BACTÉRIAS DIAZOTRÓFICAS ASSOCIADAS A VARIEDADES DE CANA-DE-AÇÚCAR CULTIVADAS NO NORDESTE Michelangelo de Oliveira Silva1, Fernando José Freire2, Júlia Kuklinsky-Sobral3, Mario de Andrade Lira Júnior4, Diogo Paes da Costa5, Marisângela Viana Barbosa5, Maria Camila de Barros Silva5 & Pedro Avelino Maia de Andrade5 Introdução As plantas podem ser consideradas um microecossistema complexo onde diferentes nichos são explorados por uma extensa variedade de bactérias, inclusive bactérias promotoras de crescimento vegetal. Dentre os diversos mecanismos de interação bactériaplanta, um de grande interesse para a cultura da canade-açúcar é a fixação biológica do nitrogênio (FBN) por bactérias endofíticas, pois se estima que a FBN pode alcançar níveis de até 60% do nitrogênio total acumulado por esta cultura [1, 2, 3]. Isto pode significar que em solos com baixos teores de nitrogênio disponível, a FBN poderá ser suficiente para satisfazer a exigência de N para a produção da cana-de-açúcar, que normalmente são suplementadas pelo uso de fertilizantes industriais [2, 3, 4, 5]. Do ponto de vista biotecnológico, bactérias que possuam mais de uma característica para a promoção de crescimento vegetal, como, por exemplo, fixar N2 e solubilizar fosfato ou produzir auxina e sideróforos, entre outras, são almejadas e rastreadas para uma possível aplicação no campo objetivando o aumento da produção agrícola. Desta forma, torna-se evidente a necessidade de um melhor conhecimento sobre estes mecanismos de interação bactéria-planta, pois assim será possível a utilização prática destes microrganismos [3, 6, 7]. Neste contexto, o presente trabalho teve o objetivo de isolar e selecionar bactérias (endofíticas e do rizoplano) fixadoras de N2 de diferentes variedades de cana-de-açúcar cultivadas no Nordeste. Material e métodos A. Material vegetal Bactérias endofíticas, de folha e raiz, e bactérias do rizoplano foram isoladas de três variedades comerciais (RB 867515, RB 92579 e RB 863129) de cana-de- açúcar (Saccharum spp.), cultivadas na Estação Experimental de Cana-de-Açúcar de Carpina/PE (EECAC) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). As amostras vegetais, quatro plantas de cada variedade, foram coletadas entre quatro e cinco meses de cultivo, sendo identificadas e levadas ao Laboratório de Genética e Biotecnologia Microbiana (LGBM) da Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG/UFRPE) para processamento das análises. B. Isolamento de Bactérias Diazotróficas Associadas à Cana-de-Açúcar Após a coleta, as amostras vegetais foram lavadas em água corrente e separadas em folha e raiz. Para o isolamento de bactérias do rizoplano, segundo Kuklinsky-Sobral et al. [6], cerca de 3g de raiz foram colocados em frascos Erlenmeyer (500ml) contendo 25g de pérolas de vidro (0,1cm de diâmetro) e 50ml de tampão fosfato salino (Phosphate Buffered Saline – PBS: 1,44g/l de Na2HPO4; 0,24g/l de KH2PO4; 0,20g/l de KCl; 8,00g/l de NaCl; pH 7,4). Estes frascos foram mantidos sob agitação (90rpm) a 28oC por 1h. Em seguida, diluições apropriadas em tampão PBS foram inoculadas, em triplicatas, em meio semi-sólido NFb, segundo Dobereiner et al. [8]. Para o isolamento de bactérias endofíticas de folha e raiz, foram utilizadas as amostras de raízes oriundas do isolamento de bactérias do rizoplano e, também, cerca de 3g de tecido vegetal de folhas. Para tanto, foi necessário um processo de desinfecção superficial, eliminando os possíveis microrganismos que se encontrem nas camadas mais superficiais do tecidos vegetais, que se consistiu nas seguintes etapas: lavagem por 1min em etanol 70%; 3min em hipoclorito de sódio (NaOCl) a 2% de cloro ativo (v/v) e 30seg em etanol 70%, seguido de duas lavagens em água destilada esterilizada. Os tecidos foram cortados, assepticamente, ________________ 1 Doutorando do PPG em Ciência do Solo, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irmãos, Recife, PE, CEP 52171-900. E-mail: [email protected] 2. Professor Adjunto do Departamento de Agronomia, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manuel de Medeiros, Dois Irmãos, Recife, PE, CEP 52171-900. 3. Professora Adjunta da Unidade Acadêmica de Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Av. Bom Pastor, s/n, Boa Vista, Garanhuns, PE, CEP 55296-901. 4. Professor Adjunto do Departamento de Agronomia, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manuel de Medeiros, s/n, Dois Irmãos, Recife, PE, CEP 52171-900. 5. Alunos de Graduação em Agronomia da Unidade Acadêmica de Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Av. Bom Pastor, s/n, Boa Vista, Garanhuns, PE, CEP 55296-901. Apoio financeiro: CAPES, CNPq e FACEPE. em pequenos fragmentos e triturados em 10ml de tampão PBS com o auxílio de cadinhos e almofarizes. Em seguida, todo o material foi transferido para tubos de 15ml e incubados sob agitação (120rpm) a 28oC por 40min. Após esta etapa, diluições apropriadas em tampão PBS foram inoculadas, em triplicatas, em meio semi-sólido NFb, segundo Dobereiner et al. [8]. Todos os inóculos do meio NFb foram incubados a 28°C por 8 dias. Após a formação de um halo de crescimento no interior do meio de cultura, transferiuse uma amostra da cultura para um novo meio semisólido NFb e incubou-se por mais 8 dias, nas mesmas condições. Após este período, o crescimento bacteriano foi purificado por esgotamento em meio NFb sólido, acrescido com 20mg/l de extrato de levedura, e incubado a 28°C por 4-5 dias. Colônias isoladas foram armazenadas em meio NFb sólido com extrato de levedura e acondicionadas a 4°C, além de serem estocadas a -20°C, em meio líquido NFb, acrescido de glicerol 20%. Resultados e Discussão Durante os experimentos de isolamento em meio NFb, seletivo para bactérias fixadoras de nitrogênio, foram coletados 78 isolados bacterianos de folha, raiz e do rizoplano das variedades RB 867515, RB 92579 e RB 863129 de cana-de-açúcar cultivadas no Nordeste. Foi observado o surgimento de diferentes grupos morfológicos, sendo selecionados isolados representantes de cada grupo. Foi possível observar uma interação entre os grupos morfológicos observados e as variedades de cana-deaçúcar avaliadas. Houve uma predominância de colônias de cor amarela e de cor verde nas três variedades de cana (Figura 1), sugerindo serem grupos bacterianos de importância na associação com a planta hospedeira, neste caso, a cana-de-açúcar. Além disso, colônias de cor branca também foram isoladas das três variedades analisadas, mas em porcentagem menor, variando entre 12 e 19%, dependendo do genótipo da planta (Figura 1). Colônias de cor esverdeada foram isoladas das variedades RB 867515 e RB 863129, 8% e 4%, respectivamente, não sendo encontradas apenas na variedade RB 92579, sugerindo uma interação bactériaplanta mais estreita (Figura 1). Em relação ao potencial para fixar N2, foi observado interação entre os tecidos vegetais e as variedades de cana avaliadas. As bactérias isoladas em NFb foram coletadas em maior percentagem das folhas e do rizoplano, para as três variedades de cana. Ressaltandose a variedade RB 867515, que apresentou 54% de isolados fixadores de folha, seguida pela variedade RB 