Artigo Original Prognóstico em dois anos do câncer de cavidade oral Prognosis in 2 years of patients with oral cavity cancer Geraldo Pereira Jotz1 Rodrigo Damazzini2 Marcelo Deboni2 Marcus Vinicius Dreher2 Juliane Dias2 Aline Lima e Silva Deboni3 Cláudio Galleano Zettler4 RESUMO ABSTRACT Introdução: realizamos um estudo transversal retrospectivo, no qual foram revisados os prontuários médicos dos pacientes com câncer de cavidade oral. Objetivo: traçar o perfil oncoepidemiológico desses pacientes, bem como comparar a sobrevida em dois anos do Dutch Group (software OncologIQ®) com a nossa. Pacientes e Método: a nossa amostra foi composta de 39 pacientes, sendo 38 do gênero masculino e um do feminino, com média de idade, na primeira consulta, de 54 anos. Fizemos uso do software OncologIQ®, para estimativa de sobrevida. Resultados: o estádio IV representou 41% dos pacientes, seguido do estádio III, com 33%. Apenas 10% dos pacientes pertenciam ao estádio I. De acordo com o T-stage, T2 aparece com 43% dos pacientes enquanto T4 com 28%. O T-stage T1 surge apenas com 10% dos pacientes. Esse estudo expressou uma sobrevida em dois anos de 100% dos pacientes presentes nos estádios I e II, de 69% no estádio III, enquanto que, no estádio IV, expôs uma sobrevida em dois anos de 37,5% dos pacientes. Os mesmos pacientes foram avaliados pelo software OncologIQ® e a sobrevida estimada em dois anos foi, respectivamente, de 82% e 73% para os estádios I e II. O estádio III teve uma sobrevida estimada de 57%, ao passo que, para o estádio IV, a sobrevida em dois anos estimada foi de 45%. A média geral da sobrevida em 02 anos, independente do estadiamento, foi de 76%. Conclusão: a sobrevida em dois anos dos nossos pacientes foi compatível com dados do software OncologIQ®, no aspecto geral e específico por estádio. Introduction: we performed a retrospective transversal study, in which the medical charts of patients with oral cavity cancer were analyzed. Objective: to obtain an onco-epidemiolological profile of the patients involved, as well as to compare the two-year survival rate of the Dutch Group (OncologIQ® software) with that of our group. Materials and methods: our sample was composed by 39 patients, 38 being men and 1 woman, with an average age of 54 years old at the time of the first medical visit. An estimative of the survival rate was performed with the aid of OncologIQ® software. Results: Stage IV represented 41% of the patients, followed by stage III with 33%. Only 10% of the patients were at stage I. According to the T-stage, T2 appears with 43% of patients, whereas T4 presented 28%. T-stage T1 appears in 10% of the patients. This study expressed a 2 years survival rate of 100% of the patients in stages I and II, a rate of 69% in patients in stage III, and a rate of 37.5% in patients in stage IV. The same patients were assessed using the OncologIQ® software, and the estimated survival rate in two years was 82% and 73% for stages I and II respectively. Stage III had an estimated survival rate of 57%, while that of stage IV was estimated at 45%. The average survival rate at 2 years, independent of the stage, was 76%. Conclusion: the survival rate of our patients was compatible with the data from the OncologIQ® software, in relation to the general aspect and specifically in relation to the stages. Key words: Prognosis; cancer; oral cavity. Descritores: Prognóstico; câncer; cavidade oral. INTRODUÇÃO O número de casos de câncer de cavidade oral no Brasil tem aumentado nos últimos anos, conforme dados do Ministério da Saúde. Mesmo a prevenção tendo assumido um papel significativo no modelo de saúde brasileiro, o câncer dessa região continua a representar um problema nacional de saúde pública, devido aos seus altos índices de morbi-mortalidade1,2. O