USO PÚBLICO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO Márcia Dieguez Leuzinger1 RESUMO A criação de espaços territoriais especialmente protegidos, dentre os quais unidades de conservação, é considerada uma das melhores estratégias para a conservação da biodiversidade in situ. Algumas categorias de manejo não comportam visitação e, nas categorias em que esta atividade é permitida, ela deve estar adequada ao respectivo plano de manejo. Neste trabalho, serão analisadas as diferentes espécies de unidades de conservação previstas na Lei nº 9.985/00, avaliando-se, além da questão dominial, a possibilidade de permanência de populações tradicionais residentes e de visitação. No que tange especificamente ao uso público, serão analisadas as diferentes estratégias e metodologias de planejamento que podem ser utilizadas para que a unidades de conservação possa atender às expectativas dos visitantes e, ao mesmo tempo em que proporciona diferentes formas de lazer em contato com a natureza, também possibilita a conservação da biodiversidade. ABSTRACT The creation of protected areas, which includes conservation units, is considered one of the best strategies for the conservation of biodiversity in situ. Some categories of conservation units do not accept visitors, and when this activity is allowed, it must follow the management plan for the unit. In this paper the different kinds of conservation units will be analyzed. Not only property matters will be taken on account, but also the possibility of traditional people remain in the area and the possibility of visitation in the unit. And, specifically about public use of protected areas, different approaches and methods are going to be analyzed, so that the unit will be able to achieve the expectations of visitors and, at the same time, protect biodiversity. 1. ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS A Constituição Federal, a fim de tornar efetivo o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, enunciado no caput do art. 225, prevê, como obrigação do Poder Público, dentre outras, a criação, em todas as unidades da federação, de espaços territoriais especialmente protegidos (ETEP), cuja alteração ou desafetação dependem da edição de lei formal2. Conferiu a Constituição Federal, portanto, aos espaços ambientais, proteção bastante significativa, o que acabou por gerar divergências entre os autores acerca do alcance da expressão, na medida em que a Carta de 1988 não definiu o que seria espaço territorial especialmente protegido (ETEP). A divergência deu-se, principalmente, em virtude da dificuldade que uma interpretação mais ampla do termo poderia traduzir, pois, para modificação ou extinção de qualquer desses espaços, haveria a necessidade de produção legislativa. Alguns autores, em virtude da imprecisão do conceito legal, passaram a defender que espaço territorial especialmente protegido englobaria apenas as unidades de conservação (UCs), enquanto outros entenderam tratar-se de conceito mais amplo, que abarcaria qualquer espécie de espaço ambiental3. A acepção mais ampla do termo, entretanto, encontra respaldo na própria história de utilização das expressões unidade de conservação e espaço territorial especialmente protegido, não tendo qualquer fundamento jurídico o argumento contrário. Com efeito, a expressão unidade de 1 Procuradora do Estado do Paraná, Mestre em Direito e Estado e Doutora em Desenvolvimento Sustentável / Gestão Ambiental pela Universidade de Brasília – UnB, professora de Direito Administrativo e de Direito Ambiental da graduação e do mestrado do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, professora da especialização em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília – UnB. 2 A criação de ETEP passou, em 1989, a ser também instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente, nos termos do art. 9º, VI, da Lei nº 6.938/81, cuja redação foi conferida pela Lei nº 7.804/89. 3 Nessa linha: BENJAMIN (2001); MACHADO (2000); FIGUEIREDO (2004). LEUZINGER (2002a). conservação foi utilizada, em um texto normativo, pela primeira vez, em 1986, com a Resolução nº 10/86, do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), que determinou a criação de uma Comissão para elaborar um anteprojeto de lei dispondo sobre unidades de conservação. A Resolução CONAMA nº 19/86, expedida posteriormente, solicitava ao Presidente da República que encaminhasse ao Congresso Nacional o anteprojeto então elaborado, mas não obteve êxito. A Resolução CONAMA nº 11/97, onze anos mais tarde, declarou como unidades de conservação os “sítios ecológicos de relevância cultural”, que seriam as: estações ecológicas; reservas ecológicas; áreas de proteção ambiental; parques nacionais; reservas biológicas; florestas nacionais; monumentos naturais; jardins botânicos; jardins zoológicos e hortos florestais. Em 1999, o Decreto federal nº 9.927 estabeleceu que, “na execução da Política Nacional de Meio Ambiente, cumpre ao Poder Público, nos seus diferentes níveis de governo: (...) II – proteger as áreas representativas de ecossistemas mediante a implantação de unidades de conservação e preservação ecológica (...)”. Importante observar que, muito embora houvesse previsão legal, em diversas normas esparsas, como o Código Florestal e a Lei nº 6.902/81, de diferentes categorias de manejo, a expressão unidade de conservação, como visto, até meados da década de oitenta, não havia ainda sido utilizada em textos normativos, o que efetivamente só veio a ocorrer com a edição da Resolução CONAMA nº 10/86. Mas isso não significa que não existisse, o que fica comprovado com a elaboração, ainda em 1979, pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), da primeira etapa do Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil. Em 1982, a II Etapa do Plano do Sistema de Unidades de Conservação buscou, além da definição de critérios técnico-científicos para a indicação e implantação de UCs, a criação de novas categorias de manejo. Desse modo, percebe-se que, quando da promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, já havia previsão legal de alguns espaços ambientais que eram considerados, pelo CONAMA, como unidades de conservação, bem como um Plano do Sistema de Unidades de Conservação para o Brasil, que arrolava, como espécies de UCs, apenas alguns dos espaços ambientais à época existentes, o que demonstra ser o termo mais restritivo do que espaços territoriais especialmente protegidos4. Ainda assim, optou o constituinte originário por utilizar, no capítulo dedicado ao meio ambiente, a expressão mais ampla – espaço territorial especialmente protegido –, ao invés de unidade de conservação. Isso demonstra a clara intenção de conferir aos espaços ambientais instituídos pelo Poder Público o máximo de proteção. Este fato, aliás, é plenamente compatível com a previsão de terem todos “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum de todos e essencial à sadia qualidade de vida”, encontrada no caput do art. 225 da CF/88. Posteriormente, em 2000, é editada a Lei nº 9.985, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, também conhecida como Lei do SNUC, elencando 12 categorias de manejo distintas, divididas em dois grupos. Unidades de conservação são, portanto, apenas os espaços ambientais expressamente previstos pela Lei nº 9.985/00, sujeitos a um regime jurídico específico, mais restrito e determinado5. Excepcionalmente, nos termos do parágrafo único do art. 6º da Lei em comento, poderão integrar o SNUC, a critério do CONAMA, “unidades de conservação estaduais e municipais que, concebidas para atender a peculiaridades regionais ou locais, possuam objetivos de manejo que não possam ser satisfatoriamente atendidos por nenhuma categoria prevista nesta Lei e cujas características permitam, em relação a estas, uma clara distinção”. Merece destaque, ainda, a expressão Áreas Protegidas – APs , que, muitas vezes, é utilizada pelos autores de Direito Ambiental e pelos tratados e organizações internacionais como sinônimo de espaço territorial especialmente protegido. