CIÊNCIAS SOCIAIS MÓDULO 1 - INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO CIENTÍFICO SOBRE O SOCIAL e TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DO SÉCULO XVIII Apresentação Prezado aluno O objetivo deste texto é fornecer aos alunos do SEPI/SEI material de apoio para o acompanhamento da disciplina Ciências Sociais. A primeira questão que é necessário explicitar é: qual o sentido do aprendizado das Ciências Sociais na formação universitária? As Ciências Sociais definem-se a partir da possibilidade do homem contemporâneo de compreender a realidade social na qual vive a partir de uma perspectiva científica. A Sociologia como ciência é vista por MILLS (1965) como um conhecimento capaz de conduzir o homem comum a compreender os nexos que ligam sua vida individual com os processos sociais mais gerais. Como o homem comum não tem consciência da complexidade da realidade social, o autor afirma que a superação desta condição de alienação dá-se com o desenvolvimento do que chama “imaginação sociológica”, que possibilite “usar a informação e desenvolver a razão”. IANNI (1988) afirma que o mundo depende da Sociologia para ser explicado, para compreender-se, e sem a Sociologia talvez o mundo seria mais confuso e incógnito. Desde modo, a Sociologia atua como “autoconsciência” da sociedade. Outro autor que se volta para refletir sobre o sentido da Sociologia é GIDDENS (2001) que atribui a esta ciência um papel central para a compreensão das forças sociais que vêm transformando nossas vidas. Para ele, a vida social tornou-se episódica, fragmentária e marcada por incertezas, para cujo entendimento deve contribuir o pensamento sociológico. Todos nós vivemos em sociedade e pela nossa condição humana somos capazes de elaborar uma visão sobre o mundo, formular hipóteses e opiniões sobre os eventos sociais. Mas isto ainda não é ciência. O que vai caracterizar a reflexão científica sobre o social é a utilização de métodos adequados de análise e formulação de teorias. Então, iniciamos nosso curso discutindo o processo de formação de um pensamento científico sobre o mundo social. Mas afinal, o que se estuda nesta disciplina? Vamos procurar conhecer sobre a perspectiva científica a sociedade capitalista, na qual estamos todos imersos. Para tanto, é necessário refletir sobre os fundamentos deste modelo de organização social que se desenvolveu na Europa a partir do século XV. Num segundo momento, vamos discutir rapidamente um conjunto de transformações sociais que ocorreram na Europa no século XVIII que conduziram o sistema capitalista (nosso objeto de estudo) a se afirmar como hegemônico no mundo. Em seguida, discorrer sobre as principais contribuições de autores clássicos da Sociologia. O objetivo deste item é refletir conjuntamente sobre a pertinência das análises destes autores para compreensão do mundo atual. Não podemos deixar de discutir a sociedade brasileira, por isso vamos abordar como se deu a inserção do Brasil no sistema capitalista. A industrialização, urbanização e procurar compreender de que maneira criamos um sistema econômico dependente de recursos e tecnologia externa. De posse de referências mais consistentes sobre o sistema capitalista, voltarnos-emos para a compreensão da sociedade atual. Vamos discutir o que é a globalização, o impacto das novas tecnologias e seguimos analisando as transformações no mundo do trabalho, que têm conduzido os processos de precarização do trabalho, desemprego e informalidade. No senso comum é usual encontrarmos pessoas simples que atribuem todas as mazelas de sua existência ao governo e “aos políticos”. Como queremos fugir do senso comum, vamos refletir afinal o que é política? Poder? Qual o papel do Estado? É importante a participação política? Dedicaremos os últimos tópicos do nosso curso para discutirmos as questões urbanas. Sabemos hoje que a maior parte da população brasileira vive em áreas urbanas e estas são portadoras de inúmeros problemas, como a questão ambiental e a violência. Não podemos deixar de discutir sob uma perspectiva científica estes problemas. Por fim, trataremos dos movimentos sociais, pois a vida em sociedade é extremamente dinâmica e marcada por lutas constantes de grupos sociais que defendem interesses específicos. No final, espera-se que, vocês, alunos, tenham desenvolvido um olhar mais crítico sobre a sociedade, o que, com certeza, irá contribuir para o seu aprimoramento profissional. Bons estudos! Profª. Josefa Alexandrina Silva 1. INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO CIENTÍFICO SOBRE O SOCIAL 1.1 As origens do pensamento científico sobre o social Desde