BRASILEIROS URBANOS E SEUS COMPORTAMENTOS DE CONSUMO ALIMENTAR: MAIOR ATENÇÃO DOS DIFERENTES AGENTES DAS CADEIAS PRODUTIVAS PARA ATENDER DEMANDAS ESPECÍFICAS. [email protected] APRESENTACAO ORAL-Comercialização, Mercados e Preços THELMA LUCCHESE CHEUNG1; MARIO OTÃVIO BATALHA2. 1.UFMS, CAMPO GRANDE - MS - BRASIL; 2.UFSCAR, SAO CARLOS - SP - BRASIL. Brasileiros urbanos e seus comportamentos de consumo alimentar: maior atenção dos diferentes agentes das cadeias produtivas para atender demandas específicas. RESUMO Análises sobre as práticas alimentares dos comensais possibilitam que informações importantes quanto às especificidades dos modelos alimentares dos grupos sejam reveladas. O objetivo principal deste trabalho foi trabalho apresentar uma tipologia de consumidores de alimentos e recuperar, a partir da mesma, diferentes modelos alimentares de brasileiros urbanos, segundo suas especificidades sociodemográficas e econômicas. Mil e seiscentos indivíduos, distribuídos em quatro grandes cidades brasileiras, foram questionados quanto às suas práticas alimentares. A tipologia de consumidores de alimentos foi conseguida a partir de análises estatísticas multivariadas (correspondência múltipla e agrupamento). Os resultados revelaram que entre grupos de consumidores com perfis socioeconômico ou demográfico semelhantes, pode-se encontrar práticas alimentares distintas. Dessa forma, para que os atores ligados às cadeias produtivas de alimentos proponham ações que lhes garantam maiores vantagens competitivas, faz-se necessária a realização de estudos mais detalhados acerca dos comportamentos de consumo dos grupos. Os resultados destes estudos podem ser úteis para a tomada de decisão ao longo da cadeia produtiva, sobretudo no que concerne à proposição de ações para aumentar a eficiência dos elos da mesma. Palavras chave: comportamentos de consumo de alimentos, análise multivariada e cadeias produtivas de alimentos. ABSTRACT Analysis about human food behavior enable important information about the specific food patterns of the groups are revealed. The main objective of this work was to present a typology of consumers of food and recover from it, different food patterns of Brazilian cities, according to their specific demographic and economic. Sixteen hundred individuals distributed in four major Brazilian cities were questioned about their eating habits. The typology of consumers was obtained from multivariate statistical analysis (multiple correspondence and cluster). The results revealed that among groups of consumers with similar demographic and socioeconomic profiles, one can find different food habits. Thus, for the actors related to food supply chains propose actions that will ensure increased competitive advantage, it is necessary to perform more detailed studies about the consumption behavior of groups. The results of these studies can be useful for decision making throughout the supply chain, particularly with regard to propose actions to increase the efficiency of the links in it. k words: food consumer behavior, multicriterial analysis, productive chains. 1 1. INTRODUÇÃO O estudo dos comportamentos do consumidor de alimentos e o conhecimento de suas necessidades revelam informações importantes para o arranjo das cadeias produtivas, uma vez que a viabilidade do sistema de produção depende da comercialização dos produtos. Os investimentos em ações ao longo da cadeia, por exemplo, as melhorias nos processos de produção e de processamento, bem como as ações de escolha dos canais de comercialização podem ter sua eficiência comprometida caso os comportamentos dos consumidores não sejam analisados. De acordo com Padilla et al. (2005), a busca por informações sobre as demandas dos consumidores de alimentos representa para os atores que compõem os sistemas agroalimentares uma vantagem competitiva. Com seus diferentes hábitos, gostos e poder de compra, os consumidores exercem um importante papel na organização daqueles sistemas e, conseqüentemente, na determinação daquilo que será destinado ao mercado (PADILLA; LE BIHAN, 1997). Por tal razão, o conhecimento obtido por meio de investigação da dinâmica do consumo alimentar das populações é útil, pois ajuda a melhor compreender os modelos de consumo alimentar dominantes dos diferentes grupos sociais, bem como as evoluções globais e específicas dos comportamentos dos comedores. No que concerne às evoluções globais da alimentação, poder-se-ia