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), por 4 Os Planos do Sistema de Unidades de Conservação não previam, por exemplo, como categoria de UC, os jardins botânicos, zoológicos ou hortos florestais, que, segundo a Resolução Conama nº 11/97, constituiriam unidades de conservação. Parques ecológicos, muito comuns no DF, não são previstos, por qualquer norma federal, como UC. 5 Sobre a matéria, ver: SILVA (1994). BENJAMIN (2001). 2 exemplo, conceitua área protegida como aquela “definida geograficamente, que é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação”. O termo APs, adotado internacionalmente, tem, contudo, sido utilizado, no Brasil, de forma mais restrita, como espécie de ETEP que engloba apenas unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas. Isso porque, no âmbito da CDB, a criação de áreas protegidas foi estabelecida como uma das melhores formas de conservação da biodiversidade in situ. Desse modo, o Brasil, como signatário da Convenção6, passou a produzir uma série de documentos tendentes a cumprir os compromissos assumidos, dentre os quais o Protocolo de Intenções para Implementação do Programa de Trabalho para Áreas Protegidas no Âmbito da Convenção da Diversidade Biológica, de 10 de fevereiro de 2002, e o Plano Nacional de Áreas Protegidas, instituído pelo Decreto nº 5.758, de 2006. Nesses dois documentos, Áreas Protegidas englobam, basicamente, unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas, o que determina ter um campo de aplicação menor do que o dos Espaços Territoriais Especialmente Protegidos. O Plano Nacional de Áreas Protegidas, embora, em alguns dispositivos, mencione outras espécies de espaços protegidos, como é o caso de áreas de preservação permanente e áreas de reserva legal, reconhecidas como “elementos integradores da paisagem”, refere-se especialmente àqueles três anteriormente citados, seja em relação aos princípios, seja em relação aos eixos temáticos. A partir desses elementos, pode-se definir espaço territorial especialmente protegido como qualquer espaço ambiental, instituído pelo Poder Público, sobre o qual incida proteção jurídica, integral ou parcial, de seus atributos naturais. ETEP é, portanto, gênero, que inclui as unidades de conservação, as áreas protegidas e os demais espaços de proteção específica. Estes últimos são constituídos pelos espaços ambientais cuja previsão ocorre em normas esparsas, como jardins botânicos, jardins zoológicos, hortos florestais, áreas de preservação permanente, áreas de reserva legal, zonas de amortecimento de unidades de conservação, corredores ecológicos, reservas da biosfera, além de terras indígenas e territórios quilombolas que, apesar de terem sido classificados como áreas protegidas pelos documentos produzidos pelo Brasil no âmbito da CDB, não deixam de ser espaços de proteção específica. A todos esses espaços, a CF/88 garante proteção especial, consubstanciada na necessidade de edição de lei formal para sua alteração ou extinção7. 2 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO Dentre os chamados espaços territoriais especialmente protegidos, previstos constitucionalmente, encontram-se, como visto, as unidades de conservação, reguladas pela Lei n° 9.985/00. Desse modo, além de objetivos de proteção do ambiente natural, inerentes a qualquer ETEP, as UCs deverão ser instituídas pelo Poder Público, com delimitação territorial prevista no ato de criação, e estão sujeitas a regime legal próprio de proteção e administração, determinado pela Lei do SNUC. A Lei nº 9.985/00 tem por mérito a sistematização do tratamento normativo dessas unidades de conservação, que antes estavam previstas, de forma desordenada, em diferentes leis e atos normativos e, embora nem todos os espaços ambientais tenham sido contemplados pela Lei do SNUC, estabeleceu este diploma legal doze categorias de UCs, divididas em dois grupos: unidades de proteção integral e unidades de uso sustentável. O grupo das unidades de conservação de proteção integral reúne as categorias em que, a princípio, é vedada a utilização direta de recursos naturais, sendo permitido apenas, conforme o caso, o 6 O Brasil assinou a Convenção sobre a Diversidade Biológica durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992, tendo sido aprovada pelo Decreto Legislativo nº 2/94 e promulgada pelo Decreto nº 2.519/98. 7 LEUZINGER (2002 e 2009). 3 desenvolvimento de atividades de pesquisa científica, educação ambiental e turismo ecológico. Os objetivos desses espaços é a preservação dos ecossistemas com o mínimo de intervenção antrópica. Para os ambientalistas adeptos à corrente preservacionista, a instituição de unidades de conservação de proteção integral é a única ou, ao menos, a mais eficiente forma de preservação da biodiversidade. O grupo das unidades de conservação de uso sustentável reúne as categorias onde é possível o uso direto dos recursos naturais, desde que de forma sustentável, dentro dos limites legalmente estabelecidos. A Lei do SNUC, como se pode perceber pela própria distribuição das categorias de manejo em grupos distintos, é um reflexo da composição de conflitos entre preservacionistas e socioambientalistas. Contém, assim, dentre seus objetivos, inscritos no art. 4º, tanto a preservação da biodiversidade, a proteção de espécies em extinção, a preservação e restauração da diversidade de ecossistemas naturais, como a proteção dos recursos naturais necessários à subsistência das populações tradicionais e à valorização social e econômica da diversidade biológica. Dentre suas diretrizes, constantes do art. 5º, encontram-se o envolvimento da população local na criação, implantação e gestão das UCs; o envolvimento da sociedade no estabelecimento e revisão da política nacional de unidades de conservação; o uso sustentável dos recursos; a garantia, às populações tradicionais, cuja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das UCs, de meios de subsistência alternativos ou justa indenização pelos recursos perdidos, em que a orientação é claramente socioambiental; e outras de cunho mais preservacionista, como a representatividade de amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, hábitats e ecossistemas; e a conservação in situ de populações das variantes genéticas selvagens de animais e plantas domesticados. Diretrizes que procuram conciliar unidades de proteção integral e uso sustentável também são encontradas, quando estabelecem que sejam protegidas grandes áreas por meio de um conjunto integrado de unidades de diferentes categorias, próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de amortecimento e corredores ecológicos, integrando as diferentes atividades de preservação da natureza, uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação de ecossistemas. Visando a acabar com os conflitos gerados pela criação de UCs, que não possuíam, até a edição da Lei nº 9.985/00, previsão legal precisa acerca de suas finalidades, características, formas de utilização de recursos naturais e titularidade, além da pretensão de particulares de receber sempre indenização em virtude das restrições provenientes de sua instituição, alegando a ocorrência de desapropriação indireta, encarregou-se esta Lei de determinar as características de cada categoria de manejo e seu regime dominial. Estabeleceu a norma em comento, também, alguns requisitos que devem ser observados quando da instituição de unidades de conservação, como a realização de estudos técnicos e de consulta pública8, que permitam identificar a localização, dimensão e limites mais adequados para a unidade, bem como os requisitos a serem observados para sua alteração ou extinção. Determinou a norma a elaboração de planos de manejo para qualquer espécie de UC e a instituição de zonas de amortecimento ao seu redor, com exceção das áreas de proteção ambiental e das reservas particulares do patrimônio natural. Previu, ainda, a instituição de mosaicos, nos casos em que exista um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, além de outros espaços protegidos públicos ou privados, em que a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa; as formas de aplicação dos recursos obtidos pelas unidades; e a compensação ambiental, para os casos de licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental, com fundamento no EIA/RIMA. Nas disposições transitórias, procurou resolver a situação das populações tradicionais residentes em UCs nas quais sua permanência não seja admitida9. 