas células horizontais via receptores dopaminérgicos do tipo D1 os
quais, por sua vez, ativam a adenil ciclase, aumentando os níveis de adenosina monofosfato cíclico (AMPc). Essa AMPc tem
dois efeitos: 1) aumenta a sensibilidade das células horizontais
a informações provenientes dos cones e 2) diminui o acoplamento elétrico entre as células horizontais, reduzindo o tamanho do campo receptivo e aumentando, portanto, a acuidade.
Esses dois efeitos alternam a retina de escotópica para visão
em cores fotópica. No SNC, várias ações modulatórias têm
sido atribuídas a projeções dopaminérgicas. Em um nível mais
profundo, os segundos-mensageiros podem ser translocados
ao núcleo, onde conseguem controlar a expressão gênica, exercendo alterações mais prolongadas na função celular (Lodish
et al., 1995) através da ativação de genes em uma seqüência
temporal (Charney et al., 1999).
Organização dos receptores pós-sinápticos nas
sinapses
A maioria dos receptores para os neurotransmissores está
agrupada em sítios pós-sinápticos localizados próximos ao terminal pré-sináptico. Recentemente, vários laboratórios têm
realizado importantes progressos na identificação dos componentes moleculares da estrutura pós-sináptica que mantêm
os receptores sinápticos em seu lugar (Figura 1–11) (S. H. Lee
e Sheng, 2000; Kim e Huganir, 1999). Uma das proteínas mais
Yudofsky & Hales
abundantes na densidade pós-sináptica é a PSD-95 (proteína
da densidade pós-sináptica de 95 kd). A PSD-95 é uma proteína citoplasmática que contém três domínios importantes para
a ligação de proteínas, chamados de domínios PDZ. Esses domínios da PSD-95 ligam-se ao receptor NMDA, ao canal de
K+ Shaker e às proteínas de adesão celular denominadas neuroliguinas. Em contrapartida, os receptores AMPA ligam-se a
um domínio PDZ distinto, chamado GRIP, e os receptores glutamatérgicos metabotrópicos interagem com o HOMER. Acredita-se que essas proteínas PDZ sejam importantes para agrupar os receptores de neurotransmissores e outros componentes
importantes das sinapses na densidade pós-sináptica e para
mediar a rápida inserção ou remoção dos receptores da sinapse, como pode ocorrer durante a plasticidade sináptica (Kim e
Huganir, 1999).
Gases como moduladores transcelulares
Surpreendentemente, foi demonstrado que o óxido nítrico (NO), um gás, medeia sinalização interneuronal, funcionando como um segundo-mensageiro com propriedades de
neurotransmissor (Brenman e Bredt, 1997; Dawson e Snyder,
1994; Schulman, 1997). O NO apresenta uma vida extremamente curta e é sintetizado de forma muito rápida quando
necessário, a partir da arginina, pela enzima óxido nítrico sintase (NOS). A NOS é ativada pelo aumento na concentração
de Ca2+ intracelular. Diferentemente dos mensageiros intracelulares convencionais, que são localizados na célula pós-si-
Figura 1–11 Alguns dos componentes moleculares de uma sinapse glutamatérgica típica no SNC. Subunidades de receptores do tipo ácido
α-amino-3-hidróxi-5-metilisoxazol-4-propiônico (AMPA) são associadas ao GRIP através de interações no domínio PDZ, e as subunidades dos
receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) são ligadas à PSD-95. GRIP e PSD-95 também interagem com o citoesqueleto, fornecendo uma
sustentação protéica para os receptores glutamatérgicos na densidade pós-sináptica. Essa sustentação pode regular a dinâmica de inserção ou
remoção, na dependência da atividade, de receptores glutamatérgicos nas sinapses do SNC. Abreviações: GIESVKI = os aminoácidos críticos
para ligação de GR2 a PDZ4 e PDZ5; nNOS = óxido nítrico sintase neuronal.
Fonte: O’Brien RJ; Lau L-F; Huganir RL: “Molecular Mechanisms of Glutamate Receptor Clustering at Excitatory Synapses.” Current Opinion in Neurobiology
8: 364-369, 1998. Utilizada com permissão.
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
náptica, onde produzem seus efeitos, o NO difunde-se através
da membrana a células adjacentes pré ou pós-sinápticas e ativa a guanilil ciclase, aumentando os níveis de guanosina 3’,5’monofosfato cíclico (GMPc), que, por sua vez, desencadeia a
produção de outros mensageiros intracelulares. O NO, bem
como o monóxido de carbono (CO) e o ácido araquidônico,
os quais apresentam papéis similares, podem coordenar alterações pré e pós-sinápticas na plasticidade sináptica (O’Dell
et al., 1994). A excitoxicidade provocada pela ativação excessiva dos receptores glutamatérgicos do tipo NMDA parece ser
mediada, em parte, pelo NO (Dawson et al., 1993).
Modulação sináptica no aprendizado e na
memória
Segundos-mensageiros aumentam muito a gama de respostas que um neurônio pode apresentar a um estímulo sináptico. Eles ativam quinases que podem amplificar e prolongar sinais mediante a fosforilação de outras proteínas. As
proteínas fosforiladas permanecem ativas — freqüentemente
por um período muito mais longo do que um agonista permanece ligado ao receptor — até que sejam defosforiladas por
proteínas fosfatases. Já que os segundos-mensageiros desencadeiam grande número de funções celulares, a ativação de
um único receptor pode ativar uma resposta celular coordenada envolvendo vários sistemas. Isso pode incluir a modulação da transcrição genômica dependente da atividade, levando
a alterações duradouras na função celular. O aprendizado e a
memória requerem alterações a curto e a longo prazo em sinapses individuais entre neurônios.
Aprendizado simples em Aplysia
Investigações utilizando o molusco marinho Aplysia californica têm sido fundamentais para o entendimento atual dos
mecanismos celulares do aprendizado e da memória. O Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina do ano de 2000 foi dado
a Eric Kandel por esse trabalho. As alterações no comportamento da Aplysia podem ser relacionadas a alterações em conexões sinápticas individuais, uma vez que seu sistema nervoso é composto de relativamente poucos neurônios que podem
ser identificados de animal para animal (Kandel e Hawkins,
1992). A Aplysia exibe um comportamento defensivo simples
— o reflexo de retirada do sifão — o qual mostra várias formas
elementares de aprendizado. A estimulação leve na pele do sifão que recobre as brânquias leva a seu reflexo de retirada. Se
um choque é aplicado em sua cauda, o reflexo mostra sensibilização: a estimulação subseqüente do sifão elicia um reflexo
mais intenso. Se a estimulação do sifão é emparelhada com o
choque na cauda, o animal desenvolve um aprendizado associativo manifestado por um aumento na resposta reflexa a uma
leve estimulação do sifão. A Aplysia aprende que uma leve estimulação no sifão prediz um choque em sua cauda.
Estímulos sensibilizantes na cauda ativam neurônios serotonérgicos facilitadores que fazem sinapse com terminais de
neurônios sensoriais. A serotonina liberada produz facilitação
pré-sináptica pela ativação da adenil ciclase via ligação com a
proteína G; a AMPc liga-se às subunidades regulatórias da
proteína quinase dependente de AMPc, liberando suas subunidades catalíticas, as quais fosforilam uma classe de canais de
K+ dependentes de voltagem (canais S-K+), inativando-os.
Devido ao fato de que uma menor corrente de K+ é evocada, a
membrana permanece despolarizada por um pouco mais de
33
tempo com dado potencial de ação, há maior influxo de Ca2+
e, portanto, mais transmissor é liberado. O aprendizado associativo parece ser devido à ativação de um neurônio facilitador
logo após a ativação do neurônio sensorial. O influxo de Ca2+
desencadeado pela alteração de voltagem no terminal do neurônio sensorial e os sistemas de segundos-mensageiros ativados pela serotonina, quando ativados ao mesmo tempo, produzem um aumento na atividade da quinase C (Braha et al.,
1990). Isso é chamado de aumento da facilitação pré-sináptica
dependente da atividade e fornece a detecção de coincidências
inerentes ao aprendizado associativo (Figura 1–12). Em todas
essas formas de aprendizado associativo, os mecanismos envolvem modificação covalente de proteínas preexistentes, principalmente por fosforilação.
Em contrapartida, a memória de longa duração requer
alterações na transcrição gênica. Os mesmos mecanismos que
medeiam a sensibilização de curta duração também iniciam a
formação da memória de longa duração. Na sensibilização de
longa duração, assim como na de curta duração, a memória é
codificada por um fortalecimento das sinapses sensório-motoras. Ocorre um aumento na liberação de transmissores, e
canais S-K+ são fechados, levando a um aumento do influxo
de Ca2+. A serotonina e a AMPc são o primeiro e o segundo
mensageiros, e um conjunto característico de proteínas é fosforilado (Sweatt and Kandel, 1989). Para a memória de longa
duração, no entanto, existe uma necessidade absoluta de transcrição gênica e de síntese de novas proteínas. A AMPc afeta a
transcrição gênica por ligar-se à proteína de ligação do elemento responsivo da AMPc (CREB), a qual então se liga a
sítios regulatórios no DNA conhecidos como elemento responsivo da AMPc. Dessa forma, a injeção de CREB exógeno
bloqueia a sensibilização de longa duração, mas não a de curta
(Dash et al., 1990). O CREB, por sua vez, induz a transcrição
de ubiquitina, a qual leva à clivagem da subunidade regulatória da proteína quinase dependente de AMPc, prolongando a
ativação da quinase (Hedge et al., 1993). Finalmente, as alterações desencadeadas por estimulações repetidas na cauda, a
ativação de interneurônios facilitatórios, a aplicação de serotonina ou a injeção de AMPc resultam em alterações estruturais específicas (Glanzman et al., 1990), envolvendo o crescimento de novos processos e aumentando o número e o
tamanho das sinapses. Essas alterações morfológicas são mediadas, em parte, por moléculas de adesão celular similares
àquelas que desempenham papel crucial na formação do sistema nervoso (Bailey et al., 1992). Portanto, alterações de curta duração na força sináptica transformam-se em alterações
estruturais duradouras, orquestradas por interações entre sistemas de segundos-mensageiros, que, por sua vez, induzem a
transcrição gênica.
Potenciação de longa duração no SNC de mamíferos
No SNC de mamíferos, um aumento similar na força sináptica ocorre no hipocampo quando certas sinapses são estimuladas brevemente a uma alta freqüência; esse aumento dura
de dias a semanas no animal intacto (Bliss e Lomo, 1973). Já
que essa potenciação de longa duração (LTP) ocorre em regiões
cerebrais essenciais para a codificação da memória — o hipocampo e o córtex cerebral — acredita-se que a LTP seja um
processo sináptico crucial para a formação da memória. Os
três principais circuitos sinápticos do hipocampo apresentam
LTP, cada um com mecanismos distintos, embora similares.
