Biodiversidade à venda? - Fundação Heinrich Böll

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Biodiversidade à venda?
Saiba por que o TEEB – A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade
pode transformar natureza em mercadoria
novembro 2011
A ideia parece boa. Atribuir
um valor à natureza para que ela seja preservada.
Os defensores da proposta afirmam que dar valor
não necessariamente significa dar preço. Mas, na
prática, para fazer a floresta valer mais em pé que
derrubada - ou incorporar ao cálculo econômico o
pagamento pelos serviços ambientais e ecossistêmicos - é impossível evitar a questão: quanto vale
o trabalho das abelhas (polinização), das árvores
(purificação do ar), dos rios, ou ainda a beleza
cênica e os valores espirituais atribuídos à natureza ? Quem irá vender e quem irá comprar? Como se
estruturará este mercado de ‘ativos’ ambientais? E
o principal: quem irá ganhar com isso?
São muitas as questões que envolvem o TEEB –
A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade.
Entenda o que está em jogo.
O que é o TEEB – A Economia dos Ecossistemas
e da Biodiversidade?
TEEB é a sigla em inglês para The Economics of
que é chefe da divisão de novos mercados globais
Ecosystems and Biodiversity. Vinculado ao Progra-
do banco alemão Deutsche Bank. Desde a origem, o
ma das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o
TEEB segue a tendência da valorização do chama-
estudo foi encomendado pelo G8+5, em 2007, com o
do ‘capital natural’, que vem levando à financeiri-
objetivo de criar uma metodologia para atribuir zação dos ecossistemas.
valor econômico à biodiversidade. O estudo foi coordenado pelo economista indiano Pavan Sukhdev,
O TEEB tenta resolver “a falha de mercado” que
os bens comuns representam para o capitalismo.
Recursos naturais, como ar, água, biodiversidade,
O TEEB consolida o tratamento
da natureza como mercadoria,
podendo ser medida e valorada
com precisão, apropriada
e negociada pelo mundo
corporativo.
beleza cênica etc., são públicos. Isso significa que
podem ser acessados e consumidos por qualquer
pessoa. Assim, apesar de seu alto valor para a
sobrevivência e bem-estar da humanidade, a biodiversidade ou a água não incorporam o preço como
outras mercadorias. É a chamada ‘tragédia dos
comuns’, título do famoso texto de Garret Hardin,
que foi marcante no debate sobre os limites do
Em resumo: para operacionalizar o pagamento
crescimento. Publicado em 1968, antes da primeira
pelos “serviços” ambientais, o TEEB oferece uma
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Am-
metodologia para conferir um valor econômico aos
biente Humano, realizada em 1972, em Estocolmo
componentes da biodiversidade, o que autoriza
(Suécia), ele defendia a privatização como a saída
inserir as florestas, o ar, a água, a polinização e
para preservação ambiental em vez do livre uso,
outros “serviços” dos ecossistemas no mercado glo-
que acarretaria, via de regra, a superexploração e a
bal. Assim, eles podem ser comprados e vendidos
degradação do meio ambiente.
através de títulos de crédito de compensação de
Para resolver este “gargalo de mercado”, o TEEB
propõe que a biodiversidade tenha um preço. O
valor de cada recurso natural e do serviço prestado
por ele irá variar de acordo com sua capacidade de
satisfazer “as necessidades da humanidade”, ou
melhor, do próprio capital. Com isso, o estudo pretende introduzir a biodiversidade e seus serviços
entre as alternativas de ação dos agentes do mercado financeiro diante de um cenário de escassez
dos recursos naturais.
carbono e de pagamento por serviços ambientais
(PSA) nesta nova fase de acumulação do capitalismo, chamada de “economia verde”.
A proteção da
biodiversidade vira um
negócio e a possibilidade
de sua preservação se
resume ao custo de
oportunidade.
Os valores econômicos
dependem do grau de
satisfação, mas satisfação
de quem?
O TEEB divide os valores econômicos da biodiversidade em valores de uso e valores de não uso.
Valores de uso:
Podem ser de uso direto (aqueles que beneficiam
diretamente, como o alimento, a madeira, os medicamentos, a beleza cênica e o turismo), de uso indireto (aqueles que beneficiam indiretamente, como a
regulação do clima, o armazenamento de carbono, a
manutenção dos ciclos hidrológicos), e os valores de
opção (deixar a opção ou expectativa de uso futuro
da biodiversidade, como para fins medicinais).