8 A consulta pública não é obrigatória para a criação de estações ecológicas e reservas biológicas. 9 LEUZINGER (2009). 4 Com exceção das estações ecológicas e das reservas biológicas, unidades absolutamente restritivas, todas as demais categorias de manejo de unidades de conservação podem ser abertas à visitação. Quando a UC for constituída por áreas de domínio privado, caberá aos proprietários decidirem sobre a possibilidade ou não de receberem visitantes. Em qualquer caso, deverá ser observado o disposto nos respectivos planos de manejo, exigidos para qualquer espécie de unidade de conservação. Daí a importância de se elaborar um plano de manejo que contenha um zoneamento adequado, em que serão determinadas áreas que podem ser visitadas e outras consideradas intangíveis, tendentes à preservação da biodiversidade. Isso porque o impacto causado pela visitação pública é, em muitos casos, bastante significativo, demandando estudos técnicos que viabilizem a compatibilização entre preservação ambiental e presença humana10. Por outro lado, apesar dos impactos causados pelo turismo nas UCs, pontos favoráveis podem ser destacados com esta atividade, como a disseminação de educação ambiental e lazer em contato com a natureza, a geração de receita para a unidade, por meio da cobrança de ingressos, e a geração de renda para a população do entorno, sob a forma de ganhos com pousadas, restaurantes, serviços de guia, aluguel de material etc. Os benefícios gerados para a população do entorno da UC podem constituiu uma importante forma de se contornar os conflitos advindos da instituição de unidades de proteção integral, que não admitem a utilização direta de recursos, antes realizada por aquelas pessoas. Daí a urgência em se determinar maneiras de envolver a sociedade local na gestão da UC, mesmo que indiretamente, por meio da prestação de serviços que possam interessar aos turistas. A proibição de se acampar dentro da unidade e a obrigatoriedade de se contratar um guia local para se ingressar no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, localizado em Goiás, são bons exemplos de iniciativas que acarretaram ganhos para a população de São Jorge, povoado que se encontra na zona de amortecimento do parque. As pousadas e campings particulares se multiplicaram, assim como os restaurantes, tendo sido fornecido aos moradores interessados cursos de guia de turismo. A seguir, serão analisadas, de forma mais detalhada, cada uma das 12 categorias de manejo previstas pela Lei do SNUC, estabelecendo-se seu regime dominial, a possibilidade de visitação e a situação de populações tradicionais residentes. 2.1 Unidades de Proteção Integral As unidades de conservação de proteção integral, que não admitem uso direto dos recursos naturais, contam com cinco diferentes categorias de manejo. O principal objetivo de todas elas é a preservação da biodiversidade e demais elementos naturais, o que é alcançado a partir do controle bastante rígido das atividades antrópicas praticadas dentro de seus limites. Desse modo, apenas o uso indireto dos elementos naturais é admitido, buscando-se, com isso, a manutenção da integridade dos ecossistemas e habitats naturais. 2.1.1 Parques Nacionais Nos termos do art. 11 da Lei n° 9.985/00, os parque nacionais, estaduais ou municipais têm como objetivo principal “a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico”11. 10 Sobre impactos causados pela visitação em unidades de conservação, ver: MERCADANTE (2001); CARVALHO (2000); TAMBORIM; MAGRO (2000); CARVALHO; ROBIM; STARZYNSKI; AZEVEDO (2000); GIATTI; ROCHA; RONCERO-SILES; BITTENCOURT (2002); DÓRIA; SANTOS (2004). 11 Os parques nacionais eram originalmente regidos pelo art. 5°, a, do Código Florestal, regulamentado pelo Decreto n° 84.017/79. 5 Existindo previsão de visitação pública e de proteção integral da natureza, há total incompatibilidade com o regime privado, sendo, portanto, indispensável, para sua instituição, prévia desapropriação. O § 1° do art. 11 prevê, por esta razão, ser o parque nacional “de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei”. Por essa mesma razão, não é admitida a permanência de populações humanas residentes, ainda que tradicionais12. A diferença entre parques nacionais, reservas biológicas e estações ecológicas, que serão analisadas a seguir, reside, basicamente, na possibilidade de visitação. Muito embora o parque nacional não necessite ter sua área totalmente aberta ao público, ao menos parte dela, conforme estabelecido no plano de manejo, deverá sê-lo, sob pena de transformar-se o parque em categoria de manejo semelhante à estação ecológica ou à reserva biológica. Desse modo, parques fechados, a não ser provisoriamente, contrariam frontalmente à lei, eis que acabam por se tornar, de forma transversa, categoria diferente. Os parques nacionais constituem a primeira categoria de manejo instituída no Brasil, tendo o Parque Nacional de Itatiaia sido criado em 1937, nos moldes dos parques nacionais norte-americanos. Posteriormente, em 1939, outros dois parques foram instituídos: o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, e o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. Outras espécies de espaços territoriais especialmente protegidos já haviam sido criadas quando da instituição dos primeiros parques nacionais, como é o caso de jardins botânicos e reservas florestais, mas, dentro da perspectiva de unidades de conservação, nos termos hoje estabelecidos pelo SNUC, os parques nacionais foram os pioneiros, constituindo a sua criação e administração, segundo Drummond, a mais antiga política ambiental desenvolvida continuamente pelo Poder Público13. Os objetivos dos primeiros parques nacionais criados em diversos países do mundo e, posteriormente, no Brasil, foram o de preservação de áreas virgens, geralmente dotadas de paisagens espetaculares, e o de visitação. Constituíam-se, normalmente, de grandes extensões territoriais, eram criados pelo Poder Público e o uso direto de recursos naturais era proibido. Essa concepção perdura, ao menos parcialmente, até os dias de hoje. Os objetivos de preservação de ecossistemas naturais relevantes e belos, possibilitando o turismo ecológico e a recreação em contato com a natureza coincidem com os objetivos traçados para os parques desde a criação de Yellowstone, nos EUA, o primeiro parque nacional instituído no mundo, em 1872. Importante observar, nesse sentido, a redação do caput do art. 11 da Lei do SNUC, em que o objetivo básico dos parques nacionais é descrito como “preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica”. A utilização do termo “e” demonstra que, não sendo o local dotado de beleza cênica, não deverá ser ali criado um parque nacional. O Plano do Sistema de Unidades de Conservação já definia parques nacionais como locais com características naturais espetaculares ou únicas, em terra ou no mar, sob controle do Poder Público, sendo exigida sua criação em áreas maiores do que 10 Km²14. 2.1.2 Estações Ecológicas Estação ecológica15, nos termos do art. 9° da Lei n° 9.985/00, “tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas”, sendo de posse e domínio públicos (§ 1°). A visitação é proibida, exceto para fins educacionais, conforme dispuser o Plano de Manejo da unidade (§ 2°), e mesmo a pesquisa científica depende de prévia autorização do órgão ambiental (§ 3°), incidindo em área correspondente a, no máximo, três por cento da extensão total da unidade e até o 12 A única exceção diz respeito a populações indígenas, quando há sobreposição entre UCs e terras por elas tradicionalmente ocupadas. 