Nas sinapses mais estudadas, que ocorrem entre neurônios da
34
Figura 1–12 Os detectores de coincidência molecular. Painel A. No
reflexo de retirada do sifão da Aplysia, o toque no sifão, que leva ao
influxo de Ca2+, e o choque na cauda, que leva à estimulação da
adenilil ciclase, podem, juntos, induzir uma ativação da adenilil
ciclase e uma liberação de neurotransmissor maiores, levando a uma
facilitação da eficácia sináptica. Painel B. No hipocampo, a
potenciação de longa duração resulta da ativação coincidente de
receptores do tipo N-metil-D-aspartato (NMDA-R) e da despolarização
pós-sináptica. Abreviações: AMPA-R = receptores do tipo ácido αamino-3-hidróxi-5-metilisoxazol-4-propiônico; GTP = guanosina
trifosfato; 5-HT = 5-hidróxi-triptamina; 5-HT-R = receptor de 5-HT; LTP
= potenciação de longa duração, Cai2+ = cálcio interno; Gs = proteína
G; αs = subunidade α.
Fonte: Reeditada de Bourne HR; Nicoll R: “Molecular Machines
Integrate Coincident Synaptic Signals”. Neuron 10 (suppl.): 65-75, 1993.
Utilizada com permissão.
região CA3 e neurônios piramidais da região CA1 (Figura 1–
13), a LTP é iniciada pelo influxo de Ca2+ no neurônio póssináptico (Figuras 1–12B e 1–13). O glutamato liberado pelos
neurônios da região CA3 age em receptores NMDA e nãoNMDA. Entretanto, apenas os disparos de alta freqüência (que
desencadeiam a LTP) ativam um número suficiente de receptores AMPA para provocar uma despolarização pós-sináptica
significativa, capaz de liberar o bloqueio dependente da volta-
Yudofsky & Hales
gem dos receptores NMDA pelo Mg2+. Os receptores NMDA
facilitam o influxo de Ca2+ na espinha dendrítica pós-sináptica (Murphy et al., 1994; Petrozzino et al., 1995), o que inicia
um aumento na força sináptica. Já que o Ca2+ não flui pelo
canal do receptor NMDA, a menos que o neurotransmissor
esteja ligado e que a membrana pós-sináptica esteja simultaneamente despolarizada, o receptor NMDA age como um detector de coincidências (Figura 1–12).
Os mecanismos celulares responsáveis pela expressão da
LTP têm sido foco de intensa investigação — parecem envolver um aumento na liberação de neurotransmissores e/ou no
número e/ou na sensibilidade dos receptores pós-sinápticos
(Malenka e Nicoll, 1999). Embora haja um crescente apoio
para a visão de que o locus da expressão da LTP seja pós-sináptico (descrito a seguir), também existem evidências convincentes de que a LTP envolve um aumento na liberação de neurotransmissores pelos terminais pré-sinápticos (Stevens e
Sullivan, 1998; Stevens e Wang, 1995). Nesse caso, surge a
questão de como eventos pós-sinápticos desencadeados pela
ativação de receptores NMDA poderiam levar a alterações na
liberação pré-sináptica de neurotransmissores. Um segundomensageiro retrógrado, que poderia se difundir através da sinapse e agir nos terminais pré-sinápticos, seria necessário
(O’Dell et al., 1994; Schuman e Madison, 1991; Zhuo et al.,
1993). Vários experimentos indicam que o NO ou o CO são
capazes de conduzir tal sinal retrógrado, difundindo-se da póssinapse aos sítios pré-sinápticos mais próximos, ativando a
guanilil ciclase para induzir uma elevação no GMPc do terminal pré-sináptico. Tal aumento na transmissão sináptica dependente da LTP foi visualizado diretamente (Malgaroli et al.,
1995). O aumento na liberação de neurotransmissores também é dependente de Ca2+, implicando em um detector de
coincidência pré-sináptico (Zhuo et al., 1994). Além desses
gases difusíveis, foi demonstrado recentemente que uma família de fatores de crescimento chamados neurotrofinas agem
como sinais retrógrados que facilitam o fortalecimento sináptico de longa duração, incluindo a LTP (McAllister et al., 1999).
Ao longo dos últimos anos, grande número de evidências
tem dado suporte para o locus pós-sináptico para expressão da
LTP (Malinow et al., 2000). Existem atualmente dois mecanismos que favorecem o aumento da eficácia sináptica póssinapticamente: 1) alteração na sensibilidade de receptores glutamatérgicos já existentes e 2) adição de receptores AMPA a
sinapses funcionalmente silenciosas. A elevação nos níveis de
Ca2+ pós-sináptico devido à transmissão sináptica de alta freqüência ativa várias quinases que são cruciais para a LTP e a
memória: a quinase dependente de Ca2+/calmodulina II (CamKII), a proteína quinase C (PKC) e a proteína quinase A.
Essas quinases fosforilam GluR1, uma subunidade do receptor AMPA, aumentando a sensibilidade desses receptores; o
bloqueio dessa fosforilação inibe a expressão da LTP (H.K.
Lee et al., 2000). Em concordância com o papel crítico das
quinases na LTP, camundongos deficientes em CamKII apresentam LTP reduzida, bem como déficits no aprendizado espacial (Bach et. al., 1995). Técnicas utilizando knockout de genes, pelas quais animais mutantes são gerados com deficiência
em determinado gene e então acasalados com homozigotos
para eliminar completamente dada proteína, mostraram que
outras quinases também são necessárias para a LTP (Mayford
e Kandel, 1999). Por exemplo, camundongos knockout para a
quinase Fyn apresentam deficiência de LTP em CA1. Ao testarem-se substratos para a quinase Fyn, foi demonstrado que
há uma deficiência na fosforilação da tirosina quinase de ade-
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
35
Figura 1–13 Potenciação de longa duração (LTP) no hipocampo.
Painel A. Registro típico para LTP em sinapses nas regiões CA1-CA3
hipocampais. São utilizados cortes transversais do hipocampo de
roedores. Aplicam-se dois estímulos não sobrepostos aos neurônios
piramidais na região CA1 com eletrodos de estimulação extracelular
— uma via é estimulada com alta intensidade; a outra com uma
intensidade mais baixa. As respostas pós-sinápticas são registradas
intracelularmente a partir de neurônios piramidais de CA1 ou
extracelularmente na região CA1. Painel B. Após a aplicação de
estímulos de alta freqüência (tetania) na região CA1 ou da
estimulação pré-sináptica coincidente com a despolarização póssináptica, a facilitação de longa duração das respostas dos neurônios
da região CA1 são registradas. Esse painel mostra a curva dos
potenciais excitatórios pós-sinápticos antes e depois da estimulação.
A resposta pós-sináptica é extremamente aumentada após a tetania
em resposta a estímulos de mesma magnitude. Painel C. Esquema
ilustrando os eventos moleculares necessários para a LTP e para a
depressão de longa duração (LTD). Esse diagrama mostra os efeitos
do aumento de cálcio em uma espinha dendrítica pós-sináptica em
resposta a estímulos que induzem LTP ou LTD. Depois que a
despolarização remove o bloqueio por Mg2+, canais N-metil-Daspartato (NMDA) abrem-se e permitem o influxo de Ca2+. O cálcio
também entra pelos canais de Ca2+ ativados por voltagem (VGCCs) e
por alguns receptores ácido α-amino-3-hidróxi-5-metilisoxazol-4propiônico (AMPA). A ativação de receptores glutamatérgicos
metabotrópicos também contribui para um aumento no cálcio
intracelular através da liberação de cálcio de estoques intracelulares,
a qual é estimulada pela ativação da fosfolipase C (PLC) e por um
aumento subseqüente no inositol-trifosfato (IP3). A ativação de
quinases específicas facilita a indução e a expressão da LTP,
enquanto a ativação de fosfatases predispõe a célula a expressar a
LTD. Abreviações: DAG = Diacilglicerol; EPSP = Potencial excitatório
pós-sináptico; G = Proteína G; mGluR = Receptor glutamatérgico
metabotrópico.
Fonte: Reeditada de Beggs JM, Brown TH, Byrne JH, et al.,: “Learning
and Memory: Basic Mechanisms,” em Fundamental Neuroscience. Editado por
Zigmond MJ et al. San Diego, CA, Academic Press, 1999, p.1439, 1444.
Utilizada com permissão.
são focal (Grant et al., 1995). Esses resultados sugerem que os
processos de adesão celular são importantes no desenvolvimento e necessários à consolidação desse processo de memória.
Há pouco tempo vários laboratórios vêm mostrando que
sinapses silenciosas — sinapses que contêm apenas receptores
NMDA antes da indução da LTP — podem ser ativadas pela
inserção, dependente da estimulação, de novos receptores
AMPA, fornecendo um mecanismo novo para a LTP (Malinow et al., 2000). O aumento na função do receptor AMPA
em sinapses anteriormente silenciosas após o estímulo indutor de LTP tem sido observado por muitos laboratórios. O
mais importante é o fato de ser possível visualisar esse processo diretamente por imagens da inserção de receptores AMPA,
marcados com a proteína fluorescente verde, em sinapses silenciosas após a indução da LTP (Shi et al., 1999). Pesquisas
nessa área estão agora se concentrando nos mecanismos intracelulares do tráfego dos receptores AMPA e prometem desenvolver logo uma compreensão abrangente dos mecanismos moleculares das modificações pós-sinápticas da LTP.
A LTP é composta de, pelo menos, duas fases: LTP inicial
e LTP tardia. A LTP inicial estende-se pelas primeiras três horas
após a indução e não requer síntese protéica. Em contrapartida, a LTP tardia dura várias horas e necessita dos processos de
novas transcrições e traduções. Como descrito anteriormente
para o fortalecimento sináptico de longa duração na Aplysia, a
LTP envolve a ativação da CamKII, a produção de AMPc e a
ativação da transcrição gênica através do processo dependente de CREB. Evidências recentes indicam que a LTP também
pode estimular o crescimento de novas conexões sinápticas, o
que poderia mediar alterações sinápticas mais permanentes
responsáveis pelo aprendizado e pela memória (Engert e Bonhoeffer, 1999; Toni et al., 1999).
