drogas no trabalho - AVM Faculdade Integrada

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DROGAS NO TRABALHO
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“De perto, talvez ninguém seja normal”.
Por outro lado, de perto, de muito perto, talvez o diabo não
seja tão feio quanto se pinta.
“O difícil é olhar de perto; afinal a exclusão esconde o
insuportável”.
Antes de identificarmos um usuário, ou a droga que
ele possa estar usando, seria fundamental entendermos o
ser humano, como ele pensa, o que ele sente, o que
deseja, o que o preocupa... Sem julgamentos precipitados,
sem preconceitos, sem medo. Tarefa fácil? Não.
Missão impossível? Também, não. Precisamos ter apenas
a consciência de que ao olhar para o outro, estaremos
olhando para nós mesmos, para aquilo que mais
intimamente, dentro de nós, procuramos evitar um contato.
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SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04
RESUMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06
CAPITULO I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
1. O Surgimento do Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
1.2 O Trabalho na atual conjuntura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.3 O Trabalho como Sofrimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
CAPITULO II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2. A questão das drogas dentro das organizações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.1 – Fatores de risco e fatores de proteção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
CAPITULO III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3. Prevenção e Programas de enfrentamento dentro das empresas . . . . . . . 25
3.1 - Ações de prevenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
ANEXOS I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
ANEXOS II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
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AGRADECIMENTOS
Acima de tudo a Deus que me deu a oportunidade de iniciar e concluir este
curso concedendo ânimo para prosseguir nos momentos difíceis.
Ao meu esposo pela compreensão nos momentos de ausência e sempre
torcendo por esta conquista.
Aos meus pais, pelo apoio, incentivo e imenso carinho no decorrer da
caminhada.
Aos que passaram aos que ficaram. Enfim a todos aqueles que fazem parte
da minha história eu agradeço de coração.
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RESUMO
Esta monografia aborda a relação do indevido de álcool e outras drogas no
ambiente de trabalho. Este, tem um papel fundamental na vida das pessoas, pois
contribui para a formação de sua identidade e permite que os indivíduos
participem da vida social como elemento essencial para a saúde. Porém este
mesmo trabalho pode ser um fator de risco, gerador de sofrimento e até
desencadeante para o uso drogas. Trazendo assim conseqüências tanto para a
vida laborativa como para as organizações.
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INTRODUÇÃO
O trabalho tem um papel fundamental para os indivíduos no mundo, pois
contribui para a formação de sua identidade e permite que os indivíduos
participem da vida social como elemento essencial para a saúde.
Porém este mesmo trabalho, no mundo capitalista atual, tende a ser
gerador de sofrimento. Alguns fatores tais como competitividade, condições de
trabalho, estresse, sobrecarga, ou excesso de ócio, pressão do tempo, etc, podem
ser considerados como fatores propiciadores ou desencadeadores do sofrimento
no trabalho. E para responder este sofrimento, o consumo indevido de álcool e
outras drogas é utilizado como estratégia para o enfrentamento destas situações
insensibilizando contra o que faz sofrer.
Droga ou substancias psicoativas são aquelas que modificam o estado de
consciência do usuário, ou seja, são substancias que interferem no sistema
nervoso central provocando alterações e distúrbios no comportamento.
O consumo de substâncias psicoativas existe desde os primórdios da
história do homem, em praticamente todas as culturas conhecidas. Muitas vezes
por curiosidade, desejo de transcendência, em busca da imortalidade, do prazer,
da sabedoria, são motivos que aparecem, desde sempre, associados ao desejo
por alguma droga.
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Ao longo da história da humanidade o uso de drogas insere-se em vários
contextos. Desde o místico associado a rituais e a busca da transcendência até o
econômico, do qual a Guerra do Ópio e a economia paralela na Colômbia são
alguns dos exemplos. Praticamente todas as pessoas fazem uso de algum tipo de
droga. Medicamentos, álcool e tabaco são drogas legalmente comercializadas.
Cada cultura determina quais drogas devem ser consideradas legais e ilegais. Isto
demonstra que está mais relacionada a aspectos antropológicos e econômicos do
que morais ou éticos ou mesmo aos efeitos ou características farmacológicas das
substancias em questão.
O uso de drogas pode gerar confusões que tende a configurar dois
extremos a serem discutidos: a idéia de que o uso de drogas é uma liberdade
individual e, portanto, não permitiria qualquer intervenção. E o outro extremo
estaria representado pelo imperativo de livrar as pessoas do “mal” de qualquer
forma. A superação desta confusão de posições extremadas está na possibilidade
de exercer uma mediação.
Vale ressaltar a necessidade de manter a distância do cunho moral, onde
se diz o que é melhor para todos. Da mesma forma, se faz necessário o
direcionamento a uma profunda reflexão sobre quais as escolhas do indivíduo e
que as conseqüências que terão em sua vida. É certo que uma posição que se
ancore nesse princípio tem suas dificuldades, pois trata-se de flexibilizar posições
e de reafirmar que, no trabalho, o uso de drogas não é possível, que traz prejuízos
tanto para a empresa quanto para o trabalhador. Faz-se necessário que os limites
sejam recolocados dando ao indivíduo a possibilidade de escolher o que fazer.
Neste trabalho abordaremos que a questão do uso de drogas no trabalho
pois, possui uma relevância social significativa, já que produz notórios efeitos
econômicos, de produtividade, além de afetar a qualidade de vida no trabalho
constituindo-se também um grave problema de saúde pública.
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E no capitulo I iniciaremos realizando uma discussão sobre o surgimento do
trabalho e as transformações até os dias atuais. Como este trabalho pode ser um
fator desencadeante para o sofrimento humano.
No capitulo II falaremos sobre a questão das drogas dento das
organizações, ou seja, os motivos pelos quais podem levar o trabalhador a fazer
uso indevido de álcool e outras drogas no ambiente de trabalho e tentar
compreender o que vem a ser os fatores de risco e proteção, para o uso dessas
substâncias.
Já no capitulo III abordaremos a questão da prevenção, pois a empresa que
investe na prevenção e no tratamento das pessoas que estão envolvidas com esta
problemática tende a melhorar seus índices de produtividade e conseqüentemente
a qualidade de vida tanto do trabalhador quanto da empresa.
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CAPITULO I
1. O Surgimento do Trabalho
Desde os primórdios dos tempos o trabalho é uma atividade inerente ao ser
humano. O trabalho não existe fora do ser social. O que significa, que só há
trabalho enquanto parte do processo de reprodução da sociedade. Ou seja, é a
função social que faz um ato ser, ou não, trabalho.
O processo de trabalho vem sofrendo sucessivas mudanças ao longo do
tempo. Podemos visualizar através da história o surgimento de diferentes formas
de trabalho começando com as atividades de coleta e caça das sociedades
primitivas, a distintas forma de trabalho na sociedade escravista, as atividades de
trabalho agrícola que produzia somente o que era necessário para o seu próprio
consumo, ou seja, para suprir suas necessidades básicas. E chegando à produção
de trabalhos artesanais que eram confeccionados manualmente e vendidos em
escala menor. O trabalhador era livre para organizar suas tarefas e era
responsável pelo produto final, prescindindo de estruturas hierarquizadas de
comando. O trabalho era parte de sua vida, não havia sua separação de cultura e
diversão, pois consistia em autodesenvolvimento do indivíduo.
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Com o advento do capitalismo o fundamento da riqueza deixou
paulatinamente de ser a terra, e a economia de mercado começou a estruturar-se
com base no trabalho artesanal.
Com a expansão das cidades, milhares de pessoas abandonaram a vida do
campo, e vieram para as cidades urbanas em busca de melhores condições de
vidas. As trocas comercias entre diversas regiões estimularam as transformações
no mundo do trabalho, surgindo assim o trabalho assalariado e uma incipiente
divisão técnica das atividades. Os homens foram transformados em trabalhadores,
livres para vender sua força de trabalho. A partir deste momento o trabalho passou
a ser a atividade social mais valorizada e com a divisão social do trabalho
determinou-se quem manda e quem obedece.
Esta importância e exaltação conferidas ao trabalho na sociedade ocidental
a partir da implantação e consolidação do sistema capitalista concedem ao papel
de trabalhador lugar de destaque entre os papéis sociais representativos do eu, ou
seja, da condição humana.
Segundo Marilda Iamamoto:
“... o trabalho é uma atividade fundamental na
vida do homem, pois mediatiza a satisfação de suas
necessidades diante da natureza e de outros
homens. Pelo trabalho o homem se afirma como um
ser social e, portanto, distinto da natureza.
O trabalho é uma atividade própria do ser humano, e se apresenta de forma
material, intelectual ou artística. É por meio do trabalho que o homem se afirma
como um ser e pode dar respostas práticas e conscientes aos seus carecimentos
e às suas necessidades.
Também é um fator distintivo da atividade humana, pois o homem é o único
ser que,
11
“... ao realizar o trabalho, é capaz de projetar,
antecipadamente na sua mente o resultado a ser
obtido. Em outros termos, no trabalho tem-se uma
antecipação e projeção de resultados”.
(Iamamoto:1998)
O homem é o único ser que é capaz de criar meios e instrumentos de
trabalho, garantindo assim uma atividade exclusivamente humana. É através do
trabalho que as necessidades humanas são satisfeitas, ao mesmo tempo em que
este mesmo trabalho cria outras necessidades.
A autora afirma ainda que é “... por meio do trabalho que o homem se
afirma como ser criador, não só como individuo pensante, mas como indivíduo que
age consciente e racionalmente. E sendo o trabalho uma atividade práticoconcreta e não só espiritual, opera mudanças tanto na matéria ou no objeto a ser
transformado, quanto no sujeito, na subjetividade dos indivíduos, pois permite
descobrir novas capacidades e qualidades humanas”. (Iamamoto:1998)
Assim, podemos definir categoria trabalho como um elemento constitutivo
do ser social, que o distingue como tal e, portanto, ocupa uma centralidade na vida
dos homens.
1.2 O Trabalho na atual conjuntura
No início do século XX, surgiu nos países capitalistas ocidentais, uma teoria
voltada para a eficiência e controle da produção do trabalhador. Este modelo
organizacional perdurou até a década de 70, quando o mercado de trabalho
apresentou mudanças significativas com o aumento da competição, queda nos
lucros da empresa, mão-de-obra excedente gerando desemprego, principalmente
devido a implantação de novas tecnologias no setor industrial.