13 DRUMMOND (1997). 14 LEUZINGER (2009). 15 As estações ecológicas foram previstas inicialmente pela Lei n° 6.902/81. 6 limite de 1.500 hectares, quando o impacto sobre o ambiente for maior do que o causado pela simples observação ou coleta controlada de componentes do ecossistema (§ 4°, IV). A finalidade básica das estações ecológicas é manter intactos ecossistemas representativos, sem intervenção antrópica, gerando, conseqüentemente, a total impossibilidade de qualquer tipo de utilização econômica da área. Sua criação é, por isso, absolutamente incompatível com o regime privado de propriedade, demandando prévia desapropriação. Não sendo permitida sequer a visitação, exceto quando há especial autorização, é tida pelos preservacionistas como a categoria de manejo que, ao lado das reservas biológicas, mais efetivamente contribui para a preservação da diversidade biológica. Constituindo UC absolutamente restritiva, não há, obviamente, possibilidade de permanência de população tradicional residente quando de sua instituição, assim como ocorre com os parques nacionais. As estações ecológicas não encontravam previsão no Código Florestal de 1965, tendo seu regime jurídico sido definido pela Lei nº 6.902/81, que determinou ficasse sua instituição e gestão a cargo da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), criada em 1973. As oito primeiras estações ecológicas foram oficialmente instituídas, em 1981, pelo Decreto 86.061, tendo sido criadas, ao todo, na década de 80, vinte e duas unidades. Na Década de 90, apenas a Estação Ecológica de Tamoios, no Rio de Janeiro, é instituída, por meio do Decreto nº 98.864/90, tendo sido criadas, a partir de 2001, até janeiro de 2007, outras nove estações. Ou seja, entre 1987 (ano em que foi criada a última estação ecológica da década de 1980 – Tupinambás, em São Paulo, por meio do Decreto nº 94.656) e 2001, apenas uma estação ecológica é instituída. Tal fato deve-se, em parte, à extinção da SEMA, em 1989, e à criação do IBAMA, que absorveu técnicos daquela Secretaria e do IBDF, que mantinha categoria idêntica, a reserva biológica, bem como ao aumento significativo, a partir da década de 1990, de unidades de conservação de uso sustentável, influenciado pelo socioambientalismo e pelo multiculturalismo, que estabeleceram novos valores e finalidades aos espaços ambientais16. Por outro lado, também não se pode olvidar a maior facilidade que existe em relação à criação de UCs de uso direto, em especial aquelas compatíveis com o domínio privado, como áreas de proteção ambiental (APAs) e áreas de relevante interesse ecológico (ARIEs), que sequer demandam desapropriação, além de, normalmente, ser também a instituição desses espaços mais simpática à população local. Todos esses fatores contribuíram para um redirecionamento do órgão ambiental, a partir da década de 1990, no sentido da criação de UCs de uso sustentável em número bastante superior ao das unidades de uso indireto: os percentuais de proteção eram engrossados, sem que houvesse a necessidade de grandes investimentos ou desgaste político. Todavia, como os compromissos internacionais que foram sendo assumidos pelo Brasil, especialmente no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica, determinaram percentuais de proteção dos diferentes ecossistemas a partir da instituição de UCs de uso indireto, nova leva de estações ecológicas, reservas biológicas e parques nacionais surge a partir do início da década de 2000. 2.1.3 Reservas Biológicas A reserva biológica17 “tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo 16 LEUZINGER (2009). 17 As reservas biológicas foram originalmente previstas pelo art. 5°, a, da Lei n° 4.771/65 (revogado pela Lei do SNUC), sendo posteriormente submetidas ao Código de Caça, que lhes imprimiu regime mais rígido, vedando as “atividades de caça, apanha ou introdução de espécimes na fauna e flora silvestres e domésticas, bem como modificações no meio ambiente a qualquer título, ressalvadas as atividades científicas devidamente autorizadas pela autoridade competente”. 7 necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais” (art. 10 da Lei do SNUC). Nenhuma diferença substancial existe entre estações ecológicas e reservas biológicas, que provêm da antiga separação entre SEMA e IBDF -, já extintos, tendo ambas por finalidade manter áreas naturais livres de intervenção humana. Ao IBDF, criado em 1967, cabia a criação e gestão de parques nacionais, reservas biológicas, florestas nacionais, reservas florestais e parques de caça; à SEMA, a de estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e reservas ecológicas. Coexistiram, portanto, até a extinção da SEMA e do IBDF, e sua fusão no IBAMA, em 1989, dois regimes distintos de unidades de conservação. A única distinção que pode ser apontada entre estações ecológicas e reservas biológicas diz respeito à possibilidade de realização de pesquisas que possam alterar os ecossistemas. No caso das estações ecológicas, o art. 9º, § 4º, IV, permite sejam realizadas pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente seja maior do que aquele causado pela simples observação ou coleta controlada de elementos, tendo sido a área em que essa espécie de pesquisa possa ser feita reduzida a três por cento da unidade, até o limite de mil e quinhentos hectares. Relativamente às reservas biológicas, o caput do art. 10 da Lei do SNUC determina a ausência de interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando exclusivamente as medidas para a recuperação dos ecossistemas alterados e aquelas necessárias à preservação e recuperação do equilíbrio ambiental, diversidade biológica e processos ecológicos naturais, o que também é permitido nas estações ecológicas. O regime de proteção das reservas biológicas é, portanto, mais restritivo do que o regime das estações ecológicas, na medida em que, naquelas, sequer a pesquisa que cause alterações ecossistêmicas poderá ser realizada18. Nos termos do § 1° do art. 10, a reserva biológica é de posse e domínio públicos, exigindo, portanto, desapropriação das áreas particulares incluídas em seus limites, eis que, da mesma forma que as estações ecológicas, são absolutamente incompatíveis com o regime privado de propriedade. Populações tradicionais que eventualmente residam na área deverão ser removidas, pois sua permanência é também incompatível com o regime de proteção legalmente estabelecido, assim como ocorre com parques nacionais e estações ecológicas. A primeira reserva biológica, Poço das Antas, foi criada em 1974, por meio do Decreto nº 73.791, no Estado do Rio de Janeiro. 2.1.4 Monumentos naturais Os monumentos naturais, previstos pelas Constituições brasileiras de 1934, 1946 e 1967/69, não constam expressamente do texto da Constituição de 1988, que apenas faz menção, no art. 23, III, a monumentos. A expressão, conforme observa Silva, comporta inúmeros sentidos, como monumentos históricos, artísticos e naturais. Define o autor monumentos naturais como “sítios geológicos que, por sua singularidade, raridade, beleza cênica ou vulnerabilidade exijam proteção, sem justificar a criação de outra categoria de unidade de conservação, dada a limitação da área ou a restrita diversidade de ecossistema”19. Seria o caso de uma montanha específica, de formações esculturais naturais, de uma cachoeira. Apenas o monumento sofreria proteção especial, não o restante da área. Nos termos do art. 12 da Lei n° 9.985/00, têm como objetivo básico “preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica”, podendo ser constituídos em áreas particulares, “desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade de conservação com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários” (§ 1°) e desde que haja aquiescência do proprietário (§ 2°). Como, em geral, incide o monumento sobre pequena parcela da propriedade, não inviabiliza a exploração econômica do restante, quando criado em área privada. A possibilidade de visitação 18 LEUZINGER (2009). 