que o ser humano desenvolveu a capacidade de pensar, busca explicações para os fenômenos que o circundam. A partir desta preocupação básica, o homem torna-se produtor de conhecimento sobre o mundo. Num primeiro momento, as explicações sobre o funcionamento da natureza e da vida humana são dadas a partir de mitos, depois cria-se a religião, a filosofia e a ciência. O conhecimento mítico manifesta-se através de um conjunto de estórias, lendas, crenças. Os mitos carregam mensagens que traduzem os costumes de um povo e constituem um discurso explicativo da vida social. O mito se explica pela fé, sem a necessidade de comprovação. Segundo Meksenas, “o mito fez com que o ser humano procurasse entender o mundo através do sentimento e busca da ordem das coisas”.1 Na medida que o homem desenvolve sua consciência, sente necessidade de descobrir as leis que regem o mundo e procura entendê-lo de um modo racional. Enquanto o mito, através de estórias contribuía para o homem aceitar o mundo, a filosofia atuava no sentido de compreender o porquê das coisas. O conhecimento filosófico também é valorativo, mas se apóia na formulação de hipóteses, é pautado na razão e tem como finalidade buscar uma representação coerente da realidade estudada. Como afirma Lakatos, “o conhecimento filosófico é caracterizado pelo esforço da razão pura para questionar os problemas humanos e poder discernir entre o certo e o errado, unicamente recorrendo às luzes da razão humana”.1 A importância da civilização grega (300 a.c.) para a história da humanidade, foi que, nesta civilização, nasceu a filosofia. Para aprofundar os estudos, vale a pena a leitura de autores como Platão e Aristóteles. Como afirmava Sócrates “não existe no mundo conhecimento pronto, acabado e que se desejamos chegar à raiz do conhecimento, devemos – em primeiro lugar – criticar o que já conhecemos”.2 O conhecimento religioso apóia-se em doutrinas valorativas3 e suas verdades indiscutíveis. É um tipo de conhecimento que não se apóia na razão e na experimentação, mas na fé da revelação divina. O conhecimento religioso impôs-se como conhecimento dominante no mundo ocidental durante o período medieval. O cristianismo impediu o desenvolvimento de outras formas de conhecer a realidade e constituiu-se num saber “todo poderoso” que justificava o poder de uma instituição: a igreja católica. As transformações que ocorreram no mundo a partir do século XVI, com as grandes navegações, internacionalização do comércio, são acompanhadas pela crítica ao poder eclesiástico de explicar a realidade. Com a desagregação do mundo feudal, é conferida ao saber científico uma importância única. Existe uma necessidade histórica de formular um saber que permitisse estabelecer um critério de verdade funcional. A razão, ou a capacidade racional do homem de conhecer é definida como elemento essencial que se colocaria frontalmente contra o dogmatismo e a autoridade eclesial, criando-se, pois uma nova atitude diante da possibilidade de explicar os fatos sociais.1 O conhecimento científico pauta-se na realidade concreta, é baseado na experimentação e não apenas na razão. É um saber que possui uma ordenação lógica e busca constantemente se repensar. A característica elementar do pensamento científico é a busca constante da verdade através do desenvolvimento de métodos de análise. Portanto, mito, religião, filosofia e ciência são formas de conhecimento produzidas pelo ser humano. O sentido da busca de conhecimento é chegar à verdade. Ponto de reflexão: Qual a diferença entre conhecimento mítico, filosófico e científico? Por que a universidade é o espaço do pensamento científico? O compromisso da universidade é com o conhecimento científico. Portanto, foge aos nossos objetivos discutir os problemas sociais com base no pensamento religioso ou do senso comum. 1.2 A Sociologia pré-científica O termo “sociologia pré-científica” foi emprestado da Professora Cristina Costa que se refere ao pensamento social anterior ao desenvolvimento da Sociologia como ciência. Tratase do pensamento filosófico que se desenvolveu a partir do Renascimento e estende-se até a Ilustração. Nesta unidade, vamos citar a contribuição de alguns filósofos para a compreensão das transformações sociais que culminaram com o desenvolvimento do capitalismo. Para relembrá-los, é o que pretendemos analisar no decorrer deste curso. A partir do século XV significativas mudanças ocorrem na Europa, começa uma nova era para a organização do trabalho, e o conhecimento humano também sofre modificações. O ser humano deixa de apenas explicar ou questionar racionalmente a natureza, para se preocupar