Comitê Americano de Estudo do Câncer subdividiu a origem dos tumores malignos de cabeça e pescoço em seis grandes grupos: lábios e cavidade oral, parafaringe, laringe, cavidade nasal e seios paranasais, glândulas salivares maiores e tireóide. A cavidade oral é composta pelas seguintes estruturas: 2/3 anteriores da língua, mucosa jugal, soalho da boca, gengiva superior e inferior, área retromolar e palato duro (figura 1). Todos os tumores dessas áreas têm drenagem linfática para a região cervical, sendo que as primeiras cadeias de linfonodos são os júgulo-digástricos, júgulo-omo-hióideos, submandibulares e submentonianas3,4. 1) Professor Adjunto Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Professor Adjunto Doutor do Departamento de Ciências Morfológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre. 2) Médico Residente de Cirurgia Geral da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Porto Alegre. 3) Cirurgiã Dentista. Especialista em Periodontia. 4) Professor Adjunto Doutor da Disciplina de Patologia Humana do Curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Porto Alegre. Instituição: Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Luterana do Brasil, Porto Alegre. Correspondência: Geraldo Pereira Jotz, Rua Dom Pedro II, 891 conj. 604 – 90550-142 Porto Alegre, RSEmail: [email protected] Recebido em 08/05/2007; aceito para publicação em: 26/06/2007; publicado on line em: 18/08/2007. 146 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 36, nº 3, p. 146 -151, julho / agosto / setembro 2007 Figura 1 – Anatomia da cavidade oral e orofaringe, através de vista da boca fechada em corte sagital. O câncer da cavidade oral, representou em 1993, uma ocorrência de quase 10% de todos os tumores malignos, de acordo com o banco de dados do Registro Hospitalar de Câncer do Instituto Nacional do Câncer – Ministério da Saúde (INCA – MS), alcançando o patamar de terceiro câncer mais freqüente nos homens e o quarto em mulheres, no período3. Para o ano de 2006, o INCA – MS estima, para o Brasil, uma casuística de cerca de 14.000 novos casos de câncer de cavidade oral, entre homens e mulheres. Será o sétimo câncer mais prevalente entre os homens e o oitavo entre as mulheres. Nessa mesma estimativa, as regiões Sul e Sudeste correspondem às que detêm o maior número de pacientes com essa doença, sendo o Estado do Rio de Janeiro o mais prevalente, com cerca de 20,22 casos para cada 100,000 habitantes5. Os fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de boca são compostos pela interação de fatores ambientais e do hospedeiro. Ambos são variados e seus papéis na gênese do câncer da boca não estão completamente esclarecidos, apesar da influência de fatores do hospedeiro, como herança genética, gênero e idade e de fatores externos, entre eles a agressão por agentes físicos, biológicos e químicos. Outros fatores também podem ser relacionados, porém, com menor importância, como: papiloma humano, radiação ultravioleta (lábios), síndrome de Plummer-Vinson (atrofia de mucosa oral), infecção crônica sifilítica e imunossupressão prolongada (pacientes transplantados)6. Correntemente, as estimativas prognósticas e a decisão de cuidados com paciente oncológico baseado em 5cinco anos de sobrevida foram publicados pela União Internacional Contra o Câncer (UICC). Os dados relativos à mortalidade (UICC-TNM) estão correlacionados ao estádio da doença e não a idade, gênero, comorbidade, estado nutricional e hábitos7. Indivíduos tabagistas (duas carteiras por dia) e etilistas (quatro doses por dia) têm um odds ratio de 35, quando comparados ao grupo controle6,8. Quando se discute a sobrevida dos pacientes com câncer de boca, torna-se necessária uma correlação com o seu estadiamento (tabela 1). Nos Estados Unidos, entre 1983 e 1990, 53% dos