citar como fatores importantes daquele processo de mudança a evolução dos modos de produção, o funcionamento do mercado, o arranjo das grandes distribuições, bem como o aumento do número de mulheres que trabalham fora dos seus domicílios, a organização do trabalho em horários flexíveis (manhã, tarde e/ou noite) e a realização de grandes deslocamentos entre o local de trabalho e a residência (MIGLIORE, 2008). Já em relação às mudanças mais específicas, além do maior acesso, de parte da população, às descobertas científicas sobre os benefícios e os efeitos nocivos dos alimentos à saúde, deve-se considerar que as práticas e gostos alimentares refletem identidades sociais que variam segundo normas sociais, por exemplo, as de ordem estética, econômica e ética, as quais revelam diferentes modelos alimentares praticados por indivíduos pertencentes a uma mesma sociedade. Ainda em relação às evoluções dos modos de consumo e o contexto temporal da alimentação humana, LAMBERT; et. al., 2005 lembram que, considerando grande parte dos países ocidentais, o melhoramento gradativo dos níveis de vida e a importância do papel social das mulheres despertam o interesse dos indivíduos por uma nova gestão do tempo destinado à alimentação (desde o ato da compra dos produtos até o seu consumo). O modelo cultural da dona de casa se torna menos aceitável e um outro modelo, o de igualdade dos gêneros, se torna mais imperativo. As diversas atividades assumidas pelas mulheres com maior nível de informação, e que atravessam períodos de melhoramento do nível de vida, acabam concorrendo com as atividades domésticas. Assim, de modo geral, a restrição de tempo vem se tornando um fator importante e determinante das escolhas alimentares dos indivíduos. Os autores lembram que, em resposta às novas demandas, os canais de distribuição de alimentos, 2 proporcionando uma otimização do tempo gasto durante as compras, ofereceu aos consumidores a possibilidade dos mesmos realizarem todas as aquisições em um mesmo local (surgimento dos super e hipermercados). Novas tecnologias de conservação dos alimentos e a modernização da cadeia do frio permitem aos consumidores uma redução da freqüência de compras de alimentos. Produtos que exigem pouca dedicação durante seu preparo (cozidos, pré-cozidos) assumem lugares importantes nas prateleiras dos supermercados, respondendo, também, às novas demandas dos consumidores. Com base no exposto e considerando-se que o desenvolvimento econômico e as evoluções dos modos de vida levam, em grande parte dos casos, a uma transferência da produção doméstica alimentar para uma aquisição dos alimentos via mercado, bem como sabendo-se que tal transferência pode alterar a organização no tempo das refeições (duração, frequência de consumo, regularidade e valor atribuído às refeições – refeições festivas e ordinárias), a organização no espaço (no domicílio ou fora do domicílio, utilização de utensílios, como garfo e faca, ou não utilização dos mesmos, quando a refeição é realizada com as mãos), o grau de comensalidade (refeição convivial ou solitária, tipo de ambiente e de serviço adotado para servir a refeição), o conteúdo das refeições (alimentos sólidos e líquidos, tipos de pratos e de culinárias) e o grau de normalização (número de pratos servidos, rituais praticados e regras de comportamentos durante as práticas alimentares) este trabalho tem como objetivo apresentar uma tipologia de consumidores de alimentos e recuperar, a partir da mesma, diferentes modelos alimentares de brasileiros urbanos, segundo suas especificidades sociodemográficas e econômicas. Os resultados apresentados neste trabalho estão inseridos em uma ampla pesquisa que procurou investigar a ação de diferentes determinantes (sociodemográficos, socioeconômicos e socioculturais) sobre as práticas alimentares de brasileiros urbanos (Cheung-Lucchese, 2007). A pesquisa maior foi financiada pela FINEPMCT, o que possibilitou a realização de entrevistas pessoais junto a 1600 consumidores brasileiros, igualmente distribuídos entre as cidades de Porto Alegre, São Paulo, Goiânia e Recife. Para a apresentação dos resultados, análises estatísticas multivariadas (correspondência múltipla e conglomerados) foram realizadas. Maiores detalhes acerca das técnicas de coleta, tratamento e análise dos dados constam a seguir. 