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A estas mudanças podemos denominar de globalização que teve inicio com
o processo de internacionalização do capital, que trouxe várias transformações
para o mundo do trabalho. Podemos citar como grande exemplo o grande avanço
tecnológico
e
a
transição
do
fordismo
ao
toyotismo
que
diminuíram
consideravelmente a importância da matéria-prima, e da mão-de-obra direta que
cada vez mais vem sendo substituída pela automação e a robótica o que provoca
grande crescimento do desemprego e também o agravamento do desemprego
estrutural.
Com
tudo
isso
surge
um
grande
contingente
de
trabalhadores
desempregados separados dos meios de produção, como resultado da
generalização das relações capitalistas de produção, bem como a simultânea
existência de pobreza acentuada dos países em desenvolvimento que força o
desempregado a trabalhar virtualmente a qualquer preço, isto é, por qualquer
salário. A força de trabalho desempregada constitui um exército industrial de
reserva que pode ser mobilizado a qualquer momento permitindo assim, a
superexploração desta força de trabalho. O resultado disso pode ser verificado em
todo o mundo, milhões de pessoas ocupando trabalhos precários, incluindo
trabalhadores sem qualquer remuneração.
A precarização do trabalho através da chamada flexibilização do trabalho modo de maximizar os lucros com diminuição de custos trabalhistas, escapando
da pressão sindical e ampliando ainda mais a autonomia nas práticas de demissão
fazem parte modo atual de regulação econômica, o ideário neoliberal. Essa
precarização do trabalho também se manifesta através da terceirização e sob a
lógica: “Se você não quer trabalhar, tem gente esperando o seu lugar!”.
Diante disso os trabalhadores estão vivenciando uma cultura organizacional
de competitividade acirrada, ampliação das funções, pressão por produtividade,
dedicação extrema ao trabalho etc. Essas formas de gerenciamento estão sendo
executadas sob forte pressão, representada pelo alto volume de trabalho, pelo
cumprimento de prazos rígidos, obrigando os trabalhadores a exercerem tarefas
em ritmo acelerado, eliminando pausas, especialmente nos chamados períodos de
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“pique”, levando os trabalhadores a uma enorme intensificação do trabalho para
garantir o emprego.
Porém, o que deveria ser uma fonte de prazer e realização, passou a
representar um fardo pesado, uma obrigação dolorosa e, muitas vezes, não
compreendida. O verbo trabalhar origina-se do latim tripiliare, que é derivado de
tripalium, um instrumento de tortura formado por três hastes. Deste modo, o
trabalho está associado à dor, sofrimento, esforço doloroso. Mesmo o esforço
intelectual é ligado à conotação de sofrimento e pena. Mas, ainda assim o trabalho
conserva um lugar importante na sociedade.
Tendo em vista que, a divisão do trabalho no sistema Taylorista
compromete as possibilidades de realização pessoal diante da atividade laboral e
diminui a escolha e a livre estruturação da tarefa. A organização do trabalho cada
vez mais autoritária, rígida e parcelizante despersonaliza o trabalhador e abole da
atividade de trabalho a identidade, o que impossibilita uma manifestação mais
autêntica da subjetividade, destituindo o trabalho de significado pessoal.
1.3 O Trabalho como Sofrimento
A atual organização do trabalho impõe ao indivíduo condições de realização
das suas tarefas cotidianas, algumas que não se apresentam ergonomicamente
adequadas, e ainda, a instabilidade gerada pela escassez de oferta de emprego
em que acarreta competitividade, aceleração na realização das atividades, a
busca
constante
de
alta
produtividade,
lucratividade,
bom
desempenho
empresarial, como foi citado anteriormente, tudo isso, possibilita um clima tenso
que acentua o acirramento das relações interpessoais, de concorrência dentro e
fora da organização gerando no trabalhador um sofrimento psíquico.
O sofrimento psíquico do profissional é percebido com uma certa clareza,
quando o trabalho deixa de ser motivo de prazer, bem estar, satisfação, de sentir-
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se útil, passando a ser lugar de dor, sofrimento e cansaço, além de um fator de
risco para o uso e abuso de álcool e outras drogas.
Quando o trabalhador ao relatar seu trabalho, e expor que não é valorizado,
que trabalha de forma mecânica e sente o desgaste tanto físico como emocional,
acaba provocando sensações de medo, angústias etc. O homem no seu trabalho
ao se perceber impossibilitado de empreender modificações e alterações na
atividade que realiza, e não consegue torná-lo adequado às suas necessidades
fisiológicas e a seus desejos psicológicos, este se torna completamente alheio a
quem o executa.
O homem diminuiu a sua liberdade de criação e de realização diante do
trabalho que exerce. A imposição existente sobre o homem, construída pelas
relações de trabalho, imprimem no sujeito marcas indeléveis, as quais vão
repercutir no seu funcionamento físico e psíquico.
Essas condições de trabalho inadequadas, a baixa remuneração,
prejudicam o bem-estar e a satisfação no ambiente de trabalho. Os indivíduos,
quando diante de uma situação de angústia e insatisfação decorrente de seu
trabalho, elaboram estratégias de defesa que acabam por tornar o sofrimento um
aspecto velado.
Então o sofrimento disfarçado encontrará como meio de aparecer em um
sintoma, a qual às vezes apresenta-se com uma certa estrutura própria a cada
profissão ou ambiente de trabalho. Isso porque, a vida psíquica perpassa pelo
funcionamento de todo sistema corporal integrando-o, desta forma manifestam-se
as doenças psicossomáticas, ou formas de escape e atitudes para amenizá-lo
como, por exemplo, o uso de drogas.
O sofrimento que é vivenciado, mas não reconhecido, traz mais prejuízos
para o sujeito, pois a função dos mecanismos de defesa é aliviar o sofrimento e
isto finda em não permitir sua visibilidade tornado-o mais difícil de ser solucionado.
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O sofrimento psíquico surge no contexto do trabalho de forma bastante sutil.
Muitos trabalhadores desconhecem ou então nunca associam este tipo de
sofrimento ao trabalho, apesar da clara evidência diagnosticada por meio de suas
próprias falas características, comportamentos e sintomas por eles apresentados
no cotidiano laboral.
O papel do sofrimento é inerente à existência humana e como afirma
Dejours (1993) podemos identificar dois modelos de reação individual diante do
sofrimento psíquico do trabalho: o sofrimento produtivo e o sofrimento patológico.
O sofrimento patológico tende a ocorrer, por exemplo, em organizações em que
há alto grau de formalização e normatização do trabalho. Como nessas empresas
se reduz o espaço para criar, gera-se um conflito psicológico para os membros da
empresa com graves conseqüências.
Existem características organizacionais que propiciam maior ou menor grau
de sofrimento psíquico patológico ao indivíduo. Nas organizações em que esse
sofrimento é intenso ou constante, pelo elevado grau de solicitação a que as
estruturas psíquicas de defesa à angustia e ao sofrimento são submetidas, pode
haver tendência a maior incidência de casos de uso de drogas.
O consumo de drogas pode assumir um caráter reativo ao ambiente de
pressão e normatização do trabalho. As pessoas com características de
personalidade de menor resistência à angustia e menor capacidade de adaptação
ao sofrimento podem reagir a esses desafios à sua estrutura psíquica por meio da
anestesia de suas reações interiores. Dito de outra forma, como se percebem
incapazes tanto de lidar com as causas reais de seus problemas (as
características das empresas) quanto de suportar os efeitos dolorosos em sua
psique, os trabalhadores com estados de ansiedade e depressão optam protegerse do sofrimento pelo uso de drogas, que discutiremos a seguir.
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CAPITULO II
“De perto, talvez ninguém seja normal”.
Por outro lado, de perto, de muito perto, talvez
o diabo não seja tão feio quanto se pinta.
“O difícil é olhar de perto; afinal a exclusão
esconde o insuportável”.
2. A questão das drogas dentro das organizações
O problema das drogas permeia todo o tecido social. Logo, não há como se
negar que ele também esteja presente e se manifeste dentro das empresas.
Diversos estudos têm demonstrado que este fenômeno é um problema
multidimensional, já que não basta limitar apenas na relação existente entre uma
pessoa e uma substância, mas sim considerar a interação que ambos efetuam
num determinado contexto, ou seja, os valores, as crenças, as relações sociais,
econômicas e políticas, incluindo-se também o trabalho.
Os ritmos e as complexidades que o trabalho alcançou neste mundo
moderno por si só constituem um fator de alto risco quanto ao uso de substancias
psicoativas. Na atual conjuntura, a velocidade das mudanças, a lógica da
fragmentação e da descontinuidade, as incertezas criam condições favorecedoras
para o suposto mundo irreal de bem estar, de tranqüilidade ou de poder que
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oferecem as drogas socialmente aceitas, como o álcool, os tranqüilizantes e o
tabaco, o que torna o fator mais nocivo e perigoso para a saúde, ao qual a
sociedade moderna deve enfrentar.
Percebe-se que as concepções dadas sobre o significado e os modos de
organizar o trabalho se agregam, em particular, às ações inovadoras ou não,
instituídas em algum momento da trajetória da sociedade. As muitas formas de
“olhar” esse fenômeno têm a ver, também, com os recortes de análise, os valores
culturais, éticos, familiares e mesmo com as concepções de trabalho.
Existe uma onipresença do trabalho humano em todas as expressões da
vida social, situando o trabalhador numa hierarquia de valores com prestígios
diferenciados e remetendo-o a diferentes possibilidades de consumo, felicidade e
morte. Hoje o trabalhador não atua somente para viver, mas também para
satisfazer um conjunto de necessidades que correspondem ao nível de vida que a
sociedade veicula e ainda para atender os interesses da acumulação no contexto
capitalista.
A questão do consumo de drogas no trabalho tem gerado muitas
conseqüências sobre a empresa, e também sobre os trabalhadores e as suas
famílias. No que se refere aos trabalhadores, o abuso de substâncias pode causar
problemas de saúde, deterioração das relações pessoais, perda de emprego e
problemas familiares, legais e financeiros. Ao nível das empresas, o abuso de
substâncias tem sido associado a acidentes, absentismo e perda de produtividade.