pacientes com câncer da cavidade oral demonstraram metástase no momento do diagnóstico. Fontes do Ministério da Saúde (1997) atestam que a procura por assistência, considerando-se o câncer de boca, ocorre predominantemente nos estádios III e IV da doença, onde os tratamentos são radicais e a sobrevida média é de 5 anos9. Esse fato concorre para o elevado número de óbitos pela doença, no período de 6 a 12 meses da época do diagnóstico, configurando o diagnóstico tardio e a necessidade de investimentos nessa área. Os dados mais utilizados referentes a prognóstico estimado e a decisão para o tratamento do câncer estão baseados nas estatísticas de sobrevida a cinco anos publicadas pela União Nacional Contra o Câncer (UICC), Instituto Nacional de Câncer SEER (Surveillance Epidemiology and End Results), Comitê Americano de Câncer e Sociedade Americana de Câncer. Esses dados relacionam a mortalidade ao local e o estádio TNM, mas não consideram fatores específicos do paciente como a idade, gênero, comorbidades e sintomas de severidade relacionados ao câncer. Desde que esses fatores foram incluídos como parâmetros a serem considerados em conjunto com a localização e o estádio morfológico, houve uma melhora no sistema de avaliação das estimativas de sobrevida7. O software OncologIQ® é um sistema considerado ideal, pois podem combinar-se diferentes graduações do TNM com outras relevantes informações, como idade, fatores comórbidos (em níveis diferenciados, conforme sua gravidade) e sítio da lesão, entre outros. O programa baseou-se na análise de 1662 pacientes com tumores de cabeça e pescoço do Centro Médico da Universidade de Leiden, na Holanda (Dutch Group)10. Dados do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, no período entre 1990 e 1992, mostraram que a sobrevida a 5 anos, independente do estadiamento, foi de 50,1%. Essas taxas variaram de 29% para pacientes em estádio IV a 74% para pacientes em estádio I3. Tabela 1 – TNM Câncer Cavidade Oral. O Comitê Americano de Estudo de Câncer demonstra a sobrevida ao longo de 5 anos de pacientes com câncer de cavidade oral, no período de 1985 a 19916 (tabela 2). Tabela 2 – Sobrevida por Ano e por Estádio do Câncer de Cavidade Oral, 1985 – 19916. Organizações nacionais e internacionais de câncer estão interessadas em adicionar a comorbidade como um requisitado elemento de dado para o registro do câncer e para a avaliação do prognóstico11. Doenças coexistentes além do câncer podem afetar fortemente na sobrevida do paciente e nas opções de tratamento. Exemplos de comorbidades mais severas, às vezes chamadas comorbidades-prognóstico são as doenças cardíacas significativas, tuberculose avançada e doença hepática severa12. 147 As informações no Brasil relativas à sobrevida de pacientes operados de câncer de cavidade oral ainda são escassas. O objetivo desse estudo é traçar um perfil onco-epidemiológico dos nossos pacientes, bem como comparar com a sobrevida em dois anos do Dutch Group (software OncologIQ®), observando o tempo de sobrevida do nosso grupo em relação à sobrevida européia, levando-se em conta as comorbidades que aqui temos. Ao colocarmos os dados dos nossos pacientes no software, teremos esta idéia pois o programa dará o prognóstico em dois anos baseado nos dados dos pacientes do Dutch Group, onde compararemos com os nossos dados de prognóstico. ÍNDICE DE COMORBIDADE DE KAPLAN-FEINSTEIN MODIFICADO (ACE-27) CO-AGENTE GRAU 3 – SEVERO Hipertensão Cardíaca Papiledema severo PD 1115-129 mmhg; sedentarismo Encefalopatia; PD 130 mmhg ou cardiovascular ou efeitos sintomaior nos últimos 6 meses; ICC; máticos como cefaléia, vertigem, IAM; arritmias significantes; epistaxe, ICC há mais de 6 meses Angina pectoris atrás; PD 90-140 mmhg sem efeitos 2º ou sintomas; IAM há mais de 6 mês ECG com