2. REFERENCIAL CONCEITUAL O tema comportamento do consumidor é, em parte dos trabalhos que constam na literatura, tratado como um conceito genérico. Segundo Bell; Marchall (2003); Aurier; Sirieix, (2004) e Cheung-Lucchese (2007) é comum encontrar trabalhos que analisam comportamentos alimentares de modo análogo aos comportamentos de consumo de produtos de utilização frequente. Para exemplificar, poder-se-ia citar Kotler (2000). Segundo o autor, comportamentos complexos de compra estariam mais relacionados a produtos caros, com marcas de reputação e com baixa freqüência de consumo. Já os comportamentos ordinários de compra estariam mais relacionados aos produtos com baixo preço e atos frequentes de compras. Dessa forma, Kotler (2000) classifica a compra e o consumo de grande parte dos alimentos (desconsiderando, apensas, produtos chamados de luxo) como um comportamento de compra ordinário, uma vez que o ato configura um consumo habitual, em grande parte dos casos, com preço baixo, sendo adquirido sem grande envolvimento pelo consumidor. Como este trabalho considera que o caráter quotidiano e repetitivo do ato alimentar não pode resumi-lo a um ato banal e que, sobre as escolhas alimentares, agem diferentes determinantes, por exemplo, os de ordem socioeconômica, demográfica e cultural, julga-se oportuna a 3 apresentação de definições propostas por diferentes autores que utilizam de uma abordagem multidisciplinar em busca de análises mais explicativas e menos descritivas daqueles comportamentos. De acordo com Poulain (2004), um modelo alimentar consiste em um conjunto de conhecimentos acumulados de geração a geração, o qual influencia a seleção de produtos que serão adquiridos, os seus modos de preparo, os tipos de pratos e os rituais de consumo. Cada modelo deve ser compreendido como um conjunto de códigos simbólicos, os quais revelam sistemas de valores dos grupos de indivíduos de uma sociedade e, por tal razão, participam da construção de identidades sociais. Para investigar comportamentos de consumo adotados ou rejeitados por indivíduos de grupos com perfis sociodemográficos distintos, deve-se compreender que a alimentação humana não pode ser definida, apenas, como uma necessidade fundamental, mas como ferramenta a serviço da saúde, do prazer, da estética, etc (AURIER; SIRIEIX, 2004). Dessa forma, uma vez que os produtos alimentares exercem importante papel na vida quotidiana, pois suas funções vão além de fontes de suprimento de uma necessidade vital para os seres humanos, os agentes envolvidos nas cadeias de produção de alimentos deveriam aliar aos efeitos das variáveis de ordem econômica e demográfica, a ação de variáveis socioculturais (normas, valores, tabus, crenças) sobre as decisões dos consumidores quanto às suas práticas alimentares (Casotti, 2002 ; Cheung-Lucchese, 2007; Migliori, 2008). No que concerne às múltiplas ordens de restrições que podem agir sobre os comportamentos de consumo, vale apresentar uma tabela adaptada do trabalho de Aurier; Sirieix (2004), na qual são resumidos alguns fatores importantes e, também, determinantes do processo de escolha dos consumidores. Figura – Fatores determinantes do processo de compra do consumidor Características dos Indivíduos Personalidade, reações sensoriais, necessidades e motivações, atitude, grupos de referência, família, cultura. Contexto de Compra e Consumo Tempo (período do dia, mês e estação do ano), ambiente físico, presença ou ausência de terceiros, humor, aspectos do local. Produto 4 Ps do Marketing (preço, produto, ponto de venda e publicidade), alternativas de escolha, disponibilidade de informações acerca do produto. Fonte: Adaptada de AURIER; SIRIEIX (2004) AURIER; SIRIEIX (2004) explicam que, para o fator características do indivíduo, fatores psicológicos e influências socioculturais são determinantes das escolhas dos indivíduos. Além disso, reforçam que, para a melhor compreensão das escolhas alimentares, deve-se levar em conta a maneira como o indivíduo se percebe e como ele gostaria de ser percebido pelos outros que pertencem ao seu grupo de referência. Já em relação às reações sensoriais, os autores explicam que quando em contato com um produto, os cinco sentidos de um indivíduo 4 podem lhe fornecer informações e sensações que o farão efetivar ou rejeitar o consumo. A atitude do consumidor dependerá de suas crenças, preferências e relações afetivas com o objeto. A origem do consumidor é considerada pelos autores (indivíduos provenientes de meio urbano ou rural), a atividade profissional, a renda e o nível de educação