Com o objetivo de compreender como se dá a relação entre o trabalho e o
uso abusivo de álcool e outras drogas e considerando que a dependência não se
constitui como uma doença de causa orgânica, mas como um fenômeno em que
se observa aspectos biopsicossociais do sujeito, ou seja possui natureza
biológica, psicológica e social.
Neste capitulo enfatizaremos os aspectos psicossociais e profissionais que
estão ligados ao consumo de álcool e outras drogas, assim como os motivos que
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podem levar o trabalhador a fazer uso abusivo e compulsivo de drogas no
ambiente de trabalho e tentar compreender o que vem a ser os fatores de risco e
proteção, para o uso dessas substâncias.
O uso de drogas verificado nos últimos anos e suas conseqüências na vida
não só dos trabalhadores, mas das pessoas em geral tem sido considerado hoje
um problema de saúde pública.
Primeiramente, em relação ao abuso de drogas podemos definir como a
pessoa que excede na quantidade de bebidas ou de drogas lícitas ou ilícitas
utilizadas diariamente, habitualmente ou faz uso regular de medicamentos,
inclusive no local de trabalho, consumo sistemático de quantidades que levam a
prejuízos físicos e mentais existindo perda de autocontrole e alterando a qualidade
da própria vida do usuário, da família, dos colegas e amigos.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), droga é qualquer
substância que, introduzida no organismo, interfere no seu funcionamento.
Conseqüentemente, tanto é droga a maconha quanto a aspirina e o antibiótico;
tanto o álcool quanto a cocaína; tanto o cigarro quanto LSD; tanto o cafezinho
quanto o lança perfume. O que varia é como atua no organismo de cada indivíduo,
bem como a finalidade, pois, quando a droga é empregada com finalidade
terapêutica, ela passa a denominar-se medicamento, porém quando é
administrada de forma indevida e com outros fins pode trazer muitos prejuízos.
Segundo Figueiredo (1997) podemos observar
...“através da história da humanidade que desde o
surgimento do trabalho assalariado encontram-se
diversos exemplos onde a relação drogas-trabalho
tem sido utilizada, fomentada, encoberta, tolerada
e castigada” (FIGUEIREDO, 1997).
Exemplo disso foi na Inglaterra, durante a chamada Revolução Industrial onde se
tolerava o consumo de bebidas alcoólicas por parte dos trabalhadores das
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manufaturas com o objetivo de que resistissem mais tempo no desempenho de
suas atividades na linha de produção.
O fenômeno do abuso de drogas deve, portanto, ser contextualizado e
analisado como pertencente a um conjunto de fatores ao qual pode estar
integrado de modos distintos. Diante disso, a drogadição se estabelece a partir de
uma dinâmica relacional entre sujeito, a droga e o contexto.
Para compreender o porque que um trabalhador faz do uso de drogas, fazse necessário refletir sobre a sua história, e o meio social em que vive e a própria
condição de ser humano causam em muitas pessoas, como frustrações,
insatisfações, medos e angústias, em maior ou menor grau, e que podem fazer
com que se busquem atividades e meios que tragam alívio para seus problemas e
prazer não encontrado.
Pesquisas realizadas pela OMS mostram que existem fatores individuais
que levam ao uso de drogas no trabalho, dentre os quais podemos citar que o
consumo de drogas pode expressar independência ou hostilidade, ou para adquirir
um estado superior de conhecimento e ainda criar uma sensação de bem-estar e
tranqüilidade para a mascaração da sensação causada pelos problemas de
origem pessoal, familiar ou profissional.
Contudo ainda define-se que algumas características na família podem
levar a um risco de consumo de drogas, como a falta de disciplina e organização,
inexistência de comunicação, comportamentos agressivos dos membros e a
desestruturação familiar.
O trabalhador não está isento de apresentar todos esses fatores. A pessoa
que trabalha não só é uma mera receptora de ordens para executar tarefas ou um
estímulo de esforço físico e mental, mas também estão presentes, nesse contexto,
os seus problemas individuais, sua história familiar e social, sua situação
econômica individual e a situação política formam parte da realidade da vida diária
do trabalhador.
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Existem algumas profissões ou atividades profissionais que estão mais
sujeitas do que outras à introdução de substâncias ilícitas no cotidiano dos
funcionários. Pela proximidade física com o mundo das drogas, os médicos e
enfermeiros, especialmente anestesistas e cirurgiões, são considerados um grupo
de risco. Não raro, por exemplo, médicos e enfermeiros, sujeitos a cargas de
trabalho extenuante, pode vir a buscar o auxílio de uma droga para suportar o
estresse. Sabendo-se que a morfina, com duas a três vezes de uso, pode tornar a
pessoa dependente, não é difícil concluir qual é a possibilidade de incidência
desses casos num ambiente hospitalar.
Entre caminhoneiros e motoristas de ônibus, as drogas mais utilizadas são
as anfetaminas, e o motivo disso seria porque esses profissionais precisam ficar
acordados por longos períodos, muitas vezes em trajetos longos e monótonos. Em
ambientes que já chegaram até a ser glamourizados pelo cinema, operadores das
bolsas de valores, advogados, políticos, publicitários e jornalistas estão entre os
profissionais que, à procura de estímulos constantes para produzir intensamente,
em locais de trabalho altamente competitivos, também podem se tornar
suscetíveis ao uso de drogas. Cocaína e álcool estariam entre as de maior
circulação nesses meios profissionais.
Nas artes, em busca de "criatividade" ou também para enfrentar jornadas
extenuantes, o profissional pode procurar apoio psicológico em substâncias como
maconha, cocaína ou heroína. Pelas características das atividades portuárias, em
que há forte incidência do fluxo de drogas, as categorias dos marinheiros e dos
estivadores também foram incluídas entre as pertencentes aos grupos de risco.
As novas gerações, em início de vida profissional, também podem enfrentar
vários tipos de dificuldades. As chamadas drogas da moda, como o ecstasy e
ácidos, embora consumidas longe do ambiente de trabalho e mais comumente em
baladas de fim de semana, acabam debilitando a capacidade individual de
exercer, com propriedade, as tarefas profissionais durante a semana de trabalho.
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2.1 – Fatores de risco e fatores de proteção
Embora o consumo de álcool e drogas entre os trabalhadores possa ter
muitas origens diferentes, existem condições de trabalho que podem promover ou
aumentar o consumo de álcool e outras drogas.
Ao pensar nos motivos que podem levar o trabalhador a usar drogas, se faz
necessário entender o que vem a ser fatores de risco e proteção, para o uso
dessas substancias.
Fatores de risco são atributos e/ou características individuais, condição
situacional e/ou contexto ambiental que incrementam a probabilidade do uso e/ou
abuso de drogas ou uma transição no nível de implicações com as mesmas.
Diante disso podemos compreender o motivo pelo qual, no ambiente de
trabalho, vivenciando a mesma estrutura, com tensões próprias da profissão, uns
têm comportamento de risco e utilizam, enquanto outros utilizam fatores de
proteção para não se envolver com as substâncias psicoativas.
Podemos destacar alguns elementos que se estiverem bem estruturados
constituem como fator de proteção para o não uso de álcool e outras drogas, tais
como: família, religião, condições emocionais bem resolvidas, práticas de
esportes, atividades de lazer e no ambiente de trabalho a “satisfação gerada pelo
trabalho” constitui um item muito importante.
O trabalho constitui uma das ações mais importantes na vida do homem,
porque é por sua atividade que o ser humano adquire os elementos para sua
própria subsistência e a de seus familiares.
Um grande fator de risco para o uso de substancias psicoativas no trabalho
se dá devido a insatisfação no trabalho, já que esta se produz por um desajuste
entre as expectativas do trabalhador e o modo como demonstram suas atitudes no
trabalho. Podemos observar outros fatores de risco como: sobrecarga, ou seja,
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trabalho em demasia, dificuldade na execução, baixa estima e escassa motivação;
insuficiente carga de trabalho, pouco estimulante, rotineiro, repetitivo; pouca
organização no trabalho, frustração na escolha profissional.
As condições de trabalho surgem também como um grande fatores de
risco, pois condições precárias de trabalho, o desgaste físico e emocional tende a
levar à insatisfação e sofrimento, já que o profissional tem que desenvolver suas
atividades com qualidade sem que a instituição lhe de condições para tal.
E ainda: risco extremo de segurança, trabalho por turnos ou noturnos,
trabalho em locais remotos, deslocações para longe de casa, alterações nas
tarefas ou velocidade de manuseamento dos equipamentos, conflitos de papéis,
desigualdade nas remunerações e demais benefícios, tensão psicológica (stress)
relacionada com o emprego, monotonia e ausência de criatividade, variedade ou
controle, comunicações não satisfatórias, insegurança no emprego, indefinição
nos papéis.
Além de todos estes fatores também podemos citar que o ambiente de
trabalhado no nível das relações hierárquicas também consiste num fator de risco,
já que as deficientes relações entre companheiros, supervisores e subordinados
destaca-se também como fator para o consumo de álcool e outras drogas no
trabalho.
Com relação aos efeitos das pressões a que os trabalhadores muitas vezes
são submetidos nas empresas por força da organização e do processo de
trabalho, destacamos o estresse.
Aubert (1993) denomina como estresse
profissional o processo de perturbação engendrado no indivíduo pela mobilização
excessiva de sua energia de adaptação para o enfrentamento das solicitações de
seu meio ambiente profissional, solicitações estas que ultrapassam as
capacidades atuais, físicas ou psíquicas deste individuo.
Assim, o estresse pode ser entendido como uma situação transitória que é
superada pelo fim ou pela diminuição de suas fontes, ou então pela adaptação da
23
pessoa às pressões. No entanto, se as solicitações se mantêm ou se intensificam,
ultrapassando a capacidade de adaptação do indivíduo, uma situação patológica
pode instalar-se. O processo em si é bastante penoso, com risco expressivo de
dar seqüência a outras alterações, dentre as quais o uso de drogas.
O estresse laboral se deve à existência de fatores próprios da organização
e ao conteúdo do trabalho, porque existem fatores tanto quantitativos – quantidade
de trabalho, pressões de tempo, altas demandas de atenção, como qualitativos –
trabalho com pouca criatividade, e escassa interação social – que podem provocar
riscos nos trabalhadores e inclusive potencializam doenças.