Como o fortalecimento das sinapses pela LTP é mantido
sob controle? As sinapses hipocampais também apresentam a
depressão de longa duração (LTD), a qual envolve uma gama
similar de mecanismos ativados por estimulação sináptica de
baixa freqüência (Linden e Connor, 1995). A LTD resulta em
uma diminuição na força sináptica e pode ser mediada por
uma diminuição na liberação de neurotransmissor e/ou na
responsividade pós-sináptica pela redução no número ou na
sensibilidade dos receptores glutamatérgicos. Portanto, por
meio de um equilíbrio dinâmico entre LTP e LTD (Zhuo et
36
Yudofsky & Hales
al., 1994), as memórias de informações irrelevantes podem ser
eliminadas, e as memórias duradouras podem ser finamente
sintonizadas. A regulação da força sináptica pode ser também
relacionada ao ritmo teta predominante no hipocampo. A estimulação na freqüência teta produz LTP, enquanto estimulações mais lentas associadas a aumentos mais moderados nos
níveis de Ca2+ levam a LTD. A freqüência teta parece estar sob
controle colinérgico, sugerindo um mecanismo através do qual
a acetilcolina pode modular a memória (Huerta e Lisman,
1993). De maneira mais geral, Llinás e colaboradores argumentaram que o ritmo teta medeia a integração tálamo-cortical e que distúrbios nesse ritmo estariam associados a prejuízos mentais em uma série de transtornos neuropsiquiátricos
(Llinás et al., 1999).
DESENVOLVIMENTO NEURONAL
Como os neurônios são capazes de modificar a força de
suas conexões de acordo com a experiência, refletem apenas
uma fração dos mecanismos utilizados durante o desenvolvimento do SNC (Figura 1–14). Se as modificações sinápticas
no adulto se assemelham ou utilizam mecanismos que ocorrem durante o desenvolvimento, outras formas de plasticidade podem existir no adulto, que são vestígios dos processos
ocorridos durante o desenvolvimento. Por exemplo, durante o
desenvolvimento, certos neurônios sofrem a morte celular programada geneticamente, conhecida como apoptose, a qual
parece desencadear um processo de competição por um ou
mais fatores de sobrevivência. Transtornos neuropsiquiátricos
podem resultar de ativações aberrantes de tais mecanismos
(Nijhawan et al., 2000). Em doenças neurodegenerativas adquiridas ou genéticas, um programa de morte celular pode ser
ativado inapropriadamente em uma população celular específica. Em doenças das mais variadas, tais como doença de Alzheimer, de Huntington, esclerose amiotrófica lateral, epilepsia e
acidente vascular cerebral (AVC), neurônios específicos são
seletivamente vulneráveis à apoptose, reproduzindo, portanto,
um mecanismo normalmente utilizado durante o desenvolvimento cerebral. Outros transtornos, como o autismo, podem
ser explicados por uma falha, durante o desenvolvimento, no
processo de morte celular programada (Piven et al., 1995).
Vários problemas inerentes ao desenvolvimento resultam de
crescimento ou migração aberrantes de neurônios ou de defeitos na formação sináptica. Por exemplo, a esquizofrenia pode
resultar da falha dos neurônios dopaminérgicos mesocorticais ao realizarem conexões sinápticas apropriadas com neurônios do córtex frontal (Weinberger e Lipska, 1995) ou da
migração aberrante dos neurônios corticais (Akbarian et al.,
1993). Esses dois defeitos podem ser relacionados pela observação de que a dopamina desempenha papel importante tanto
na migração quanto na diferenciação neuronal (Todd, 1992).
Em conseqüência, o conhecimento dos mecanismos inerentes ao desenvolvimento é fundamental para se conhecer a etiologia de doenças neuropsiquiátricas.
Nascimento e migração
Os neurônios e a glia têm origem em zonas proliferativas
que revestem o tubo neural embrionário no estágio da dobradura dos segmentos da cabeça e da expansão das cavidades
ventriculares. Superficialmente, as células neuroepiteliais proliferativas nessas zonas parecem similares, mas, à medida que
Figura 1–14 Estágios do desenvolvimento neuronal e sua
modulação. Em cada estágio, o neurodesenvolvimento é regulado
por fatores ambientais locais e, em fases mais tardias, também pela
atividade. Essa forma de arranjo permite à plasticidade acomodar as
variações individuais que são intrínsecas e as que dependem da
experiência. Devido à inter-relação de fatores intrínsecos e associados
à experiência, existem múltiplos pontos em que alterações
patológicas podem alterar o resultado final de maneira sutil ou mais
evidente.
Fonte: Rayport S, Kriegstein AR: “Cellular and Molecular Biology of the
Neuron”, em The American Psychiatric Press Textbook of Neuropsychiatry, 3ª
edição. Editado por Yudofsky SC, Hales RE. Washington, DC, American
Psychiatric Press, 1997, p. 19. Utilizada com permissão.
o desenvolvimento ocorre, elas geram o mais diverso número
de tipos celulares distintos fenotípica, molecular e quimicamente de todos os órgãos do animal adulto, todos organizados
na mais complexa estrutura encontrada em organismos vivos.
A posição precisa e a conectividade dessa miríade de tipos celulares são essenciais para o funcionamento do organismo
como um todo.
O modo como os neurônios chegam a suas localizações
corretas e formam conexões apropriadas ainda não está completamente entendido. Teoricamente, o destino específico de
cada célula poderia ser determinado de forma intrínseca apenas por sua linhagem histórica, conforme parece ser o caso de
certos invertebrados, tais como o verme Caenorhabditis elegans
(Kenyon, 1986). Entretanto, estudos de linhagens em vertebrados demonstraram que fatores ambientais locais influenciam de maneira significativa o fenótipo, a localização e a conectividade final de neurônios individuais (Lumsden e
37
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
Krumlauf, 1996; Rubenstein et al., 1998). Os sinais moleculares que influenciam o destino celular são diversos e regulados
pelo desenvolvimento, incluindo fatores difusíveis e moléculas de reconhecimento de superfície celular.
delimitações que restringem a mistura intersegmental das células neuroepiteliais e comprometem suas descendentes a um
destino segmental particular.
Proliferação
Determinação
Os estágios iniciais do desenvolvimento do SNC envolvem uma série de passos indutivos nos quais fatores difusíveis
produzidos pelos tecidos vizinhos desencadeiam padrões específicos de expressão gênica no tecido neural. O processo de
desenvolvimento do SNC se inicia com a indução do ectoderme neural durante a gastrulação, desencadeada pela liberação
de um fator indutor a partir da mesoderme adjacente (Hamburger, 1969). Uma vez que a placa neural esteja formada, um
padrão de diferenças regionais emerge sob o controle de fatores difusíveis ou de fatores de indução mediados pelo contato,
produzidos pelos tecidos adjacentes. Por exemplo, em embriões de galinhas, a notocorda induz o desenvolvimento da lâmina do assoalho através de um sinal dependente do contato
celular e desencadeia a seguir a produção de neurônios motores pela liberação de um fator difusível (Placzek et al., 1993;
Yamada et al., 1993). A formação de um padrão adequado da
placa neural provavelmente envolve a interação de múltiplos
fatores indutores de várias fontes, os quais estabelecem diferenças regionais ao longo dos eixos ântero-posterior, médiolateral e dorsoventral (Ruiz i Altaba, 1994).
No desenvolvimento cerebral inicial, o eixo neural é dividido em compartimentos. A segmentação é um princípio de
organização antigo e amplamente distribuído, expresso em
todos os embriões e evidente no plano corporal de muitos invertebrados. Recentemente, foram identificados genes que
governam o desenvolvimento de segmentos específicos do
corpo. Por exemplo, a identidade dos segmentos do plano corporal de um inseto e do rombencéfalo de mamíferos é controlada pela expressão de uma família de genes de identidade de
segmentos, conhecidos coletivamente como homeobox ou genes Hox (Maconochie et al., 1996). Os genes Hox codificam
fatores de transcrição que, por sua vez, regulam outros genes
que determinam o desenvolvimento exclusivo de cada segmento. Além disso, podem alterar a identidade de segmentos correspondentes em insetos e vertebrados e induzir o desenvolvimento de segmentos supranumerários quando inseridos
artificialmente em embriões (Rijli et al., 1993). Em um exemplo notável da conservação evolucionária, homólogos dos genes Hox de insetos foram encontrados em todos os vertebrados, inclusive em humanos (McGinnis e Krumlauf, 1992); foi
ainda possível substituir, com sucesso, um gene de polaridade
de segmento da mosca-das-frutas por um gene homólogo, conhecido como sonic hedgehog, encontrado no peixe-zebra
(Krauss et al., 1993). À medida que o desenvolvimento continua, novos compartimentos são originados, e segmentos são
progressivamente subdivididos. A segmentação no sistema
nervoso de vertebrados é claramente visível na medula espinal
e também nos padrões segmentados dos rombômeros no rombencéfalo em desenvolvimento (Lumsden e Krumlauf, 1996;
Tanabe e Jessell, 1996). À primeira vista, o prosencéfalo não
apresenta a aparência segmentada das regiões mais caudais do
SNC, mas é organizado de maneira segmentada, e, pelo menos, 30 genes Hox, expressos regionalmente, já foram identificados no prosencéfalo de camundongos (Rubenstein et al.,
1998). Esses estudos demonstram que o eixo neural embrionário é dividido em um padrão preciso de segmentos, com
À medida que a neurogênese ocorre, as células precursoras neuroepiteliais nas zonas proliferativas que revestem os
ventrículos cerebrais dividem-se para produzir os neurônios
corticais. Em uma dada região do córtex, neurônios que compartilham a mesma data de nascimento geralmente seguem o
mesmo padrão de diferenciação e formam a população celular
da mesma camada cortical. Apesar disso, influências epigenéticas múltiplas estão envolvidas na determinação do destino
final de cada neurônio individual. Estudos de linhagens com
retrovírus de replicação incompetente têm sido usados para
mapear os destinos de descendentes de células precursoras
corticais individuais. Descendentes clonais marcados às vezes
incluem células amplamente dispersas que formarão a população de diferentes regiões cerebrais e que ocupam múltiplas
camadas corticais (Grove et al., 1993; Mione et al., 1994; C.
Walsh e Cepko, 1993). De maneira similar, resultados de experimentos com camundongos quiméricos contradizem os
estritos mecanismos de dependência da linhagem para especificação regional ou laminar (Crabdall e Herrup, 1990; Fishell
et al., 1990; Goldowitz, 1989). Entretanto, células corticais realmente se destinam a uma disposição laminar no momento de
sua divisão celular final, antes de migrarem para fora da zona
proliferativa. Em experimentos com transplantes heterocrônicos, McConnell (1988) transplantou células da zona ventricular de um embrião, no qual as células destinadas para as
camadas mais profundas estavam sendo geradas, a cérebros
de hospedeiros mais velhos, onde células destinadas para as
camadas superficiais estavam sendo geradas, desafiando-as a
alterarem seu destino laminar. As células conseguiam adotar
um destino laminar apropriado ao hospedeiro se transplantadas antes, mas não depois, da última rodada de divisão celular.