são, também, variáveis explicativas dos comportamentos de consumo, fazendo parte do fator característica do indivíduo. No que concerne aos contextos de compra e consumo, vale destacar outras explicações de AURIER; SIRIEIX (2004). A análise do contexto de compra requer análise das situações que caracterizam o momento da compra, não tendo nenhuma ligação com as características do indivíduo e do produto. O tempo deve ser analisado sobre múltiplos aspectos: período do dia ou estação do ano, tempo disponível para compra, período passado entre uma compra e outra. O formato do canal de distribuição também pode influenciar as decisões do consumidor, pois variam quanto à sua formalidade. A circunstância de consumo, o contexto físico, temporal, humano, climático e social exercem influência sobre as decisões de compra. Possivelmente um consumidor não comprará os mesmos produtos para a realização de uma refeição que será consumida entre amigos e outra de modo solitário. O consumo de produtos específicos, por exemplo, a cerveja e o vinho, dependem muito do contexto. Ao que vem sendo apresentado, acrescenta-se as idéias de Corbeau; Poulain (2002) quanto aos interesses dos consumidores e as transformações dos modos de consumo. Os autores lembram que para a interpretação do consumo de alimentos um contexto histórico também deve ser levado em conta. Desde o fim do século XIX, o desenvolvimento agrícola promoveu um aumento quantitativo do consumo de alimentos. Grande parte dos consumidores de países ricos ocidentais, bem como os de países em desenvolvimento, passa a consumir por prazer e não mais para suprir uma necessidade primária. Contudo a vivência da abundância alimentar (momentos em que se privilegia consumo de proteína animal e açúcares), que faz com que as refeições realizadas no domicílio e em família sejam simbolizadas por grandes variedades de pratos apresentados à mesa, leva a problemas de sobrepeso, cada vez mais presentes em diversos estrados sociais. Já a década de 1990 é marcada por uma desconfiança dos consumidores em relação aos efeitos do açúcar, da gordura e dos colorantes e conservantes sobre a saúde humana. A alimentação fora do domicílio se torna frequente, sendo marcada pelo individualismo, a rapidez do consumo e o nomadismo. No final dos anos 1990, nos países mais ricos e posteriormente nos países ocidentais em pleno desenvolvimento, percebese um movimento de consumidores defensores de um modelo alimentar que privilegia os produtos advindos de agriculturas orgânicas e as produções que condenam a criação de animais em pequenos espaços, bem como aqueles advindos da agricultura familiar e de comércio justo e solidário. No que diz respeito ao caso brasileiro do consumo alimentar, trabalhos encontrados na literatura revelam informações interessantes acerca das escolhas dos alimentos. Julgou-se oportuna a apresentação de alguns dos dados encontrados, pois os mesmos congregam-se às informações sobre as transformações de modelos alimentares apresentadas pelos outros autores expostos neste trabalho. Enes; Vieira da Silva (2009), afirmam que, através de comparações realizadas dos resultados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2002-2003) e aqueles obtidos pelo Estudo nacional de Despesas Familiares, realizado em meados de 1970, observou-se uma maior diversificação alimentar da população brasileira. Se por um lado houve uma redução do consumo de arroz, feijão e batata, por outro, constatou-se um aumento de consumo per capta de laticínios (iogurte, queijo, requeijão), de alimentos preparados e de refrigerantes. Ao 5 realizarem uma comparação entre o aporte energético em diferentes domicílios nas regiões Norte e Sul brasileiras, Enes; Vieira da Silva (2009) observaram uma tendência comum entre os domicílios de ambas as regiões do aumento do teor de lipídios na alimentação em conformidade ao aumento da renda dos domicílios. Além disso, vale acrescentar que o aumento da renda dos domicílios implicou em redução de consumo de carboidratos. Entre os domicílios de menor renda, o maior consumo de açúcares e refrigerantes foi observado para os domicílios da região Sul. Participações mais expressivas do consumo de refeições prontas foram identificas entre os grupos, com renda maiores de vinte salários mínimos, da região Sul. Apenas as famílias que declararam faixa de renda entre vinte e trinta salários mínimos da região Sul consomem frutas, verduras e legumes segundo a quantidade