O abuso de álcool e outras drogas nos locais de trabalho podem por em
risco os próprios trabalhadores, os seus colegas e a sua empresa. Dependendo
da atividade e a ocupação, esse risco pode se estender até ao público, clientes
em geral. Podemos destacar algumas conseqüências e efeitos do abuso de
drogas no local de trabalho, pois os trabalhadores que consomem drogas tende a
ter maior tendência a:
1. A estar envolvido num acidente de trabalho.
2. A ausentar-se do trabalho sem autorização e/ou mais freqüentemente ou por
mais dias.
3. Tendem a chegar ao trabalho mais tarde e a sair mais cedo do que os outros
trabalhadores.
4. Incide em uma pressão maior de cargas de trabalho sobre os colegas para
compensar a menor produtividade; maiores riscos para a segurança resultantes da
intoxicação, negligência e diminuição da capacidade de raciocínio, conflitos e
queixas, tempo perdido que origina uma menor produtividade, clima de
intimidação e podendo até chegar ao extremo como realização de trafico de
drogas ilícitas no local de trabalho, violências e furtos.
5. Aumentar os custos para substituição.
24
6. Aumentar os custos com indenizações aos trabalhadores
Tanto a intoxicação como a diminuição de capacidades que advém do
consumo (“efeito ressaca”) tem impacto sobre as seguintes funções que são
relevantes do ponto de vista do desempenho no trabalho; tempos de reação (as
reações são mais lentas); Visão (visão turva); Estado de espírito (agressividade ou
depressão); Aprendizagem e memória (perda de concentração); Desempenho
intelectual (raciocínio lógico afetado).
O fenômeno das drogas é um dos maiores desafios da atualidade mundial,
e cabe a cada um, individual e coletivamente agir no sentido de reduzir as
dimensões através da prevenção, que é o que discutiremos no capítulo a seguir.
25
CAPITULO III
3. Prevenção e Programas de enfrentamento dentro das empresas
Prevenção significa uma pré-intervenção, ou seja, uma
intervenção a ser efetivada antes que determinado
fenômeno ocorra. É importante enfatizar a falta de sentido
que existe em se falar de prevenção de droga, uma vez
que drogas não são “preveníveis”. As drogas são apenas
substâncias psicoativas naturais ou sintéticas, que podem
ser utilizadas pelo homem com diferentes finalidades. Não
podemos dar a uma determinada droga umas conotações
de algo boas ou ruins, assim não podem considerar uma
droga em si como algo destrutivo ou criativo. O que vai
poder ser destrutivo ou criativo é a maneira pela qual o
homem se relaciona com a droga, independente do
produto químico em questão.
Xavier da Silveira (1990)
O uso de drogas no ambiente de trabalho deve ser analisada por uma dupla
vertente: como algo particular, na medida em que cada sujeito tem uma história
pessoal que o predispõe a escolhas singulares, e, identificar o que, na
organização, favorece e incrementa o uso de drogas, considerando o contexto
social como um dos elementos determinantes na constituição do problema.
Diante disso, quando o uso de drogas aparece no local de trabalho - que
geralmente é o reduto mais preservado entre os que vivem essa situação, deve-se
estar atento e escutar o que este fato denuncia. Ainda que não seja possível
reduzir as causas de seu aparecimento unicamente às questões internas de uma
26
organização, torna-se imprescindível que se analise suas origens e as formas
mais adequadas de intervenção.
O uso e abuso de álcool e outras drogas podem trazer muitos riscos e
prejuízos à vida do individuo. No ambiente de trabalho este, pode ser considerado
um hábito extremamente negativo, já que os acidentes de trabalho tornam-se mais
presumíveis, a produtividade do trabalhador diminui e o desempenho do
funcionário tende a se tornar inconstante. Tudo isso pode pôr em risco a vida do
profissional e o emprego dele. As faltas, atrasos, acidentes e indenizações
prejudicam a sustentabilidade das empresas e aumentam os gastos com saúde e
previdência.
Vale ressaltar que não é o fato de o indivíduo ter o hábito de consumir
substâncias psicoativas que leva ao seu desligamento da empresa, mas as
conseqüências,
o
que
acaba
produzindo
um
desempenho
profissional
insatisfatório.
A atenção de uma empresa com relação aos problemas relacionados ao
uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas costuma estar ligada a
SMS, ou seja, Segurança, Meio ambiente e Saúde. Assim, as drogas podem
prejudicar a saúde física e mental do colaborador, a imagem da empresa, a
coletividade, a segurança do trabalho e o meio ambiente.
A dependência química está presente em grande parte das empresas, no
entanto o que varia é o grau de incidência e a maneira de tratar o problema. É um
assunto que deve ser abordado, com estratégias adequadas ao ambiente, com
diálogo franco voltado para a qualidade de vida. A empresa deve incentivar
campanhas e programas, como parte de sua responsabilidade social, para integrar
seus empregados e alertar sobre riscos e prejuízos causados pelo consumo de
drogas.
Empresas sem um programa de prevenção, orientação e educação no uso
de substancias psicoativas estão, por negligência, estimulando o uso indevido e
27
abuso.
A falta de políticas claras e objetivas nesse campo também é lesiva. Existem
alguns fatores que em muitas empresas acontecem e que pode contribuir para
estimular o uso/ abuso do álcool, por exemplo, como é o caso das festas
natalinas, em que é uma situação que muitas empresas comemoram regadas a
bebidas alcoólicas, sendo assim permissivas, e sem refletir sobre o assunto
acabam contribuindo para o abuso do álcool.
Outros fatores são: stress no trabalho, o estímulo à competitividade,
número excessivo de horas no trabalho; a falta de valorização da vida pessoal e
do lazer do colaborador. É fundamental a empresa se comprometer com o clima
organizacional e a qualidade de vida de seus funcionários, favorecendo um melhor
relacionamento interpessoal. E ainda, intervir na cultura institucional a fim de
promover mudanças significativas, levando em conta os aspectos que predispõem
ao uso/abuso de drogas, advindos das relações de trabalho e também como uma
opção pessoal.
A empresa moderna, não deve esconder o problema por considerá-lo
danoso à sua imagem institucional. O ideal é, torná-lo público e transparente, ou
seja, ter um diálogo franco e aberto com os funcionários e oferecer programas de
recuperação, pois a partir de um trabalho de reabilitação bem elaborado, o
funcionário dependente pode resgatar a vida social, familiar, e ainda o trabalho.
Sendo assim, a empresa pode reverter a situação difícil e complexa em benefícios
para o prestígio da companhia.
Atualmente muitas as organizações vêm despertando seu interesse para o
desenvolvimento de estratégias e implantação de programas preventivos ao uso
indevido do álcool e outras drogas. O que motiva estas ações são as
conseqüências negativas trazidas à saúde do trabalhador e à sua produção.
Com os programas preventivos a possibilidade de todos saírem ganhando é
aumentada consideravelmente, pois o funcionário, pode readquirir a auto-estima e
reencontrar seu papel dentro da sociedade; a família, que muitas vezes vive
28
situações dramáticas, pode voltar ao cotidiano sem sobressaltos; e a empresa,
que não só deixa de ter prejuízos pode passar a contar com um grau ainda maior
de produtividade e de compromisso com os valores institucionais.
Diante do exposto, percebe-se a importância de estudos atuações efetivas
nesta área e a necessidade de relacionar as condições de trabalho a fim de
contribuir para melhores ações de capacitação, prevenção, tratamento e
reinserção social do dependente químico e seus familiares no âmbito do trabalho.
É importante reconhecer as dificuldades que acompanham o atendimento a
dependentes químicos, especialmente em empresas. O atendimento a usuários de
drogas suscita múltiplos problemas, de ordem biológica e médica, psicológica,
social, jurídica e ética. Nos locais de trabalho acrescenta-se a isso as
estigmatizações e preconceitos devido às conotações negativas relacionadas à
dependência química, diminuindo a procura pelos serviços oferecidos, bem como
dificultando a continuidade do tratamento.
Há ainda a questão de que em muitos programas não atingem os extratos
mais elevados na hierarquia, apenas o trabalhador menos qualificado, sujeito a
sanções disciplinares. Vale ressaltar que os programas não devem ser abordados
do ponto de vista de um ideal moralizante. É um trabalho complexo que envolve
diversos fatores. Mas certamente é de grande importância para as organizações
preocupadas com a saúde de seus trabalhadores e com o bom desempenho de
suas atividades.
3.1 - Ações de prevenção
Podemos dividir as ações de prevenção em três etapas. Entendemos que
ação de prevenção primária são aquelas que procuram evitar o início do uso e o
abuso de psicotrópicos. A prevenção secundária procura evitar a ocorrência de
complicações para aqueles que fazem uso eventual de drogas e que apresentam
poucos problemas. Já a terciária busca, a partir da detecção de um problema,
evitar prejuízos adicionais e/ou reintegrar à sociedade as pessoas com problemas
29
sérios. Neste caso podemos citar a redução de danos. Esta se constitui como o
conjunto de ações que objetiva a diminuição de danos oriundos do uso/abuso de
drogas, parte das premissas de que inexistiram sociedades alheias às drogas e de
diminuir os danos por elas ocasionados, objetivando maximizar o alívio e bemestar a indivíduos ou coletivos.
Os programas preventivos para o controle do consumo abusivo de
substâncias psicoativas podem ser estruturados da seguinte forma.
1. Realização e elaboração de um diagnóstico situacional, conhecer as demandas
relativas ao problema do uso de drogas no local de trabalho. Fazer um
levantamento de necessidades em diferentes locais e segmentos da organização.
Esse levantamento permite a escuta ampla da demanda, o mapeamento das
principais questões envolvidas no problema e a análise da cultura da empresa.
Estas ações favorecerá o planejamento adequado da atuação.
2. Formulação de uma política clara e consciente a partir da análise da cultura
institucional, que acaba constituindo-se numa estratégia para o engajamento dos
funcionários da empresa no programa gerando identificação e adesão com o
mesmo.
3. Capacitação da equipe de saúde e de RH buscando oferecer conhecimento
sobre a demanda que são os problemas relacionados uso/abuso de álcool e
outras drogas.
4. Realização de programas de treinamento dos supervisores/ gestores em como
abordar e encaminhar um funcionário para a equipe técnica.
5. Conscientização e educação de todos os funcionários da empresa quanto a
política.