As células neuroepiteliais podem alterar sua atividade proliferativa em resposta a fatores de sinalização local, inclusive a
aminoácidos neurotransmissores. Durante estágios iniciais do
desenvolvimento cortical, células progenitoras na zona ventricular já expressam subtipos específicos de receptores para
os neurotransmissores GABA e glutamato (LoTurco et al.,
1991, 1995). Durante os estágios mais tardios da corticogênese, a ativação desses receptores por neurotransmissores liberados endogenamente inibe a síntese de DNA e diminui o
número de células precursoras que estão entrando na fase de
síntese de DNA do ciclo celular (LoTurco et al., 1995). Algumas evidências também sugerem que certos fatores de crescimento podem regular a neurogênese. Por exemplo, receptores
para o fator de crescimento básico do fibroblasto são expressos em células neuroepiteliais embrionárias (Reid et al., 1990),
e o fator de crescimento básico do fibroblasto estimula a divisão celular de precursores neuronais (Gensburger et al., 1987).
Os circuitos neuronais que regulam a atividade de populações
de células precursoras no SNC estão começando a ser explorados.
Migração
Após terem completado suas divisões celulares finais, os
neurônios migram para posições definitivas, guiados por sinais físicos e químicos (Figura 1–15). No córtex, por exemplo,
38
uma estrutura temporária de células gliais radiais é estabelecida durante o desenvolvimento e parece ser fundamental para
a organização colunar do córtex (Rakic, 1988). Quando as células completam sua divisão final, são fixadas a essas guias
gliais por moléculas de adesão celular, como a astrotactina
Yudofsky & Hales
(Hatten, 1993), e movem-se das zonas ventricular e subventricular para a área superficial do córtex (Figura 1–15). O movimento de neurônios ao longo das fibras gliais parece ser regulado por sinais difusíveis, tais como o glutamato agindo nos
receptores NMDA de neurônios em migração (Komuro e
Figura 1–15 A migração neuronal e o desenvolvimento cortical. Painel A1. Uma secção do córtex cerebral em desenvolvimento ilustrando a
zona ventricular (ZV) ao redor do ventrículo (VL) onde todos os neurônios corticais são originados. Painel A2. À medida que o desenvolvimento
prossegue (da esquerda para a direita), os neurônios gerados mais precocemente migram da ZV para formar a pré-placa (PP). Neurônios
originados mais tardiamente, destinados a formar a placa cortical (PC), migram da zona ventricular pela zona intermediária (ZI) e dividem a préplaca em zona marginal (ZM) e subplaca (SP). A placa cortical vai desenvolver múltiplas camadas à medida que novos neurônios são
adicionados. A zona subventricular (ZSV) é a fonte primária de células gliais no córtex. Painel B1. A maioria dos neurônios recém-nascidos
migram ao longo das fibras gliais radiais. O neurônio migratório é caracterizado por um processo condutor com filopódios, um processo
secundário e um núcleo localizado na parte do corpo celular que está voltada para o processo secundário. Os neurônios gerados a partir de
uma única célula precursora podem, às vezes, ficar dispersos tangencialmente no córtex, sugerindo que a migração neuronal não-radial
também ocorre durante o desenvolvimento cortical. Painel B2. Neurônios em desenvolvimento e glia recombinados em cultura, mostrando
padrões de migração. Fotografias sucessivas de um neurônio hipocampal em migração, obtidas a intervalos de aproximadamente 15 minutos.
O neurônio (n) move-se segundo padrões de “paradas e continuações” ao longo da fibra glial radial (fg). Um processo condutor (pc) estende-se
na porção superior da célula e apresenta numerosas extensões de filopódios altamente ativos. O processo secundário e o núcleo localizado
posteriormente também estão em evidência. Os neurônios migram em glias provenientes de diferentes cérebros, sugerindo a existência de um
sistema de reconhecimento molecular comum, utilizado para guiar a migração ao longo de toda a extensão cerebral.
Fonte: Painel A1 e lado esquerdo do Painel B1 reeditados com permissão de Rakic P: “Radial Unit Hypothesis of Cerebral Cortical Evolution”. Experimental
Brain Research 21 (suppl): 25-43, 1991; Painel A2 reeditado de Uylings HBM, Van Eden CG, Parnavelas JG, et al.: “The Prenatal and Postnatal Development of the
Rat Cerebral Cortex”, em The Cerebral Cortex of the Rat. Editado por Kolb B, Tees RC. Cambridge, MA, MIT Press, 1990, p.35-76; lado direito do Painel B1
reeditado de Rakic P: “Mode of Cell Migration to the Superficial Layers of Fetal Monkey Neocortex.” Journal of Comparative Neurology 145: 61-83, 1972, direitos
autorais de John Wiley and Sons; Painel B2 reeditado de Hatten ME: “Riding the Glial Monorail: A Common Mechanism for Glial-Guided Neuronal Migration in
Different Regions of the Developing Mammalian Brain.” Trends in Neurosciences 13: 179-184, 1990. Utilizada com permissão.
39
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
Rakic, 1993). Além da migração radial das zonas ventriculares
à superfície pial, os neurônios podem também migrar tangencialmente em paralelo a ela. No córtex cerebral, os neurônios
piramidais migram radialmente da zona ventricular à sua camada específica dentro da placa cortical (Rakic, 1978). Em
contrapartida, uma grande porção de neurônios GABAérgicos que nascem na eminência ganglionar subcortical do telencéfalo migram tangencialmente para a placa cortical (Anderson et al., 1997).
O desenvolvimento cortical embrionário ocorre em dois
estágios (Marin-Padilla, 1992). Os neurônios gerados mais
precocemente são uma população transitória de células. Eles
formam a primeira camada cortical, chamada de camada plexiforme primordial ou pré-placa. O segundo estágio de desenvolvimento cortical começa quando neurônios corticais originados na zona germinal periventricular migram em direção
à pré-placa, efetivamente dividindo essa camada em duas partes. Neurônios que chegam mais tardiamente ultrapassam os
que chegaram antes, de modo que as camadas corticais desenvolvem-se de dentro para fora (Rakic, 1974). À medida que o
córtex aumenta sua espessura, os neurônios iniciais continuam a formar as camadas delimitantes acima e abaixo da placa
cortical em desenvolvimento, conhecidas como zona marginal e subplaca, respectivamente. As maiores células da zona
marginal embrionária são as células de Cajal-Retzius. Assim
como muitos outros tipos de células da zona marginal e da
subplaca, as células de Cajal-Retzius parecem sofrer morte
celular programada em estágios pós-natais precoces, após a
laminação cortical ter-se estabelecido (Mienville, 1999).
Vários achados recentes apóiam a importância da zona
marginal e das células da subplaca no auxílio da organização
da corticogênese. As primeiras sinapses a se formarem durante o desenvolvimento cortical são localizadas na zona marginal e na subplaca. No córtex visual, células da subplaca
enviam os primeiros axônios do córtex ao núcleo geniculado
lateral do tálamo. Eles, por sua vez, recebem contatos sinápticos dos axônios do núcleo geniculado lateral antes que esses axônios atinjam seus alvos corticais na camada 4 (Allendoerfer e Shatz, 1994). Devido ao fato de que a remoção
cirúrgica inicial das células da subplaca previne os axônios
do núcleo geniculado lateral de entrarem no córtex (Ghosh
et al., 1990) e de que sua remoção mais tardia previne a formação das colunas de dominância ocular (Ghosh e Shatz,
1992), essas células parecem ser críticas para a formação das
conexões tálamo-corticais.
Uma importante informação a respeito da importância
das células da zona marginal na regulação da migração em
estruturas laminares cerebrais foi obtida por estudos do camundongo mutante reeler. Nestes camundongos, um erro nos
mecanismos moleculares que controlam a migração resulta
em formação anormal das camadas corticais (Caviness, 1982).
O primeiro estágio da corticogênese ocorre normalmente, e
uma pré-placa de aparência normal é formada. Entretanto,
quando os neurônios em migração atingem a placa cortical,
eles não conseguem ultrapassar os neurônios que chegaram
anteriormente, e o córtex desenvolve-se de fora para dentro,
ou seja, em um padrão invertido. O gene selvagem do locus
reeler já foi identificado. Esse gene codifica uma proteína, a
reelina (D’Arcangelo et al., 1995), que não possui domínios
transmembrana e é provavelmente uma proteína extracelular;
estudos histológicos localizaram a reelina na superfície externa das células de Cajal-Retzius (Ogawa et al., 1995). Esses achados enfatizam a importância das células transitórias da cama-
da plexiforme primordial no estabelecimento da laminação
cortical.
Além da reelina, vários outros genes têm sido recentemente relacionados com a migração neuronal, inclusive em
camundongos com genes incapacitados (mdab1), os receptores VLDL e ApoE2, a quinase dependente de ciclina 5 (cdk5),
a p35, a astrotactina, a integrina β1, a integrina α3 e a neuregulina (revisado em C.A.Walsh, 2000). A deleção de alguns
desses genes está associada a uma série de distúrbios do neurodesenvolvimento em humanos, sutis ou devastadores (C.A.
Walsh, 2000; C.A. Walsh e Goffinet, 2000). Mutações no gene
que codifica a filamina provocam a heterotopia periventricular ligada ao X, a qual resulta na formação de ilhotas de neurônios ectópicos próximo aos ventrículos e em um leve prejuízo cognitivo. A filamina é uma fosfoproteína do tipo actina,
com ligações cruzadas, necessária para a locomoção de muitos tipos de células. A mutação de LIS1 está associada à lissencefalia tipo 1 em humanos e provoca desorganização no córtex, no hipocampo e no bulbo olfatório de camundongos (C.A.
Walsh e Goffinet, 2000), com graves conseqüências cognitivas. Esses distúrbios enfatizam o processo de migração neuronal como sendo o primeiro substrato patológico para transtornos relacionados ao desenvolvimento cortical.
Diferenciação neuronal
Após terem migrado para suas posições definitivas, os neurônios começam a elaborar seus processos. Durante vários dias
a semanas, cada neurônio elabora uma árvore dendrítica característica e um padrão de projeção axonal altamente específico. A diferenciação neuronal é essencial para o funcionamento
cerebral adequado, já que a estrutura do neurônio determina
o número e os tipos de informações que a célula receberá,
bem como o número e os tipos de células com as quais ela fará
contato. O crescimento do neurito é mediado por estruturas
especializadas: os cones de crescimento, que se formam nas
extremidades dos processos. Esses cones controlam a inserção de novos elementos de membrana na membrana celular,
liberam enzimas proteolíticas para a abertura de vias pela matriz extracelular e estendem processos mais finos (filopodia),
que guiam o processo de crescimento na direção apropriada
(Purves e Lichtman, 1985; Suter e Forscher, 2000). Os cones
de crescimento axonal podem mover-se até 1 mm por dia. À
medida que avançam, um citoesqueleto de microtúbulos e de
neurofilamentos forma-se no processo de elongação. Além da
manutenção da estrutura do processo em crescimento, esses
elementos do citoesqueleto também conduzem a membrana e
as proteínas estruturais necessárias dos locais de síntese no
corpo celular aos processos recém-gerados e conduzem substâncias tróficas ao corpo celular.
