uso público em unidades de conservação - NIMA PUC-Rio

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USO PÚBLICO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Márcia Dieguez Leuzinger1
RESUMO
A criação de espaços territoriais especialmente protegidos, dentre os quais unidades de conservação, é considerada
uma das melhores estratégias para a conservação da biodiversidade in situ. Algumas categorias de manejo não comportam
visitação e, nas categorias em que esta atividade é permitida, ela deve estar adequada ao respectivo plano de manejo. Neste
trabalho, serão analisadas as diferentes espécies de unidades de conservação previstas na Lei nº 9.985/00, avaliando-se,
além da questão dominial, a possibilidade de permanência de populações tradicionais residentes e de visitação. No que
tange especificamente ao uso público, serão analisadas as diferentes estratégias e metodologias de planejamento que podem
ser utilizadas para que a unidades de conservação possa atender às expectativas dos visitantes e, ao mesmo tempo em que
proporciona diferentes formas de lazer em contato com a natureza, também possibilita a conservação da biodiversidade.
ABSTRACT
The creation of protected areas, which includes conservation units, is considered one of the best strategies for the
conservation of biodiversity in situ. Some categories of conservation units do not accept visitors, and when this activity is
allowed, it must follow the management plan for the unit. In this paper the different kinds of conservation units will be
analyzed. Not only property matters will be taken on account, but also the possibility of traditional people remain in the area
and the possibility of visitation in the unit. And, specifically about public use of protected areas, different approaches and
methods are going to be analyzed, so that the unit will be able to achieve the expectations of visitors and, at the same time,
protect biodiversity.
1. ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS
A Constituição Federal, a fim de tornar efetivo o direito fundamental ao meio ambiente
equilibrado, enunciado no caput do art. 225, prevê, como obrigação do Poder Público, dentre outras, a
criação, em todas as unidades da federação, de espaços territoriais especialmente protegidos (ETEP),
cuja alteração ou desafetação dependem da edição de lei formal2.
Conferiu a Constituição Federal, portanto, aos espaços ambientais, proteção bastante
significativa, o que acabou por gerar divergências entre os autores acerca do alcance da expressão, na
medida em que a Carta de 1988 não definiu o que seria espaço territorial especialmente protegido
(ETEP). A divergência deu-se, principalmente, em virtude da dificuldade que uma interpretação mais
ampla do termo poderia traduzir, pois, para modificação ou extinção de qualquer desses espaços,
haveria a necessidade de produção legislativa.
Alguns autores, em virtude da imprecisão do conceito legal, passaram a defender que espaço
territorial especialmente protegido englobaria apenas as unidades de conservação (UCs), enquanto
outros entenderam tratar-se de conceito mais amplo, que abarcaria qualquer espécie de espaço
ambiental3. A acepção mais ampla do termo, entretanto, encontra respaldo na própria história de
utilização das expressões unidade de conservação e espaço territorial especialmente protegido, não
tendo qualquer fundamento jurídico o argumento contrário. Com efeito, a expressão unidade de
1 Procuradora do Estado do Paraná, Mestre em Direito e Estado e Doutora em Desenvolvimento Sustentável / Gestão
Ambiental pela Universidade de Brasília – UnB, professora de Direito Administrativo e de Direito Ambiental da graduação
e do mestrado do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, professora da especialização em Direito Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília – UnB.
2 A criação de ETEP passou, em 1989, a ser também instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente, nos termos do
art. 9º, VI, da Lei nº 6.938/81, cuja redação foi conferida pela Lei nº 7.804/89.
3 Nessa linha: BENJAMIN (2001); MACHADO (2000); FIGUEIREDO (2004). LEUZINGER (2002a).
conservação foi utilizada, em um texto normativo, pela primeira vez, em 1986, com a Resolução nº
10/86, do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), que determinou a criação de uma
Comissão para elaborar um anteprojeto de lei dispondo sobre unidades de conservação. A Resolução
CONAMA nº 19/86, expedida posteriormente, solicitava ao Presidente da República que encaminhasse
ao Congresso Nacional o anteprojeto então elaborado, mas não obteve êxito. A Resolução CONAMA
nº 11/97, onze anos mais tarde, declarou como unidades de conservação os “sítios ecológicos de
relevância cultural”, que seriam as: estações ecológicas; reservas ecológicas; áreas de proteção
ambiental; parques nacionais; reservas biológicas; florestas nacionais; monumentos naturais; jardins
botânicos; jardins zoológicos e hortos florestais. Em 1999, o Decreto federal nº 9.927 estabeleceu que,
“na execução da Política Nacional de Meio Ambiente, cumpre ao Poder Público, nos seus diferentes
níveis de governo: (...) II – proteger as áreas representativas de ecossistemas mediante a implantação de
unidades de conservação e preservação ecológica (...)”.
Importante observar que, muito embora houvesse previsão legal, em diversas normas esparsas,
como o Código Florestal e a Lei nº 6.902/81, de diferentes categorias de manejo, a expressão unidade
de conservação, como visto, até meados da década de oitenta, não havia ainda sido utilizada em textos
normativos, o que efetivamente só veio a ocorrer com a edição da Resolução CONAMA nº 10/86. Mas
isso não significa que não existisse, o que fica comprovado com a elaboração, ainda em 1979, pelo
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), da primeira etapa do Plano do Sistema de
Unidades de Conservação do Brasil. Em 1982, a II Etapa do Plano do Sistema de Unidades de
Conservação buscou, além da definição de critérios técnico-científicos para a indicação e implantação
de UCs, a criação de novas categorias de manejo.
Desse modo, percebe-se que, quando da promulgação da atual Constituição Federal, em 1988,
já havia previsão legal de alguns espaços ambientais que eram considerados, pelo CONAMA, como
unidades de conservação, bem como um Plano do Sistema de Unidades de Conservação para o Brasil,
que arrolava, como espécies de UCs, apenas alguns dos espaços ambientais à época existentes, o que
demonstra ser o termo mais restritivo do que espaços territoriais especialmente protegidos4.
Ainda assim, optou o constituinte originário por utilizar, no capítulo dedicado ao meio
ambiente, a expressão mais ampla – espaço territorial especialmente protegido –, ao invés de unidade
de conservação. Isso demonstra a clara intenção de conferir aos espaços ambientais instituídos pelo
Poder Público o máximo de proteção. Este fato, aliás, é plenamente compatível com a previsão de
terem todos “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum de todos e
essencial à sadia qualidade de vida”, encontrada no caput do art. 225 da CF/88.
Posteriormente, em 2000, é editada a Lei nº 9.985, que instituiu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza, também conhecida como Lei do SNUC, elencando 12
categorias de manejo distintas, divididas em dois grupos. Unidades de conservação são, portanto,
apenas os espaços ambientais expressamente previstos pela Lei nº 9.985/00, sujeitos a um regime
jurídico específico, mais restrito e determinado5. Excepcionalmente, nos termos do parágrafo único do
art. 6º da Lei em comento, poderão integrar o SNUC, a critério do CONAMA, “unidades de
conservação estaduais e municipais que, concebidas para atender a peculiaridades regionais ou locais,
possuam objetivos de manejo que não possam ser satisfatoriamente atendidos por nenhuma categoria
prevista nesta Lei e cujas características permitam, em relação a estas, uma clara distinção”.
Merece destaque, ainda, a expressão Áreas Protegidas – APs , que, muitas vezes, é utilizada
pelos autores de Direito Ambiental e pelos tratados e organizações internacionais como sinônimo de
espaço territorial especialmente protegido. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), por
4 Os Planos do Sistema de Unidades de Conservação não previam, por exemplo, como categoria de UC, os jardins
botânicos, zoológicos ou hortos florestais, que, segundo a Resolução Conama nº 11/97, constituiriam unidades de
conservação. Parques ecológicos, muito comuns no DF, não são previstos, por qualquer norma federal, como UC.