19 SILVA (1994, p. 168). 8 depende da iniciativa do proprietário, pois a exclusividade é uma das características inerentes ao domínio. 2.1.5 Refúgios da Vida Silvestre Os refúgios da vida silvestre correspondem a “áreas em que a proteção e o manejo são necessários para assegurar a existência ou reprodução de determinadas espécies residentes ou migratórias, ou comunidades da flora e da fauna”20. Seria o caso de uma praia específica, onde ocorra a desova de tartarugas, ou local utilizado por aves migratórias para pouso ou reprodução. Sua instituição, como unidade de conservação, pode incidir sobre áreas privadas, “desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários” (art. 13, § 1°, Lei 9.985/00) e que exista concordância do particular. Percebe-se, assim, que os monumentos naturais e os refúgios da vida silvestre, por incidirem, em geral, em áreas pouco extensas, são compatíveis com o domínio privado, caracterizando-se as limitações ao uso e gozo deles decorrentes como restrições internas ao direito de propriedade, ligadas ao cumprimento de sua função socioambiental. Deixa a lei, no entanto, à escolha do proprietário, sofrer desapropriação ou aquiescer com as limitações geradas pela criação da UC (§§ 2º dos arts. 12 e 13 da Lei do SNUC). Porém, conferir ao proprietário a possibilidade de optar entre ser ou não a área desapropriada, para que nela seja criado refúgio da vida silvestre ou monumento natural, afigura-se flagrantemente inconstitucional, olvidando o legislador ordinário o indispensável atendimento, pela propriedade, de sua função social, bem como a utilização do instituto da desapropriação exclusivamente para os casos de utilidade ou necessidade pública ou interesse social, quando o regime privado de propriedade mostrar-se totalmente incompatível com a atividade a ser desenvolvida. Monumentos naturais e refúgios da vida silvestre, ao contrário, são plenamente compatíveis com o domínio privado, o que, inclusive, é reconhecido pela própria Lei n° 9.985/00. Estabelecer, portanto, a legislação ordinária, em desconformidade com o mandamento constitucional, a necessidade de aquiescência do proprietário para a criação de tais espaços ambientais significa impor ao Estado um ônus indevido, eis que, inexistindo concordância, terá o Poder Público que desapropriar a área, sem que ocorram, realmente, quaisquer de seus pressupostos, cujas hipóteses são taxativamente previstas em lei.21 Quanto à possibilidade de visitação, assim como ocorre com os monumentos naturais, incidindo sobre propriedade privada, cabe ao proprietário da área decidir se irá ou não admiti-la, observado o disposto no plano de manejo. 2.2 Unidades de conservação de uso sustentável O grupo das Unidades de Uso Sustentável é composto pelas chamadas unidades de conservação de uso direto dos recursos naturais, do qual fazem parte as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), as Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIEs), as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas (RESEXs), as Reservas de Faunas, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs)22. Uso direto, no entanto, não significa utilização sem controle, desregrada, mas sim uso dos recursos de forma sustentável, ou seja, respeitada a capacidade de suporte do ecossistema e os mecanismos de renovação dos recursos bióticos. 2.2.1 Áreas de Proteção Ambiental 20 SILVA (1994, p. 168). 21 FIGUEIREDO; LEUZINGER (2001, p. 481). 22 Arts. 15 a 21 da Lei n° 9.985/00. 9 A área de proteção ambiental23, a que se refere o art. 15 da Lei n° 9.985/00, é “em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem- estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”. Segundo o § 1° deste dispositivo, pode ser constituída por terras públicas ou privadas. A fiscalização e supervisão da APA será realizada pelo Instituo Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no tocante às APAs federais, assim como ocorre em relação a todas as demais espécies de unidades de conservação federais, ou pelo órgão equivalente no âmbito estadual ou municipal, relativamente às APAs instituídas pelos Estados ou pelos municípios, respectivamente. A área de proteção ambiental é o mais típico exemplo de espaço ambiental criado com a finalidade de garantir o cumprimento da função socioambiental da propriedade. O proprietário mantém todos os poderes inerentes ao domínio, sofrendo apenas as limitações ditadas pelo próprio conteúdo do direito, eis que relacionadas à dimensão ambiental da sua função social. Assim sendo, visando as APAs a garantir exclusivamente o cumprimento da função socioambiental, não implicando, sua instituição, em aniquilamento do conteúdo econômico da propriedade e nem a perda da exclusividade, não são indenizáveis 24. As APAs vêm sofrendo inúmeras críticas, seja por entenderem os autores não constituírem unidades de conservação propriamente ditas, mas sim formas de disciplinar o uso do solo, seja em função de sua baixa efetividade, na medida em que têm sido criadas em locais bastante antropizados e, consequentemente, degradados, sem que seja realizado um zoneamento que permita a proteção de parcelas dos ecossistemas. Com isso, não cumprem as finalidades básicas de proteger a diversidade biológica, regular o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade de uso dos recursos naturais. Todavia, a baixa efetividade de parte das áreas de proteção ambiental não significa sua inutilidade. Ao contrário, se fossem elaborados planos de manejo adequados e sofressem as APAs efetiva fiscalização, seriam espaços ambientais úteis à proteção do meio ambiente, com baixíssimo custo para o Estado. Criá-las apenas no papel, entretanto, para aumentar as estatísticas de volume de áreas protegidas no país, de certo não atende às necessidades de conservação25. Quando constituída por áreas privadas, a visitação dependerá de iniciativa do proprietário, observado o plano de manejo. 2.2.2 Áreas de Relevante Interesse Ecológico A área de relevante interesse ecológico é definida pelo art. 16 da Lei n° 9.985/00 como “área em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza”26. Nos termos do § 1°, será constituída por terras públicas ou privadas, sendo, portanto, sua instituição compatível com o domínio privado, não exigindo prévia desapropriação da área. 23 As APAs foram criadas pela Lei n° 6.902/81, arts. 8° e 9°, regulamentados pelo Decreto n° 99.274/90, e Resolução CONAMA n° 10/88. 24 LEUZINGER (2002 e 2009). 25 LEUZINGER (2009). 26 Inicialmente, as ARIEs eram disciplinadas pelo Decreto 89.336, de 31 de janeiro de 1984, e pela Resolução CONAMA 12/89. 10 A ARIE constitui, na verdade, uma versão menor das APAs, em área pouco ocupada, mas que admite utilização direta de recursos naturais. Por não exigir desapropriação, torna-se, assim como as APAs, uma opção mais barata, para o Poder Público, de instituição de unidade de conservação, que procura conciliar desenvolvimento econômico e proteção do ambiente natural. A possibilidade de visitação segue a mesma lógica das APAs. 2.2.3 Reservas Particulares do Patrimônio Natural A Reserva Particular do Patrimônio Natural, nos termos do art. 21 da Lei n° 9.985/00, “é uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica”, sendo permitidas apenas a pesquisa científica e a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais (§ 2°, I e II). Podem ser criadas em áreas onde “sejam identificadas condições naturais primitivas, recuperadas ou cujas características justifiquem ações de recuperação, pelo seu valor paisagístico ou para preservação do ciclo biológico de espécies vegetais e animais”, seja qual for o ecossistema e a dimensão da propriedade. As RPPNs deveriam ter sido incluídas dentre as Unidades de Proteção Integral, eis que não é possível o uso direto de recursos naturais, dispensando-se-lhes o mesmo tratamento conferido às Áreas de