preconizada pela Organização Mundial da Saúde. O maior consumo de carne vermelha foi declarado por domicílios da região Norte com as maiores rendas (mais de trinta salários), enquanto que o mesmo consumo do produto foi observado por domicílios com menor renda na região Sul (a partir de dez salários mínimos). Pereira; Andrade e Sichieri (2009), visando avaliar a evolução do consumo alimentar de mulheres residentes no Rio de Janeiro, em 1995 e outro em 2005, identifica uma redução da frequência diária do consumo de determinados produtos alimentares. Arroz, feijão, carne, macarrão, ovo, queijo e peixe são produtos que apresentaram redução da frequência de consumo diária, principalmente, entre mulheres com maiores rendas e maior número de anos de escolarização. Um modesto incremento do consumo de frutas foi observado entre mulheres que representaram o grupo de baixa escolaridade. Para as autoras tal fato foi devido a uma melhor distribuição do produto nos mercados e maior, redução do seu custo e aumento do poder de compra das classes menos favorecidas em 2003. No trabalho de Coelho; Aguiar e Fernandes (2009) as modificações dos modelos alimentares e o surgimento de movimentos de consumo mais conscientes quanto ao valor nutritivo dos alimentos e os riscos que a má alimentação pode causar à saúde são, sobretudo, explicados pelo aumento do grau de instrução escolar e, em parte, pelo aumento da renda per capita. Segundo os autores, a educação do responsável pelo domicílio influencia a escolha dos alimentos. Análises realizadas a partir dos dados da última POF revelam que, nos domicílios em que o chefe tem menor grau de escolaridade, produtos ricos em carboidratos e considerados básicos são bastante presentes naqueles lares. Levando-se em conta o que vem sendo considerado acerca dos diferentes determinantes dos modelos alimentares dos consumidores de alimentos e considerando-se que este trabalho pretende contribuir na divulgação de dados sobre os comportamentos de consumo alimentar de brasileiros urbanos, a seguir apresenta-se uma tipologia de consumidores identificada a partir de um estudo realizado em quatro grandes regiões do país. Julga-se que as informações apresentadas serão interessantes, entre outros, para os agentes que formam as cadeias produtivas de alimentos, pois serão reveladoras de dados referentes à frequência do consumo diária de determinados alimentos, do tempo destinado ao consumo das principais refeições, do local de consumo das refeições e do grau de comensalidade das mesmas (realizadas em família ou de modo solitário). 3. METODOLOGIA Conforme já mencionado, os resultados deste artigo estão inseridos em uma ampla pesquisa que procurou investigar a ação de determinantes sociodemográfico e socioeconômico sobre práticas alimentares de consumidores brasileiros. Para tanto, foram efetuadas entrevistas com 1.600 consumidores igualmente distribuídos entre Porto Alegre, São Paulo, Goiânia e Recife. 6 Uma estratificação quanto ao gênero e à renda dos consumidores foi realizada. Destaca-se, ainda, que a mesma insere-se no âmbito de um acordo entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC) e o Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (Cofecub), com a Universidade Federal de São Carlos (Grupo de Estudos e Pesquisas Agroindustriais - GEPAI) e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, pelo lado brasileiro e a École Nationale d’Ingénieurs des Techniques des Industries Agricoles et Alimentaires (ENITIAA), pelo lado francês. Para a coleta de dados, contou-se com a colaboração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Universidade Federal de Pelotas, da Universidade Federal de Pernambuco e da Faculdade Anhembi Morumbi. Quanto à pesquisa que deu origem a este trabalho, informações sobre as práticas alimentares dos consumidores entrevistados foram recuperadas a partir dados de práticas declaradas pelos consumidores (a técnica de coleta adotada foi a survey). Levando-se em conta a variedade de variáveis que compuseram o questionário, bem como sua natureza qualitativa, para a composição da tipologia de consumidores, análises estatísticas multivariadas foram adotadas como ferramentas para o tratamento dos dados. Dessa forma, o estudo das eventuais relações entre o grande conjunto de variáveis qualitativas foi possível pela adoção dos métodos análise de correspondência múltipla (ACM) e análise de cluster ou agrupamento. Por meio do emprego