5 Sobre a matéria, ver: SILVA (1994). BENJAMIN (2001).
2
exemplo, conceitua área protegida como aquela “definida geograficamente, que é destinada, ou
regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação”.
O termo APs, adotado internacionalmente, tem, contudo, sido utilizado, no Brasil, de forma
mais restrita, como espécie de ETEP que engloba apenas unidades de conservação, terras indígenas e
territórios quilombolas. Isso porque, no âmbito da CDB, a criação de áreas protegidas foi estabelecida
como uma das melhores formas de conservação da biodiversidade in situ. Desse modo, o Brasil, como
signatário da Convenção6, passou a produzir uma série de documentos tendentes a cumprir os
compromissos assumidos, dentre os quais o Protocolo de Intenções para Implementação do Programa
de Trabalho para Áreas Protegidas no Âmbito da Convenção da Diversidade Biológica, de 10 de
fevereiro de 2002, e o Plano Nacional de Áreas Protegidas, instituído pelo Decreto nº 5.758, de 2006.
Nesses dois documentos, Áreas Protegidas englobam, basicamente, unidades de conservação, terras
indígenas e territórios quilombolas, o que determina ter um campo de aplicação menor do que o dos
Espaços Territoriais Especialmente Protegidos. O Plano Nacional de Áreas Protegidas, embora, em
alguns dispositivos, mencione outras espécies de espaços protegidos, como é o caso de áreas de
preservação permanente e áreas de reserva legal, reconhecidas como “elementos integradores da
paisagem”, refere-se especialmente àqueles três anteriormente citados, seja em relação aos princípios,
seja em relação aos eixos temáticos.
A partir desses elementos, pode-se definir espaço territorial especialmente protegido como
qualquer espaço ambiental, instituído pelo Poder Público, sobre o qual incida proteção jurídica, integral
ou parcial, de seus atributos naturais. ETEP é, portanto, gênero, que inclui as unidades de conservação,
as áreas protegidas e os demais espaços de proteção específica. Estes últimos são constituídos pelos
espaços ambientais cuja previsão ocorre em normas esparsas, como jardins botânicos, jardins
zoológicos, hortos florestais, áreas de preservação permanente, áreas de reserva legal, zonas de
amortecimento de unidades de conservação, corredores ecológicos, reservas da biosfera, além de terras
indígenas e territórios quilombolas que, apesar de terem sido classificados como áreas protegidas pelos
documentos produzidos pelo Brasil no âmbito da CDB, não deixam de ser espaços de proteção
específica. A todos esses espaços, a CF/88 garante proteção especial, consubstanciada na necessidade
de edição de lei formal para sua alteração ou extinção7.
2 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Dentre os chamados espaços territoriais especialmente protegidos, previstos
constitucionalmente, encontram-se, como visto, as unidades de conservação, reguladas pela Lei n°
9.985/00. Desse modo, além de objetivos de proteção do ambiente natural, inerentes a qualquer ETEP,
as UCs deverão ser instituídas pelo Poder Público, com delimitação territorial prevista no ato de
criação, e estão sujeitas a regime legal próprio de proteção e administração, determinado pela Lei do
SNUC.
A Lei nº 9.985/00 tem por mérito a sistematização do tratamento normativo dessas unidades de
conservação, que antes estavam previstas, de forma desordenada, em diferentes leis e atos normativos
e, embora nem todos os espaços ambientais tenham sido contemplados pela Lei do SNUC, estabeleceu
este diploma legal doze categorias de UCs, divididas em dois grupos: unidades de proteção integral e
unidades de uso sustentável.
O grupo das unidades de conservação de proteção integral reúne as categorias em que, a
princípio, é vedada a utilização direta de recursos naturais, sendo permitido apenas, conforme o caso, o
6 O Brasil assinou a Convenção sobre a Diversidade Biológica durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992, tendo sido aprovada pelo Decreto Legislativo nº 2/94 e
promulgada pelo Decreto nº 2.519/98.
7 LEUZINGER (2002 e 2009).
3
desenvolvimento de atividades de pesquisa científica, educação ambiental e turismo ecológico. Os
objetivos desses espaços é a preservação dos ecossistemas com o mínimo de intervenção antrópica.
Para os ambientalistas adeptos à corrente preservacionista, a instituição de unidades de conservação de
proteção integral é a única ou, ao menos, a mais eficiente forma de preservação da biodiversidade. O
grupo das unidades de conservação de uso sustentável reúne as categorias onde é possível o uso direto
dos recursos naturais, desde que de forma sustentável, dentro dos limites legalmente estabelecidos.
A Lei do SNUC, como se pode perceber pela própria distribuição das categorias de manejo em
grupos distintos, é um reflexo da composição de conflitos entre preservacionistas e socioambientalistas.
Contém, assim, dentre seus objetivos, inscritos no art. 4º, tanto a preservação da biodiversidade, a
proteção de espécies em extinção, a preservação e restauração da diversidade de ecossistemas naturais,
como a proteção dos recursos naturais necessários à subsistência das populações tradicionais e à
valorização social e econômica da diversidade biológica. Dentre suas diretrizes, constantes do art. 5º,
encontram-se o envolvimento da população local na criação, implantação e gestão das UCs; o
envolvimento da sociedade no estabelecimento e revisão da política nacional de unidades de
conservação; o uso sustentável dos recursos; a garantia, às populações tradicionais, cuja subsistência
dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das UCs, de meios de subsistência
alternativos ou justa indenização pelos recursos perdidos, em que a orientação é claramente
socioambiental; e outras de cunho mais preservacionista, como a representatividade de amostras
significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, hábitats e ecossistemas; e a
conservação in situ de populações das variantes genéticas selvagens de animais e plantas domesticados.
Diretrizes que procuram conciliar unidades de proteção integral e uso sustentável também são
encontradas, quando estabelecem que sejam protegidas grandes áreas por meio de um conjunto
integrado de unidades de diferentes categorias, próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de
amortecimento e corredores ecológicos, integrando as diferentes atividades de preservação da natureza,
uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação de ecossistemas.
Visando a acabar com os conflitos gerados pela criação de UCs, que não possuíam, até a edição
da Lei nº 9.985/00, previsão legal precisa acerca de suas finalidades, características, formas de
utilização de recursos naturais e titularidade, além da pretensão de particulares de receber sempre
indenização em virtude das restrições provenientes de sua instituição, alegando a ocorrência de
desapropriação indireta, encarregou-se esta Lei de determinar as características de cada categoria de
manejo e seu regime dominial.
Estabeleceu a norma em comento, também, alguns requisitos que devem ser observados quando
da instituição de unidades de conservação, como a realização de estudos técnicos e de consulta
pública8, que permitam identificar a localização, dimensão e limites mais adequados para a unidade,
bem como os requisitos a serem observados para sua alteração ou extinção. Determinou a norma a
elaboração de planos de manejo para qualquer espécie de UC e a instituição de zonas de amortecimento
ao seu redor, com exceção das áreas de proteção ambiental e das reservas particulares do patrimônio
natural. Previu, ainda, a instituição de mosaicos, nos casos em que exista um conjunto de unidades de
conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, além de outros
espaços protegidos públicos ou privados, em que a gestão do conjunto deverá ser feita de forma
integrada e participativa; as formas de aplicação dos recursos obtidos pelas unidades; e a compensação
ambiental, para os casos de licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental,
assim considerado pelo órgão ambiental, com fundamento no EIA/RIMA. Nas disposições transitórias,
procurou resolver a situação das populações tradicionais residentes em UCs nas quais sua permanência
não seja admitida9.
