O emprego de substratos na produção de plantas

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O EMPREGO DE SUBSTRATO NA PRODUÇÃO DE PLANTAS PARA ARBORIZAÇÃO
URBANA
Atelene N. Kämpf
http://chasqueweb.ufrgs.br/~atelene.kampf
Porto Alegre, RS
A produção de plantas para a arborização urbana, assim como para o paisagismo, é
geralmente realizada em viveiros de plantas ornamentais, em iniciativas privadas ou
governamentais.
O atual desenvolvimento da cadeia produtiva de flores e plantas ornamentais no Brasil tem
gerado a ampliação das demandas regionais, provocando o aumento na escala da produção. Com a
expansão da consciência ecológica e a implantação de leis de preservação ambiental, as antigas
técnicas de produção e preparo de mudas estão sendo substituídas por procedimentos mais
modernos, visando à qualidade do produto e sua padronização. Especialmente nos últimos 10
anos, avanços tecnológicos especializados vêm expandindo a produção nacional de plantas e
mudas vegetais cultivadas fora do solo in situ. As plantas são produzidas, cultivadas e
comercializadas em recipientes, onde se destaca o papel dos substratos.
Nos viveiros, a produção de plantas passa por diferentes etapas (Figura 1), tais como:
a) propagação - feita através de sementes ou por via vegetativa, como estaquia e suas
variáveis (microestaquia e micropropagação). Nesta fase, plântulas e estacas sofrem intensas
modificações morfológicas e fisiológicas, que vão se expressar conforme as potencialidades
genéticas da planta-matriz, sob forte influência do ambiente onde foram colocadas. Mudas
micropropagadas (ex-vitro) passam por um estádio de aclimatização, quando são retiradas do
ambiente com condições controladas artificialmente (principalmente luz, temperatura, nutrientes,
umidade e condições fitossanitárias) para serem introduzidas em condições semi-controladas, até
sua completa adaptação ao ambiente natural, onde será desenvolvida. De forma semelhante às
plântulas e estacas, mudas ex-vitro passam por diversas alterações na formação de seus tecidos,
como efeito direto da manipulação dos protocolos de propagação em laboratório. Os recipientes
usados na fase de propagação geralmente são de manejo coletivo, como sementeiras e bandejas
multicelulares, de poucos centímentros de altura, ou individualizados, como tubetes pequenos (até
100 mL de capacidade), com reduzidas dimensões de diâmetro. Para tais recipientes, buscam-se
substratos com densidade a mais baixa possível, alta porosidade e boa capacidade de agregação,
que forme um torrão leve e coeso em torno das raízes.
b) crescimento inicial - fase logo após a propagação, quando os tecidos, ainda muito
jovens, estão formando as bases da estrutura da futura planta. Nas fases de propagação e
crescimento inicial, a muda está mais susceptível às condições externas – tanto do ambiente aéreo
como do entorno das raízes. Por isso, a preocupação do viveirista deve se concentrar em otimizar
todos os fatores de crescimento disponíveis às mudas, priorizando a higiene e a organização do
local, tal qual exige um verdadeiro “berçário”. Os recipientes usados para o crescimento inicial
podem ser sacos plásticos ou tubetes médios a grandes, geralmente mais altos do que os usados
para a propagação. Ao receber a irrigação, o substrato em tais recipientes deve reter um volume de
água suficiente para a planta absorver num ciclo de 12 a 24 horas; a drenagem deve ser suficiente
para disponibilizar espaços cheios de ar na superfície do recipiente; a densidade pode ser um
pouco superior à da fase de propagação, especialmente se o substrato tiver também a função de
manter em pé o saco plástico e a planta.
c) planta-jovem – nesta fase o viveirista define a base da arquitetura que a planta deverá
apresentar quando adulta, através do manejo de podas. A muda permanece no viveiro por períodos
variáveis, até o ponto de transplante ou venda. O recipiente, que acompanha a muda até seu
plantio, é geralmente do tipo sacola plástica, com diâmetro maior do que 10cm e altura variável
conforme a espécie em cultivo e o tamanho da muda. Como as mudas serão transplantadas para o
solo, é importante que o substrato tenha características mais similares ao solo mineral, como
densidade e retenção de água. Esta preocupação poderá evitar perda de mudas por
incompatibilidade entre materiais numa mesma cova. Por exemplo, quando as raízes da muda
estão circundadas por um substrato muito leve e poroso, com rápida drenagem, é possível que falte
água diretamente no entorno das raízes quando forem transplantadas para a cova, pois o torrão
secará mais rápido do que o solo circundante. Materiais similares se integram mais rapidamente,
evitando tais efeitos.