Preservação Permanente, previstas pelo artigo 2º do Código Florestal. Entretanto, a sua localização entre as unidades de uso sustentável deve-se ao veto oposto ao inciso que, originariamente, permitia a utilização de recursos ambientais, com exceção dos madeireiros27. Por constituírem áreas privadas de proteção, criadas a partir de pedido do proprietário, não ensejam qualquer tipo de indenização por parte do Poder Público. Desse modo, a criação desse tipo de UC é extremamente vantajosa para o Estado, uma vez que se alcança um alto grau de proteção do ambiente natural sem que haja a necessidade de se efetuar gastos públicos. Por outro lado, há também vantagens para o proprietário que institui a RPPN, além da proteção ao ambiente natural propriamente dita, como, por exemplo: a isenção do pagamento do imposto territorial rural (ITR); a possibilidade de solicitar recursos, através de parcerias com organizações ambientalistas, para o desenvolvimento de projetos de pesquisa, proteção, educação ambiental e ecoturismo, que são as atividades permitidas nesta espécie de UC; a faculdade de comercializar cotas de reserva florestal – CRF, para fins de compensação de reserva legal, nos termos do art. 44-B do Código Florestal; além de possuir, o Fundo Nacional de Meio Ambiente, uma linha de apoio específica para as RPPNs, que financia projetos a serem desenvolvidos nessas áreas28. As atividades de ecoturismo, inclusive, vêm constituindo uma fonte significativa de renda para os proprietários de RPPNs que investiram nessa espécie de atividade. A RPPN do Vagafogo, localizada em Pirenópolis, Goiás, é um exemplo de exploração de turismo ecológico que proporciona excelentes ganhos aos seus proprietários. 2.2.4 Florestas Nacionais A floresta nacional somente pode ser criada em áreas públicas, por determinação expressa da Lei n° 9.985/00, o que impõe a desapropriação se estiverem sendo instituídas em domínio privado. Nos termos do art. 17 da Lei nº 9.985/00, “é uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos 27 O inciso III do art. 21 da Lei do SNUC, vetado pelo Presidente da República, permitia a utilização direta de recursos naturais. 28 RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural. Publicação do IESB – Instituto de Estudos Sócio-ambientais do Sul da Bahia. 11 florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para a exploração sustentável de florestas nativas”29. Deveriam as florestas nacionais ser criadas, tendo em vista as finalidades legalmente estabelecidas, como grandes laboratórios geridos pelo Poder Público para o desenvolvimento de métodos que permitam aos povos da floresta o uso sustentável dos recursos naturais, em que haja o menor impacto possível, com um grau de aproveitamento econômico que lhes garanta uma boa qualidade de vida. Mas, apesar do comando legal, as florestas nacionais vêm sendo instituídas como florestas de produção, com o objetivo de concessão a particulares de sua exploração comercial para extração de recursos madeireiros e não-madeireiros, sem a preocupação com o desenvolvimento tecnológico a ser repassado às populações tradicionais. A situação tornou-se ainda mais grave com a edição de Lei nº 11.284/2006, que dispõe sobre a gestão das florestas públicas para a produção sustentável, em que é facultado ao Poder Público incluir, nos lotes destinados às concessões, áreas compreendidas dentro dos limites de florestas nacionais. Permitiu esta Lei, igualmente, para a execução de atividades subsidiárias, que o Poder Público, quando as explorar diretamente, firme convênios, termos de parceria, contratos ou “instrumentos similares” com terceiros, desde que observados os procedimentos licitatórios e demais exigências legais, pelo prazo de 120 meses, podendo ser utilizado o critério de melhor técnica. Mais uma vez foi reafirmada a finalidade nitidamente utilitarista conferida pela Lei de gestão de florestas públicas a esta categoria de manejo30. Quanto às populações tradicionais residentes, o § 2º do art. 17 da Lei nº 9.985/00 admite sua permanência, desde que já habitem o local quando da criação da UC. 2.2.5 Reservas Extrativistas As reservas extrativistas foram previstas originalmente pelo art. 9°, VI, da Lei n° 6.938/81, na redação que lhe foi emprestada pela Lei n° 7.804/89, tendo sua criação e gestão sido reguladas pelo Decreto nº 98.897/90. Atualmente, são disciplinadas pelo art. 18 da Lei n° 9.985/00, que determina: Art. 18 – A reserva extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Nos termos do § 1° do art. 18, a RESEX é de domínio público, com o uso concedido, a partir da assinatura de contratos de concessão de direito real de uso, às populações tradicionais extrativistas, exigindo desapropriação das áreas particulares incluídas em seus limites. O conceito de população tradicional fora originalmente previsto pela Lei do SNUC, mas posteriormente vetado pelo Presidente da República, por considerá-lo excessivamente abrangente. Até o momento, não foi expedido regulamento trazendo semelhante definição, que, por isso, deve ser inferida a partir de outros dispositivos legais, conjugados a algumas características apontadas pela doutrina como essenciais à identificação de determinado grupo como tradicional. Concepção genuinamente brasileira, a reserva extrativista busca conciliar a proteção ambiental e a sobrevivência física e cultural de populações extrativistas tradicionais (castanheiros, seringueiros, pescadores artesanais, babaçueiros etc.), uma vez que, historicamente, por dependerem diretamente da existência de um ambiente natural preservado, em geral agiram de forma a não o degradar, utilizando os recursos florestais necessários à prática da atividade extrativista de forma sustentável, ou seja, sem extingui-los31. Isso não significa, como aponta Drummond, que o extrativismo não introduza mudanças na floresta, mas sim que essas mudanças normalmente ocorrem em grau bem menor do que aquelas 29 Foram previstas originalmente pelo art. 5° do Código Florestal, criadas com fins econômicos, técnicos ou sociais, podendo ser exploradas em regime de manejo sustentável. 30 LEUZINGER (2009). 31 LEUZINGER (2002 a). 12 causadas por outras atividades, e, por essa razão, as florestas continuam a apresentar sistemas ecológicos complexos, alta produtividade biológica e rica biodiversidade. Há, entretanto, exemplos de formas de extração, ainda que de baixa tecnologia, que se mostraram destrutivas das bases de recursos, como a sobrecoleta de ovos de quelônios32 ou a caça sistemática de detrminadas espécies, mas eles constituem exceções, e não a regra. Sobre esse ponto, deve-se observar que até mesmo a visitação em algumas categorias de unidades de conservação, como parques nacionais, pode gerar impacto maior do que aquele produzido pelo uso direto de recursos naturais por uma população extrativista. A instituição de reservas extrativistas e de reservas de desenvolvimento sustentável visa a conferir efetividade, simultaneamente, a duas categorias de direitos fundamentais, o direito ao meio ambiente equilibrado e os direitos culturais. Desse modo, em áreas ocupadas por populações tradicionais, quando o ecossistema suportar as atividades realizadas pelo grupo, devem ser instituídas Resex ou RDS, que comportam, inclusive, a visitação pública, constituindo, assim, uma opção à instituição de parques nacionais. 