8 A consulta pública não é obrigatória para a criação de estações ecológicas e reservas biológicas.
9 LEUZINGER (2009).
4
Com exceção das estações ecológicas e das reservas biológicas, unidades absolutamente
restritivas, todas as demais categorias de manejo de unidades de conservação podem ser abertas à
visitação. Quando a UC for constituída por áreas de domínio privado, caberá aos proprietários
decidirem sobre a possibilidade ou não de receberem visitantes. Em qualquer caso, deverá ser
observado o disposto nos respectivos planos de manejo, exigidos para qualquer espécie de unidade de
conservação. Daí a importância de se elaborar um plano de manejo que contenha um zoneamento
adequado, em que serão determinadas áreas que podem ser visitadas e outras consideradas intangíveis,
tendentes à preservação da biodiversidade. Isso porque o impacto causado pela visitação pública é, em
muitos casos, bastante significativo, demandando estudos técnicos que viabilizem a compatibilização
entre preservação ambiental e presença humana10.
Por outro lado, apesar dos impactos causados pelo turismo nas UCs, pontos favoráveis podem
ser destacados com esta atividade, como a disseminação de educação ambiental e lazer em contato com
a natureza, a geração de receita para a unidade, por meio da cobrança de ingressos, e a geração de renda
para a população do entorno, sob a forma de ganhos com pousadas, restaurantes, serviços de guia,
aluguel de material etc. Os benefícios gerados para a população do entorno da UC podem constituiu
uma importante forma de se contornar os conflitos advindos da instituição de unidades de proteção
integral, que não admitem a utilização direta de recursos, antes realizada por aquelas pessoas. Daí a
urgência em se determinar maneiras de envolver a sociedade local na gestão da UC, mesmo que
indiretamente, por meio da prestação de serviços que possam interessar aos turistas. A proibição de se
acampar dentro da unidade e a obrigatoriedade de se contratar um guia local para se ingressar no
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, localizado em Goiás, são bons exemplos de iniciativas que
acarretaram ganhos para a população de São Jorge, povoado que se encontra na zona de amortecimento
do parque. As pousadas e campings particulares se multiplicaram, assim como os restaurantes, tendo
sido fornecido aos moradores interessados cursos de guia de turismo.
A seguir, serão analisadas, de forma mais detalhada, cada uma das 12 categorias de manejo
previstas pela Lei do SNUC, estabelecendo-se seu regime dominial, a possibilidade de visitação e a
situação de populações tradicionais residentes.
2.1 Unidades de Proteção Integral
As unidades de conservação de proteção integral, que não admitem uso direto dos recursos
naturais, contam com cinco diferentes categorias de manejo. O principal objetivo de todas elas é a
preservação da biodiversidade e demais elementos naturais, o que é alcançado a partir do controle
bastante rígido das atividades antrópicas praticadas dentro de seus limites. Desse modo, apenas o uso
indireto dos elementos naturais é admitido, buscando-se, com isso, a manutenção da integridade dos
ecossistemas e habitats naturais.
2.1.1 Parques Nacionais
Nos termos do art. 11 da Lei n° 9.985/00, os parque nacionais, estaduais ou municipais têm
como objetivo principal “a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e
beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de
educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico”11.
10 Sobre impactos causados pela visitação em unidades de conservação, ver: MERCADANTE (2001); CARVALHO
(2000); TAMBORIM; MAGRO (2000); CARVALHO; ROBIM; STARZYNSKI; AZEVEDO (2000); GIATTI; ROCHA;
RONCERO-SILES; BITTENCOURT (2002); DÓRIA; SANTOS (2004).
11 Os parques nacionais eram originalmente regidos pelo art. 5°, a, do Código Florestal, regulamentado pelo Decreto n°
84.017/79.
5
Existindo previsão de visitação pública e de proteção integral da natureza, há total
incompatibilidade com o regime privado, sendo, portanto, indispensável, para sua instituição, prévia
desapropriação. O § 1° do art. 11 prevê, por esta razão, ser o parque nacional “de posse e domínio
públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com
o que dispõe a lei”. Por essa mesma razão, não é admitida a permanência de populações humanas
residentes, ainda que tradicionais12.
A diferença entre parques nacionais, reservas biológicas e estações ecológicas, que serão
analisadas a seguir, reside, basicamente, na possibilidade de visitação. Muito embora o parque nacional
não necessite ter sua área totalmente aberta ao público, ao menos parte dela, conforme estabelecido no
plano de manejo, deverá sê-lo, sob pena de transformar-se o parque em categoria de manejo semelhante
à estação ecológica ou à reserva biológica. Desse modo, parques fechados, a não ser provisoriamente,
contrariam frontalmente à lei, eis que acabam por se tornar, de forma transversa, categoria diferente.
Os parques nacionais constituem a primeira categoria de manejo instituída no Brasil, tendo o
Parque Nacional de Itatiaia sido criado em 1937, nos moldes dos parques nacionais norte-americanos.
Posteriormente, em 1939, outros dois parques foram instituídos: o Parque Nacional do Iguaçu, no
Paraná, e o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. Outras espécies de espaços
territoriais especialmente protegidos já haviam sido criadas quando da instituição dos primeiros
parques nacionais, como é o caso de jardins botânicos e reservas florestais, mas, dentro da perspectiva
de unidades de conservação, nos termos hoje estabelecidos pelo SNUC, os parques nacionais foram os
pioneiros, constituindo a sua criação e administração, segundo Drummond, a mais antiga política
ambiental desenvolvida continuamente pelo Poder Público13.
Os objetivos dos primeiros parques nacionais criados em diversos países do mundo e,
posteriormente, no Brasil, foram o de preservação de áreas virgens, geralmente dotadas de paisagens
espetaculares, e o de visitação. Constituíam-se, normalmente, de grandes extensões territoriais, eram
criados pelo Poder Público e o uso direto de recursos naturais era proibido. Essa concepção perdura, ao
menos parcialmente, até os dias de hoje. Os objetivos de preservação de ecossistemas naturais
relevantes e belos, possibilitando o turismo ecológico e a recreação em contato com a natureza
coincidem com os objetivos traçados para os parques desde a criação de Yellowstone, nos EUA, o
primeiro parque nacional instituído no mundo, em 1872. Importante observar, nesse sentido, a redação
do caput do art. 11 da Lei do SNUC, em que o objetivo básico dos parques nacionais é descrito como
“preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica”. A utilização
do termo “e” demonstra que, não sendo o local dotado de beleza cênica, não deverá ser ali criado um
parque nacional. O Plano do Sistema de Unidades de Conservação já definia parques nacionais como
locais com características naturais espetaculares ou únicas, em terra ou no mar, sob controle do Poder
Público, sendo exigida sua criação em áreas maiores do que 10 Km²14.
2.1.2 Estações Ecológicas
Estação ecológica15, nos termos do art. 9° da Lei n° 9.985/00, “tem como objetivo a
preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas”, sendo de posse e domínio públicos (§
1°). A visitação é proibida, exceto para fins educacionais, conforme dispuser o Plano de Manejo da
unidade (§ 2°), e mesmo a pesquisa científica depende de prévia autorização do órgão ambiental (§ 3°),
incidindo em área correspondente a, no máximo, três por cento da extensão total da unidade e até o
12 A única exceção diz respeito a populações indígenas, quando há sobreposição entre UCs e terras por elas
tradicionalmente ocupadas.
13 DRUMMOND (1997).
14 LEUZINGER (2009).
15 As estações ecológicas foram previstas inicialmente pela Lei n° 6.902/81.
6
limite de 1.500 hectares, quando o impacto sobre o ambiente for maior do que o causado pela simples
observação ou coleta controlada de componentes do ecossistema (§ 4°, IV).