A orientação axonal é controlada por um grande número
de sinais, divididos em quatro categorias principais: quimioatração ou quimiorrepulsão e atração ou repulsão de contato
(Figura 1–16). A princípio, os cones de crescimento dependem
da adesividade intrínseca das células adjacentes. Mais tarde,
são guiados por seus alvos ou por células intermediárias de
orientação. Os alvos apropriados podem expressar moléculas
de adesão ou liberar fatores quimioatrativos difusíveis, enquanto os alvos inapropriados podem fornecer sinais repulsivos mediados pelo contato ou difusíveis. O alvo valida as células conectadas de forma correta, pois fornece substâncias tróficas
que sustentam a sobrevivência dos neurônios em inervação.
As células que falham na realização de conexões apropriadas
40
Figura 1–16 Forças envolvidas no direcionamento axonônico. O
direcionamento apropriado dos axônios em direção a seus alvos
envolve a ação coordenada de quatro tipos de sinais de orientação:
atração de contato, repulsão de contato, quimioatração e
quimiorrepulsão. Existem sinais de curto alcance (contato) e de longo
alcance (químicos) que podem agir para inibir/repelir ou atrair os
cones de crescimento neuronal.
Fonte: Goodman CS, Tessier-Lavigne M: “Molecular Mechanisms of
Axon Guidance and Target Recognition”, em Molecular and Cellular
Approaches to Neural Development. Editado por Cowan WM, Jessel TM,
Zipursky SL. New York, Oxford University Press, 1997, p.114. Utilizada com
permissão.
sofrem apoptose (morte celular programada) devido à falta de
tais substâncias.
A formação de conexões específicas tem sido extensivamente estudada em neurônios sensoriais dos membros do
gafanhoto. Essas células são originadas na periferia e, em seguida, enviam axônios ao SNC em desenvolvimento (Goodman e Shatz, 1993). Os primeiros neurônios a enviar seus processos formam as fibras pioneiras. Os neurônios que se
desenvolvem mais tarde são guiados por interações adesivas com as fibras pioneiras. Células específicas no epitélio,
chamadas de células guias, servem como alvos intermediários.
Os cones de crescimento das fibras pioneiras estendem filopódios, que fazem contatos transitórios através de junções
comunicantes com as células guias, provavelmente realizando
trocas de pequenas moléculas que agem como reguladores
intracelulares. Se esses filopódios são bloqueados farmacologicamente, o crescimento continua, mas de maneira não-direcionada (Bentley e Toroian-Raymond, 1986). As fibras pioneiras prosseguem de uma célula-guia à próxima, e assim sucessivamente, até que atinjam seus alvos finais. Mais tarde, as
próprias células guias darão origem a neurônios, que enviam
seus processos ao SNC, seguindo as fibras pioneiras que elas
orientaram.
Trabalhos recentes têm mostrado que mecanismos de
desenvolvimento similares operam na formação do SNC de
mamíferos. Na medula espinal em desenvolvimento, os neurônios comissurais na medula espinal dorsolateral são orientados quimiotaticamente à lâmina-assoalho da medula ventral. Ao atingirem a lâmina-assoalho, os processos usam-na
como células guia, alterando sua direção e crescendo para formar o trato espinotalâmico contralateral. Moléculas quimioa-
Yudofsky & Hales
trativas, tais como as netrinas (Cook et al., 1998; Kennedy et
al., 1994; Tear, 1999), controlam esse processo. De maneira
similar, no tronco cerebral em desenvolvimento, após as fibras
pioneiras corticoespinais terem se estendido em direção à
medula espinal, processos secundários que inervarão a ponte
originam-se sob o controle de um fator difusível quimioatrativo derivado da ponte (Sato et al., 1994).
Na medida em que os cones de crescimento navegam pelo
cérebro, dependem da adesão diferencial a axônios que eles
contatam para orientar-se. Várias famílias de moléculas de
adesão celular neuronal foram descobertas, juntamente com
diversas famílias de receptores para moléculas da matriz extracelular (Reichardt e Tomaselli, 1991; F.S. Walsh e Doherty,
1997). Formas particulares de moléculas de adesão são expressas por subconjuntos de axônios em desenvolvimento que se
agrupam uns aos outros para formar feixes de fibras axonais.
Os neurônios podem expressar seletivamente moléculas de
adesão e receptores em certas regiões do axônio e também
alternar entre expressá-los ou não em tempos apropriados. Por
exemplo, na medula espinal em desenvolvimento, os axônios
comissurais expressam certas glicoproteínas em seus processos à medida que crescem e cruzam a linha média. Esses axônios então passam a expressar diferentes glicoproteínas quando passam a seguir os tratos longitudinais no lado contralateral
(Dodd et al., 1988; Tear, 1999).
Os neurônios em desenvolvimento podem depender de
sinais atrativos e repulsivos para atingir seus alvos. Recentemente, um grande número dessas moléculas foi caracterizado
(Goodman, 1996). Por exemplo, na lâmina ventral do tubo neural em desenvolvimento de vertebrados e no quiasma óptico de
mamíferos com visão binocular, os axônios destinados a cruzar
a linha média assim o fazem. Aqueles não destinados a cruzar
comportam-se como se tivessem encontrado um sinal repulsivo; os cones de crescimento colapsam ao atingirem a linha média e então mudam de direção (Godement et al., 1990; Sretavan, 1990). Um candidato possível para tal repulsão é uma família
de moléculas que orientam axônios, as efrinas (Flanagan e Vanderhaeghen, 1998; Nakagawa et al., 2000). Outra família de fatores repulsivos é a das semaforinas (Raper, 2000); axônios sensoriais do gânglio da raiz dorsal deixam de crescer devido a sinais
repulsivos mediados pelas semaforinas (Messersmith et al.,
1995). Além disso, na mosca-das-frutas em desenvolvimento,
alguns axônios de interneurônios em cada neurômero atingem
a linha média e cruzam-na, enquanto outros mudam sua direção e permanecem sem cruzar; essas interações na linha média
parecem ser mediadas por interações entre proteínas codificadas pelas famílias de genes robo e slit (Brose e Tessier-Lavigne,
2000; Seeger, 1994). Para adicionar ainda mais complexidade,
foi recém-demonstrado que uma mesma molécula orientadora
de axônios pode agir atraindo ou repelindo o mesmo axônio,
dependendo da concentração intracelular local de AMPc ou
GMPc no cone de crescimento (Song e Poo, 1999).
Formação da sinapse
Quando o cone de crescimento axonal atinge uma célula-alvo, uma série complexa de interações se inicia, resultando
na formação de uma sinapse. Embora ainda haja muito para
ser aprendido sobre a formação de sinapses no SNC, o processo básico da sinaptogênese na junção neuromuscular (a
sinapse entre um neurônio motor e uma célula muscular) já
foi bem descrito (Figura 1–17). Tanto o neurônio motor quanto a fibra muscular possuem a maquinaria molecular necessá-
41
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
Figura 1–17 Formação de uma sinapse na junção neuromuscular (JNM).
Painel A. Esquema dos componentes moleculares de uma junção
neuromuscular típica. Em uma JNM madura, o terminal pré-sináptico é
separado da célula muscular pós-sináptica pela fenda sináptica. As vesículas
sinápticas preenchidas com acetilcolina estão agrupadas nas zonas ativas,
onde podem fundir-se com a membrana plasmática em decorrência da
despolarização para liberar o transmissor na fenda sináptica. Os receptores
da acetilcolina localizam-se pós-sinapticamente, e células gliais chamadas
de células de Schwann recobrem o terminal sináptico. Painel B. Estágios da
formação da JNM. (1) Um cone de crescimento isolado de um neurônio
motor é guiado em direção ao músculo pelos sinais de orientação
axonônica. (2) O primeiro contato é físico e não-especializado. (3)
Entretanto, as vesículas sinápticas agrupam-se rapidamente no terminal
axônico, os receptores de acetilcolina começam a agrupar-se na sinapse
em formação e a lâmina basal deposita-se na fenda sináptica. (4) À medida
que o desenvolvimento continua, múltiplos neurônios motores inervam
cada músculo. (5) Entretanto, ao longo do tempo, todos os axônios,
exceto um, são eliminados por um processo que depende da atividade, e o
terminal remanescente continua sua diferenciação.
Fonte: Reeditada de Kandel Er, Schwartz JH, Jessel TM: Principles of Neural
Science, 4ª edição. New York, McGraw-Hill, 2000, p.1088. Utilizada com permissão.
ria pré-fabricada antes da formação da sinapse (J.R. Sanes e
Lichtman, 1999). O cone de crescimento do neurônio motor
funciona como uma proto-sinapse, apresentando liberação de
neurotransmissor regulada pela atividade, e as células pós-sinápticas não-inervadas apresentam receptores para os transmissores distribuídos em grande parte da sua superfície. Em
questão de minutos após o contato inicial, uma forma rudimentar de transmissão sináptica começa a existir. No decorrer
dos dias subseqüentes, as conexões começam a fortalecer-se e
estabilizar-se, e o cone de crescimento vai maturando e dando
origem ao terminal pré-sináptico, reunindo os elementos ce-
lulares necessários para liberação localizada de neurotransmissor nas zonas ativas. Paralelamente, a célula pós-sináptica
concentra receptores no local de contato, removendo-os de
outras regiões, e, ao longo de dias, desenvolve as especializações pós-sinápticas (J.R. Sanes e Lichtman, 1999).
Embora essa série básica de eventos seja provavelmente o
modelo de formação de sinapses entre neurônios do SNC,
certamente existirão substanciais diferenças devido à grande
diversidade das sinapses do SNC. Para que as sinapses no SNC
se formem, os principais componentes da sinapse devem ser
recrutados para os sítios de contato físico entre axônios e den-
42
dritos. Por exemplo, neurônios hipocampais pré e pós-sinápticos contêm alguns componentes da maquinaria sináptica antes da formação da sinapse. Os receptores AMPA e NMDA
estão presentes nos dendritos, e as proteínas das vesículas sinápticas estão presentes em axônios distais antes do contato
(Craig et al., 1993; Fletcher et al., 1991; Kraszewski et al., 1995).
O contato entre neurônios pré e pós-sinápticos é seguido pelo
recrutamento de vesículas sinápticas para as novas sinapses
dentro de horas após o contato (Ahmari et al., 2000). Através
de mecanismos desconhecidos, o contato entre axônio e dendrito resulta no agrupamento de receptores glutamatérgicos
nos sítios sinápticos da célula pós-sináptica (Craig et al., 1993).
Em culturas de baixa densidade de neurônios hipocampais,
receptores NMDA, AMPA e proteínas estruturais pós-sinápticas acumulam-se nas sinapses a intervalos de tempo distintos, sugerindo que eles são direcionados à sinapse por diferentes mecanismos (Friedman et al., 2000; Rao et al., 1998).