6. avaliação periódica da implantação do programa e de seus resultados tanto
qualitativa quanto quantitativa.
30
Para ter um resultado satisfatório o programa de prevenção requer o
envolvimento de todo quadro funcional da empresa sendo primordial a
participação da diretoria da empresa no projeto e incluindo até da família do
funcionário. Divulgar de forma clara para os funcionários de todos os níveis e
setores que se está dando início a um projeto de prevenção e combate ao uso de
drogas, e enfatizar que o empregado que participar do programa não será
demitido, mas sim orientado e tratado. E ainda não obrigar o profissional a aderir,
pois a participação deve sempre ser voluntária.
Além disso, os programas de prevenção não devem ser uma iniciativa
isolada, mas estar relacionados com outras frentes de trabalho. Devem ser
desenvolvidas paralelamente com outros programas de qualidade de vida, e ainda
podendo incluir atividades de lazer, saúde, educação, esportes, música,
diminuindo assim o preconceito com o tema.
Sabemos que há várias formas de executar um trabalho de prevenção. Os
mais comuns são as palestras preventivas, testes toxicológicos, opção de
convênio com clínicas e centros de recuperação, grupos de apoio, orientação e
atendimento médico e de assistência social. Vale ressaltar a importância de que
esses programas aconteçam de forma periodicamente dentro da empresa.
Podemos citar ainda algumas estratégias preventivas para as ações dentro das
empresas:
- elaboração de materiais informativos sobre o programa de prevenção do
uso de drogas, tais como cartazes distribuídos em nos setores e até no
contracheque. Para isso, se faz necessário apresentar um material com o qual as
pessoas possam se identificar e refletir sobre aspectos de suas vidas, calcadas
em informações sem cunho moral;
- criação de medidas de valorização tanto do trabalho quanto do
trabalhador, através da realização de reuniões nos setores de trabalho que
permitam a comunicação entre funcionários e chefias.
31
- criação de espaços de lazer e cultura.
Diante do exposto, faz-se essencial que as intervenções reúnam medidas
administrativas a intervenções de saúde, como a oferta de tratamento através do
credenciamento de serviços diversificados, pois assim abre-se perspectivas à
resolução de situações de conflito, oriundas tanto de aspectos subjetivos como
relativas a questões de trabalho, implicando a reavaliação das relações
institucionais.
Os programas, com ênfase na promoção da saúde, devem estar voltados
para a totalidade dos funcionários com o objetivo que cada um possa refletir sobre
seus hábitos de vida, entre eles sua relação com o uso de drogas. Acreditamos
que embora não seja possível evitar que uma pessoa use drogas, se assim está
decidida, podemos fazê-la pensar por que o faz, a que isso responde, lançando
maior flexibilidade quanto a suas escolhas.
O debate acerca desta problemática deve estar inserido na realidade do
usuário, para que as propostas de prevenção estejam contextualizadas,
possibilitando a superação da estigmatização e um debate socialmente ampliado.
Assim, neste contexto, podemos nos utilizar do enfoque da redução de danos,
demonstrando ao trabalhador que não somente a sua segurança e vida podem
estar comprometidas pelo uso de drogas, mas também a de seus colegas. Isso
em um contexto profissional onde há risco iminente faz com que o trabalhador se
responsabilize por si e por outros, entendendo, dessa maneira, que o uso de
drogas, no cenário particular, pode representar um dos limites para a saúde e a
segurança de todos os envolvidos no ambiente.
O indivíduo que inicialmente pode ter usado drogas para socialização, por
curiosidade, prazer ou para esquecer os problemas, tornou-se dependente da
substância. Portanto, se faz necessária a compreensão de que “o desejo e o
prazer com a droga vão substituindo todos os outros desejos e prazeres, e sua
busca é marcada pela impulsividade e urgência de satisfação”.
32
Neste sentido, devemos reconhecer que o uso de drogas é prazeroso, mas
estes minutos de prazer podem trazer risco ao indivíduo e às coletividades nas
quais estes se inserem, seja em âmbito familiar ou ocupacional.
A ênfase nesta situação tão particular e individual deve estar na orientação
e no aconselhamento no sentido de avaliação e discussão acerca das implicações
do uso de drogas na vida diária do trabalhador, dentro e fora do ambiente de
trabalho, a fim de definir com o próprio trabalhador as possibilidades existentes
para a diminuição dos danos ocasionados e aumento de sua qualidade de vida,
bem como a de todos os que com ele convivem, incluindo os colegas de trabalho.
Deve-se entender que o uso e a dependência são influenciados pelo meio
no qual o indivíduo se insere. Assim, torna-se relevante o esclarecimento acerca
das implicações deste uso, não somente como risco no ambiente de trabalho, mas
também como risco para a vida social do trabalhador, ressaltando a importância
do apoio para os colegas que sentem a necessidade de reduzir os danos ou não
mais usar drogas.
Na especificidade do ambiente de trabalho, algumas empresas brasileiras
adotam o programa de testes à procura por drogas no organismo dos
trabalhadores, com a finalidade de oferecer programas de reabilitação e adotar
medidas disciplinares. Porém, a reabilitação e as medidas disciplinares nem
sempre são efetivas quando as drogas podem ser obtidas nas proximidades do
ambiente de trabalho, como é o caso do contexto de algumas profissões
específicas, viabilizando que o trabalhador as use e trabalhe sob seu efeito.
É importante ressaltar que, em sua maioria, os trabalhadores não
concebem o álcool como droga, e só fazem referencia às drogas ilegais como a
cocaína e maconha, o que cada vez mais reforçam e justificam a importância de
executar um programa de prevenção de drogas no ambiente de trabalho.
É importante reforçar que a intervenção deve ser feita através do programa
de capacitação sobre conceitos de diferenciação entre o que é uso e abuso,
33
dando enfoque na prevenção e não apenas à droga, mas concentrando no ser
humano e seu contexto.
34
CONCLUSÃO
Apesar da importância do tema a questão do uso de drogas no trabalho e
pelos membros das organizações, seus efeitos e condicionantes são objeto de
pouca atenção no Brasil, embora suas implicações e desdobramentos nas
empresas e na sociedade sejam tanto relevantes quanto graves.
Vale ressaltar que os aspectos abordados impulsionam a reflexões mais
profundas sobre esta temática. Faz-se necessário a ampliação dos estudos,
realizações de pesquisas que ofereçam contribuições para subsidiar o
planejamento de ações em saúde, especificamente referentes à prevenção ao uso
indevido de álcool e outras drogas no âmbito do trabalho. A dependência química
não deve ser tratada apenas a nível individual, mas no coletivo, no social, com
ações voltadas para a saúde do trabalhador numa visão especialmente preventiva.
O fenômeno das drogas é um dos maiores desafios na atualidade mundial,
e cabe a cada um, individual e coletivamente, agir no sentindo de reduzir suas
dimensões através da prevenção.
35
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38
ANEXO I
Segue abaixo algumas questões para esclarecimento do tema:
1. O que é dependência?
Dependência é o impulso que leva a pessoa a usar uma droga de forma contínua (sempre) ou
periódica (freqüentemente) para obter prazer. Alguns indivíduos podem também fazer uso
constante de uma droga para aliviar tensões, ansiedades, medos, sensações físicas
desagradáveis, etc. O dependente caracteriza-se por não conseguir controlar o consumo de
drogas, agindo de forma impulsiva e repetitiva. Para compreendermos melhor a dependência,
vamos analisar as duas formas principais em que ela se apresenta: a física e a psicológica. A
dependência física caracteriza-se pela presença de sintomas e sinais físicos que aparecem
quando o indivíduo pára de tomar a droga ou diminui bruscamente o seu uso: é a síndrome de
abstinência. Os sinais e sintomas de abstinência dependem do tipo de substância utilizada e
aparecem algumas horas ou dias depois que ela foi consumida pela última vez. No caso dos
dependentes do álcool, por exemplo, a abstinência pode ocasionar desde um simples tremor nas
mãos a náuseas, vômitos e até um quadro de abstinência mais grave denominado "delirium
tremens", com risco de morte, em alguns casos. Já a dependência psicológica corresponde a um
estado de mal estar e desconforto que surge quando o dependente interrompe o uso de uma
droga. Os sintomas mais comuns são ansiedade, sensação de vazio, dificuldade de concentração,
mas que podem variar de pessoa para pessoa.
Com os medicamentos existentes atualmente, a maioria dos casos relacionados à
dependência física pode ser tratada. Por outro lado, o que quase sempre faz com que uma pessoa
volte a usar drogas é a dependência psicológica, de difícil tratamento e não pode ser resolvida de
forma relativamente rápida e simples como a dependência física.
2. Todo usuário de drogas vai se tornar um dependente?
A maioria das pessoas que consome bebidas alcoólicas não se torna alcoólatra (dependente
do álcool). Isso também é válido para grande parte das outras drogas.
De maneira geral, as pessoas que experimentam drogas o fazem por curiosidade e as utilizam
apenas uma vez ou outra (uso experimental). Muitas passam a usá-las de vez em quando, de
maneira esporádica (uso ocasional), sem maiores conseqüências na maioria dos casos. Apenas
um grupo menor passa a usar drogas de forma intensa, em geral quase todos os dias, com
conseqüências danosas (dependência). O grande problema é que não dá pra saber entre as
pessoas que começam a usar drogas, quais serão apenas usuários experimentais, quais serão
ocasionais e quais se tornarão dependentes.
É importante lembrar, porém, que o uso, ainda que experimental, pode vir a produzir danos à
saúde da pessoa.
3. O tratamento de um dependente de drogas com medicações pode fazer com que ele se
torne dependente de remédios?
No tratamento da dependência tenta-se sempre evitar o uso de medicações que possam
ocasionar esse problema. A maioria dos remédios receitados pelo médico nesses casos não causa
dependência. Alguns, como benzodiazepínicos, barbitúricos e metadona, podem vir a causar
dependência, mas, ainda assim, podem ser usados, desde que sob controle médico, por
determinados períodos de tempo, e em doses adequadas.