A finalidade básica das estações ecológicas é manter intactos ecossistemas representativos, sem
intervenção antrópica, gerando, conseqüentemente, a total impossibilidade de qualquer tipo de
utilização econômica da área. Sua criação é, por isso, absolutamente incompatível com o regime
privado de propriedade, demandando prévia desapropriação.
Não sendo permitida sequer a visitação, exceto quando há especial autorização, é tida pelos
preservacionistas como a categoria de manejo que, ao lado das reservas biológicas, mais efetivamente
contribui para a preservação da diversidade biológica. Constituindo UC absolutamente restritiva, não
há, obviamente, possibilidade de permanência de população tradicional residente quando de sua
instituição, assim como ocorre com os parques nacionais.
As estações ecológicas não encontravam previsão no Código Florestal de 1965, tendo seu
regime jurídico sido definido pela Lei nº 6.902/81, que determinou ficasse sua instituição e gestão a
cargo da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), criada em 1973. As oito primeiras estações
ecológicas foram oficialmente instituídas, em 1981, pelo Decreto 86.061, tendo sido criadas, ao todo,
na década de 80, vinte e duas unidades. Na Década de 90, apenas a Estação Ecológica de Tamoios, no
Rio de Janeiro, é instituída, por meio do Decreto nº 98.864/90, tendo sido criadas, a partir de 2001, até
janeiro de 2007, outras nove estações. Ou seja, entre 1987 (ano em que foi criada a última estação
ecológica da década de 1980 – Tupinambás, em São Paulo, por meio do Decreto nº 94.656) e 2001,
apenas uma estação ecológica é instituída. Tal fato deve-se, em parte, à extinção da SEMA, em 1989, e
à criação do IBAMA, que absorveu técnicos daquela Secretaria e do IBDF, que mantinha categoria
idêntica, a reserva biológica, bem como ao aumento significativo, a partir da década de 1990, de
unidades de conservação de uso sustentável, influenciado pelo socioambientalismo e pelo
multiculturalismo, que estabeleceram novos valores e finalidades aos espaços ambientais16.
Por outro lado, também não se pode olvidar a maior facilidade que existe em relação à criação
de UCs de uso direto, em especial aquelas compatíveis com o domínio privado, como áreas de proteção
ambiental (APAs) e áreas de relevante interesse ecológico (ARIEs), que sequer demandam
desapropriação, além de, normalmente, ser também a instituição desses espaços mais simpática à
população local. Todos esses fatores contribuíram para um redirecionamento do órgão ambiental, a
partir da década de 1990, no sentido da criação de UCs de uso sustentável em número bastante superior
ao das unidades de uso indireto: os percentuais de proteção eram engrossados, sem que houvesse a
necessidade de grandes investimentos ou desgaste político. Todavia, como os compromissos
internacionais que foram sendo assumidos pelo Brasil, especialmente no âmbito da Convenção sobre a
Diversidade Biológica, determinaram percentuais de proteção dos diferentes ecossistemas a partir da
instituição de UCs de uso indireto, nova leva de estações ecológicas, reservas biológicas e parques
nacionais surge a partir do início da década de 2000.
2.1.3 Reservas Biológicas
A reserva biológica17 “tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos
naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais,
excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo
16 LEUZINGER (2009).
17 As reservas biológicas foram originalmente previstas pelo art. 5°, a, da Lei n° 4.771/65 (revogado pela Lei do SNUC),
sendo posteriormente submetidas ao Código de Caça, que lhes imprimiu regime mais rígido, vedando as “atividades de
caça, apanha ou introdução de espécimes na fauna e flora silvestres e domésticas, bem como modificações no meio
ambiente a qualquer título, ressalvadas as atividades científicas devidamente autorizadas pela autoridade competente”.
7
necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos
ecológicos naturais” (art. 10 da Lei do SNUC).
Nenhuma diferença substancial existe entre estações ecológicas e reservas biológicas, que
provêm da antiga separação entre SEMA e IBDF -, já extintos, tendo ambas por finalidade manter áreas
naturais livres de intervenção humana. Ao IBDF, criado em 1967, cabia a criação e gestão de parques
nacionais, reservas biológicas, florestas nacionais, reservas florestais e parques de caça; à SEMA, a de
estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e reservas ecológicas. Coexistiram, portanto, até a
extinção da SEMA e do IBDF, e sua fusão no IBAMA, em 1989, dois regimes distintos de unidades de
conservação. A única distinção que pode ser apontada entre estações ecológicas e reservas biológicas
diz respeito à possibilidade de realização de pesquisas que possam alterar os ecossistemas. No caso das
estações ecológicas, o art. 9º, § 4º, IV, permite sejam realizadas pesquisas científicas cujo impacto
sobre o ambiente seja maior do que aquele causado pela simples observação ou coleta controlada de
elementos, tendo sido a área em que essa espécie de pesquisa possa ser feita reduzida a três por cento
da unidade, até o limite de mil e quinhentos hectares. Relativamente às reservas biológicas, o caput do
art. 10 da Lei do SNUC determina a ausência de interferência humana direta ou modificações
ambientais, excetuando exclusivamente as medidas para a recuperação dos ecossistemas alterados e
aquelas necessárias à preservação e recuperação do equilíbrio ambiental, diversidade biológica e
processos ecológicos naturais, o que também é permitido nas estações ecológicas. O regime de
proteção das reservas biológicas é, portanto, mais restritivo do que o regime das estações ecológicas, na
medida em que, naquelas, sequer a pesquisa que cause alterações ecossistêmicas poderá ser realizada18.
Nos termos do § 1° do art. 10, a reserva biológica é de posse e domínio públicos, exigindo,
portanto, desapropriação das áreas particulares incluídas em seus limites, eis que, da mesma forma que
as estações ecológicas, são absolutamente incompatíveis com o regime privado de propriedade.
Populações tradicionais que eventualmente residam na área deverão ser removidas, pois sua
permanência é também incompatível com o regime de proteção legalmente estabelecido, assim como
ocorre com parques nacionais e estações ecológicas.
A primeira reserva biológica, Poço das Antas, foi criada em 1974, por meio do Decreto nº
73.791, no Estado do Rio de Janeiro.
2.1.4 Monumentos naturais
Os monumentos naturais, previstos pelas Constituições brasileiras de 1934, 1946 e 1967/69, não
constam expressamente do texto da Constituição de 1988, que apenas faz menção, no art. 23, III, a
monumentos. A expressão, conforme observa Silva, comporta inúmeros sentidos, como monumentos
históricos, artísticos e naturais. Define o autor monumentos naturais como “sítios geológicos que, por
sua singularidade, raridade, beleza cênica ou vulnerabilidade exijam proteção, sem justificar a criação
de outra categoria de unidade de conservação, dada a limitação da área ou a restrita diversidade de
ecossistema”19. Seria o caso de uma montanha específica, de formações esculturais naturais, de uma
cachoeira. Apenas o monumento sofreria proteção especial, não o restante da área.
Nos termos do art. 12 da Lei n° 9.985/00, têm como objetivo básico “preservar sítios naturais
raros, singulares ou de grande beleza cênica”, podendo ser constituídos em áreas particulares, “desde
que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade de conservação com a utilização da terra e dos
recursos naturais do local pelos proprietários” (§ 1°) e desde que haja aquiescência do proprietário (§
2°).
Como, em geral, incide o monumento sobre pequena parcela da propriedade, não inviabiliza a
exploração econômica do restante, quando criado em área privada. A possibilidade de visitação
18 LEUZINGER (2009).
19 SILVA (1994, p. 168).
8
depende da iniciativa do proprietário, pois a exclusividade é uma das características inerentes ao
domínio.