Valores de não uso:
Envolvem questões éticas, morais, culturais e
espirituais. Por isso, são atribuídos por um agente
independentemente de ele mesmo se beneficiar do
uso. Podem ser classificados como valores de legado
ou de existência. Valor de legado é aquele atribuído a
algo para que seja conservado para gerações futuras
(habitats, espécies ameaçadas etc.). Já os valores de
existência consideram o valor de espécies e recursos
naturais, mesmo que eles não representem uso futuro
ou atual para alguém (proteção do urso polar em seu
habitat). Com exceção dos valores de uso direto, os
demais benefícios providos pelos ecossistemas não
possuem mercado, portanto não há um preço.
Quem diz quanto custa?
Todos estes valores, assim como os culturais,
religiosos e sociais, dependem de quem é o sujei-
to que valora. As comunidades locais que detêm
para o desenvolvimento futuro de medicamentos
inúmeras formas não catalogadas de uso, mane-
e cosméticos, o mercado favorece as florestas.
jo e técnicas sociais ligadas à conservação e ao
Caso as commodities agrícolas se valorizem, não
uso sustentável da biodiversidade, com certeza
há motivo para a conservação. Ou ainda, o mer-
valoram os componentes da biodiversidade de
cado pode comprar e vender serviços prestados
forma muito diversa do estabelecido pelo TEEB. A
por agricultores para recomporem mata ciliar ou
“fórmula simplificadora” do TEEB leva à fixação de
conservarem manguezais para evitar desastres
poucas variáveis ou indicadores de diversidade, já
ambientais e deslizamentos – valor de uso indireto
que um preço imposto pelo custo de oportunidade
– se o cálculo econômico valer a pena.
para a cadeia produtiva é que irá expressar o valor
do “serviço ambiental”. Essa lógica ignora todas as
demais formas de valorização, inclusive aquelas
ligadas aos direitos humanos.
Dessa forma, será através das necessidades do
capital e da cadeia de produção que serão estipulados os “valores” pelos “serviços” prestados pela
biodiversidade e ecossistemas. Se valer a pena
financeiramente pagar para manter a floresta em
pé como “valor de opção” (especulação da terra
e dos recursos) a fim de fazer reserva de mercado
O valor econômico global da atividade
polinizadora dos insetos foi estimado
pelo INRA (Instituto Nacional de
Pesquisa Agrícola da França) em
153 bilhões de euros anuais, o que
corresponderia a 9,5% do PIB agrícola
mundial, relativo aos preços das
commodities de 2005.
Como funciona este cálculo?
Para determinar este custo de oportunidade,
Nesse exemplo, o preço pelo PSA seria calculado
pelo valor do tratamento da água. A ausência de
polinizadores, por exemplo, geraria custos adicio-
o TEEB apresenta um cenário em que compara os
nais para a agricultura, seja para dispersão mecâ-
custos de preservação da biodiversidade aos custos
nica de sementes (semeadeira, diesel, mão de obra)
gerados para a empresa com a realização dos danos
ou para regulação química de pragas (aumento dos
ambientais. O estudo determina várias formas de
custos da produção com agrotóxicos etc.). Assim, o
cálculo, mas todas elas partem do pressuposto da
serviço do beija-flor,das abelhas, dos morcegos, de
comparação entre ter um projeto de Pagamento por
vários roedores e outros animais ­– que de forma
Serviços Ambientais (PSA) e dos custos de não tê-lo. O
voluntária e gratuita prestam o serviço essencial
PSA água, por exemplo, apresenta a conta dos custos
à agricultura de dispersão de sementes –­ passaria
de investimento em pagamento por “serviços” am-
desta forma a adquirir um preço a depender do
bientais aos agricultores que preservarem as nascen-
valor das commodities agrícolas e do pacote tecno-
tes e cursos d’água em comparação aos custos com
lógico. E para estes novos proletários da natureza
estações de tratamento.
não há sindicatos que lutem por seus direitos,
contra a mais valia sobre seu trabalho.
O TEEB já está em
prática no Brasil?
O TEEB foi traduzido para o setor de negócios pela Confederação Nacional das Indústrias
(CNI) e vem sendo operacionalizado através dos
chamados Pagamentos por Serviços Ambientais, principalmente os PSA água, PSA carbono
e PSA biodiversidade, que ganham força com
as tentativas de desmonte do Código Florestal,
criação de títulos verdes relativos aos ativos
ambientais (negociáveis na Bolsa de Valores) e
a transferência da proteção das florestas para
os mercados por meio das concessões e parcerias público-privadas (PPPs), seguindo a lógica
dos custos de oportunidade e da possibilidade
de lucro.
No governo federal, o Ministério do
Meio Ambiente está trabalhando
no TEEB Brasil, a versão brasileira
do estudo, em parceria com o
Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea).
Qual o papel do TEEB na
relação Norte-Sul?
