nho geral foi sujeito a uma regra modula

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Susana Matos ABREU
Uma observação mais atenta das suas principais linhas compositivas revela que o desenho geral foi sujeito a uma regra modular estimada numa medida-padrão de seis braças e
meia [Fig. 2]. Esta grelha realça um cuidado extremo na marcação dos edifícios no terreno.
Além disso, mostra um entendimento perfeito da noção de módulo, sendo este notável
para a época especialmente em contexto “urbanístico” como é o caso, um exercício de
diálogo entre vários edifícios5.
Mas não só; as medidas dos seus lados maior e menor estabelecem entre si a razão de
7:2, o que surpreendentemente revela que a concepção, no seu todo, obedece a uma das
relações métricas de maior significado no Renascimento: a do alçado da figura humana,
tal como certas pesquisas em torno do cânone humano aparecem em estudos antropométricos do Quattrocento. Este facto estabelece um paralelo claro entre a largura e o comprimento do rectângulo que define os edifícios monásticos no terreno e aquele virtual do
alçado do corpo de homem canonicamente definido, que resulta de uma razão numérica
precisa entre as suas principais dimensões. Conforme apurámos no mencionado trabalho
anterior, esta razão de 7:2 corresponde àquela de um dos esquemas antropométricos do
italiano Francesco di Giorgio Martini, tal como se vê desenhado no seu Architettura civile
e militare, terminado c. 1492. Na sua legenda, o autor especifica que o mesmo servia como
esquema de proporcionamento de um templo de planta longitudinal6.
A sobreposição exacta deste desenho à traça geral de implantação do mosteiro revela
que o mesmo terá ajudado a esboçar uma fórmula experimental de tipo monástico numa
receita plena de simbolismo7. Implantada no terreno com as proporções de um corpo
humano, esta construção evocaria a imagem do Corpo Místico de Cristo criada por S.
Paulo na sua Epístola aos Romanos como se fosse uma curiosa glosa arquitectónica deste
texto, aqui de ressonâncias agostinianas. A sua oportunidade aninhava-se na linha
espiritual e governativa da reforma monástica dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho,
então em curso sob o dirigismo forte da reforma de Fr. Brás, de marcado cunho cristocêntrico. Nesta construção, a que o seu fundador chamou o “Rey dos moesteyros”8 por
excelência das suas qualidades físicas, tal facto significaria a aplicação desta imagem
segundo uma organização topológica das várias quadras monásticas em identidade com
um corpo vivo: a Igreja (símbolo da Fé, que aqui se confunde com a Razão) representa-se
pela implantação do edifício que lhe é concorde, em lugar eminente face às outras quadras e governando este corpo monástico à sua cabeça; nos dois longos braços do edifício
estendidos a Norte e a Sul e onde funcionavam oficinas e dormitórios, marcam-se as
dependências habitacionais dos verdadeiros membros vivos deste corpo místico; o claus-
5
Sobre a ideia de uma leitura urbanística da organização da cerca monástica, vd. ABREU, Susana Matos – Uma
Civitas Dei em Quebrantões ou a Cerca do Mosteiro da Serra do Pilar. Monumentos. nº 9, (Setembro 1998) pp.
10-15. Para maiores desenvolvimentos sobre as apreciações feitas no presente trabalho sobre o desenho
projectual, vd. ABREU – Op. Cit., pp. 52-53.
6 MARTINI, Francesco di Giorgio –Architettura civile e militare, fl. 42v., tav. 236 (Biblioteca Nazionale de
Firenze, Codice Magliabechiano II.I.141), c. 1492. Vd. Tratatti di architettura ingegneria e arte militare, vol. II, fl.
42v., tav. 236. Milano: Edizioni Il Polifilo, 1967. Sobre este tratado vd. a “Introdução” da mesma obra, de
Maltese Conrado, e ainda ARNAO AMO, Joaquin – La Teoria de la Arquitectura en los Tratados, vol. III. Madrid:
Tebas Flores, 1988.
7 O assunto é desenvolvido em ABREU, S. – A Docta Pietas…, pp. 54-80.
8 Carta de Fr. Brás a D. João III (5 Nov. 1541) in VITERBO, Sousa – Diccionário Histórico e Documental dos
Arquitectos, Engenheiros, e Construtores Portugueses, vol. I, p. 177. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
1988.
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