2.1.5 Refúgios da Vida Silvestre
Os refúgios da vida silvestre correspondem a “áreas em que a proteção e o manejo são
necessários para assegurar a existência ou reprodução de determinadas espécies residentes ou
migratórias, ou comunidades da flora e da fauna”20. Seria o caso de uma praia específica, onde ocorra a
desova de tartarugas, ou local utilizado por aves migratórias para pouso ou reprodução. Sua instituição,
como unidade de conservação, pode incidir sobre áreas privadas, “desde que seja possível
compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos
proprietários” (art. 13, § 1°, Lei 9.985/00) e que exista concordância do particular.
Percebe-se, assim, que os monumentos naturais e os refúgios da vida silvestre, por incidirem,
em geral, em áreas pouco extensas, são compatíveis com o domínio privado, caracterizando-se as
limitações ao uso e gozo deles decorrentes como restrições internas ao direito de propriedade, ligadas
ao cumprimento de sua função socioambiental. Deixa a lei, no entanto, à escolha do proprietário, sofrer
desapropriação ou aquiescer com as limitações geradas pela criação da UC (§§ 2º dos arts. 12 e 13 da
Lei do SNUC).
Porém, conferir ao proprietário a possibilidade de optar entre ser ou não a área desapropriada,
para que nela seja criado refúgio da vida silvestre ou monumento natural, afigura-se flagrantemente
inconstitucional, olvidando o legislador ordinário o indispensável atendimento, pela propriedade, de
sua função social, bem como a utilização do instituto da desapropriação exclusivamente para os casos
de utilidade ou necessidade pública ou interesse social, quando o regime privado de propriedade
mostrar-se totalmente incompatível com a atividade a ser desenvolvida. Monumentos naturais e
refúgios da vida silvestre, ao contrário, são plenamente compatíveis com o domínio privado, o que,
inclusive, é reconhecido pela própria Lei n° 9.985/00. Estabelecer, portanto, a legislação ordinária, em
desconformidade com o mandamento constitucional, a necessidade de aquiescência do proprietário
para a criação de tais espaços ambientais significa impor ao Estado um ônus indevido, eis que,
inexistindo concordância, terá o Poder Público que desapropriar a área, sem que ocorram, realmente,
quaisquer de seus pressupostos, cujas hipóteses são taxativamente previstas em lei.21
Quanto à possibilidade de visitação, assim como ocorre com os monumentos naturais, incidindo
sobre propriedade privada, cabe ao proprietário da área decidir se irá ou não admiti-la, observado o
disposto no plano de manejo.
2.2 Unidades de conservação de uso sustentável
O grupo das Unidades de Uso Sustentável é composto pelas chamadas unidades de conservação
de uso direto dos recursos naturais, do qual fazem parte as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), as
Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIEs), as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas
(RESEXs), as Reservas de Faunas, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e as Reservas
Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs)22. Uso direto, no entanto, não significa utilização sem
controle, desregrada, mas sim uso dos recursos de forma sustentável, ou seja, respeitada a capacidade
de suporte do ecossistema e os mecanismos de renovação dos recursos bióticos.
2.2.1 Áreas de Proteção Ambiental
20 SILVA (1994, p. 168).
21 FIGUEIREDO; LEUZINGER (2001, p. 481).
22 Arts. 15 a 21 da Lei n° 9.985/00.
9
A área de proteção ambiental23, a que se refere o art. 15 da Lei n° 9.985/00, é “em geral
extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou
culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem- estar das populações humanas, e
tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e
assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”. Segundo o § 1° deste dispositivo, pode ser
constituída por terras públicas ou privadas.
A fiscalização e supervisão da APA será realizada pelo Instituo Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio), no tocante às APAs federais, assim como ocorre em relação a todas as
demais espécies de unidades de conservação federais, ou pelo órgão equivalente no âmbito estadual ou
municipal, relativamente às APAs instituídas pelos Estados ou pelos municípios, respectivamente.
A área de proteção ambiental é o mais típico exemplo de espaço ambiental criado com a
finalidade de garantir o cumprimento da função socioambiental da propriedade. O proprietário mantém
todos os poderes inerentes ao domínio, sofrendo apenas as limitações ditadas pelo próprio conteúdo do
direito, eis que relacionadas à dimensão ambiental da sua função social. Assim sendo, visando as APAs
a garantir exclusivamente o cumprimento da função socioambiental, não implicando, sua instituição,
em aniquilamento do conteúdo econômico da propriedade e nem a perda da exclusividade, não são
indenizáveis 24.
As APAs vêm sofrendo inúmeras críticas, seja por entenderem os autores não constituírem
unidades de conservação propriamente ditas, mas sim formas de disciplinar o uso do solo, seja em
função de sua baixa efetividade, na medida em que têm sido criadas em locais bastante antropizados e,
consequentemente, degradados, sem que seja realizado um zoneamento que permita a proteção de
parcelas dos ecossistemas. Com isso, não cumprem as finalidades básicas de proteger a diversidade
biológica, regular o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade de uso dos recursos naturais.
Todavia, a baixa efetividade de parte das áreas de proteção ambiental não significa sua inutilidade. Ao
contrário, se fossem elaborados planos de manejo adequados e sofressem as APAs efetiva fiscalização,
seriam espaços ambientais úteis à proteção do meio ambiente, com baixíssimo custo para o Estado.
Criá-las apenas no papel, entretanto, para aumentar as estatísticas de volume de áreas protegidas no
país, de certo não atende às necessidades de conservação25.
Quando constituída por áreas privadas, a visitação dependerá de iniciativa do proprietário,
observado o plano de manejo.
2.2.2 Áreas de Relevante Interesse Ecológico
A área de relevante interesse ecológico é definida pelo art. 16 da Lei n° 9.985/00 como “área
em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais
extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem como objetivo manter os
ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo
a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza”26. Nos termos do § 1°, será
constituída por terras públicas ou privadas, sendo, portanto, sua instituição compatível com o domínio
privado, não exigindo prévia desapropriação da área.
23 As APAs foram criadas pela Lei n° 6.902/81, arts. 8° e 9°, regulamentados pelo Decreto n° 99.274/90, e Resolução
CONAMA n° 10/88.
24 LEUZINGER (2002 e 2009).
25 LEUZINGER (2009).
26 Inicialmente, as ARIEs eram disciplinadas pelo Decreto 89.336, de 31 de janeiro de 1984, e pela Resolução CONAMA
12/89.
10
A ARIE constitui, na verdade, uma versão menor das APAs, em área pouco ocupada, mas que
admite utilização direta de recursos naturais. Por não exigir desapropriação, torna-se, assim como as
APAs, uma opção mais barata, para o Poder Público, de instituição de unidade de conservação, que
procura conciliar desenvolvimento econômico e proteção do ambiente natural. A possibilidade de
visitação segue a mesma lógica das APAs.
2.2.3 Reservas Particulares do Patrimônio Natural
A Reserva Particular do Patrimônio Natural, nos termos do art. 21 da Lei n° 9.985/00, “é uma
área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica”, sendo
permitidas apenas a pesquisa científica e a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais
(§ 2°, I e II). Podem ser criadas em áreas onde “sejam identificadas condições naturais primitivas,
recuperadas ou cujas características justifiquem ações de recuperação, pelo seu valor paisagístico ou
para preservação do ciclo biológico de espécies vegetais e animais”, seja qual for o ecossistema e a
dimensão da propriedade.
As RPPNs deveriam ter sido incluídas dentre as Unidades de Proteção Integral, eis que não é
possível o uso direto de recursos naturais, dispensando-se-lhes o mesmo tratamento conferido às Áreas
de Preservação Permanente, previstas pelo artigo 2º do Código Florestal. Entretanto, a sua localização
entre as unidades de uso sustentável deve-se ao veto oposto ao inciso que, originariamente, permitia a
utilização de recursos ambientais, com exceção dos madeireiros27.