2.2.6 Reservas de Desenvolvimento Sustentável Inspirada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, localizada na Amazônia33, a Lei n° 9.985/00 introduziu, em nível nacional, esta categoria de unidade de uso direto dos recursos naturais. Ela se constitui em “área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica” (art. 20). Na verdade, a RDS poderia englobar a RESEX, uma vez que, dentro do conceito de população tradicional, que é mais amplo, está inserido o de população extrativista tradicional, uma espécie daquela. Bastaria ter o legislador ordinário ampliado o conceito de reserva extrativista, para chegar ao mesmo resultado prático. Entretanto, não há qualquer conseqüência danosa às populações tradicionais a previsão de uma nova modalidade de unidade de conservação que tenha por escopo a preservação do ambiente necessário à sua manutenção, a partir da aplicação de seus conhecimentos e modos de produção, transmitidos de geração a geração. Dessa forma, enquanto as reservas extrativistas, teoricamente, abrigam apenas grupos que vivem de atividade extrativista, a reserva de desenvolvimento sustentável alberga populações tradicionais de um modo geral, que também dependem da utilização dos recursos ambientais para sua subsistência e manutenção de sua cultura34. O § 2° do art. 20, apesar de determinar ser a reserva de desenvolvimento sustentável de domínio público, prevê desapropriação das áreas particulares incluídas em seus limites apenas “quando necessário”. Tal dispositivo somente pode ser interpretado no sentido de que, pertencendo a propriedade da área ao próprio grupo tradicional beneficiário ou a algum ou alguns de seus componentes e tendo a mesma destinação do restante da reserva, não será necessária a desapropriação porque o objetivo de proteção do ambiente e, concomitantemente, da sobrevivência da população tradicional estará sendo atendido. Caso contrário, como o dispositivo em questão trata de área particular que se encontre “dentro dos limites da reserva”, a desapropriação será obrigatória, pois não poderá integrá-la propriedade privada que possua finalidade distinta da restante35. 32 DRUMMOND (1996). Ver também DRUMMOND (2002). 33 A Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá foi inicialmente criada pelo Governo do Amazonas, em 1990, como estação ecológica, convertida, posteriormente, em Reserva de Desenvolvimento Sustentável, até então categoria inexistente de unidade de conservação. 34 LEUZINGER (2002 a). 35 LEUZINGER (2002 a). 13 O nome, contudo, não é apropriado, pois induz à falsa perspectiva de que apenas nelas deve-se buscar alcançar o desenvolvimento sustentável, quando, na verdade, toda e qualquer atividade econômica deve visá-lo, conforme o mandamento constitucional. Por essa razão, no substitutivo do Deputado Fernando Gabeira ao projeto de Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (nº 2892/92), a proposta era que se chamasse “reserva ecológico-cultural”, como sendo “área natural, que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais, e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica”. O nome reserva de desenvolvimento sustentável, no entanto, foi mantido, em função do sucesso alcançado pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá e, posteriormente, pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha36. Apesar de ter sido incluída a reserva de desenvolvimento sustentável como categoria de manejo integrante do SNUC, somente uma RDS federal havia sido criada até janeiro de 2007, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Itapuã-Baquiá, no Estado do Pará. A iniciativa, portanto, continua a ser basicamente estadual. 2.2.7 Reservas de Fauna A reserva de fauna “é uma área natural com populações animais e espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos” (art. 19 da Lei n° 9.985/00). Conforme disciplina imposta pelo § 1° do referido diploma, a reserva de fauna é de posse e domínio públicos, devendo ser desapropriadas as áreas particulares incluídas em seus limites. Assim como as florestas nacionais, as reservas de fauna devem servir como grandes laboratórios para o desenvolvimento de técnicas economicamente viáveis e ecologicamente sustentáveis para exploração dos recursos faunísticos. Contudo, seu plano de manejo deverá considerar o disposto na Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5197/67), extremamente restritiva, o que diminuirá bastante a viabilidade de exploração desses recursos37. Quanto à possibilidade de permanência de população tradicional residente, muito embora a lei seja silente a esse respeito, a partir da interpretação sistemática do texto, por se tratar de unidade de uso sustentável bastante semelhante às florestas nacionais, pode lhe ser conferido o mesmo regime, admitindo-se sua presença desde que já residente no local antes de sua instituição. Quanto à visitação, tratando-se de unidade de uso sustentável, ela se afigura possível, desde que compatível com o disposto no plano de manejo. Nenhuma reserva de fauna, em nível federal, instituída até o momento. 3. USO PÚBLICO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO Todas as categorias de manejo de unidades de conservação, com exceção das estações ecológicas e das reservas biológicas, como visto no item anterior, são passíveis de visitação pública, desde que observadas as regras contidas no plano de manejo e no plano de uso público. Além disso, se a unidade de conservação estiver inserida em área privada, deverá haver anuência do proprietário, a quem reverterão os valores auferidos com a cobrança de ingressos. Isso porque a exclusividade, assim como a possibilidade de exploração econômica e de disposição, devem ser garantidas ao titular do domínio e, quando afetadas, geram desapropriação indireta. 36 LEUZINGER (2009). 37 LEUZINGER (2009). 14 O uso público em unidades de conservação deveria ser sempre precedido de plano de manejo, que inclui o adequado zoneamento da área, o plano de uso público e define os objetivos da UC. Todavia, como o plano de manejo é um documento de difícil confecção, por ser muito caro e exigir pesquisa detalhada da área, com inventário preciso, dentre outros, muitas vezes a visitação é permitida sem que esse documento tenha sido elaborado, o que pode gerar conseqüências bastante graves para a unidade. De qualquer forma, haja ou não plano de manejo, tendo em vista que a visitação às UCs tem aumentado muito nos últimos anos, em virtude da popularidade que o turismo ecológico vem alcançando, há a necessidade de se conciliar uso público com preservação da biodiversidade e demais recursos naturais encontrados nos espaços ambientais. Isso não significa que se deva proibir a visitação nas unidades de conservação, pois, muito embora ela gere impacto, também oferece diversas vantagens, como: educação ambiental, lazer em contato com a natureza, geração de receitas para a UC, geração de renda para a população do entorno. Os riscos, contudo, devem ser considerados, e abarcam a destruição da vegetação, a erosão nas trilhas, o lixo deixado pelos visitantes, além de ameaças como danos que afetam a evolução dos ecossistemas, alteram o comportamento da fauna e/ou induzem a sua migração38. O pisoteio nas trilhas, como adverte Takahashi, mesmo quando produz baixo impacto, reduz a vegetação rasteira, a biomassa e pode alterar a composição da flora mediante a eliminação de espécies frágeis. Em altos níveis, pode acarretar alteração na composição ou mesmo perda completa da vegetação forrageira, extinção de espécies, compactação do solo, alargamento da trilha e diminuição da taxa de infiltração39. Por isso o planejamento é essencial, pois ele pode diminuir significativamente os efeitos negativos da visitação. Esse planejamento deve considerar, necessariamente, a sustentabilidade das trilhas, a determinação da capacidade de carga da área, o limite aceitável de câmbio e conjugar métodos de planejamento de recreação como o manejo baseado na experiência e o espectro de oportunidades de recreação. Daí a importância da elaboração do plano de manejo antes de ser facultada a visitação, pois todos esses fatores serão considerados pelo documento, que formaliza o planejamento para a UC. 3.1. Trilhas As trilhas, como indica Lechner (2006), são os primeiros elementos de infraestrutura desenvolvidos quando uma nova unidade de conservação é criada, mesmo antes de um planejamento formal, e não raras vezes já existiam quando da instituição da UC. Em virtude da falta de planejamento, em muitos casos a abertura de trilhas resulta em impactos significativos ao ambiente natural, aumentando os custos de manutenção da unidade40. A sustentabilidade das trilhas é mais facilmente alcançada mediante uma abordagem integrada de seu manejo, a partir dos objetivos traçados para a UC, considerando-se o planejamento, a construção, a manutenção, o monitoramento e a avaliação. O planejamento, por sua vez, deve observar não apenas os objetivos da unidade, mas também os aspectos sociais e biofísicos da área, as oportunidades e restrições, as características dos usuários e a análise de sítio41. Os aspectos sociais dizem respeito aos padrões sociais de uso, principalmente quando já havia uso anterior da área, de modo a identificar as oportunidades (comunicação, transporte, lazer, fiscalização etc) e os riscos, como aqueles relativos a atividades ilegais (caça, corte de madeira etc). O 38 TAKAHASHI (2004). 