evidencia de doença coronária Cerebral ou Psíquica Estado comatoso / suicídio iminente / recente queda queda tardia com resíduos; ataque isquêmico transitório-AIT; epilepsia Recente AIT no passado Epilepsia tardia Respiratório Insuf. Pulmonar grave; Mal Asmático Insuf. Pulmonar moderada; pneumonia recorrente; DPOC Insuf. Pulmonar leve TBC recente; mal Asmático recorrente Renal Uremia; anemia 2ª a descomPensação renal; edema; HAS Azotema; Creat. > 3,0 mg%; Sind. nefrotica; Inf. Renal Recorrente Proteinúria; Inf. Urinária baixa; calculo renal Hepático Falência hepática - ascite; Varizes de esôfago Aranhas vasculares; eritema palmar; Hepatomegalia Doença hepática diagnosticada por biópsia Bilirrubina > 3 mg% Gastrointestinal Sangramento recente controlado com 6 ou mais unidades de sangue Sangramento moderado que requer transfusão de menos que 6 unidades; pancreatite aguda recente; síndrome de má absorção pequenos sinais de sangramento, não requerendo transfusão; episódio sintomático de colelitíase; pancreatite crônica; ulcera péptica Lesões vascu- XXXXXXXXXXXXXX lares periféricas Amputação recente por gangrena de extremidade amputação tardia claudicação Malignidades Não controladas Controladas; Sarcoma de Kaposi XXXXXXXXXX Locomotor Acamado moderadamente inválido; confinado a casa, home-care com limitação de atividade Alcoolismo Severamente descompensado moderadamente descompensado; Episódios de delirium-tremens; Hospitalização recorrente associada ao álcool; gastrite; pancreatite caquexia; anemia levemente descompensado; intoxicação aguda Miscelâneos Doença do colágeno sistêmica descompensada; lupus... Doença do colágeno sistêmica compensada epistaxe recorrente que requer transfusão; infecção ativa crônica inespecífica PACIENTES E MÉTODO Nesse estudo transversal retrospectivo, foram revisados os prontuários médicos dos pacientes com câncer de cavidade oral, atendidos no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Independência – ULBRA, em um período compreendido entre 1º de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2003. O protocolo (figura 2) realizado reunia as seguintes informações: nome, idade, gênero, procedência, telefone, data da primeira consulta, fator de risco associado (tabagismo e etilismo), sítio primário do tumor, data do diagnóstico clínico, estadiamento patológico (pós-operatório), classificação do paciente de acordo com suas comorbidades conforme tabela de Kaplan-Feinstein modificada (ACE-27), data da última consulta junto ao serviço e se o paciente ainda se encontrava vivo (após contato com todos os pacientes ou familiares por telefone). SERVIÇO DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO PESQUISA DE FATORES PROGNÓSTICOS - ONCOLOGIQ Nome: __________________Reg. Hospital:______________ Data da 1ª cons.: ___/___/___ Fone: (_____)_____________ Procedente (cidade):__________________ Fator de Risco: Alcool Fumo Outro:___________ Sitio do tumor Gênero Idade TNM (pos-operatório) Lábios Masculino _____ anos T___ (1, 2, 3 ou 4) Cavidade Oral Feminino N___ (0, 1, 2 ou 3) Nasofaringe M___ (0 ou 1) Orofaringe Hipofaringe Laringe - Glote Laringe - Supra-glote Laringe - Sub-glote Tireóide Outros:_______________ Sobrevida: Data do diagnóstico clínico: ____/____/_____ Ultima visita ao Serviço: ____/_____/_____ Vivo em:____/____/____ Morreu em: ____/____/____(Ligar para a família para responder) ACE – 27 (Comorbidades) 0 - Nenhuma 1 - Leve 2 - Moderada 3 - Severa Desconhecido Tumor Primário Sim Não Figura 2 – Protocolo de pesquisa de câncer de cavidade oral. A tabela de Kaplan-Feinstein modificada (ACE 27 – Adult Comorbidity Evaluation 27) é um índice composto por 27 itens que avaliam as comorbidades em pacientes com câncer (figura 3). A graduação dessas comorbidades é dividida em 3 grupos: grau 1 (leve), grau 2 (moderado) e grau 3 (severo). Nos pacientes que apresentaram mais de um grau de comorbidade, prevaleceu o de maior escore, assim como, se um paciente referiu duas ou mais comorbidades moderadas, foi classificado como de grau severo11. GRAU 2 – MODERADO GRAU 1 – LEVE Figura 3 – Tabela de Kaplan-Feinstein Modificada - ACE 27 (Adult Comorbidity Evaluation 27) Quanto à seleção, foram considerados como critérios de inclusão somente os pacientes portadores neoplasia maligna de cavidade oral que foram submetidos a tratamento cirúrgico e que concordassem em participar da pesquisa. O termo “sobrevida a dois anos” foi definido como um período de dois anos após o início do tratamento, onde o paciente permaneceu vivo. Os pacientes não foram privados de tratamento complementar, como quimioterapia e/ou radioterapia, conforme as indicações. Os dados foram analisados no software OncologIQ®. Esse programa reproduz a sobrevida dos pacientes nos moldes do modelo europeu. Foi utilizada estatística descritiva para apresentar os resultados das variáveis estudadas. Nas comparações entre as variáveis categóricas, foi utilizado o teste de Qui-quadrado e naquelas variáveis para comparar médias, foi utilizado o teste t Student. O programa utilizado para entrada dos dados foi o Epi-info e, para a análise, o SPSS. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos e Animais da Universidade Luterana do Brasil sob o nº 2006-309H. RESULTADOS No período em estudo, foram consideradas 39 pacientes com câncer de cavidade oral (n), dos quais 38 (97,4%) eram homens e um do gênero feminino (2,56%) – gráfico 1. 148______________________________________________________________________________________________________________________ Gráfico 01 - Distribuição por Sexo 40 38 97.44% 35 No de Pacientes 30 25 Masculino 20 Feminino 15 10 01 2.56 % 5 0 Se xo Gráfico 1 – Distribuição por gênero (n=39). A idade média dos pacientes registrada no momento da primeira consulta, foi de 54 anos. Quanto ao fumo, evidenciouse 37 (94,87%) pacientes tabagistas e, destes, 31 (83,78%) pacientes também eram etilistas. Apenas 2 (5,13%) pacientes não eram fumantes e etilistas (gráfico 2). Gráfico 4 – Distribuição por T-stages (n = 39). Conforme a literatura mundial, a sobrevida é apresentada conforme o estadiamento oncológico. Esse estudo expressou uma sobrevida em dois anos de 100% dos pacientes presentes no estádio I e II. O estádio III evidenciou uma sobrevida em dois anos de 69,2%, enquanto que o estádio IV expôs uma sobrevida em dois anos de apenas 37,5% dos pacientes. Quando esses mesmos pacientes são avaliados pelo software OncologIQ®, a sobrevida estimada em dois anos foi, respectivamente, de 82,07% e 73,92% para os estádios I e II. O estádio III teve uma sobrevida estimada de 57,44%, ao passo que para o estádio IV a sobrevida em dois anos estimada foi de 45,34% (gráfico 5). A média geral da sobrevida a dois anos, independente do estadiamento, foi de 76,67%. Enquanto que a média geral estimada pelo OncologIQ® foi de 64,67%. Gráfico 2 – Pacientes tabagistas/etilistas (n=39). Com relação ao estadiamento dos pacientes, o estádio mais prevalente foi o estádio IV, apresentando 16 (41,03%) pacientes, seguido pelo estádio III com 13 (33,33%) pacientes. Apenas quatro (10,26%) pacientes pertenciam ao estádio I (gráfico 3). Gráfico 5 – Sobrevida a dois anos. DISCUSSÃO Gráfico 3 – Distribuição por estadiamento (n=39). Apresentamos uma distribuição de acordo com o T-stage, em que T2 aparece como o mais prevalente com 17 (43,59%) pacientes, seguido de T4 com 11 (28,21%) pacientes. O Tstage T1 surge apenas com quatro (10,26%) pacientes (gráfico 4). O câncer envolvendo as estruturas da cavidade oral corresponde a 20% das malignidades de cabeça e pescoço. Tipicamente, esses cânceres