Por constituírem áreas privadas de proteção, criadas a partir de pedido do proprietário, não
ensejam qualquer tipo de indenização por parte do Poder Público. Desse modo, a criação desse tipo de
UC é extremamente vantajosa para o Estado, uma vez que se alcança um alto grau de proteção do
ambiente natural sem que haja a necessidade de se efetuar gastos públicos. Por outro lado, há também
vantagens para o proprietário que institui a RPPN, além da proteção ao ambiente natural propriamente
dita, como, por exemplo: a isenção do pagamento do imposto territorial rural (ITR); a possibilidade de
solicitar recursos, através de parcerias com organizações ambientalistas, para o desenvolvimento de
projetos de pesquisa, proteção, educação ambiental e ecoturismo, que são as atividades permitidas nesta
espécie de UC; a faculdade de comercializar cotas de reserva florestal – CRF, para fins de
compensação de reserva legal, nos termos do art. 44-B do Código Florestal; além de possuir, o Fundo
Nacional de Meio Ambiente, uma linha de apoio específica para as RPPNs, que financia projetos a
serem desenvolvidos nessas áreas28. As atividades de ecoturismo, inclusive, vêm constituindo uma
fonte significativa de renda para os proprietários de RPPNs que investiram nessa espécie de atividade.
A RPPN do Vagafogo, localizada em Pirenópolis, Goiás, é um exemplo de exploração de turismo
ecológico que proporciona excelentes ganhos aos seus proprietários.
2.2.4 Florestas Nacionais
A floresta nacional somente pode ser criada em áreas públicas, por determinação expressa da
Lei n° 9.985/00, o que impõe a desapropriação se estiverem sendo instituídas em domínio privado.
Nos termos do art. 17 da Lei nº 9.985/00, “é uma área com cobertura florestal de espécies
predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos
27 O inciso III do art. 21 da Lei do SNUC, vetado pelo Presidente da República, permitia a utilização direta de recursos
naturais.
28 RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural. Publicação do IESB – Instituto de Estudos Sócio-ambientais do Sul
da Bahia.
11
florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para a exploração sustentável de florestas
nativas”29.
Deveriam as florestas nacionais ser criadas, tendo em vista as finalidades legalmente
estabelecidas, como grandes laboratórios geridos pelo Poder Público para o desenvolvimento de
métodos que permitam aos povos da floresta o uso sustentável dos recursos naturais, em que haja o
menor impacto possível, com um grau de aproveitamento econômico que lhes garanta uma boa
qualidade de vida. Mas, apesar do comando legal, as florestas nacionais vêm sendo instituídas como
florestas de produção, com o objetivo de concessão a particulares de sua exploração comercial para
extração de recursos madeireiros e não-madeireiros, sem a preocupação com o desenvolvimento
tecnológico a ser repassado às populações tradicionais. A situação tornou-se ainda mais grave com a
edição de Lei nº 11.284/2006, que dispõe sobre a gestão das florestas públicas para a produção
sustentável, em que é facultado ao Poder Público incluir, nos lotes destinados às concessões, áreas
compreendidas dentro dos limites de florestas nacionais. Permitiu esta Lei, igualmente, para a execução
de atividades subsidiárias, que o Poder Público, quando as explorar diretamente, firme convênios,
termos de parceria, contratos ou “instrumentos similares” com terceiros, desde que observados os
procedimentos licitatórios e demais exigências legais, pelo prazo de 120 meses, podendo ser utilizado o
critério de melhor técnica. Mais uma vez foi reafirmada a finalidade nitidamente utilitarista conferida
pela Lei de gestão de florestas públicas a esta categoria de manejo30.
Quanto às populações tradicionais residentes, o § 2º do art. 17 da Lei nº 9.985/00 admite sua
permanência, desde que já habitem o local quando da criação da UC.
2.2.5 Reservas Extrativistas
As reservas extrativistas foram previstas originalmente pelo art. 9°, VI, da Lei n° 6.938/81, na
redação que lhe foi emprestada pela Lei n° 7.804/89, tendo sua criação e gestão sido reguladas pelo
Decreto nº 98.897/90. Atualmente, são disciplinadas pelo art. 18 da Lei n° 9.985/00, que determina:
Art. 18 – A reserva extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja
subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de
animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e
assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
Nos termos do § 1° do art. 18, a RESEX é de domínio público, com o uso concedido, a partir da
assinatura de contratos de concessão de direito real de uso, às populações tradicionais extrativistas,
exigindo desapropriação das áreas particulares incluídas em seus limites.
O conceito de população tradicional fora originalmente previsto pela Lei do SNUC, mas
posteriormente vetado pelo Presidente da República, por considerá-lo excessivamente abrangente. Até
o momento, não foi expedido regulamento trazendo semelhante definição, que, por isso, deve ser
inferida a partir de outros dispositivos legais, conjugados a algumas características apontadas pela
doutrina como essenciais à identificação de determinado grupo como tradicional.
Concepção genuinamente brasileira, a reserva extrativista busca conciliar a proteção ambiental e
a sobrevivência física e cultural de populações extrativistas tradicionais (castanheiros, seringueiros,
pescadores artesanais, babaçueiros etc.), uma vez que, historicamente, por dependerem diretamente da
existência de um ambiente natural preservado, em geral agiram de forma a não o degradar, utilizando
os recursos florestais necessários à prática da atividade extrativista de forma sustentável, ou seja, sem
extingui-los31. Isso não significa, como aponta Drummond, que o extrativismo não introduza mudanças
na floresta, mas sim que essas mudanças normalmente ocorrem em grau bem menor do que aquelas
29 Foram previstas originalmente pelo art. 5° do Código Florestal, criadas com fins econômicos, técnicos ou sociais,
podendo ser exploradas em regime de manejo sustentável.
30 LEUZINGER (2009).
31 LEUZINGER (2002 a).
12
causadas por outras atividades, e, por essa razão, as florestas continuam a apresentar sistemas
ecológicos complexos, alta produtividade biológica e rica biodiversidade. Há, entretanto, exemplos de
formas de extração, ainda que de baixa tecnologia, que se mostraram destrutivas das bases de recursos,
como a sobrecoleta de ovos de quelônios32 ou a caça sistemática de detrminadas espécies, mas eles
constituem exceções, e não a regra. Sobre esse ponto, deve-se observar que até mesmo a visitação em
algumas categorias de unidades de conservação, como parques nacionais, pode gerar impacto maior do
que aquele produzido pelo uso direto de recursos naturais por uma população extrativista.
A instituição de reservas extrativistas e de reservas de desenvolvimento sustentável visa a
conferir efetividade, simultaneamente, a duas categorias de direitos fundamentais, o direito ao meio
ambiente equilibrado e os direitos culturais. Desse modo, em áreas ocupadas por populações
tradicionais, quando o ecossistema suportar as atividades realizadas pelo grupo, devem ser instituídas
Resex ou RDS, que comportam, inclusive, a visitação pública, constituindo, assim, uma opção à
instituição de parques nacionais.
2.2.6 Reservas de Desenvolvimento Sustentável
Inspirada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, localizada na Amazônia33,
a Lei n° 9.985/00 introduziu, em nível nacional, esta categoria de unidade de uso direto dos recursos
naturais. Ela se constitui em “área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se
em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e
adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da
natureza e na manutenção da diversidade biológica” (art. 20).