da ACM, os indivíduos foram separados segundo a afinidade de suas respostas. Por exemplo, consumidores que afirmam ser aposentados (uma das modalidades da variável profissão) e ter mais de 60 anos (uma das modalidades da variável idade), foram alocados, de modo a estarem próximos e em um mesmo quadrante fatorial. A partir dos resultados obtidos pela ACM, o emprego de uma análise de agrupamento serviu para reunir grupos com características semelhantes, sempre em função de um conjunto de variáveis selecionadas. Essas primeiras informações permitiram a elaboração de uma tipologia determinada por características sociodemográficas e socioeconômicas dos indivíduos. Cabe acrescentar que foi a partir dos resultados obtidos com a análise de agrupamento que informações mais precisas em relação aos interesses dos grupos de consumidores puderam ser conhecidas. Em cada grupo ou classe de indivíduos, a porcentagem apresentada ao lado de cada modalidade de variável corresponde a sua posição significativa no eixo. Assim, por exemplo, o grupo 3, composto por 10% da amostra global, foi melhor representado por consumidores que declararam as maiores rendas e maior grau de escolaridade. Maiores detalhes sobre as técnicas empregadas e citadas podem ser encontrados em Escofier & Pages (1998) e Lebart et al. (1995). Por outro lado, para a realização da análise do que foi declarado pelos indivíduos, um método de agrupamento de palavra (análise lexical) foi adotado. O método empregado é definido como análise textual do vocabulário de um grupo específico. Cabe, ainda, destacar que a realização das análises conjuntas de um grande número de variáveis, bem como da análise textual, foi possível pela utilização de um software estatístico francês (SPAD). 4. DISCUSSÃO Levando-se em conta que os indivíduos não têm comportamentos únicos e individualizados, mas têm comportamentos integrados aos grupos que pertencem e aos seus grupos de referência, neste momento, tem-se como objetivo apresentar as afinidades entre as respostas dos indivíduos, ou seja, reconhecer na amostra do estudo os grupos de consumidores que escolheram simultaneamente todas, ou praticamente todas as modalidades que melhor representaram suas práticas alimentares. Dessa forma, a partir do reconhecimento de indivíduos com tipos semelhantes de comportamentos declarados, uma primeira tipologia de 7 consumidores é proposta. Cabe ressaltar que as características que aproximam certos grupos e que, ao mesmo tempo, distanciam outros, no que concerne às práticas de consumo declaradas, ainda são explicadas como esquemas de comportamentos adaptados às restrições mais objetivas ou materiais, as quais influenciam comportamentos de consumo (entre outras, emprego do tempo, local de consumo e renda familiar). Assim, poder-se dizer que os grupos formados correspondem a nichos tipificados sobre um plano sociodemográfico. Julgou-se conveniente identificar, inicialmente, os principais grupos sociais que melhor caracterizaram a amostra entrevistada e, a partir deste resultado, analisar as relações entre tais grupos e certas práticas de consumo alimentar declaradas. As descrições que seguem dizem respeito aos resultados mais interessantes e significativos obtidos a partir da aplicação dos métodos mencionados. A figura 2 mostra como os grupos foram distribuídos nos quadrantes fatoriais. Figura 2 – Formação dos grupos sociais que melhor representaram a amostra entrevistada. Fonte: Adaptada de Lucchese-Cheung (2007). Considerando o interesse deste trabalho em conhecer as práticas alimentares declaradas, outras análises multidimensionais foram realizadas de modo a buscar por informações de comportamentos de consumo que melhor caracterizassem os grupos formados quanto aos perfis sociodemográfico e econômico (ver figura 3). Para uma melhor compreensão do leitor, vale acrescentar que em dois questionamentos, os entrevistados tiveram de escolher suas respostas em função de fotos que lhes foram apresentadas e tais repostas constarão na tipologia apresentada a seguir. Assim, a primeira 8 questão tratava do prato que mais se assemelhava àquele que era, normalmente, consumido durante a semana e nos finais de semana (as opções eram um prato leve com salada e grelhado, um prato moderado com salada, arroz com feijão, carne e batata, um prato pesado com arroz com feijão, macarrão, lingüiça e batata e o prato rápido, sendo um sanduíche). Na segunda questão, fotos de pedaços de