Diante do problema da conservação e do uso
sustentável dos ecossistemas e da biodiversidade,
os países criaram, no âmbito da ONU, um sistema
de “comando e controle”, que estabelece padrões
para preservação, monitora a degradação e regula as atividades que impactam o meio ambiente
ses instrumentos preveem o incentivo de medidas
de proteção e do uso sustentável da biodiversidade nos países do Sul.
Após quase 20 anos de negociação, o principal
destes mecanismos foi finalmente aprovado em
Nagoya, Japão, em outubro de 2010 na COP 10 da
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB),
dando origem ao regime de Acesso e Repartição
de Benefícios (ABS).
por meio de leis e normas. Seu objetivo é impor
limites aos países mais desenvolvidos, que histori-
Com a recepção do TEEB no Plano Estratégico
camente degradam o planeta e saqueiam recur-
da CDB e a massiva presença do setor empresarial
sos naturais dos países provedores do Sul para
e corporativo nas negociações na COP 10, os meca-
empreender seu desenvolvimento econômico.
nismos tradicionais de financiamento para garan-
Desse modo, mecanismos foram criados para que
tir políticas públicas estruturantes e efetivas a fim
houvesse o investimento financeiro destes países
de evitar a perda da diversidade biológica correm o
do Norte, como forma de “reparação” daquilo que
risco de ser rapidamente substituídos por “meca-
muitos movimentos chamam de Dívida Ecológica,
nismos inovadores”, com vistas à geração de novos
fruto de um histórico colonial caracterizado por
mercados em detrimento do cumprimento das
apropriação e exploração de recursos naturais. Es-
obrigações das Partes e objetivos da Convenção.
Sob esta ótica, o TEEB vai na contramão da
luta histórica dos movimentos pelo pagamento da
Dívida Ecológica. Corremos o risco de, ao legitimar
o TEEB e o mercado da biodiversidade, assumir-
Se precificar não é a
solução, por onde devemos
seguir?
mos politicamente que perdoamos essa dívida ou
que aceitamos que a reparação seja feita entre
particulares, sob a forma de contratos e da lógica
de geração de lucros.
Cumprir a lei é um dos caminhos. A legislação
ambiental brasileira é considerada uma das mais
avançadas do mundo. Criada em 1981, a Política
Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81) oferece
Reforma agrária e
incentivos à agroecologia
também devem ser
implementados para
que as iniciativas de
preservação do meio
ambiente não se
transformem em ações
de mercantilização da
natureza.
uma série de instrumentos para o planejamento, a
gestão ambiental e a fiscalização.
É preciso assegurar o cumprimento dos direitos
e garantias constitucionais previstos na legislação
brasileira, que define o meio ambiente como bem
comum e indivisível.
Para saber mais:
Carbon Trade Watch
Terra de Direitos
www.carbontradewatch.org
www.terradedireitos.org.br
Notícias, publicações, vídeos e fotos sobre mudan-
Este guia sobre TEEB foi baseado no documento
ças climáticas e políticas ambientais com foco no
“Pagamento por Serviços Ambientais e Flexibilização
mercado de carbono.
do Código Florestal para um Capitalismo ‘Verde’”,
Fundação Heinrich Böll
www.boell.org.br
Por meio de parcerias estratégicas, a organização
publicado pela Terra de Direitos, com apoio da Fundação Heinrich Böll, em 2011. A versão completa está
disponível no site.
alemã sem fins lucrativos atua na Amazônia, território-
REDD Monitor
-chave no debate sobre iniciativas de inserção da
www.redd-monitor.org
floresta no emergente mercado de carbono.
Notícias e análises sobre o mecanismo REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação).
Tem como objetivo fomentar o debate sobre o conceito de redução do desmatamento e da degradação florestal como forma de enfrentar as mudanças
climáticas.
A Fundação Heinrich Böll é uma organização política alemã sem fins lucrativos. Nossos
princípios fundamentais são os da ecologia e da sustentabilidade, da democracia e dos
direitos humanos, da autodeterminação, e da justiça social. Damos ênfase à democracia
de gênero, o que significa emancipação social e direitos iguais para mulheres e homens.
Com sede em Berlim, atuamos no debate de ideias e no apoio a atividades em
aproximadamente 60 países, através de 29 escritórios. No Brasil, desenvolvemos ações
nas áreas de Direitos Humanos e Sustentabilidade.
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A Terra de Direitos desenvolve e apoia ações relacionadas à promoção, defesa e
reparação dos direitos humanos. Atuamos pelos direitos humanos, principalmente pelos
econômicos, sociais, culturais e ambientais, e contribuímos com a luta emancipatória
dos movimentos populares para a efetivação desses direitos. A organização incide
nacionalmente nos diversos temas que trabalha e está presente nas regiões norte,
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e do envio de denúncias em âmbitos nacional e internacional.
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