com a questão de como utilizála melhor. Essa nova forma de conhecimento da natureza e da sociedade, na qual a experimentação e a observação são fundamentais, aparece neste momento, representada pelo pensamento de Maquiavel (1469-1527), Galileu Galilei (15641642), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650). O pensamento social do Renascimento expressa-se na criação imaginária de mundos ideais que mostrariam como a realidade deveria ser, sugerindo, entretanto, que tal sociedade seria construída pelos homens com sua ação e não pela crença ou pela fé.1 Thomas Morus (1478-1535) em “A Utopia” defende a igualdade e a concórdia. Concebe um modelo de sociedade no qual todos têm as mesmas condições de vida e executam em rodízio os mesmos trabalhos. Maquiavel, em sua obra “O Príncipe”, afirma que o destino da sociedade depende da ação dos governantes. Analisa as condições de fazer conquistas, reinar e manter o poder. A importância dessa obra reside no tratamento dado ao poder, que passa a ser visto a partir da razão e da habilidade do governante para se manter no poder, separando a análise do exercício do poder da ética. Segundo (COSTA:2005,35) as idéias de Thomas Morus e Maquiavel expressam os valores de uma sociedade em mudança, portam uma visão laica1 da sociedade e do poder. Com a Ilustração2, as idéias de racionalidade e liberdade convertem-se em valores supremos. A racionalidade aqui é compreendida como a capacidade humana de pensar e escolher. Liberdade significa que as relações entre os homens deveriam ser pautadas na liberdade contratual. No plano político, isto significa a livre escolha dos governantes, colocando em xeque o poder dos monarcas. Os filósofos iluministas concebiam a política como uma coletividade organizada e contratual. O poder surge como uma construção lógica e jurídica. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), em sua obra “O contrato social”, afirma que a base da sociedade estava no interesse comum pela vida social, no consentimento unânime dos homens em renunciar as suas vontades em favor de toda a comunidade3. Identificou na propriedade privada a fonte das injustiças sociais e defendia um modelo de sociedade pautada em princípios de igualdade. Diferentemente de Rousseau, John Locke (1632-1704) reconhecia entre os direitos individuais e o respeito à propriedade. Defendia que os princípios de organização social fossem codificados em torno de uma Constituição. Concluímos que a sociologia pré-científica é caracterizada por estudos sobre a vida social que não tinham como preocupação central conhecer a realidade como ela era, e sim propor formas ideais de organização social. O pensamento filosófico de então já concebia diferenças entre indivíduo e coletividade, e como afirma (COSTA:2005, 49) “Mas, presos ainda ao princípio da individualidade, esses filósofos entendiam a vida coletiva como a fusão de sujeitos, possibilitada pela manifestação explícita das suas vontades”. 1.3 O pensamento científico sobre o social Até aqui percebemos que a preocupação em conhecer e explicar os fenômenos sociais sempre foi uma preocupação da humanidade. Porém a explicação com base científica, é fruto da sociedade moderna, industrial e capitalista. A formação da Sociologia no século XIX significou que o pensamento sobre o social desvinculou-se das tradições morais e religiosas. Como afirma Costa: 2005,18. “Tornava-se necessário entender as bases da vida social humana e da organização da sociedade, por meio de um pensamento que permitisse a observação, o controle e a formulação de explicações plausíveis, que tivessem credibilidade num mundo pautado pelo racionalismo”. Augusto Comte (1798-1857) foi o autor que desenvolveu, pela primeira vez, reflexões sobre o mundo social sob bases científicas. Em sua análise sobre o mundo social, compreendia a sociedade como um grande organismo, no qual cada parte possui uma função específica. O bom funcionamento do corpo social depende da atuação de cada órgão. Segundo Comte, ao longo da história a sociedade teria passado por três fases: a teológica, a metafísica e a científica. Concebia a fase teológica como aquela em que os homens recorriam à vontade de Deus para explicar os fenômenos da natureza. A segunda fase, o homem já seria capaz de utilizar conceitos abstratos, mas é somente na terceira base, correspondente à sociedade industrial, que o conhecimento passa a se pautar na descoberta de leis objetivas determinantes dos fenômenos. Comte procurou estudar o que já havia sido acumulado em termos de conhecimentos e métodos por outras ciências como a matemática, biologia, física, para saber