39 TAKAHASHI (2004). 40 LECHNER (2006). 41 LECHNER (2006). 15 contexto biofísico abrange a biota e demais componentes físicos (elementos abióticos, como, por exemplo, solo e água)42. As oportunidades e restrições devem ser identificadas para maximizar as oportunidades para os usuários e, ao mesmo tempo, aumentar as possibilidades de preservação dos elementos naturais. As oportunidades, como aponta Lechner, incluem elementos como paisagem, oportunidades culturais e educacionais, acesso a áreas para caminhadas e acampamentos, apoio a atividades de manejo, dentre muitas outras. As restrições podem derivar do zoneamento, de questões relativas à segurança, da presença de espécies raras ou ameaçadas, da fragilidade do ecossistema etc43. Os usuários das trilhas, atuais e futuros, também devem ser, na medida do possível, identificados, pois o design do caminho, sua extensão, calçamento, aspectos de segurança e dificuldade devem ser planejados de acordo com o tipo de visitante esperado44. A análise de sítio, por sua vez, constitui um exame de viabilidade da área que irá receber qualquer item de infraestrutura, em que são identificadas as limitações e as oportunidades apresentadas. 3.2. Determinação da Capacidade de Carga e Limite Aceitável de Câmbio Alguns métodos para minimizar o impacto causado pelo uso público em UCs são a identificação da capacidade de carga e o limite aceitável de câmbio (LAC). Takahashi define capacidade de carga como o nível máximo de uso que uma área pode suportar, considerando-se os fatores do ambiente. Em outras palavras, deve-se determinar quantas pessoas poderão usar a área sem causar danos45. Isso porque cada ecossistema suporta uma determinada quantidade de impacto e, ultrapassado esse imite, ocorrerá sua disruptura. Muito embora não se pretenda, em uma UC, em especial de proteção integral, chegar ao limite de impacto suportado pelo ecossistema, esse patamar deve ser conhecido, para que se tenha segurança quanto às atividades permitidas nas área. O limite aceitável de câmbio diz respeito ao quanto de mudança pode ser tolerado nas diferentes zonas da unidade de conservação, tendo em vista as condições desejadas. Como esse processo é dinâmico, ele necessita de monitoramento e acompanhamento contínuos46. Dependendo das atividades que serão praticadas dentro da UC, haverá maior ou menor alteração do ambiente natural, seja em razão do impacto causado pela própria atividade, seja em função dos itens de infraestrutura que serão necessários. Um bom planejamento apontará os melhores locais para instalação de banheiros, abertura de trilhas, construção de pontes, de centro de visitantes e de alojamentos, dentre outros. 3.3. Manejo Baseado na Experiência e Espectro de Oportunidades de Recreação O planejamento do uso público em unidades de conservação também deve conjugar métodos de planejamento de recreação, como o manejo baseado na experiência (MBE) e o espectro de oportunidades de recreação (EOR). O MBE determina que o planejamento das trilhas deve possibilitar que os potenciais usuários tenham suas expectativas atendidas, na medida em que existe uma grande diversidade de interesses entre as pessoas que visitam as UCs, e um bom design dos caminhos depende do conhecimento de quem irá utilizá-las e de suas expectativas47. 42 LECHNER (2006). 43 LECHNER (2006). 44 LECHNER (2006). 45 TAKAHASHI (2004). 46 TAKAHASHI (2004). 47 LECHNER (2006). 16 Um visitante que está acostumado e gosta de trilhas difíceis, sem itens de segurança, não tem as mesmas expectativas daquele que apenas eventualmente visita unidades de conservação e não está familiarizado com caminhadas pesadas. Desse modo, sempre que possível, as diferentes pretensões devem ser consideradas e atendidas. Se um parque nacional, por exemplo, recebe visitantes que praticam trekking e outros que apenas querem apreciar a paisagem, sem grande esforço, deve haver trilhas difíceis, inclusive travessias que demandem mais de um dia de caminhada e pernoite em acampamentos, e passeios de carro, em que o visitante possa conhecer alguns atrativos sem que precise andar. Pequenas trilhas, com degraus, corrimão e outros itens de segurança também são boas alternativas para aqueles que não estão acostumados a caminhar muito. Isso é importante porque quem gosta de caminhadas pesadas não irá visitar um parque nacional que conte apenas com trilhas muito leves e, ao contrário, quem não tem preparo físico não poderá conhecer os atrativos de um parque que não tenha caminhadas curtas e seguras. O EOR, segundo Lechner, tem uma abordagem um pouco mais ampla, fundamentada no MBE, e propõe que as experiências de recreação e os benefícios dela derivados aconteçam dentro de um conjunto de eventos que podem ser vistos a partir de um gradiente, que vai desde o primitivo até o urbano, passando pelo semiprimitivo, natural e rural. Para quem planeja as trilhas, isso significa que seus elementos, design, instalações e características sociais podem ser relacionados com o tipo de satisfação que o visitante procura ter, atendendo-se, de forma mais flexível, às necessidades de diferentes usuários, oferecendo-lhes distintas oportunidades de recreação48. CONCLUSÃO Muito embora a visitação a unidades de conservação em geral cause impacto, ela é admitida pela Lei do SNUC na grande maioria das categorias de manejo, excetuando-se apenas as estações ecológicas e as reservas biológicas. Isso porque a visitação, além de possibilitar a disseminação de educação ambiental e lazer em contato com a natureza, também pode gerar renda para a UC e para a população local, por meio, respectivamente, da cobrança de ingressos e da exploração de serviços ligados ao turismo. Todavia, como o principal objetivo de qualquer UC é a proteção do ambiente natural, com especial destaque para os recursos da biodiversidade, a visitação deve estar prevista no plano de manejo da unidade, que abarca o plano de uso público, e ser realizada de acordo com as restrições nele impostas. Tratando-se de área sob domínio privado, além de admitida no plano de manejo, a abertura da unidade para a visitação deve partir de iniciativa do proprietário, sob pena de excluir-se a exclusividade, acarretando desapropriação indireta. Como a visitação às UCs se intensificou nos últimos anos, em virtude da popularidade que o turismo ecológico vem alcançando, tornou-se indispensável conciliar uso público com preservação da biodiversidade e demais recursos naturais encontrados nos espaços ambientais. Por isso, o planejamento é fundamental, pois os riscos que a visitação acarreta devem ser minimizados, devendo ser considerado, no plano de uso público, necessariamente, a sustentabilidade das trilhas, o que envolve a determinação da capacidade de carga da área e o limite aceitável de câmbio. Métodos de planejamento de recreação como o manejo baseado na experiência e o espectro de oportunidades de recreação devem ser conjugados e aplicados para que as expectativas de diferentes tipos de visitantes sejam plenamente atendidas e, ao mesmo tempo, o ambiente natural seja resguardado. 48 LECHNER (2006). 17 BIBLIOGRAFIA BENJAMIN, Antônio Herman. O regime brasileiro de unidades de conservação. 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