Assim como cada fase da formação da muda apresenta demandas especiais quanto ao
tamanho e tipo de embalagem associadas às práticas culturais, o substrato usado nos recipientes
deve ser capaz de corresponder às necessidades das fases em questão, exercendo seu papel básico
como meio de cultivo, até que a muda esteja no solo - objetivo das plantas para arborização
urbana.
Figura 1
Nas diferentes fases da produção de mudas são usados diversos tamanhos de recipientes. À
esquerda, acima: germinação, em plugs (bandejas multicelulares); à esquerda, ao centro:
método de “transpiração” para enraizamento de estacas herbáceas; à esquerda, abaixo:
plantas para ajardinamento, em ponto de venda; à direita, acima: adaptação de mudas de
palmeiras para transporte; à direita, abaixo: mudas de araucária em sacos plásticos.
Mas, o que é o substrato e como ele funciona?
O substrato é o meio poroso onde se desenvolvem as raízes de vegetais cultivados fora do
solo in situ. Na legislação brasileira, este produto foi oficialmente chamado de substrato para
plantas, diferenciando assim de outros significados dados à palavra “substrato” em outras áreas do
conhecimento. Informalmente, nos referimos ao seu nome oficial pela sigla “SPP”. Na literatura
internacional especializada encontram-se vários nomes em inglês para se referir a SPP, como
growing media, plant substrate, potting soil, artificial soil , entre outros.
O solo mineral, recobrindo a crosta terrestre, pode ser considerado o “substrato natural por
excelência”. Considerado um substituto do solo para o cultivo de plantas em recipientes, SPP tem
características diferentes das de um solo mineral. Tais diferenças são muito importantes e devem
ser compreendidas para o seu correto manejo. Entre estas, destacam-se:
a) a primeira função do substrato é a sustentação física do vegetal no vaso. Portanto, o
substrato deve permitir sua interação com o sistema das raízes.
b) o substrato é o receptor (da água, dos nutrientes e do ar) e o “gerenciador” de sua
retenção e liberação, conforme as necessidades da planta. Mas é o viveirista que fornece a água e
os nutrientes necessários à vida vegetal; nessa atividade, sua atenção deve estar voltada para
evitar certas práticas que prejudicam a estrutura do substrato no recipiente.
c) propriedades físicas do substrato – especialmente aquelas relacionadas com a sua
economia hídrica - são influenciadas pelo recipiente onde se encontra. Se um produto é bom para
determinado tipo de recipiente, não obrigatoriamente o será em recipientes de características
diferentes.
As técnicas mais recentes de produção de mudas vegetais empregam diferentes tamanhos e
tipos de recipientes, conforme a etapa produtiva. Por estar confinado a um volume limitado, as
propriedades “ideais” do substrato podem variar conforme o tipo e dimensões do recipiente no
qual se encontra. É o tamanho do recipiente – especialmente a altura do mesmo, que define quais
as propriedades a serem buscadas no substrato. Portanto, como regra geral, pode-se afirmar que o
tamanho da planta define as dimensões do recipiente, enquanto a altura deste determina o tipo de
substrato necessário.
Na produção de espécies arbóreas, mesmo na fase de crescimento inicial, as mudas podem
ter porte avantajado, por características morfológicas próprias da espécie. Em tais casos, a fase do
cultivo, mais especificamente a idade dos tecidos em formação, é o que irá determinar o grau de
sensibilidade da planta aos fatores externos e, por conseqüência, o nível de exigências na escolha
do substrato. Por exemplo, algumas espécies de leguminosas são muito sensíveis à concentração
salina do substrato na fase de plantas jovens, mas podem diminuir esta sensibilidade na fase
adulta.
Do que é formado um substrato?
O substrato pode ser formado por um único componente, como, por exemplo: pó de coco;
casca de pinus; turfa fibrosa; ou pela mistura de dois ou mais materiais, como: casca de pinus +
vermiculita; turfa preta + casca de pinus + casca de arroz.