Vários grupos de pesquisa independentes têm demonstrado
que receptores NMDA são expressos antes dos receptores
AMPA nas sinapses hipocampais recém-formadas e que, à
medida que o desenvolvimento continua, os receptores AMPA
se acumulam gradualmente nessas sinapses (Isaac et al., 1997;
Liao et al., 1999; Petralia et al., 1999; Wu et al., 1996). Entretanto, outros investigadores demonstraram o resultado oposto — que os receptores AMPA são os primeiros a agrupar-se
nas sinapses hipocampais, seguidos pelos receptores NMDA
e pelas proteínas estruturais (Friedman et al., 2000; Rao et al.,
1998). O tempo preciso da inserção de receptores AMPA e
NMDA tem implicações significativas para os mecanismos de
fortalecimento sináptico durante o desenvolvimento cortical,
já que os dois receptores medeiam formas muito diferentes de
plasticidade sináptica (Kim e Huganir, 1999).
Maturação e sobrevivência neuronais
A maturação das células pós-sinápticas requer síntese protéica de novo, assim como as alterações duradouras dependentes
do aprendizado no SNC adulto. Os genes de expressão imediata (IEGs) (Morgan e Curran, 1989) estão entre os primeiros genes a serem ativados pela despolarização pós-sináptica, estimulados pelas elevações no Ca2+, na AMPc, no GMPc, no inositoltrifosfato (IP3) ou no diacilglicerol (DAG). O protótipo dessa
família de proto-oncogenes é o c-fos. A transcrição dos IEGs
leva à síntese de proteínas (p. ex., c-fos) que modulam ou induzem a transcrição de outros genes que, direta ou indiretamente, provocam alterações estruturais na célula. Por exemplo, a
síntese do fator de crescimento nervoso (NGF) pode ser controlada pela transcrição de c-fos; lesões no nervo isquiático levam a um rápido aumento nos níveis de fos, o qual se liga ao
sítio de iniciação de transcrição para NGF, estimulando sua produção (Hengerer et al., 1990). A sensibilização de longa duração na Aplysia (Barzilai et al., 1989), a LTP hipocampal (Cole et
al., 1989; Wisden et al., 1990) e a plasticidade estrutural nos
dendritos (Lyford et al., 1995) estão associadas à ativação específica de IEGs.
Interações entre neurônios pré e pós-sinápticos podem
potencializar e modular sua diferenciação. Por exemplo, a secreção de fatores tróficos por células pós-sinápticas é capaz de
determinar se os neurônios pré-sinápticos que as inervam sobreviverão ou sofrerão apoptose. Regulações mais refinadas
da diferenciação de células pré-sinápticas também ocorrem.
No sistema nervoso simpático em desenvolvimento, neurônios jovens são exclusivamente noradrenérgicos antes da for-
Yudofsky & Hales
mação das sinapses. Dependendo do tecido-alvo, eles podem
ser induzidos a tornar-se colinérgicos, mantendo apenas traços do fenótipo noradrenérgico (Landis, 1990). Esse efeito dependente do alvo é mediado pela liberação de um fator solúvel
de diferenciação colinérgica pelas células pós-sinápticas. Uma
vez que o contato sináptico é estabelecido, a ativação colinérgica da célula pós-sináptica pelas terminações pré-sinápticas
suprime a liberação do fator de diferenciação colinérgica. Portanto, a formação de uma sinapse pode atingir alterações de
longo alcance, tanto pré quanto pós-sinápticas, que podem
incluir a escolha de um neurotransmissor de um neurônio
pré-sináptico.
Em muitas áreas do sistema nervoso de vertebrados, os
neurônios são inicialmente produzidos em excesso. Para sobreviver, muitos neurônios precisam receber um suprimento
adequado de um ou mais fatores tróficos produzidos por seus
neurônios-alvo. A competição por suprimentos limitados desses fatores assegura que os neurônios sobreviventes serão corretamente conectados e que o número de neurônios será adequado ao tamanho do alvo. Em geral, células privadas de fatores
neurotróficos sofrem apoptose, uma forma de morte celular
programada geneticamente, caracterizada pela retração citoplasmática, pela condensação da cromatina e pela degradação
do DNA em fragmentos oligonucleossomais (Edwards et al.,
1991). Diferentemente da necrose, esse processo não estimula
respostas inflamatórias. A apoptose é um processo ativo que
requer síntese de RNA e síntese protéica (Oppenheim et al.,
1991; Scott e Davies, 1990). Existe um número crescente de
dados que sustentam a extraordinária hipótese de que a apoptose é um programa-padrão para a maioria das células e de
que o suicídio celular disseminado é prevenido apenas pela
presença contínua de sinais de sobrevivência que suprimem o
programa intrínseco de morte celular (Raff, 1992). O exemplo
neuronal melhor estudado é a dependência de neurônios simpáticos e sensoriais em relação ao NGF produzido pelo tecido-alvo. Embora quase a metade dos neurônios simpáticos
normalmente sofra apoptose, a aplicação de NGF exógeno impede a maioria das células de morrer; em contrapartida, a neutralização do NGF mediante anticorpos produz morte generalizada dos neurônios simpáticos (Raff et al., 1993).
Várias famílias de fatores de crescimento e de seus receptores foram identificadas (Figura 1–18), inclusive as neurotrofinas que se ligam a membros da família dos receptores TrK de
tirosina-quinases (Bothwell, 1991; Chao, 1992; Glass e Yancopoulos, 1993). Elas abrangem o NGF, o fator neurotrófico derivado do cérebro, e as neurotrofinas 3, 4/5 e 6. Outra família
inclui o fator neurotrófico ciliar, a atividade promotora de crescimento e o fator inibidor da leucemia. Fatores neurotróficos
adicionais incluem o fator de crescimento de fibroblasto básico e o fator neurotrófico derivado da linhagem celular glial.
Camundongos transgênicos, com mutações nos genes neurotróficos ou nos seus receptores apresentam anormalidades em
determinadas populações de neurônios (Davies, 1994). Os fatores de sobrevivência neuronal não são exclusivamente derivados dos alvos; suas fontes também incluem neurônios de
inervações, células gliais e hormônios circulantes. A habilidade dos fatores tróficos em promover a sobrevivência neuronal
tem sido atribuída à cascata da fosfatidilinositídeo 3’-OH quinase/c-Akt quinase, agindo por meio de, pelo menos, dois componentes intracelulares da via de morte celular, BAD e caspase-9 e o fator de transcrição NF-κB (Datta et al., 1999).
Os mecanismos celulares da apoptose parecem envolver
uma inter-relação complexa de várias cascatas de sinalização
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
Figura 1–18 As neurotrofinas exercem seus efeitos pela ligação a
dois tipos de receptores: o receptor para o fator de crescimento
nervoso de baixa afinidade, também chamado de p75, e o receptor
de tirosina quinase de alta afinidade, os receptores Trk. O fator de
crescimento nervoso (NGF) liga-se principalmente ao TrkA, e o fator
neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e a neurotrofina-4 (NT-4)
ligam-se principalmente ao TrkB. A especificidade da neurotrofina-3
(NT-3) é menos precisa. Embora ela se ligue principalmente ao TrkC,
também pode ligar-se a TrkA e TrkB sob algumas condições celulares.
Além disso, todas as neurotrofinas ligam-se a p75.
Fonte: Adaptada de Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM: Principles of
Neural Science, 4ª edição. New York, McGraw-Hill, 2000, p.1057. Utilizada
com permissão.
(Sastry e Rao, 2000). No verme C. elegans, ced-3 e ced-4 são necessários para a apoptose (Ellis et al., 1991). O produto do
gene ced-3 é uma cisteína protease que possui um homólogo
em mamíferos chamado de enzima conversora da interleucina-1β (ECI). Grande número de cisteína proteases foi recémdescoberto em muitas espécies, desempenhando diversos papéis na morte celular; essas proteínas são classificadas como
membros da grande família de proteínas caspase (sigla para
aspartato protease dependente de cisteína) (D.H. Sanes et al.,
2000). Algumas caspases são consideradas as proteínas efetoras finais na cascata de morte celular. Em contraste com os
genes de morte celular ced-3 e ced-4, o ced-9 age prevenindo a
apoptose em células que normalmente sobrevivem. Uma mutação em ced-9 leva à apoptose disseminada e à morte do embrião (Hengartner et al., 1992). O gene ced-9 encontrado em
vermes é homólogo ao oncogene humano Bcl-2, o qual se encontra superexpresso em células B de linfomas humanos (Tsujimoto et al., 1984). O gene humano pode bloquear a morte
celular em vários sistemas in vivo e in vitro, tendo sido transferido à C. elegans, onde, notavelmente, pôde substituir o ced-9 e
prevenir a apoptose em suas células. Recentemente, a família
de proteínas semelhantes a Bcl-2 cresceu bastante. Embora
algumas dessas proteínas inibam a morte celular, outras podem promover a apoptose. Em geral, os resultados atuais sugerem a existência de várias vias apoptóticas que talvez dependam do tipo de célula e do agente indutor; entretanto, a maioria
dessas vias parece convergir ao passo ECI/caspase (D. H. Sanes et al., 2000). Ainda que os passos precisos nas vias de morte celular permaneçam não totalmente esclarecidos, os mecanismos moleculares da apoptose foram claramente conservados
em termos evolucionários.
Os eventos moleculares subjacentes à apoptose em células neuronais e não-neuronais provavelmente incluem um
grande número de iniciadores, de mediadores e de inibidores,
43
mas várias características em comum estão sendo identificadas. Há evidências de que espécies reativas de oxigênio podem
desencadear a apoptose em neurônios (Greenlund et al., 1995)
e de que o Bcl-2 pode prevenir a apoptose pela inibição da
produção de radicais livres (Hockenbery et al., 1993; Kane et
al., 1993). Essa hipótese tem levado a tentativas do uso de antioxidantes e inibidores da produção de radicais livres como
agentes terapêuticos em várias doenças neurodegenerativas,
traumas e acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Por exemplo,
a superóxido dismutase (uma defesa contra radicais livres) protege os neurônios contra dano isquêmico. Camundongos transgênicos que superexpressam a superóxido dismutase apresentam infartos menores após a oclusão arterial (Kinouchi et al.,
1991). Mutações no gene da Cu/Zn superóxido dismutase estão associadas a certas formas familiares da esclerose amiotrófica lateral, sugerindo que radicais de oxigênio podem ser responsáveis pela degeneração dos neurônios motores em
pacientes com essa doença (Rosen et al., 1993).