Na verdade, a RDS poderia englobar a RESEX, uma vez que, dentro do conceito de população
tradicional, que é mais amplo, está inserido o de população extrativista tradicional, uma espécie
daquela. Bastaria ter o legislador ordinário ampliado o conceito de reserva extrativista, para chegar ao
mesmo resultado prático. Entretanto, não há qualquer conseqüência danosa às populações tradicionais a
previsão de uma nova modalidade de unidade de conservação que tenha por escopo a preservação do
ambiente necessário à sua manutenção, a partir da aplicação de seus conhecimentos e modos de
produção, transmitidos de geração a geração. Dessa forma, enquanto as reservas extrativistas,
teoricamente, abrigam apenas grupos que vivem de atividade extrativista, a reserva de desenvolvimento
sustentável alberga populações tradicionais de um modo geral, que também dependem da utilização dos
recursos ambientais para sua subsistência e manutenção de sua cultura34.
O § 2° do art. 20, apesar de determinar ser a reserva de desenvolvimento sustentável de domínio
público, prevê desapropriação das áreas particulares incluídas em seus limites apenas “quando
necessário”. Tal dispositivo somente pode ser interpretado no sentido de que, pertencendo a
propriedade da área ao próprio grupo tradicional beneficiário ou a algum ou alguns de seus
componentes e tendo a mesma destinação do restante da reserva, não será necessária a desapropriação
porque o objetivo de proteção do ambiente e, concomitantemente, da sobrevivência da população
tradicional estará sendo atendido. Caso contrário, como o dispositivo em questão trata de área
particular que se encontre “dentro dos limites da reserva”, a desapropriação será obrigatória, pois não
poderá integrá-la propriedade privada que possua finalidade distinta da restante35.
32 DRUMMOND (1996). Ver também DRUMMOND (2002).
33 A Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá foi inicialmente criada pelo Governo do Amazonas, em 1990,
como estação ecológica, convertida, posteriormente, em Reserva de Desenvolvimento Sustentável, até então categoria
inexistente de unidade de conservação.
34 LEUZINGER (2002 a).
35 LEUZINGER (2002 a).
13
O nome, contudo, não é apropriado, pois induz à falsa perspectiva de que apenas nelas deve-se
buscar alcançar o desenvolvimento sustentável, quando, na verdade, toda e qualquer atividade
econômica deve visá-lo, conforme o mandamento constitucional. Por essa razão, no substitutivo do
Deputado Fernando Gabeira ao projeto de Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (nº
2892/92), a proposta era que se chamasse “reserva ecológico-cultural”, como sendo “área natural, que
abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos
recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais, e
que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade
biológica”. O nome reserva de desenvolvimento sustentável, no entanto, foi mantido, em função do
sucesso alcançado pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá e, posteriormente, pela
Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piranha36.
Apesar de ter sido incluída a reserva de desenvolvimento sustentável como categoria de manejo
integrante do SNUC, somente uma RDS federal havia sido criada até janeiro de 2007, a Reserva de
Desenvolvimento Sustentável de Itapuã-Baquiá, no Estado do Pará. A iniciativa, portanto, continua a
ser basicamente estadual.
2.2.7 Reservas de Fauna
A reserva de fauna “é uma área natural com populações animais e espécies nativas, terrestres ou
aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo
econômico sustentável de recursos faunísticos” (art. 19 da Lei n° 9.985/00). Conforme disciplina
imposta pelo § 1° do referido diploma, a reserva de fauna é de posse e domínio públicos, devendo ser
desapropriadas as áreas particulares incluídas em seus limites.
Assim como as florestas nacionais, as reservas de fauna devem servir como grandes
laboratórios para o desenvolvimento de técnicas economicamente viáveis e ecologicamente
sustentáveis para exploração dos recursos faunísticos. Contudo, seu plano de manejo deverá considerar
o disposto na Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5197/67), extremamente restritiva, o que diminuirá
bastante a viabilidade de exploração desses recursos37.
Quanto à possibilidade de permanência de população tradicional residente, muito embora a lei
seja silente a esse respeito, a partir da interpretação sistemática do texto, por se tratar de unidade de uso
sustentável bastante semelhante às florestas nacionais, pode lhe ser conferido o mesmo regime,
admitindo-se sua presença desde que já residente no local antes de sua instituição.
Quanto à visitação, tratando-se de unidade de uso sustentável, ela se afigura possível, desde que
compatível com o disposto no plano de manejo.
Nenhuma reserva de fauna, em nível federal, instituída até o momento.
3. USO PÚBLICO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Todas as categorias de manejo de unidades de conservação, com exceção das estações
ecológicas e das reservas biológicas, como visto no item anterior, são passíveis de visitação pública,
desde que observadas as regras contidas no plano de manejo e no plano de uso público. Além disso, se
a unidade de conservação estiver inserida em área privada, deverá haver anuência do proprietário, a
quem reverterão os valores auferidos com a cobrança de ingressos. Isso porque a exclusividade, assim
como a possibilidade de exploração econômica e de disposição, devem ser garantidas ao titular do
domínio e, quando afetadas, geram desapropriação indireta.
36 LEUZINGER (2009).
37 LEUZINGER (2009).
14
O uso público em unidades de conservação deveria ser sempre precedido de plano de manejo,
que inclui o adequado zoneamento da área, o plano de uso público e define os objetivos da UC.
Todavia, como o plano de manejo é um documento de difícil confecção, por ser muito caro e exigir
pesquisa detalhada da área, com inventário preciso, dentre outros, muitas vezes a visitação é permitida
sem que esse documento tenha sido elaborado, o que pode gerar conseqüências bastante graves para a
unidade.
De qualquer forma, haja ou não plano de manejo, tendo em vista que a visitação às UCs tem
aumentado muito nos últimos anos, em virtude da popularidade que o turismo ecológico vem
alcançando, há a necessidade de se conciliar uso público com preservação da biodiversidade e demais
recursos naturais encontrados nos espaços ambientais.
Isso não significa que se deva proibir a visitação nas unidades de conservação, pois, muito
embora ela gere impacto, também oferece diversas vantagens, como: educação ambiental, lazer em
contato com a natureza, geração de receitas para a UC, geração de renda para a população do entorno.
Os riscos, contudo, devem ser considerados, e abarcam a destruição da vegetação, a erosão nas trilhas,
o lixo deixado pelos visitantes, além de ameaças como danos que afetam a evolução dos ecossistemas,
alteram o comportamento da fauna e/ou induzem a sua migração38.
O pisoteio nas trilhas, como adverte Takahashi, mesmo quando produz baixo impacto, reduz a
vegetação rasteira, a biomassa e pode alterar a composição da flora mediante a eliminação de espécies
frágeis. Em altos níveis, pode acarretar alteração na composição ou mesmo perda completa da
vegetação forrageira, extinção de espécies, compactação do solo, alargamento da trilha e diminuição da
taxa de infiltração39.
Por isso o planejamento é essencial, pois ele pode diminuir significativamente os efeitos
negativos da visitação. Esse planejamento deve considerar, necessariamente, a sustentabilidade das
trilhas, a determinação da capacidade de carga da área, o limite aceitável de câmbio e conjugar métodos
de planejamento de recreação como o manejo baseado na experiência e o espectro de oportunidades de
recreação. Daí a importância da elaboração do plano de manejo antes de ser facultada a visitação, pois
todos esses fatores serão considerados pelo documento, que formaliza o planejamento para a UC.
3.1. Trilhas
As trilhas, como indica Lechner (2006), são os primeiros elementos de infraestrutura
desenvolvidos quando uma nova unidade de conservação é criada, mesmo antes de um planejamento
formal, e não raras vezes já existiam quando da instituição da UC. Em virtude da falta de planejamento,
em muitos casos a abertura de trilhas resulta em impactos significativos ao ambiente natural,
aumentando os custos de manutenção da unidade40.
