Evolução do cavalo – perspectiva dentária

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GÉNESE EQUINA
Evolução do cavalo – perspectiva dentária
Dr. Manuel Lamas
Figura 1 - Ilustração do
Hyracotherium/Eohippos
(Cortesia de: http://imh.org)
O ancestral do cavalo moderno
(Equus caballus) chamado Hyracotherium ou Eohippus (Figura 1)
viveu na América do sul, e depois
em toda América e Euroásia, acerca
de 50 a 60 milhões de anos atrás.
A sua dieta consistia de uma variedade de plantas e folhagens ricas
e suculentas que causavam muito
pouco atrito dentário. De facto, a
sua dentição era muito parecida
com a actual dentição humana (braquidontes). Contudo, com subsequentes mudanças climáticas e de
habitat durante os períodos Oligoceno
e Mioceno (Figura 2) este pequeno
animal do tamanho de um cão, migrou
e adaptou-se a novas dietas agora
muito abundantes na Terra – pastagens
de estepes, pradarias e tundras. Isto
significou que o ancestral do cavalo
passou a alimentar-se fundamentalmente de fibras de celulose, um composto de difícil mastigação e digestão.
Para além de outras adaptações
do aparelho digestivo, os variados
estádios evolutivos do cavalo moderno tiveram de “criar” uma dentição que suportasse a preensão e a
mastigação destas fibras muito abrasivas e assim disponibilizá-las para a
tão importante digestão microbiana
intestinal. Assim, constata-se que a
dentição equina evoluiu brilhantemente para incluir inovações que a
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Figura 2 –
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(Cortesia de: ht
adaptaram à dieta de fibra grosseira.
(ver tabela 1 na página 79)
Por volta do ano de 2.000 AC, o
cavalo foi domesticado pelo Homem.
Com tal acontecimento o efectivo
domesticado sofreu transformações
muito significativas a dois níveis.
Em primeiro lugar, o Homem iniciou
um processo de selecção com vista a
criar raças tão variadas desde os pequenos póneis Miniatura até aos majestosos Shire sempre em função de
parâmetros funcionais como a rapidez,
a beleza, a força, e etc, e nunca em
função das suas qualidades dentárias.
Apesar de se poder supor que existirá
uma influência indirecta da qualidade
da dentição no desempenho de cada
indivíduo, e subsequentemente uma
interferência nos processos de selecção, esta não poderá ter sido nunca
decisiva. Efectivamente verifica-se que
raças com uma selecção humana mais
activa têm uma maior taxa de anomalias
dentárias e não só. Verifica-se também,
que raças muito grandes ou muito
pequenas têm uma incidência maior
de patologias dentárias.
Em segundo lugar, o Homem mudou
a dieta do cavalo. Foram introduzidos
novos alimentos e alteradas as apresentações dos alimentos até aí conhecidas pelo cavalo (exemplos: métodos
de preservação de pastagens como
os fenos, palhas, fenosilagens, etc).
GÉNESE EQUINA
Nas últimas décadas verificou--se
um avanço muito significativo no nosso
conhecimento da nutrição equina. Fabricam-se hoje em dia concentrados
com valores energéticos e de digestibilidade altíssimos o que para o “cavalo
da pradaria” que evoluiu durante milhões de anos para comer pastagens
naturais de fraca qualidade constitui
uma mudança muito marcada. Independentemente dos óbvios benefícios
produtivos que advêm de uma dieta
muito rica, ao nível dentário vão existir
consequências. Quando se introduz
um concentrado na dieta, automaticamente o cavalo vai ter necessidade
de comer menos fibra o que vai causar
uma diminuição drástica do tempo
passado a mastigar e uma alteração
do padrão mastigatório (de latero-lateral para uma mastigação vertical).
O período de mastigação do cavalo
domesticado diminuiu ainda mais devido ao acesso condicionado à pastagem e com os fenos de qualidade de
hoje em dia, pois a sua necessidade
de ingerir fibra é inversamente proporcional à qualidade da fibra que lhe
é oferecida. Assim, o cavalo para satisfazer as suas necessidades energéticas
passa em média oito a dez horas a
comer por dia com picos de actividade
coincidentes com as horas da “refeição”, o que comparado com o cavalo
da pradaria que passa dezasseis horas
diárias a pastar e a deambular é uma
diferença significativa.
Todas estas mudanças originam uma
menor erosão dentária e um uso mal
distribuído da superfície dentária de
mastigação. Alheios a estes factos, os
dentes continuam o seu processo
normal de erupção e portanto vãose criando desigualdades ou mesmo
sobre-crescimentos pontuais no seu
perfil, que podem chegar a causar
impossibilidade de mastigação, como
também vão acentuando as suas normais arestas cortantes até ao ponto
de formarem úlceras dos tecidos
moles da boca. Estão também descritos
na literatura científica, outras patologias
de origem nutricional, entre eles destaca-se as cáries dentárias e a doença
periodontal.
Deste modo, podemos concluir
que a saúde dentária do nosso cavalo
está intimamente ligada à sua dieta e
como tal devemos manter sempre
presente que o cavalo não pode viver
sem ter uma considerável proporção
de fibra diária, pois foi para isso que
ele se especializou durante milhões
de anos, facto que não se pode ultra-
passar em apenas umas décadas. É
de realçar, que ao termos domesticado
o cavalo e introduzido tantas novas
premissas na sua vida, temos também
a obrigação de proporcionar cuidados
dentários que permitam adaptar a
natureza do cavalo a essas mudanças.
Devemos também ter em conta nos
nossos critérios de selecção, taxas de
incidência de malformações e patologias dentárias detectadas, para que
responsavelmente seleccionemos os
indivíduos mais aptos e que assim nos
trarão maior prazer, melhores resul-
1 - Algumas destas inovações
anatómicas do cavalo são comuns
a outras espécies
tados e avanços de bem-estar animal.
Terminando, relembro que o estudo
da interessante história do cavalo
pode-nos ajudar muito a compreender
melhor o presente e a ajustarmos o
nosso conhecimento à realidade deste
maravilhoso animal. n
Bibliografia
Dixon, P.M., (1999) Dental Anatomy.
Em: Equine Dentistry. 1ª Edição, Ed.
Baker, G.J. e Easley, J., W.B. Saunders,
London, 3-14.
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Applied equine nutrition. Ed. Lindner, A.,
Wageningen Academic, The Netherlands,
27-40.
l http://sciencerevolution.net
l
Figura 3 – Dente de equídeo. Repare nas linhas brancas (esmalte) que se inserem na
estrutura interna do dente. Repare também na superfície ondulada que aumenta em um
terço o total de superfície de contacto
Manuel Lamas - Cert EP MRCVS Médico Veterinário
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