39
4. Existem drogas leves e drogas pesadas?
Esta é uma questão que sempre causa discussões e, por isso, há mais de uma posição a
respeito. Do ponto de vista da lei não há diferença entre drogas leves e pesadas, mas apenas
entre drogas legais e ilegais (ou lícitas e ilícitas). Fumar maconha ou injetar cocaína, por exemplo:
as duas atitudes infringem igualmente a lei. Na prática, porém, o uso de maconha raramente chega
a ter as mesmas conseqüências perigosas à saúde que o de cocaína. Além disso, sabemos que os
riscos relacionados ao consumo de drogas dependem mais da maneira e das circunstâncias em
que elas são usadas do que do tipo de droga utilizado.
Mesmo para os dependentes, os perigos dependem do grau de dependência e não da
natureza da droga e de ela ser lícita ou ilícita.
A morfina, substância legalizada, tem efeito que são muito semelhantes aos da heroína, sem
que necessariamente eles se tornem dependentes. Na verdade, não deveríamos falar em drogas
leves e pesadas, mas sim em uso leve e uso pesado de drogas. Com relação ao álcool, por
exemplo, existem dependentes que nunca conseguem beber moderadamente; ao mesmo tempo,
existem usuários ocasionais, que jamais se tornarão dependentes de álcool. Para os primeiros, o
álcool é uma droga extremamente perigosa (droga pesada), enquanto para os últimos o álcool é
um produto inofensivo (droga leve).
5. Existem maneiras menos prejudiciais de consumir drogas?
Sim, embora todas sejam prejudiciais. Podemos tomar como exemplo a cocaína. Na região
dos Andes, mascar folhas de coca é um hábito de muitos e muitos anos, praticamente sem
conseqüências danosas e sem que isso leve à dependência. Por sua vez o pó de cocaína
(cloridrato de cocaína) usado de forma aspirada (cheirado) apresenta um grande potencial tóxico.
Se esse mesmo pó for diluído e injetado nas veias, a toxicidade aumenta ainda mais. Fumar crack
(cristais de cocaína) chega a ser tão perigoso quanto a cocaína injetada.
Isso se deve basicamente à grande quantidade de substância que atinge o organismo quando
a droga é fumada ou injetada.
Nesses exemplos, o princípio ativo (a substância química que produz os efeitos no organismo) é o
mesmo em todos os casos. O que torna a droga mais ou menos perigosa é a quantidade maior do
princípio ativo que vai agir sobre o organismo.
6. Dentre as pessoas que usam drogas, quem deve ser tratado?
O tratamento deve ser dirigido basicamente às pessoas que se tornaram dependentes de
drogas. Da mesma forma que não há qualquer sentido em propor tratamento a alguém que usa
álcool apenas ocasionalmente, também não devemos falar em tratamento para usuários
experimentais ou ocasionais de outras drogas.
7. O que é diminuição de prejuízos relacionados ao uso de drogas?
"Prejuízos" pode ser entendido como danos, riscos, perigos. Dessa forma, diminuição de
prejuízos é um conjunto de medidas dirigidas a pessoas que não conseguem ou não querem parar
de consumir drogas. Essas estratégias têm por objetivo reduzir as conseqüências negativas que o
uso de drogas pode ocasionar. Um exemplo seriam as campanhas orientando as pessoas a não
dirigirem após consumir bebidas alcoólicas. Outro exemplo seriam os programas de troca de
40
seringas dirigidos a usuários de drogas injetáveis. Sabemos que a forma de transmissão mais
perigosa do vírus da AIDS é a passagem de sangue contaminado de uma pessoa para outra.
Nos programas de troca de seringas, são recolhidas as usadas e colocadas novas à
disposição. Por meio desses procedimentos ocorre redução importante da infecção pelo vírus da
AIDS, assim como de outras doenças contagiosas. Ao contrário do que se temia inicialmente, os
programas de troca de seringas não induzem as pessoas a utilizar drogas injetáveis. Além disso,
eles constituem uma medida de saúde pública da maior importância para o controle da epidemia
mundial da AIDS.
8. Que tipos de ajuda terapêutica existem para os dependentes?
Existem diversos modelos de ajuda a dependentes de drogas: tratamento médico; terapias
cognitivas e comportamentos; psicoterapias; grupos de auto-ajuda (do tipo Alcoólicos Anônimos e
Narcóticos Anônimos); comunidades terapêuticas; etc. Em princípio pode-se dizer que nenhum
desses modeles de ajuda consegue dar conta de todos os tipos de dependências e dependentes.
Se alguns podem se beneficiar mais de um determinado modelo outros necessitam de diferentes
alternativas. É muito difundido o modelo que utiliza ex-dependentes de drogas como agentes
"terapêuticos" já que uma pessoa que passou pelo mesmo problema pode ajudar o dependente a
se identificar com ela e compreender melhor seus problemas. É importante, porém observarmos
que os efeitos positivos de uma abordagem dependem essencialmente da capacitação técnica dos
profissionais envolvidos.
Os especialistas em dependência vêm realizando pesquisas nos últimos anos para determinar
que tipos de dependentes se beneficiam mais de um ou de outro tipo de ajuda. Entretanto deve-se
destacar que as abordagens medicopsicológicas (que associam ao mesmo tempo os recursos da
medicina e da psicologia) têm se mostrado mais eficazes na maior parte dos casos.
9. O que vai ser tratado?
A maioria dos modelos de tratamento focaliza principalmente a dependência da droga.
Embora esse seja realmente o ponto central que leva a pessoa a procurar tratamento, os
dependentes freqüentemente apresentam outros problemas associados ao uso abusivo de drogas.
É extremamente importante que esses transtornos recebam a devida atenção, pois se não forem
também tratados haverá uma grande probabilidade de a pessoa voltar a ser dependente. Por
exemplo, dependente de drogas que também apresenta depressão (o que é muito freqüente!)
deverá receber tratamento não apenas da dependência mas também da depressão. Se o
tratamento for dirigido apenas para a dependência, sua depressão não tratada provavelmente o
levará a abusar de drogas novamente.
10. Quais os transtornos psiquiátricos mais associados às dependências?
A depressão é o transtorno que mais se associa ao abuso e à dependência de drogas. Outros
transtornos freqüentemente encontrados entre os dependentes são o transtorno de ansiedade, o
obsessivo-compulsivo, os de personalidade e, mais raramente, alguns tipos de psicoses. Mais
recentemente descobriu-se que indivíduos com transtornos neurocognitivos (de aprendizagem)
estão mais propensos a se tornarem dependentes de drogas. Esses podem se manifestar através
de problemas de atenção, memória, concentração ou linguagem, entre outros. A grande dificuldade
decorre de, com muita freqüência, esses sinais não serem identificados nem pelos familiares nem
pela escola, podendo estar presentes desde a mais tenra idade. Exemplificando, muitos jovens
41
considerados rebeldes, preguiçosos, desinteressados, vagabundos ou indisciplinados, na verdade
podem apresentar um transtorno específico de aprendizagem ou de atenção. É importante
ressaltar que esses transtorno prejudicam profundamente a auto-estima e o desenvolvimento das
crianças e dos jovens, atrasando ou até mesmo impossibilitando o uso de suas potencialidades.
Se fossem diagnosticados de modo correto, esses distúrbios poderiam ser facilmente tratados,
evitando assim as conseqüências drásticas que ocorrem quando não são identificados. Como
exemplo disso, muitos dependentes de drogas que apresentavam transtorno de atenção, quando o
problema foi adequadamente tratado, pararam de consumir drogas.
11. Os dependentes de drogas devem ser internados para tratamento?
Na maior parte dos casos, o tratamento do dependente de drogas não requer internação. Nos
raros casos em que é necessária, ela deve ser decidida com base em critérios claros e definidos,
estabelecidos por um especialista. A internação de um dependente de drogas sem necessidade
pode levar até mesmo a um aumento do consumo. O aumento do consumo após uma internação
indevida pode se dar por diversas razões, como sentimentos de revolta de um dependente ainda
não suficientemente convencido da necessidade de ajuda.
Classificação do uso segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde)
Uso na vida: o uso de droga pelo menos uma vez na vida
Uso no ano: o uso de droga pelo menos uma vez nos últimos doze meses
Uso recente ou no mês: o uso de droga pelo menos uma vez nos últimos 30 dias
Uso freqüente: uso de droga seis ou mais vezes nos últimos 30 dias
Uso de risco: padrão de uso que implica alto risco de dano à saúde física ou mental do usuário,
mas que ainda não resultou em doença orgânica ou psicológica
Uso prejudicial: padrão de uso que já está causando dano à saúde física ou mental
Não-usuário: nunca utilizou drogas
Usuário leve: utilizou drogas no último mês, mas o consumo foi menor que uma vez por semana
Usuário moderado: utilizou drogas semanalmente, mas não todos os dias, durante o último mês
Usuário pesado: utilizou drogas diariamente durante o último mês.
A OMS considera ainda que o abuso de drogas não pode ser definido apenas em função da
quantidade e freqüência de uso. Assim, uma pessoa somente será considerada dependente se o
seu padrão de uso resultar em pelo menos três dos seguintes sintomas ou sinais, ao longo dos
últimos doze meses:
42
- Forte desejo ou compulsão de consumir drogas;
- Dificuldades em controlar o uso, seja em termos de início, término ou nível de consumo;
- Uso de substâncias psicoativas para atenuar sintomas de abstinência, com plena consciência
dessa prática;
- Estado fisiológico de abstinência;
- Evidência de tolerância, quando o indivíduo necessita de doses maiores de substância para
alcançar os efeitos obtidos anteriormente com doses menores;
- Estreitamento do repertório pessoal de consumo, quando o indivíduo passa, por exemplo, a
consumir drogas em ambientes inadequados, a qualquer hora,s em nenhum motivo especial;
- Falta de interesse progressivo de outros prazeres e interesses em favor do uso de drogas;
- Insistência no uso da substância, apesar de manifestações danosas comprovadamente
decorrentes desse uso;
- Evidência de que o retorno ao uso da substância, após um período de abstinência, leva a
uma rápida reinstalação do padrão de consumo anterior.