863129 com 46% (Figura 2). A fixação biológica de N2 tem sido um dos mecanismos envolvidos na interação microrganismos-planta em diversos estudos [6, 9, 10], mostrando que bactérias fixadoras de N2 se distribuem em diferentes tecidos vegetais e apresentam interação com o genótipo da planta hospedeira. Estudos com biofertilizantes aumentaram a produção de culturas agrícolas pelas combinações de FBN, reguladores de crescimento vegetal (fitohormônios), maior disponibilidade de nutrientes no solo e controle de doenças [10]. Desde que o nitrogênio atmosférico é uma fonte renovável, a FBN é uma fonte sustentável de N2 em sistemas agrícolas. Conclusões As bactérias associadas a variedades de cana-deaçúcar, cultivadas no Nordeste, apresentam potencial aplicação biotecnológica, mais especificamente para promoção de crescimento vegetal, pois, possuem a capacidade de fixar nitrogênio, destacando-se as regiões da folha e rizoplano das variedades analisadas. Portanto, são isolados adaptados à região Nordeste e que podem ser, futuramente, aplicadas em campo, para aumentar a fixação biológica do nitrogênio para a planta hospedeira. Referências [1] URQUIAGA S., CRUZ K.H.S. E BODDEY R.M. 1992. Contribution of nitrogen fixation to sugar cane: nitrogen-15 and nitrogen balance estimates. Soil Science Society of America Journal, 56: 105-114. [2] BODDEY, R.M.; POLIDORO, J.C.; RESENDE, A.S.; ALVES, B.J.R. & URQUIAGA, S. 2001. Use of 15N natural abundance technique for the quantification of the contribution of N2 fixation to sugar cane and others grasses. Australian Journal of Agricultural Research, 28: 889-895. [3] RESENDE, A.S.; XAVIER, R.P.; OLIVEIRA, O.C.; URQUIAGA, S.; ALVES, B.J.R.; BODDEY, R.M. 2006. Longterm effects of pre-harvest burning and nitrogen and vinasse applications on yield of sugar cane and soil carbon and nitrogen stocks on a plantation in Pernambuco, N.E. Brazil. Plant and Soil, 281:339–351. [4] BODDEY, R.M.; URQUIAGA, S.; ALVES, B.J.R.; REIS, V. 2003. Endophytic nitrogen fixation in sugarcane: present knowledge and future applications. Plant and Soil 252: 139– 149. [5] POLIDORO, J.C. 2001. O Molibdênio na Nutrição Nitrogenada e na Contribuição da Fixação Biológica de Nitrogênio Associada à Cultura da Cana-de-Açúcar. (Tese de Doutorado). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, Brazil, 210. [6] KUKLINSKY-SOBRAL, J.; ARAÚJO, W.L.; MENDES, R.; GERALDI, I.O.; PIZZIRANI-KLEINER, A.A.; AZEVEDO, J.L. 2004. Isolation and characterization of soybean-associated bacteria and their potential for plant growth promotion. Environmental Microbiology, 6: 1244-1251. [7] DANHORN, T. & FUQUA, C. 2007. Biofilm Formation by Plant-Associated Bacteria. Annual Review Microbiology, 61:401–422. [8] DOBEREINER, J.; BALDANI, V.L.D.; BALDANI, J.I. 1995. Como isolar e identificar bactérias diazotróficas de plantas não-leguminosas. – Brasília: EMBRAPA – SPI: Itaguaí, RJ: EMBRAPA-CNPAB, 60p. [9] REIS, V.M.; BALDANI, J.I.; BALDANI, V.L.D.; DOBEREINER, J. 2000. Biological dinitrogen fixation in gramineae and plam trees. Critical Reviews in Plant Science, 19: 227-247. [10] COCKING, E. 2003. Endophytic colonization of plant roots by nitrogen-fixing bacteria. Plant and soil, 252: 169-175. Figura 1. A) Frequência relativa (%) das características morfológicas (cor da colônia) dos isolados bacterianos associados a três variedades de cana-de-açúcar: RB 92579, RB 867515 e RB 863129; B) Frequência relativa (%) do isolamento de bactérias diazotróficas associadas a três variedades de cana-de-açúcar: RB 92579, RB 867515 e RB 863129, em meio seletivo NFb.