Usar um componente puro ou usá-lo em mistura é uma opção a ser feita, com base nos
objetivos do uso e nas características dos componentes. Quando um material apresenta uma
determinada propriedade fora do padrão desejável - geralmente propriedades físicas, tais como
densidade, porosidade, economia hídrica - seleciona-se um complemento para atuar como
melhorador ou condicionador na mistura. Esta seleção deve ter uma justificativa técnica, mais
forte do que o simples argumento de “vou usar porque está disponível”, pois isso pode piorar a
mistura, em vez de melhorá-la.
A elaboração de uma mistura se baseia, portanto, no uso de diversos componentes, os
quais podem ser classificados em três grupos (Figura 2), conforme suas funções: básicos,
complementos e aditivos.
10
30
60
materiais básicos
complementos
aditivos
Figura 2
Tipos de componentes e percentuais no volume em uma composição genérica de substrato
para plantas.
Os componentes básicos são aqueles materiais usados em maior porcentagem de volume
(em geral 60% ou mais), com função de fornecer a estrutura do substrato. Há componentes básicos
tradicionais (turfas diversas, casca de pinus, fibra e pó de coco) e alternativos (geralmente
resíduos regionais).
Os complementos ou condicionadores entram numa mistura em frações variáveis de até
30% do volume, conforme o aspecto que devem melhorar, como por exemplo: reduzir a
densidade, aumentar a porosidade ou melhorar a capacidade de agregação de uma mistura para uso
em bandejas multicelulares. Entre os condicionadores mais consagrados destacam-se a
vermiculita, a perlita ou materiais de partículas finas, tipo argila e húmus.
A indústria de substratos ainda dispõe de limitada diversidade de matérias primas
consagradas como componentes básicos e complementos; por isso, é no uso de aditivos que os
produtos mais se diferenciam, constituindo-se em importantes “segredos comerciais”. Aditivos são
componentes usados especificamente para controlar ou melhorar funções químicas e/ou biológicas
do substrato que atuam na fisiologia da planta, tais como fertilizantes, hidratantes, promotores de
crescimento, compostos orgânicos específicos, organismos vivos (antagonistas) e outros. O
acréscimo de aditivos é opcional. Quando usados, tais componentes integram a mistura em
pequenas quantidades, geralmente abaixo de 10% do volume.
Observando-se de perto os substratos, constata-se que são formados por partículas
agrupadas ou isoladas e que, entre elas, há espaços. As partículas são denominadas de sólidos (S) e
os espaços são os poros (P). Chama-se Razão de Vazios (Void Ratio, em inglês) o índice obtido
pela divisão valor P (percentual de poros no volume) pelo valor S (percentual de sólidos no
mesmo volume). Há componentes onde os sólidos predominam, como na areia, por exemplo. Em
outros ocorre o inverso, com mais poros do que sólidos, e um exemplo típico é o pó de coco
(Tabela 1).
A seleção do substrato para um determinado recipiente está relacionada à proporção entre
P e S, enquanto o bom uso do mesmo depende da forma como se maneja a relação entre P e S
durante o cultivo. Portanto, quantificar o volume de sólidos e poros é uma ferramenta prática para
se começar a compreender as propriedades do substrato e definir o seu uso.
Tabela 1
Porcentagem de poros (P), de sólidos (S) e a Razão de Vazios (relação P/S) em alguns
componentes de substrato para plantas.
Amostras de componente
Solo franco
Solo arenoso
Areia média
Solo agrícola “ideal”
Turfa preta
Turfa fibrosa
Casca de arroz carbonizada
(CAC)
Pó de coco
Poros (P)
Sólidos (S)
% volume
21
79
26
74
35
65
50
50
66
34
78
22
85
15
95
5
Razão de Vazios
relação P/S
0,26
0,35
0,54
1,00
1,94
3,54
5,66
19,00
De forma geral, quanto maior for o valor P/S, maiores serão os poros formados, conforme
pode ser observado na Figura 3.
O solo agrícola ideal é formado por 50 % de sólidos e 50 % de poros, o que corresponde à
relação P/S igual a 1. Componentes minerais naturais (sem passar por processos artificiais de
expansão) apresentam valores P/S menores do que 1. Em matérias-primas consideradas próprias
para a composição da maioria dos substratos, a relação P/S encontra-se, geralmente, igual ou
acima de 3.
As funções dos poros
As propriedades de retenção de água e de arejamento do substrato são características
determinadas pelo tamanho dos poros presentes no material. Os poros podem ser grandes, médios
ou pequenos (macro, meso e microporos), e, conforme seu tamanho, exercem funções diferentes.