apresentam-se como lesões assintomáticas notadas ao exame dental de rotina, como ulcerações sintomáticas ou assintomáticas ou também associadas a próteses mal adaptadas, dificuldade na fala, deglutição e mastigação. Os principais locais afetados são superfícies ventro-lateral da língua e soalho da boca13. Os fatores de risco incluem vários aspectos, como genéticos, físicos e comportamentais. Os mais relacionados a esse câncer são idade, gênero, tabagismo, etilismo, comorbidades, fatores nutricionais, dietéticos, grupos étnicos e localização geográfica, infecção por papiloma vírus humano e fatores imunes14. Assim como em outros estudos, o câncer de cavidade oral acometeu mais homens (97,4%) e com a idade média de 54 anos. A maioria das pesquisas relata um índice de aproximadamente 90% dos cânceres bucais com ocorrência em indivíduos acima de 40 anos14. Homens apresentam uma 149 propensão maior no desenvolvimento desta malignidade que mulheres, como analisado pelo SEER em 13 diferentes áreas geográficas, entre os anos de 1998 e 2002. Mostrou-se uma relação de que cerca de 94% dos pacientes com câncer eram tabagistas e, destes, 83% também eram etilistas. Conforme o estudo de Dedivitis et al. (2004) onde foram avaliados casos de 1997 a 2000, em uma amostra de 43 casos de carcinoma espinocelular de boca, o uso do tabaco foi identificado em 76,8%, assim como o consumo de álcool em 74% dos pacientes. De acordo com a Sociedade Americana de Câncer, cerca de 90% dos pacientes com câncer oral utilizam o tabaco, e de 75% a 80% de todos pacientes também consumiam álcool em grandes quantidades15. Quanto ao estadiamento, nosso estudo traz uma casuística predominante nos estádios IV e III, com 41% e 33%, respectivamente, dos pacientes com câncer. Em estudo análogo com 38 casos, Costa et al. (2005) evidenciou a mesma predominância nos estádios IV e III, com 36% e 28%, respectivamente16. Entretanto, Dedivitis et al. (2004) cita que a maior prevalência ocorreu no estádio II seguido do estádio IV, de 32% e 28%, respectivamente17. O fato de nosso estudo apresentar um índice maior de estádios avançados sugere o diagnóstico tardio dessa doença o que eleva as taxas de prognóstico desfavorável. Considerando o T-stage, nossa pesquisa evidencia T2 como o mais prevalente, com 43% dos pacientes, seguido de T4 com 28%. O T-stage T1 surge como o menos freqüente, com apenas 10% dos casos. Já um estudo similar previamente citado, Costa et al. (2005) apresentou como o T-stage mais prevalente, o T4 com 36% da amostra, seguido de T1 com 24% dos casos. De acordo com registros holandeses de câncer, no período de 1989-2002 o T-stage T1 representou 33% de todos os casos de câncer de cavidade oral no período avaliado, T2 com 32%, enquanto que T3 surgiu como o de menor prevalência, com 10% dessas estatísticas16. A comorbidade pode ser um importante aspecto a ser levado em conta no paciente oncológico. Doenças coexistentes além da neoplasia maligna podem afetar enormemente a sobrevida do paciente bem como as opções de tratamento que temos a disposição. Conseqüentemente, a presença de fatores comórbidos com graus moderado a severo antes mesmo do estadiamento TNM podem, muitas vezes, determinar a seleção do tratamento12. Em estudo que avaliou a importância da comorbidade no registro de câncer de um hospital, foi observado que a informação da comorbidade foi mais importante nos pacientes com câncer com sobrevida média longa (próstata e mama), sendo prognosticamente menos importante nos cânceres com pior sobrevida (pulmão). O índice de comorbidade de Kaplan-Feinstein foi desenvolvido a partir da análise das comorbidades nos pacientes portadores de diabete mellitus. Doenças específicas e condições gerais são classificadas como leve, moderada ou severa, de acordo com a severidade