quais deles poderiam ser utilizados na sociologia. O conhecimento sociológico permite ao homem transpor os limites de sua condição particular para percebê-la como parte de uma totalidade mais ampla, que é o todo social. Isso faz da sociologia um conhecimento indispensável num mundo que, à medida que cresce, mais diferencia e isola os homens e os grupos entre si. 2 TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DO SÉCULO XVIII 2.1 Revoluções burguesas Por revoluções burguesas entende-se um conjunto de movimentos que ocorreram no século XVIII na Europa e nos Estados Unidos. O que caracterizou estes movimentos foi sua capacidade de suplantar as formas de organização social feudais1. A importância dessas revoluções é que estimularam o desenvolvimento do capitalismo, pondo fim às monarquias absolutistas, eliminaram as barreiras que impediam o livre desenvolvimento econômico. 2.1.1 Revolução Francesa No final do século XVIII a monarquia francesa procurava garantir os privilégios da nobreza em um contexto no qual crescia a miserabilidade do povo. A burguesia também opunha-se ao regime monárquico, pois este não permitia a livre constituição de empresas, impedindo a burguesia de realizar seus interesses econômicos. Em 1789, com a mobilização das massas em torno da defesa da igualdade e da liberdade, a burguesia toma o poder e passa a atuar contra os fundamentos da sociedade feudal. Procura organizar o Estado de forma independente do poder religioso e promove profundas inovações na área econômica ao criar medidas para favorecer o desenvolvimento de empresas capitalistas. As massas que participaram da revolução logo foram surpreendidas pelas medidas da burguesia, que proibiram as manifestações populares, e os movimentos contestatórios passaram a ser reprimidos com violência. 2.1.2 Revolução Industrial A Revolução Industrial eclodiu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII. Ela significou algo mais do que a introdução da máquina a vapor e aperfeiçoamento dos métodos produtivos. A revolução nasceu sob a égide da liberdade: permitir aos empresários industriais que desenvolvessem e criassem novas formas de produzir e enriquecer. Aparecimento da maquina a vapor ↓ Aumento da produção ↓ Melhoria nos transportes ↓ Crescimento das cidades Desde modo, a Revolução Industrial constitui uma autêntica revolução social que se manifestou por transformações profundas na estrutura institucional, cultural, política e social. O desenvolvimento de técnicas leva os empresários a incrementar o processo produtivo e aumentar as taxas de lucro. Isto leva os empresários a se interessar cada vez mais pelo aperfeiçoamento das técnicas de produção, visando produzir mais com menos gente. A relação de classes que passa a existir entre a burguesia e os trabalhadores é orientada pelo contrato – o que permite inferir que há liberdade econômica e a democracia política – temos o trabalhador livre para escolher um emprego qualquer e o empresário livre para empregar quem desejar1. Ela significou uma profunda transformação na maneira dos homens se relacionarem. Ponto de reflexão: O trabalho sempre foi uma fonte de riquezas? Aspectos importantes da Revolução Industrial 1. A produção passa a ser organizada em grandes unidades fabris, onde predomina uma intensa divisão do trabalho. 2. Aumento sem precedentes na produção de mercadorias. 3. Concentração da produção industrial em centros urbanos. 4. Surgimento de um novo tipo de trabalhador: o operário A Revolução Industrial desencadeou uma maciça migração do campo para cidade, tornando as áreas urbanas o palco de grandes transformações sociais. Formam-se as multidões que revelam nas ruas uma nova face do desenvolvimento do capitalismo: a miserabilidade. No interior das fábricas as condições de trabalho eram ruins. As fábricas não possuíam ventilação, iluminação e os trabalhadores eram submetidos a jornadas de trabalho de até 16 horas por dia. Era usual nas fábricas a presença de mulheres e crianças a partir de 5 anos atuando na linha de produção. Quanto aos homens, amargavam a condição de desemprego. Os problemas sociais inerentes à Revolução Industrial foram inúmeros: aumento da prostituição, suicídio, infanticídio, alcoolismo, criminalidade, violência, doenças epidêmicas, favelas, poluição, migração desordenada... Ponto de Reflexão: Nos dias de hoje, as condições de vida dos trabalhadores melhoraram? Por fim, é preciso esclarecer que os problemas acima expostos são típicos da sociedade capitalista. Torna a vida em sociedade altamente complexa, por isso precisamos de uma ciência para compreender os nexos que ligam à realidade.