Por não conseguirem reter a água recebida pela irrigação, os macroporos são os primeiros a
drenar e, por isso, estão relacionados diretamente com a formação do espaço de aeração do
substrato, sendo os responsáveis pelo ambiente das trocas gasosas entre o substrato e a atmosfera.
Os poros médios retêm água a baixas tensões, facilitando o fluxo da água disponível à planta. Nos
microporos a água é retida a altas tensões, sendo por isso de acesso mais difícil à planta, que, em
caso de necessidade, até podem absorver essa água, mas com gasto de energia.
A
B
C
D
Figura 3
Representação gráfica de um mesmo volume com diferentes relações entre poros e sólidos.
Considerando-se os campos em branco como poros (P) e os campos pretos como partículas
sólidas (S), calcula-se:
Em A, P/S = 25/75 = 0,33
Em B, P/S = 50/50 = 1,00
Em C, P/S = 75/25 = 3,00
Em D, P/S = 90/10 = 9,00
O tamanhos dos poros de uma determinada amostra é uma propriedade que:
a) pode ser alterada através do manejo do substrato. Por exemplo, pela compactação no
recipiente, poros grandes reduzem o seu tamanho, aumentando a retenção de água e reduzindo a
aeração.
b) depende da estabilidade da estrutura do material, ou seja, da capacidade de resistir à
deformação. A argila expandida rígida (cinasita) é um exemplo de excelente estabilidade de
estrutura, mantendo-se resistente à compactação.
c) será modificada em cultivos que permanecem por longos períodos num mesmo
recipiente, pois as raízes crescem, ocupando os poros do substrato.
A redução da macroporosidade em substratos de bandejas multicelulares, por exemplo,
pode ocasionar morte das mudas por excesso de umidade no pequeno espaço das raízes. Na
produção de mudas em sistema floating, tal efeito está relacionado à formação de substratos
anaeróbicos, situação comumente encontrada em aquários.
O monitoramento dessas propriedades durante o período de cultivo pode auxiliar na
identificação de práticas de manejo a serem evitadas, a fim de promover o melhor crescimento e
formação das mudas
Selecionando o substrato conforme o recipiente
Antes de elaborar ou adquirir um substrato, é preciso ter em mente o objetivo de seu uso:
onde vou usá-lo? Em que fase do cultivo? Por quanto tempo?
O fator mais marcante que diferencia o cultivo a campo do cultivo em recipiente é o
próprio recipiente: a forma, o material do que é feito, a capacidade (volume interno), e,
principalmente, a sua altura. A altura de um vaso define a sua força de drenagem, influenciando
nos volumes de ar e água que ficarão no substrato após a irrigação.
A densidade (relação massa/volume), a capacidade de retenção de água (CRA) e o espaço
de aeração (EA) de um determinado substrato são características que alteram o seu valor em
função das práticas culturais. Além disto, os valores de CRA e de EA de um mesmo material
variam conforme a altura da coluna de água no substrato, limitada pela altura do recipiente. Por
isso, a avaliação dessas propriedades deve ser realizada, na prática, diretamente no vaso a ser
utilizado. Em recipientes com poucos centímetros de altura (por exemplo: bandejas de células ou
caixas para semeadura) há proporcionalmente menos drenagem do que em tubetes (10 a 15 cm) e
nestes, a drenagem é relativamente menor de que em vasos (15 a 20 cm), onde, por sua vez, é
menor do que contêineres ou sacolas (30 cm ou mais). Os valores assim obtidos servirão de
referência nas tomadas de decisão para irrigação e fertirrigação.
A escolha do substrato conforme o recipiente é um passo fundamental no processo de
produção com qualidade. Entretanto, tal passo pouco representará se for dado isoladamente.
Substrato e recipiente se integram aos processos de irrigação e de adubação, de forma decisiva à
boa produção de mudas para posterior transplante.
Esfagno (seco)
Turfa de esfagno processada
Turfa marrom
Turfa preta
Casca de pinus
Pó de coco
Fibras de casca de coco
Vermiculita
Perlita
Cinasita (em três tamanhos)
Casca de arroz carbonizada
(CAC)
Casca de arroz queimada
(CAQ)
Figura 4
Exemplos de alguns componentes usados na elaboração de substratos para plantas.
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