43
ANEXO II
Droga no trabalho
Empresas criam programas para detectar e ajudar os funcionários
viciados em substâncias químicas
Edição 1 707 - 4 de julho de 2001 veja online
Silvio Ferraz
Claudio
Doutorado em universidade estrangeira, fluência em vários
idiomas, capacidade de liderança. Todos esses predicados
podem cair por terra com o resultado de um rotineiro
exame de urina. É o teste que já vem sendo aplicado por
mais de 400 empresas brasileiras para descobrir se
funcionários e candidatos a um emprego – do presidente
ao porteiro – consomem drogas, especialmente cocaína,
maconha, anfetaminas e álcool. Os testes são aplicados
cada vez com mais freqüência, sempre sem data marcada,
por um número crescente de corporações. O Centro de
Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo realiza desde 1992 esse tipo de
análise em 315 companhias espalhadas por 22 Estados. O
trabalho forma o banco de dados mais extenso e completo
sobre o assunto no país. Ao longo de quase uma década,
os especialistas da USP já examinaram 12 700
funcionários dos mais diferentes níveis hierárquicos. Até
agora, 2% dos testes realizados voltaram do laboratório
com o carimbo de positivo. Ou seja, 254 empregados
tomaram drogas. Em 58% deles foram encontrados traços
de consumo de maconha, cocaína em 24% e anfetaminas
em 18%.
Rossi
"Comecei a beber aos 18 anos.
Aos poucos, o álcool foi se
tornando
uma
coisa
indispensável na minha vida.
Logo ao despertar, costumava
tomar uma dose alentada de
rabo-de-galo, uma mistura de
cachaça com vermute. Certa
vez, fui trabalhar cheirando a
bebida. Meu supervisor notou o
problema e me encaminhou à
assistente social da empresa.
Acabei
numa
clínica
de
recuperação. Todos os meus
colegas de trabalho estão me
apoiando para que eu consiga
me
livrar
do
vício."
Vagner, 37 anos, metalúrgico
O total de consumidores detectados pelos exames dentro
das
empresas
pode
parecer
pequeno,
mas
os
pesquisadores têm bons argumentos para mostrar que o
resultado da USP é estatisticamente relevante. Existem
companhias nesse universo que aplicam o teste todo ano e
são acompanhadas há muito tempo pelos especialistas.
"Nas primeiras baterias de exames, algumas chegam a
registrar taxas de consumo acima de 10%", afirma o
toxicologista Ovandir Alves Silva, responsável pelo trabalho. "Com o passar do tempo,
devido ao trabalho de conscientização feito dentro das corporações e até mesmo ao
medo dos funcionários de ser flagrados, o índice tende a cair." Outra razão que indica
a relevância da taxa de 2% de usuários detectada nas empresas brasileiras é o perfil
44
das companhias rastreadas pelos pesquisadores. Quase 80% delas pertencem ao setor
de transportes – rodoviário, marítimo ou aéreo. Nesse ramo, a presença de qualquer
funcionário drogado representa um perigo enorme para a sociedade. "Basta imaginar o
estrago que um caminhoneiro sob efeito de anfetaminas pode provocar numa estrada",
exemplifica o toxicologista da USP.
No banco de dados da universidade não constam apenas representantes do setor de
transportes. Há grandes companhias de outras áreas, como a Esso, a Shell e a
Caterpillar. É um perfil semelhante ao registrado pelos dois laboratórios particulares
que executam o mesmo tipo de serviço no Brasil – o Fleury e o Maxilab, ambos de São
Paulo. "A procura das empresas por esse tipo de exame cresce numa escala
impressionante", atesta Adagmar Andriolo, um dos sócios do Fleury. O laboratório
começou a ser contratado para fazer esse tipo de teste há dois anos.Hoje, tem dez
empresas entre seus clientes e realiza cerca de 1 000 exames em funcionários por
ano. "A média de resultados positivos gira em torno de 5%", afirma Andriolo.
Fotos
Claudio
Rossi
"As empresas apostam na recuperação
porque é mais barato reabilitar do que
formar um executivo. Sou um caso de
recaída. As drogas acabaram com minha
carreira profissional. Luto até hoje para me
livrar da dependência de álcool, ácido,
haxixe e maconha. Estou num momento de
profunda reflexão. E, nele, me descubro
vivendo um paradoxo. Se sou como sou, um
apaixonado pela liberdade, não posso
permanecer
escravo
de
nenhuma
substância. Desta vez, estou saindo do
fundo
do
poço.
Para
valer."
Ricardo, 49 anos, economista
A experiência brasileira nesse campo segue o mesmo caminho de trabalhos mais
antigos do gênero realizados em outros países. Na década de 80, as empresas de
transportes dos Estados Unidos começaram a testar pilotos e caminhoneiros. Depois, o
mesmo exame começou a ser feito nos mais diferentes tipos de companhias. Hoje, os
americanos examinam por ano 100 milhões de trabalhadores. Comparado a esse
número, o programa de testes no Brasil ainda é tímido. Mas o cerco ao uso da droga
no ambiente de trabalho está se fechando. À medida que o mundo se globaliza, as
políticas antidrogas nas empresas passam a fazer parte dos contratos de trabalho e até
das transações internacionais de compra e venda de produtos ou prestação de
serviços.
45
A Esso, pioneira dos testes no Brasil, rejeita fazer negócios com qualquer companhia
que não tenha um plano de reabilitação e controle de drogas. A Shell reza pela mesma
cartilha. Para fechar um contrato de compra de aviões com a Embraer, a American
Airlines exigiu que a empresa brasileira ajustasse seu programa de controle de
substâncias proibidas aos padrões americanos. A Embraer teve de se comprometer a
testar freqüentemente seus empregados. De outra forma, nem seus pilotos nem seus
mecânicos poderiam fazer a manutenção dos aviões adquiridos pela American. A Varig
já começou a aplicar testes nos pilotos em fase de admissão e desenha há um ano um
programa de testes e reabilitação para todos os funcionários. A Embratel, com orgulho,
ostenta a marca de 82% de reabilitação de funcionários alcoólatras ou dependentes de
drogas, sendo que nos últimos cinco anos não houve uma recaída sequer. A Petrobras
Distribuidora e a Johnson & Johnson foram das primeiras a tratar a dependência como
doença e não como estigma. A BR iniciou o programa na fábrica de lubrificantes e, em
um ano, encaminhou para reabilitação cinqüenta casos de alcoolismo. " Esses
programas são os radares da sociedade", afirma o toxicologista Ovandir Alves Silva.
Há pelo menos duas boas explicações para essa ofensiva contra as drogas, segundo o
psicanalista João Carlos Dias, da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Outras
Drogas, especializado em recuperação. "Os empresários descobriram que cada dólar
investido na empresa em programas de reabilitação provoca o retorno de 7 dólares sob
forma de aumento da produtividade, redução do absenteísmo, queda na procura pelo
departamento médico e o incomensurável benefício de preservação da imagem da
companhia. As indústrias deixaram de ver o alcoolismo e a dependência às drogas sob
o prisma da legislação do trabalho, para encará-los como doenças sociais." Nos
Estados Unidos, na Europa, no México e na Venezuela já não se trabalha em
plataformas de prospecção ou extração nem em refinarias sem um atestado
comprovando não-dependência às drogas. Não se fundeia um navio em qualquer dos
principais portos do mundo sem que a tripulação de comando exiba seus certificados
de "limpeza".
No ar, a preocupação com drogas é redobrada. No mundo aeronáutico, repete-se
internacionalmente a regra básica de que álcool não deve ser consumido na véspera de
voar. "Sem álcool antes do manche", repisam em vários idiomas. "Há um clima,
digamos, de confiança desconfiada nas cabines. Os pilotos ficam atentos
reciprocamente a qualquer atitude anormal", relata Paulo Magalhães, diretor do
departamento médico da Fundação Rubem Berta, da Varig. Nos vôos intercontinentais,
há sempre uma tripulação de reserva, comandante e co-piloto, para substituir a
principal depois de oito horas de vôo. Mesmo assim, eventualmente surgem problemas
sérios. Uma companhia aérea tem em seus registros o caso ocorrido num longo vôo
para Frankfurt, quando o comandante master, o piloto mais qualificado, foi acordar seu
substituto e simplesmente não conseguiu. Ele estava inteiramente alcoolizado.
Resultado: o master foi obrigado a voar treze horas seguidas, aterrissando exausto no
destino, contrariando todas as regras da aviação civil.
Outro relato dá conta de que a cada dia se tornava mais difícil escalar um co-piloto
para voar com determinado comandante: "É que ele voava inteiramente sóbrio, mas
na escala do destino tomava um porre fenomenal", contou um co-piloto. O
comandante foi afastado para tratamento e hoje, completamente reabilitado, voa
novamente. O programa inclui internação para desintoxicação, tratamento psiquiátrico
e acompanhamento psicológico da família. "Se nos Estados Unidos os testes são lei e
se significam um fator de segurança a mais, haveria alguma razão para não adotá-los
entre nós?", diz Paulo Magalhães, da Varig. Ele mostra que os programas de
reabilitação têm dado bons resultados. Nos Estados Unidos, 915 comandantes e co-
46
pilotos de grandes empresas aéreas, 278 pilotos de companhias regionais e 436 pilotos
particulares voam hoje resgatados do vício do álcool.
"Estou limpo há nove anos e quatro meses.
Vitória conseguida dia a dia. No auge da
minha fase negra, surtei duas vezes.
Acreditava ser Jesus Cristo II. Fui a padre,
candomblé, macumba e psicanalista. Tinha
vontade de morrer. Empreguei-me na
American Express. Faltava, achei que seria
demitido.
Meu
chefe
me
ofereceu
tratamento. Fiquei 58 dias na clínica de
recuperação. Hoje sou o principal executivo
de uma empresa de alta tecnologia e ajudo
os outros que passam pelo mesmo
problema, dando palestras de reabilitação.
Drogas?
Nunca
mais."
Paulo, 53 anos, executivo
Uma empresa de alta tecnologia relata dois casos bem-sucedidos de combate às
drogas entre seus empregados. H.B., 48, passou cinco anos freqüentando o programa
de recuperação para alcoólatras da companhia. Voltou à atividade, foi promovido e
hoje atua também como voluntário no mesmo programa. Seu maior orgulho: escreveu
um livro de auto-ajuda, impresso com o patrocínio da empresa. O caso de J.M. era
bastante grave: dependente de cocaína e a um passo da demissão, entrou para o
programa de reabilitação e conseguiu reassumir funções de confiança. Há três anos
pediu demissão. Mas por uma excelente causa: queria montar um negócio próprio.
Que vai muito bem, obrigado.