Refinamento sináptico dependente da experiência
A experiência sensorial normal é essencial para a maturação das conexões neurais tanto no sistema nervoso periférico como no central. A experiência sensorial modela o desenvolvimento de diversas regiões cerebrais durante uma
janela temporal específica, chamada de período crítico. O
processo do refinamento sináptico assume significância clínica e continua a ser importante ao longo da vida, fornecendo mecanismos para a modificação da estrutura e da conectividade neuronal dependente da atividade. O papel integral
da atividade sensorial no desenvolvimento cerebral e a habilidade da experiência em alterar a percepção têm sido mais
extensivamente documentadas no sistema visual. Nesse sistema, os estímulos visuais sobrepostos dos dois olhos devem
ser combinados de maneira ordenada para maximizar a acuidade e a estereopse (Figura 1–19). Em animais com visão binocular, tais como humanos, gatos e macacos, os estímulos
visuais de uma região específica do espaço visual ativam neurônios no córtex visual contralateral. Os neurônios nas hemirretinas esquerdas dos olhos esquerdo e direito convergem sinais ao córtex esquerdo, e, similarmente, os neurônios
das hemirretinas direitas convergem sinais ao córtex direito
(Figura 1–19A). Portanto, as informações visuais provenientes da mesma fonte externa são temporariamente separadas
em vias específicas do olho direito e do esquerdo e então
reunidas no mesmo hemisfério cortical.
Como essas informações visuais são recombinadas? A
segregação específica de cada olho, dos estímulos de cada retina, é mantida no tálamo visual, ou núcleo geniculado lateral
(NGL), e nas camadas de projeção do córtex visual, mas converge em outras camadas do córtex visual primário (V1). Nas
camadas do V1 que recebem estímulos do núcleo geniculado
em adultos, estímulos dos dois olhos projetam-se em colunas
de células separadas. As colunas de dominância ocular (DO)
formadas são arranjadas adjacentemente umas às outras em
listas alternadas dominadas por um olho ou pelo outro (Figura 1–19) (Hubel e Wiesel, 1977). O padrão de listas formadas
na superfície do córtex lembra as listas de uma zebra (Figura
1–19B, D). Os neurônios de saída das colunas de dominância
ocular projetam-se a outras camadas corticais, onde a informação visual derivada de estímulos de ambos os olhos é recombinada e sinais estereoscópicos são extraídos. O fato de
sinais separados de cada olho serem trabalhados em paralelo,
44
Yudofsky & Hales
Figura 1–19 Colunas de dominância ocular no córtex visual. Painel A. Na via visual em humanos, as fibras ópticas de cada olho dividem-se
no quiasma óptico, sendo que cada metade das fibras vai para cada um dos lados do cérebro. Na representação esquemática, as fibras que
convergem a informação visual proveniente dos lados esquerdos de cada retina são mostradas projetando-se ao núcleo geniculado lateral (NGL)
esquerdo. Os neurônios do NGL (em diferentes camadas), por sua vez, projetam-se ao córtex visual ipsilateral (principalmente à camada 4c).
Nas camadas do córtex visual maduro que recebem fibras do núcleo geniculado, os estímulos dos olhos são segregados em colunas de
dominância ocular (DO). Painel B. Injeções de prolina radioativa em um dos olhos de um gato com duas semanas de vida marcam
uniformemente a camada 4 em secções coronais do córtex visual, indicando que aferentes provenientes daquele olho são igualmente
distribuídos no córtex nessa idade. Entretanto, ao longo das próximas semanas, tais injeções mostram a segregação dos aferentes do núcleo
geniculado em colunas de DO. Painel C. Diagrama esquemático da formação de colunas de DO na camada 4 do córtex durante o
desenvolvimento normal. Painel D. Um olho de um macaco normal foi injetado com um marcador radioativo, o qual foi transportado
transinapticamente ao longo das vias visuais. As áreas corticais que recebem estímulos do olho em que foi aplicada a injeção estão marcadas
em branco, revelando um padrão alternado de listas espaçadas regularmente (secção de um corte tangencial através da camada 4). Painel E. A
deprivação monocular altera o desenvolvimento das colunas de DO. Aqui, o marcador foi injetado no olho não-deprivado, revelando listas mais
largas e, portanto, indicando a expansão da área inervada pelo olho não-deprivado. Ou seja, a experiência normal é pré-requisito para uma
conectividade adequada do córtex.
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recombinados e separados novamente é representativo de um
padrão mais geral no processamento da informação visual (Livingstone e Hubel, 1998).
Durante o desenvolvimento, as colunas de DO são originadas por processos dependentes da atividade (Hubel et al.,
1977). Inicialmente, axônios trazendo informação ao núcleo
geniculado a partir dos dois olhos sobrepõem-se. Entretanto,
à medida que o desenvolvimento continua, esses axônios lentamente começam a se segregar em colunas de DO (Figura 1–
19B,C). Durante esse período, o padrão de listas distintas, igualmente distribuído entre os dois olhos, depende da atividade
visual normal. Se a visão de um olho é prejudicada ou se há
estrabismo, o estímulo do olho normal ou dominante começa
a controlar a maioria do córtex visual, e o outro olho torna-se
funcionalmente cego (Figura 1–19E). No córtex, as colunas de
dominância ocular do olho normal ou dominante expandemse às custas do olho prejudicado. A segregação das fibras ópticas em colunas é dependente da atividade (Constantine-Paton
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
et al., 1990; Shatz e Stryker, 1998). Ela depende dos estímulos
discordantes dos dois olhos; a segregação falha se todo estímulo visual ao córtex é bloqueado (com tetrodotoxina) ou artificialmente sincronizado em ambos os olhos (por estimulação elétrica simultânea) (Shatz, 1990).
Padrões diferenciados de atividade elétrica em cada radiação óptica, conforme ocorre normalmente, medeiam a segregação de DO. A segregação também requer a atividade das
células corticais pós-sinápticas; a infusão da droga inibitória
muscimol (um agonista de receptor GABAA) causa uma reversão na dominância ocular, de modo que, paradoxalmente, o
olho mais fraco, em vez do mais forte, assume a influência
cortical maior (Reiter e Stryker, 1988). Portanto, a segregação
apropriada dos estímulos corticais requer a coordenação da
atividade pré-sináptica normal e das respostas pós-sinápticas.
Semelhante dependência da atividade também é encontrada
em axônios da retina que influenciam as células do NGL (Goodman e Shatz, 1993). Realmente, a segregação dependente da
atividade dos estímulos sensoriais em colunas funcionais parece ser uma propriedade inerente das projeções topográficas
de sistemas sensoriais. Em sapos, que não apresentam visão
binocular nem colunas de dominância ocular, quando um olho
extra é transplantado em um girino, as fibras ópticas do terceiro olho competem com o outro olho que inerva aquele lado
do cérebro e produzem colunas de dominância ocular (Constantine-Paton e Law, 1978).
Os mecanismos celulares e moleculares subjacentes ao
refinamento sináptico dependente da atividade estão começando a ser elucidados. Muitos deles são notavelmente similares aos mecanismos celulares nos quais se baseiam o aprendizado e a memória no cérebro adulto. No sistema visual,
acredita-se que os aferentes ao núcleo geniculado sofram segregação em colunas de DO baseados na regra do aprendizado Hebbiano (Hebb, 1949), pela qual neurônios que disparam juntos são seletivamente fortalecidos. A regra prediz
que neurônios que disparam sincronicamente fortalecerão
suas sinapses, enquanto neurônios que o fazem assincronicamente enfraquecerão suas sinapses. A LTP e a LTD são
candidatos prováveis para mediar o processo de formação
das colunas de DO (Bear e Rittenhouse, 1999). Além da atividade, outros fatores podem agir de forma seletiva, fortalecendo sinapses ativas ao mesmo tempo. Um dos mais prováveis candidatos para tanto é a família de fatores de crescimento
das neurotrofinas. As neurotrofinas são produzidas em quantidades limitadas pelos neurônios corticais; sua expressão é
aumentada pela atividade, e elas podem aumentar a força sináptica, bem como alterar as arborizações dendríticas e axonais de neurônios corticais (McAlister et al., 1999). Em concordância com essa hipótese, tanto a infusão de excesso de
neurotrofinas quanto o bloqueio das neurotrofinas impedem
a formação das colunas de DO (Cabelli et al., 1995, 1997).
Assim, as neurotrofinas estão em primeiro lugar como candidatos para mediar o refinamento sináptico dependente da
experiência que ocorre durante o desenvolvimento. Além disso, devido ao seu papel na modulação da força sináptica, acredita-se que as neurotrofinas estejam envolvidas em doenças
neurodegenerativas.
Ações neurotróficas e neurotóxicas dos
neurotransmissores
Os próprios neurotransmissores podem ter função trófica ou tóxica no modelamento dos neurônios e de suas inter-
45
conexões (Lipton e Kater, 1989). O progresso dos cones de
crescimento é regulado pelo nível de Ca2+ intracelular local, o
qual atua dentro de uma faixa estreita. Quando os níveis são
baixos, os cones estão inativos; quando os níveis sobem, os
cones de crescimento começam a mover-se. Entretanto, acima
de determinado nível, a elevação dos níveis de Ca2+ impede o
crescimento e causa retração ou destruição dos processos neuronais (al-Mohanna et al., 1992). O glutamato é capaz de regular o crescimento dos processos neuronais pelo controle do
influxo de Ca2+. Esse efeito pode ser contrabalançado por neurotransmissores inibitórios, bem como por uma provisão de
grandes quantidades dos fatores tróficos (Mattson e Kater,
1989; Mattson et al., 1989). A dopamina, atuando sobre receptores D1, pode inibir a motilidade dos cones de crescimento mediante a ativação da adenilil ciclase, elevando a concentração intracelular de AMPc (Lankford et al., 1988) ou, atuando
sobre receptores D2, pode induzir o crescimento dos neuritos
(Todd, 1992).
Níveis elevados de glutamato produzem excitotoxicidade,
talvez refletindo o funcionamento patológico desses sistemas
sinalizadores do desenvolvimento (Kater et al., 1989). Alternativamente, a excitotoxicidade pode ter uma função normal na
regulação do número de células e na da conectividade. A excitotoxicidade parece ser mediada pela entrada de Na+ através
dos canais do tipo AMPA. Isso leva ao inchaço neuronal (resultando em edema cerebral). A entrada continuada de Ca2+
pelos canais receptores NMDA resulta em um modo retardado de excitoxicidade, que mata os neurônios, provavelmente
pela ativação de proteases intracelulares e/ou geração de radicais livres, inclusive o NO (Choi, 1994; Dawson et al., 1994).
Além de mediarem o influxo de Na+ e o inchaço, os receptores
AMPA podem estar acoplados à via IP3/DAG, levando também ao aumento nos níveis de Ca2+ intracelular e à ativação da
quinase C.