A sustentabilidade das trilhas é mais facilmente alcançada mediante uma abordagem integrada
de seu manejo, a partir dos objetivos traçados para a UC, considerando-se o planejamento, a
construção, a manutenção, o monitoramento e a avaliação. O planejamento, por sua vez, deve observar
não apenas os objetivos da unidade, mas também os aspectos sociais e biofísicos da área, as
oportunidades e restrições, as características dos usuários e a análise de sítio41.
Os aspectos sociais dizem respeito aos padrões sociais de uso, principalmente quando já havia
uso anterior da área, de modo a identificar as oportunidades (comunicação, transporte, lazer,
fiscalização etc) e os riscos, como aqueles relativos a atividades ilegais (caça, corte de madeira etc). O
38 TAKAHASHI (2004).
39 TAKAHASHI (2004).
40 LECHNER (2006).
41 LECHNER (2006).
15
contexto biofísico abrange a biota e demais componentes físicos (elementos abióticos, como, por
exemplo, solo e água)42.
As oportunidades e restrições devem ser identificadas para maximizar as oportunidades para os
usuários e, ao mesmo tempo, aumentar as possibilidades de preservação dos elementos naturais. As
oportunidades, como aponta Lechner, incluem elementos como paisagem, oportunidades culturais e
educacionais, acesso a áreas para caminhadas e acampamentos, apoio a atividades de manejo, dentre
muitas outras. As restrições podem derivar do zoneamento, de questões relativas à segurança, da
presença de espécies raras ou ameaçadas, da fragilidade do ecossistema etc43.
Os usuários das trilhas, atuais e futuros, também devem ser, na medida do possível,
identificados, pois o design do caminho, sua extensão, calçamento, aspectos de segurança e dificuldade
devem ser planejados de acordo com o tipo de visitante esperado44.
A análise de sítio, por sua vez, constitui um exame de viabilidade da área que irá receber
qualquer item de infraestrutura, em que são identificadas as limitações e as oportunidades apresentadas.
3.2. Determinação da Capacidade de Carga e Limite Aceitável de Câmbio
Alguns métodos para minimizar o impacto causado pelo uso público em UCs são a
identificação da capacidade de carga e o limite aceitável de câmbio (LAC).
Takahashi define capacidade de carga como o nível máximo de uso que uma área pode suportar,
considerando-se os fatores do ambiente. Em outras palavras, deve-se determinar quantas pessoas
poderão usar a área sem causar danos45. Isso porque cada ecossistema suporta uma determinada
quantidade de impacto e, ultrapassado esse imite, ocorrerá sua disruptura. Muito embora não se
pretenda, em uma UC, em especial de proteção integral, chegar ao limite de impacto suportado pelo
ecossistema, esse patamar deve ser conhecido, para que se tenha segurança quanto às atividades
permitidas nas área.
O limite aceitável de câmbio diz respeito ao quanto de mudança pode ser tolerado nas diferentes
zonas da unidade de conservação, tendo em vista as condições desejadas. Como esse processo é
dinâmico, ele necessita de monitoramento e acompanhamento contínuos46. Dependendo das atividades
que serão praticadas dentro da UC, haverá maior ou menor alteração do ambiente natural, seja em razão
do impacto causado pela própria atividade, seja em função dos itens de infraestrutura que serão
necessários. Um bom planejamento apontará os melhores locais para instalação de banheiros, abertura
de trilhas, construção de pontes, de centro de visitantes e de alojamentos, dentre outros.
3.3. Manejo Baseado na Experiência e Espectro de Oportunidades de Recreação
O planejamento do uso público em unidades de conservação também deve conjugar métodos de
planejamento de recreação, como o manejo baseado na experiência (MBE) e o espectro de
oportunidades de recreação (EOR).
O MBE determina que o planejamento das trilhas deve possibilitar que os potenciais usuários
tenham suas expectativas atendidas, na medida em que existe uma grande diversidade de interesses
entre as pessoas que visitam as UCs, e um bom design dos caminhos depende do conhecimento de
quem irá utilizá-las e de suas expectativas47.
42 LECHNER (2006).
43 LECHNER (2006).
44 LECHNER (2006).
45 TAKAHASHI (2004).
46 TAKAHASHI (2004).
47 LECHNER (2006).
16
Um visitante que está acostumado e gosta de trilhas difíceis, sem itens de segurança, não tem as
mesmas expectativas daquele que apenas eventualmente visita unidades de conservação e não está
familiarizado com caminhadas pesadas. Desse modo, sempre que possível, as diferentes pretensões
devem ser consideradas e atendidas. Se um parque nacional, por exemplo, recebe visitantes que
praticam trekking e outros que apenas querem apreciar a paisagem, sem grande esforço, deve haver
trilhas difíceis, inclusive travessias que demandem mais de um dia de caminhada e pernoite em
acampamentos, e passeios de carro, em que o visitante possa conhecer alguns atrativos sem que precise
andar. Pequenas trilhas, com degraus, corrimão e outros itens de segurança também são boas
alternativas para aqueles que não estão acostumados a caminhar muito. Isso é importante porque quem
gosta de caminhadas pesadas não irá visitar um parque nacional que conte apenas com trilhas muito
leves e, ao contrário, quem não tem preparo físico não poderá conhecer os atrativos de um parque que
não tenha caminhadas curtas e seguras.
O EOR, segundo Lechner, tem uma abordagem um pouco mais ampla, fundamentada no MBE,
e propõe que as experiências de recreação e os benefícios dela derivados aconteçam dentro de um
conjunto de eventos que podem ser vistos a partir de um gradiente, que vai desde o primitivo até o
urbano, passando pelo semiprimitivo, natural e rural. Para quem planeja as trilhas, isso significa que
seus elementos, design, instalações e características sociais podem ser relacionados com o tipo de
satisfação que o visitante procura ter, atendendo-se, de forma mais flexível, às necessidades de
diferentes usuários, oferecendo-lhes distintas oportunidades de recreação48.
CONCLUSÃO
Muito embora a visitação a unidades de conservação em geral cause impacto, ela é admitida
pela Lei do SNUC na grande maioria das categorias de manejo, excetuando-se apenas as estações
ecológicas e as reservas biológicas. Isso porque a visitação, além de possibilitar a disseminação de
educação ambiental e lazer em contato com a natureza, também pode gerar renda para a UC e para a
população local, por meio, respectivamente, da cobrança de ingressos e da exploração de serviços
ligados ao turismo. Todavia, como o principal objetivo de qualquer UC é a proteção do ambiente
natural, com especial destaque para os recursos da biodiversidade, a visitação deve estar prevista no
plano de manejo da unidade, que abarca o plano de uso público, e ser realizada de acordo com as
restrições nele impostas.
Tratando-se de área sob domínio privado, além de admitida no plano de manejo, a abertura da
unidade para a visitação deve partir de iniciativa do proprietário, sob pena de excluir-se a
exclusividade, acarretando desapropriação indireta.
Como a visitação às UCs se intensificou nos últimos anos, em virtude da popularidade que o
turismo ecológico vem alcançando, tornou-se indispensável conciliar uso público com preservação da
biodiversidade e demais recursos naturais encontrados nos espaços ambientais. Por isso, o
planejamento é fundamental, pois os riscos que a visitação acarreta devem ser minimizados, devendo
ser considerado, no plano de uso público, necessariamente, a sustentabilidade das trilhas, o que envolve
a determinação da capacidade de carga da área e o limite aceitável de câmbio. Métodos de
planejamento de recreação como o manejo baseado na experiência e o espectro de oportunidades de
recreação devem ser conjugados e aplicados para que as expectativas de diferentes tipos de visitantes
sejam plenamente atendidas e, ao mesmo tempo, o ambiente natural seja resguardado.
48 LECHNER (2006).
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