Mas, seja numa cabine de vôo, nos escritórios ou nas linhas de montagem, o
alcoolismo é percebido de forma lenta, já que a bebida é aceita socialmente. Myrtes
Matos, assistente social que coordena o programa de reabilitação da Embratel,
acostumou-se a explicar aos colegas quais são os primeiros sinais de alerta: o
funcionário começa a faltar especialmente às segundas-feiras, para curar a intoxicação
do fim de semana. Vai se tornando mais lento na realização das tarefas, mais
introvertido. Caso o vício seja de cocaína, ele reage de outra maneira. Trabalha com
mais agilidade que anteriormente e, à medida que o efeito vai passando, fica mais
agressivo com os companheiros. "Com o tempo esses dois quadros vão ficando mais
nítidos. É quase certo que se chegou à beira do precipício", diz ela. O tamanho do
problema é medido dramaticamente pela Organização Mundial de Saúde: 1,5 bilhão de
pessoas sofrem de alcoolismo em todo o planeta e 55 milhões dependem de drogas.
47
Como há uma tênue linha de separação entre a reabilitação do alcoólatra e sua
eventual recaída, os funcionários que decidem tratar-se são submetidos a um brutal
teste. Alguns resultados são encorajadores: cerca de 30% dos que são internados para
desintoxicação e tratamento psicológico específico conseguem manter-se longe da
bebida. Entre esses vencedores está M.F., técnica de administração de uma das
empresas entrevistadas por VEJA. Ela já estava perdendo o emprego quando foi
encaminhada para recuperação. Dois anos depois, terminava a pós-graduação de
administração e estava plenamente reinserida em seu trabalho. Completa, agora, dez
anos na empresa. Sem recaídas.
"Atribuir uma recuperação apenas à força de vontade é inocência", frisa Izabel Martins,
psicóloga do Centro de Reabilitação Casa. "Há nas empresas brasileiras os chamados
grupos de apoio, nos quais funcionários que já passaram por problemas de
dependência química prestam auxílio aos reabilitados. Isso é uma experiência única no
mundo. Nos Estados Unidos, as relações no trabalho são frias e mesmo indiferentes.
Em menor grau, a situação é a mesma na Europa. Aqui as relações informais são mais
importantes. Esse apoio é fundamental. O índice de reabilitação entre os que
freqüentam esses grupos chega a 80%", atesta o americano John Burns, diretor da
Vila Serena, um centro de reabilitação em São Paulo. "Em cada vinte identificados
como usuários de drogas ou álcool, só dois necessitam ir para um centro de
tratamento. Os outros dezoito podem livrar-se da dependência com a ajuda dos grupos
de apoio e de uma assistente social", garante Burns. Hoje, mais de uma centena de
empresas mantêm algum tipo de operação de detecção e ajuda a funcionários com
problemas de abuso de substâncias químicas. É o caso do Pão de Açúcar, da
Caterpillar, da Eletronorte, da Petrobras, da Johnson & Johnson e da Avon.
"Sou alcoólatra, filho de pais também
alcoólatras. Por isso, comecei a beber já na
infância. Aos 16 anos, ingressei numa
estatal paulista, onde estou até hoje. Já tive
uma internação, patrocinada pela empresa.
Mas acabei voltando à bebida. Cheguei a um
estado tão lamentável que meus amigos me
aconselharam a buscar ajuda, antes que
algo de pior acontecesse. Graças a Deus a
empresa me apoiou mais uma vez. Agora,
com o auxílio de minha mulher, estou
fazendo um tratamento sério. Ela vem me
visitar na clínica todos os sábados."
Agnaldo, 29 anos, funcionário público
O alcoolismo é doença grave, com raízes hereditárias. Izabel Martins lembra que, como
o stress, ele é companheiro inseparável de quase todas as atividades. O stress muitas
48
vezes leva às drogas. Em parte isso explica o uso freqüente de substâncias químicas
proibidas entre os policiais. "O policial que faz uso de cocaína e se vê confrontado a
todo momento com o crime freqüentemente desenvolve uma síndrome persecutória.
Com uma pistola 9 milímetros nas mãos, ao sentir-se perseguido pode reagir de forma
violenta e fatal."
A Esso, por exemplo, traumatizada com o acidente do petroleiro Exxon Valdez, na
costa do Alasca, em 1989, que provocou uma imensa tragédia ecológica, teve de
amargar também a suspeita de que o comandante do barco se encontrava embriagado
ou drogado. Por isso mesmo, não perdeu muito tempo com proselitismo. Distribuiu o
documento com a nova política antidrogas, deu seis meses para tirar dúvidas e
colocou-a em vigência. "Nosso transporte é terceirizado. Contratamos uma empresa
com 700 motoristas. Todos são testados, senão como poderíamos deixar que
conduzissem um caminhão com nossa bandeira?", questiona o médico José Carlos
Dias, da Esso brasileira.
Ana Cristina Mello e Souza, psicóloga e gerente do programa na Petrobras
Distribuidora, com 3.200 funcionários, dá ênfase à idéia de que tanto o alcoolismo
quanto as drogas são considerados doenças, e não estigmas, e como tal devem ser
tratados. Lá, são os companheiros de trabalho, quando não os próprios familiares, que
recomendam o nome de determinado funcionário para tratamento. "Após um ano de
pesquisas médicas, chegamos a cinqüenta casos identificados de alcoolismo numa de
nossas unidades escolhidas para iniciar o programa. Todos foram encaminhados para
reabilitação", revela Ana Cristina.
Todas as empresas pagam os tratamentos e mantêm os funcionários sem perdas
salariais. Quando reabilitados, regressam a seus postos, com exceção dos cargos de
risco. Mas a similaridade acaba aí. As empresas mais severas exigem que o funcionário
assine uma declaração de que não irá reincidir no vício, sob pena de perda do
emprego. "Nos sete anos do programa não tivemos nenhum caso de recaída", diz o
médico Ricardo Poell, da Shell. Na Embratel, em doze anos de programa houve apenas
sete recaídas e, nos últimos cinco anos, nenhuma.
Mas, se ninguém pode ser testado à revelia para detectar gravidez ou Aids, como os
funcionários reagem ao que, para muitos, pode ser visto como um atentado aos seus
direitos? "Toleram porque não há alternativa. Com o desemprego no nível em que
sabemos, qual funcionário se recusará a assinar uma autorização para ser testado?",
indaga o jurista e ex-secretário nacional antidrogas Walter Maierovitch. Para ele, é um
direito constitucional a preservação da intimidade do cidadão. E mais, afirma,
"ninguém é obrigado a produzir provas contra si próprio". Mas nesse debate os
sindicatos têm-se manifestado favoráveis aos testes, como no caso da Associação dos
Pilotos da Varig.
Os empregados precisam de algum tempo para se acostumar à idéia de submeter-se
aos testes. Devem antes afastar o fantasma da perda do emprego e confiar no
programa. Na Embraer, até o ano passado foram realizadas 95 palestras com o
pessoal da fábrica, dos escritórios, colaboradores e familiares. Os testes começaram há
um ano e somaram 4.214 de fevereiro a dezembro. O resultado positivo atingiu 42
funcionários, dos quais 38 iniciaram tratamento de reabilitação.
Nas estatais, o espírito paternalista vai aos poucos desaparecendo e já há mudanças
sensíveis: o período de internamento nos casos de desintoxicação é mais curto e parte
49
do tratamento é paga pelo próprio funcionário para amortizar os custos. Na Embratel,
o custo total do tratamento chega a 3.500 reais – a metade do que um cliente
particular pagaria numa clínica. O professor Ovandir Alves Silva, da Universidade de
São Paulo, recomenda que a implantação de um programa de controle não leve muito
tempo e que, no primeiro ano, sejam testados 20% dos funcionários,
independentemente da hierarquia. Se o resultado for abaixo de 1% de positivos, a
pesquisa seguinte pode ser reduzida para 10% dos empregados. Caso contrário, os
exames devem atingir a metade da empresa e, no caso das admissões, todos os
candidatos devem ser submetidos aos testes. "A possibilidade de recuperação é muito
grande e as recaídas, muito pequenas", frisa.
"Você começa na base da farra, tomando
porres em festinhas. Nem nota quando
começa a perder o controle. No trabalho,
lido com processos delicados. Aos poucos,
percebi que estava perdendo a capacidade
de concentração e de discernimento. Os
colegas sempre me estenderam a mão.
Agora resolvi me tratar antes que eu perca
tudo o que consegui na vida. Quero
reconstruir minha família, minha carreira.
Bebida é um inferno. Estou lutando para
escapar da submissão ao vício. Sofro de
diabetes, estou ainda muito magro, mas já
ganhei alguns quilos. Algo me diz que vou
sair
dessa."
Jorge, 41 anos, funcionário público
O teste feito pela USP custa 80 reais. Ele sempre acusa quem fez o consumo recente
de drogas – no caso da maconha, com até vinte dias de antecedência ao teste, e, no
da cocaína, em torno de uma semana. Além de precisos quanto aos resultados, os
exames têm a vantagem de preservar a identidade do funcionário. Há vários tipos de
testes. Um deles é feito com um kit barato e "seu resultado é discutível", alerta a
toxicologista Eliani Spinelli, da USP. "Se é um teste rápido, para saber se um motorista
pode ou não dirigir um caminhão, por exemplo, há a vantagem de apresentar
resultado imediato. Mas, mesmo assim, é passível de erro de avaliação. Qualquer
medicamento ingerido pelo funcionário que está sendo testado pode mascarar o exame
e torná-lo sem efeito.
A Esso e a Shell, por essas razões, preferem enviar o material para ser examinado nos
Estados Unidos. A Esso faz exame de urina para admissão a qualquer cargo e para dez
drogas. O candidato aprovado sabe que toda sua vida funcional será marcada por
testes até a aposentadoria. "O clima é de descontração quando no dia do exame
50
podem se encontrar no serviço médico o motorista, um contador, um vigilante, o
tesoureiro e o presidente da empresa", diz o médico José Carlos Mello, que há cinco
anos comanda o trabalho de reabilitação da Esso. A escolha é aleatória e feita por um
programa de computador automatizado. Após a seleção, pela manhã, o próprio
computador envia um e-mail e solicita a ida do destinatário ao serviço médico. "Alguns
vão discretamente, outros, com naturalidade e outros, ainda, com humor", comenta
um funcionário. O fundamental é que eles vão.
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