carne lhes foram apresentadas para que os mesmos dissessem qual o pedaço de carne que mais se assemelhava ao que era consumido na semana e nos finais de semana (as opções eram foto de carne gorda, carne magra e carne com marmoreio). Figura 3 – Comportamentos de consumo alimenta dos grupos formados: tipologia de consumidores. Fonte – Adaptada de Lucchese-Cheung (2007) Uma análise dos grupos de comportamento de consumo formados e das modalidades que caracterizam melhor cada um desses grupos mostra que a modalidade tempo destinado ao consumo dos alimentos representa uma restrição que corresponde bem a evolução dos modos de vida urbanos. Considerando, então, que tal restrição influencia os tipos de contatos alimentares no que concerne, por exemplo, seu conteúdo (opção por produtos in natura ou já preparados), sua organização no espaço (no domicílio ou fora dele), seu grau de comensalidade (refeição convivial ou solitária), julga-se interessante analisar os grupos através da observação de suas especificidades de comportamentos de consumo. Em uma primeira observação da disposição dos grupos de comportamento de consumo nos eixos da figura, verificou-se uma oposição em relação aos grupos que consagram maior e 9 menor tempo para a realização das suas refeições. Assim, no quadrante superior esquerdo, os abastados, a classe média e a classe popular aparecem como modalidades características de dois grupos de comportamento de consumo distintos, mas constam em um mesmo quadrante fatorial. Em relação aos grupos localizados no quadrante inferior esquerdo, as modalidades classe popular e abastados aparecem como características desses comportamentos nos grupos 2/7 (Consumidores de alimentos à domicílio) e 4/7 (Adeptos da alimentação urbana fora do domicílio). Chama-se, então, a atenção para o fato de que certos grupos de comportamento de consumo distanciam-se em razão das especificidades de suas práticas alimentares, mas apresentam como modalidades características um mesmo grupo social (por exemplo, quando o grupo abastado aparece entre os comportamentos de consumo Adeptos da alimentação urbana fora do domicílio e Gastronômicos). Verificando-se a distribuição dos grupos de comportamento de consumo, poder-se-ia dizer que os grupos localizados no eixo fatoiral superior esquerdo diferenciam-se, de modo geral, dos demais grupos por atribuírem importância ao caráter convivial das refeições. Quanto ao grupo 5/7 chamado de gastronômicos, tal afirmação se justifica já que o maior tempo passado à mesa para a realização das refeições (na semana e no domingo) é mais importante para os indivíduos que compõem tal grupo do que o conteúdo do ato alimentar. Em relação aos grupos gourmands 3/7Conviviais Urbanos e 1/7 Conservadores, a convivialidade associada às refeições é justificada pelo fato de que as refeições realizadas no domicílio são compartilhadas pelo grupo doméstico. A consideração das refeições em família como ocasiões sociais, marcadas pela sociabilidade e partilha, pode justificar o fato desses grupos também serem caracterizados pelos maiores tempos consagrados para a realização das refeições e a escolha do prato pesado como refeição, normalmente, consumida no almoço pelo grupo 1/7 (conservadores gourmands). Cabe acrescentar que a opção pelo prato pesado também pode estar ligada a uma busca por uma maior sensação de saciedade. Deve ser destacado que tais grupos foram, igualmente, caracterizados por modalidades que revelam a realização do consumo de refeições fora do domicílio (almoço em restaurantes ou restaurantes tipo quilo para os mais abastados e o café da manha no trabalho para as classes média e popular) e, com exceção da classe popular, por domicílios em que a mulher trabalha fora e que os indivíduos exercem funções técnicas, desempenham serviços administrativos, trabalham no comércio (classe média), além daqueles ligados a produção industrial (classe popular) e dos que são profissionais de ciências e artes (por exemplo, professores universitários) e membros superiores (classe dos mais abastados). Dessa forma, poder-se-ia dizer que esses grupos parecem compensar o tempo organizador da semana, o qual interfere nos horários das refeições de um contexto urbano, dando prioridade ao caráter convivial das refeições realizadas em família. Em relação aos ritmos de vida das grandes cidades e seus reflexos nos modos, o grupo recebeu o nome de Conviviais Urbanos, principalmente, pelo fato de consagrarem