A excitotoxicidade provavelmente é responsável pela perda neuronal em AVCs, no status epiléptico, na hipoglicemia e
no trauma encefálico (Choi e Rothman, 1990). Essas ocorrências estão relacionadas, uma vez que todas levam à despolarização neuronal, o que resulta em atividade elétrica excessiva,
evocando aumentos excessivos na liberação de glutamato. Os
elevados níveis de glutamato extracelular estão presentes em
modelos experimentais, e sua citopatologia pode ser mimetizada por injeções intracerebrais de aminoácidos excitatórios.
Os neurônios poupados nesses estados patológicos são também os menos afetados nos modelos experimentais, provavelmente porque possuem menos receptores para os aminoácidos excitatórios. Os neurônios danificados apresentam níveis
aumentados de Ca2+ intracelular e antagonistas dos aminoácidos excitatórios, especialmente aqueles que bloqueiam os receptores NMDA, previnem ou reduzem consideravelmente a
perda neuronal nessas condições.
Evidências que atribuem um papel à toxicidade dos aminoácidos excitatórios nas doenças neurodegenerativas são
menos completas (Choi, 1988; Meldrum e Garthwaite, 1990).
Uma rara doença neurológica que é fatal na infância parece
dever-se à deficiência na sulfito oxidase, resultando em elevação na concentração do aminoácido excitatório l-sulfocisteína. Além disso, uma forma recessiva da degeneração olivopontocerebelar, que é fatal na vida adulta, está associada à
deficiência da glutamato desidrogenase. E, finalmente, duas
doenças neurodegenerativas geograficamente localizadas têm
sido associadas à ingestão de excitotoxinas. O complexo esclerose lateral amiotrófica parkinsonismo-demência de guam
46
resulta da ingestão do aminoácido excitatório β-n-metilamino-l-alanina, encontrado na planta cicadácea. O latirismo encontrado em regiões da África que sofrem com inanição ou
fome apresenta uma relação causal com a ingestão da excitoxina β-n-oxalilamino-l-alanina encontrada no grão-de-bico.
Similaridades entre outros transtornos neuropsiquiátricos e distúrbios neurodegenerativos idiopáticos sugerem um
importante papel dos mecanismos de excitoxicidade. É intrigante que um conjunto de dados implica os mecanismos de
excitoxicidade na patologia da doença de Huntington. A neuropatologia dessa doença é mimetizada pela injeção de aminoácidos excitatórios e certas classes de neurônios estriatais
são poupadas em ambos os casos (Wexler et al., 1991). Além
disso, medidas dos receptores NMDA estriatais em pacientes
que faleceram pela doença de Huntington revelam perda seletiva de células que apresentam esses receptores, dando suporte à possibilidade do papel da excitoxicidade mediada por receptores NMDA na sua patogênese (Young et al., 1988).
PERSPECTIVAS
O desenvolvimento cerebral não é determinado meramente por programas genéticos celulares autônomos, mas, em vez
disso, é altamente interativo e depende de hierarquias complexas de fatores de sinalização que operam para restringir de
forma progressiva o destino celular. Uma vez que as células
tenham atingido um fenótipo específico e chegado a uma localização apropriada, a competição por fatores de sobrevivência fornece outra oportunidade para influências ambientais
sobre o desenvolvimento resultante. O desenvolvimento celular cerebral não é, portanto, estritamente dependente da linhagem, mas envolve um extraordinário grau de sinalização
interativa. Em muitas áreas cerebrais, o estabelecimento de
contatos sinápticos dependente da atividade é outro exemplo
de mecanismos pelos quais a experiência pode refinar aspectos estruturais do desenvolvimento cerebral. Uma conseqüência desses mecanismos associados ao desenvolvimento é que
nunca ocorrerão dois resultados exatamente iguais, mesmo
no caso de gêmeos com carga genética idêntica. Outra conseqüência é o potencial para perturbações do desenvolvimento
normal por agentes físicos, químicos ou infecciosos no período fetal ou neonatal.
Tem se tornado claro que o cérebro adulto retém um grau
significativo de plasticidade ao longo da vida e que alterações
na organização cortical podem ser induzidas por estímulos
sensoriais comportamentalmente importantes e temporalmente coincidentes (Buonomano e Merzenich, 1998). O treinamento comportamental de macacos-da-noite adultos na discriminação de características temporais de um estímulo tátil
pode alterar as propriedades de resposta espaciais e temporais
dos neurônios corticais (Recanzone et al., 1992b). Quando
macacos-da-noite adultos são recompensados ao responder a
uma estimulação tátil de 30 Hz em um único dedo de uma das
mãos, há um aumento no número de áreas corticais e na área
somatossensorial do córtex onde os neurônios mostram respostas na freqüência adequada depois do treinamento (Recanzone, 1992a). Em uma série de experimentos, demonstrouse que a representação cortical da pele que recobre os mamilos
aumenta quase duas vezes para ratas em período de amamentação, comparadas com ratas-controle virgens ou com ratas
no pós-parto não-lactantes (Xerri et al., 1994). O comportamento materno de amamentação em ratas constitui uma alte-
Yudofsky & Hales
ração que ocorre de forma natural, na qual estímulos sensoriais comportamentalmente significativos e regionalmente localizados estão associados à reorganização do córtex somatossensorial primário.
Esse tipo de alteração na organização do córtex somatossensorial também ocorre no córtex auditivo primário. Macacos-da-noite treinados por várias semanas para discriminar pequenas diferenças na freqüência de tons apresentados
em seqüência demonstraram melhora progressiva em seu desempenho ao longo do treinamento. Ao final do período de
treinamento, a porção do córtex que respondia às freqüências relevantes estava aumentada (Recanzone et al., 1993).
Em estudos-controle com procedimentos de estimulação
equivalentes, em que os estímulos não eram relevantes, nenhuma alteração de representação significativa foi registrada
(Recanzone et al., 1992b, 1993). Portanto, comportamentos
realizados e recompensados em resposta a um estímulo podem induzir alterações na organização do córtex sensorial
primário que estão correlacionadas a uma melhora na acuidade da percepção (Merzenich e Sameshima, 1993). Esses
experimentos começaram a sugerir maneiras pelas quais experiências da vida — a psicoterapia inclusive — podem potencialmente modificar a função cortical e alterar a percepção e o comportamento.
Essas alterações plásticas parecem compartilhar uma linguagem molecular, expressa primeiro durante o desenvolvimento e que envolve os mecanismos dependentes da atividade. A atividade neural é essencial para o refinamento
sináptico dependente da atividade, para a LTP, para a LTD e
para a excitoxicidade (Brown et al., 1990; Choi e Rothman,
1990; Constantine-Paton et al., 1990; Hawkins e Kandel, 1984;
Lipton e Kater, 1989). A peça-chave é o receptor NMDA, o qual
requer, para sua ativação, a ligação do agonista e a despolarização. Essa parece ser a exigência essencial para o emparelhamento da especificidade, um tipo de plasticidade sináptica inicialmente postulado por Hebb (1949), em que a ativação
simultânea de elementos pré e pós-sinápticos fortalece as conexões. Ao mesmo tempo, a correlação da atividade pré-sináptica com a inibição pós-sináptica pode seletivamente enfraquecer as conexões (Reiter e Stryker, 1988). O influxo de Ca2+
mediado pelo receptor NMDA desencadeia alterações na força
das sinapses, que podem acabar levando a alterações estruturais
mais permanentes no número de sinapses. Em níveis mais elevados, o Ca2+ pode prejudicar o crescimento dos neuritos, causar sua retração ou seletivamente lesionar uma célula suscetível.
Sem dúvida, muitas doenças neuropsiquiátricas encontram-se nesse contexto. Para considerar alguns exemplos, a
maioria dos quais já foram mencionados, a degeneração estriatal na doença de Huntington parece ser devido a uma superprodução da proteína associada à vesícula sináptica (DiFiglia
et al., 1995; Sharp et al., 1995), capaz de provocar a excitoxicidade mediada pelo receptor NMDA (Wexler et al., 1991). Na
doença de Parkinson, a perda seletiva de neurônios dopaminérgicos na substância negra pode ser o resultado tardio de
um processo viral, de uma lesão por neurotoxinas dopaminérgicas, tais como o MPTP, ou pela deficiência de fatores neurotróficos, tais como o fator neurotrófico derivado do cérebro
ou o derivado da linhagem glial, os quais podem ser essenciais
para a sobrevivência dos neurônios dopaminérgicos. Na doença de Alzheimer, a perda dos neurônios colinérgicos talvez
resulte de uma deficiência ou ainda de uma aberração no controle do NGF, já que o mesmo é captado por neurônios do
Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
prosencéfalo basal. Claramente, o entendimento dos eventos
celulares e moleculares que ocorrem durante o desenvolvimento cerebral normal (a maturação e o envelhecimento), bem
como daqueles que estão por trás dos transtornos neuropsiquiátricos, promoverá um avanço nas estratégias para o tratamento e a prevenção desses transtornos.
Talvez a possível intervenção mais estimulante e revolucionária para o tratamento de doenças neuropsiquiátricas seja o
uso de células-tronco para reparar o cérebro lesionado (S.H.
Lee et al., 2000). Apesar do enorme esforço da comunidade de
neurocientistas durante o último século, não existem atualmente
terapias exeqüíveis para o reparo do cérebro humano adulto
danificado. É evidente que o tratamento de muitas doenças neuropsiquiátricas poderia ser melhorado se novos neurônios pudessem ser adicionados a uma região cerebral lesionada e se
fossem estimulados a diferenciar-se no tipo neuronal apropriado e formar conexões apropriadas. Existem hoje duas abordagens para atingir esse objetivo. Na primeira, células-tronco pluripotentes estão sendo utilizadas, com sucesso crescente, para
repovoar regiões cerebrais danificadas. Por exemplo, ratos com
sintomas semelhantes aos da doença de Parkinson podem readquirir funções após a implantação de neurônios dopaminérgicos criados in vitro a partir de precursores neuronais fetais de
rato (Studer et al., 1998). Na segunda, mecanismos de reparo
intrínsecos recém-descobertos no cérebro adulto estão sendo
estudados quanto a seu potencial terapêutico. Recentemente, a
neurogênese foi descoberta em várias regiões do cérebro adulto, inclusive no giro dentado da formação hipocampal. Esses
neurônios migram, diferenciam-se e formam conexões funcionais. Além disso, a experiência, o aprendizado e o exercício físico aumentam a proliferação neuronal em adultos (Fuchs e
Gould, 2000). A descoberta da neurogênese no cérebro adulto
sugere a existência de mecanismos intrínsecos de reparação que
podem ser manipulados para o tratamento de doenças neurodegenerativas (Fuchs e Gould, 2000). À medida que os mecanismos de doenças neuropsiquiátricas vão sendo elucidados em
âmbito celular e molecular e que o enorme potencial da pesquisa com células-tronco encontre-se bem estabelecido, é provável que estejamos muito próximos de tratamentos revolucionários para muitas doenças neuropsiquiátricas.
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