fisiopatológica da víscera descompensada11. No nosso grupo de estudo, nenhum paciente apresentou fatores comórbidos maior que o grau I (leve). Quanto à sobrevida em 2 anos, nosso estudo apresentou uma média geral, ou seja, independente do estadiamento, de 76%. Woolgar et al. (1999), em estudo de 200 pacientes com câncer oral, apresentou uma taxa média de sobrevida a 2 anos de 72%18. O centro de pesquisa de câncer do Reino Unido traz casuística semelhante no período entre 1996 e 2000, quando publica uma sobrevida média em dois anos de 62%, em amostra de 411 casos19. Quando se correlaciona cada estádio e sua respectiva sobrevida (em 2 anos), nosso estudo apresentou uma taxa de 100% para os estádios I e II, de 69% para estádio III e 37% para estádio IV. No Reino Unido, o centro de pesquisa de câncer cita uma sobrevida em dois anos para o estádio I de 87%, contudo, para o estádio II, a taxa é de apenas 68%. Um valor muito semelhante é percebido ao estádio IV, com uma sobrevida de 150 46%19. Collins et al., em 2005, descrevem uma estatística de 90% de sobrevida em 2 anos para o estádio I, enquanto que, para o estádio IV, a taxa é de 50%20. A acurácia e a estimativa individual de sobrevida dos pacientes portadores de tumores de cabeça e pescoço devem, indubitavelmente, melhorar a terapêutica e os cuidados específicos, minimizando os riscos de um sub-tratamento ou um hiper-tratamento. Utilizando-se o programa OncologiQ® como base dessa estimativa, tem-se um prognóstico muito mais realístico e individualizado, diferenciando muito positivamente, em relação aos trials e estudos clínicos que, por sua vez, são mais epidemiológicos10. O software OncologIQ® foi criado com a finalidade de estimar a sobrevida em dois e cinco anos dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço, de acordo com algumas variáveis, entre elas idade, sítio do tumor, TNM e ACE-27. Um grupo holandês desenvolveu esse sistema (Dutch Group), utilizando-se de um banco de dados com uma amostra de 1396 pacientes, em um período entre 1989–1998. Nossa pesquisa comparou o índice de sobrevida real em dois anos com o índice de sobrevida simulado nesse programa. Os dados foram muito semelhantes, o que se sugere a positiva validação do software10. A sobrevida média, em nosso estudo, foi de 76%, enquanto que o software almejou uma sobrevida média de 64%, compatível com dados da literatura mundial. Para os estádios I e II, a sobrevida em dois anos em nossa pesquisa foi de 100%, enquanto que o OncologIQ® estimou um índice de 82% e 73%, respectivamente. Para os estádios III e IV, o programa estimou aos nossos pacientes uma sobrevida de 57% para o primeiro e 45% ao segundo, valores esses muito semelhantes à sobrevida real, que foi de 69% e 37%, respectivamente. O fato de termos tido um melhor desempenho nos níveis de estádio I, II e III, muito provavelmente, é decorrente do baixo índice de comorbidades que, quando presentes, eram grau I (leve). Já no estádio IV, certamente o tratamento empregado nos pacientes do Dutch Group é com aparelhos de última geração no que tange à radioterapia e, muitas vezes, aplicado em concomitância com a quimioterapia (quando indicado) precocemente, o que não é uma rotina em nosso país. CONCLUSÃO A sobrevida em dois anos foi maior no nosso grupo de pacientes nos estádios I e II de maneira significante. Nos estádios III e IV, a sobrevida foi semelhante quando comparado com o Dutch Group, sendo que o nosso grupo de pacientes no estádio III apresentou prognóstico melhor. As comorbidades tiveram influência no prognóstico, em virtude dos nossos pacientes não terem passado do grau I. REFERÊNCIAS 1. Machado ACP et al. Perfil Epidemiológico, Tratamento e Sobrevida de Pacientes com Câncer Bucal em Taubaté e Região. 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