maior tempo ao consumo das refeições, por darem prioridade a realização das refeições em família, bem como por serem caracterizados pelo trabalho feminino e pela realização de refeições fora do domicílio. O nome Conservadores Gourmands está ligado ao fato de realizarem refeições em família e no próprio lar, por terem sido melhor caracterizados pelas maiores freqüências de consumo dos produtos que garantem maior condição de saciedade e por escolherem a carne gorda e o prato pesado como os melhores representantes de suas opções e refeições habituais (no caso da classe popular, são melhor caracterizados pelo modelo cultural da dona de casa e por não contarem com eletrodomésticos que auxiliam as tarefas culinárias. Quanto às modalidades que representaram o conteúdo dos contatos alimentares dos grupos Conviviais Urbanos (3/7) e Conservadores Gourmands (1/7), certas particularidades entre os mesmos puderam ser constatadas. No que concerne ao que Gourmands, pôde ser observado 1 no grupo dos Conservadores as modalidades que melhor caracterizaram tal grupo foram as maiores freqüências diárias do consumo dos alimentos arroz, verdura, carne, massa, fruta e produtos prontos, além do consumo esporádico de leite desnatado, a opção pela carne gorda e pelo prato pesado como aquele que mais se assemelha ao que é consumido, normalmente, no almoço. Destaca-se que tal grupo foi melhor representado por trabalhadores técnicos com nível médio, por aqueles que desempenham serviços administrativos e por outros que são vendedores do comércio (classe média), além dos trabalhadores da produção e das donas de casa e desempregados (classe popular), associados às faixas de renda média e baixa. Por outro lado, em relação às modalidades referentes aos conteúdos dos contatos alimentares do grupo Conviviais Urbanos, o qual conta com a presença dos abastados (associados às maiores rendas declaradas, maiores níveis de escolaridade e às profissões profissional de ciências e artes e membro superior), as maiores freqüências do consumo verduras e de leite desnatado (duas vezes ao dia) foram as modalidades mais abundantes no mesmo. Com base no que foi apresentado, conclui-se que consumidores com perfis sociodemográficos bastante diferentes podem apresentar certas proximidades quanto aos seus comportamentos de consumo, uma vez que foram dispostos em um mesmo quadrante fatorial, bem como foi constatado que um mesmo grupo social pode declarar práticas de consumo distintas. Dessa forma, considerando os resultados apresentados neste trabalho, comprovou-se que não se pode afirmar que consumidores com perfis socioeconômicos e demográficos semelhantes declararão práticas de consumo homogêneas. 5. CONCLUSÕES De acordo com os dados declarados pelos entrevistados, descobriu-se que o tempo consagrado ao consumo dos alimentos representou, de modo geral, uma forte restrição ao consumo dos indivíduos. O curto intervalo de tempo consagrado à realização das refeições foi relacionado de maneira significativamente positiva às declarações dos menores graus de convivialidade durante os contatos alimentares. Deve-se ressaltar que o consumo das refeições de maneira rápida e isolada, podendo ser tomadas no domicílio ou fora dele, foi declarado por diferentes grupos sociais. Constatou-se, também, que um mesmo grupo social representou diferentes comportamentos de consumo, ou seja, indivíduos de um mesmo grupo declararam realizar práticas alimentares distintas e manifestaram diferentes restrições ao consumo de alimentos. Tal informação pode ser extremamente útil aos agentes dos poderes público e privado. No que concerne aos agentes do poder público, o contato com tais informações poderia contribuir para uma melhor orientação das políticas de saúde pública. Julga-se, então, conveniente àqueles que pretendem, entre outras ações, realizar campanhas de reeducação alimentar, a busca por informações sobre as maneiras como os indivíduos percebem os alimentos, sobre as suas necessidades quotidianas, bem como sobre os seus sistemas de valor que também guiam suas escolhas alimentares e, assim, representam importantes determinantes dos comportamentos dos comensais. Já em relação às ações dos agentes dos poderes privados, as informações apresentadas neste trabalho poderiam, entre outras ações, auxiliá-los na definição de suas estratégias de segmentação de mercado, na elaboração de novos produtos, na promoção dos mesmos e na escolha dos melhores canais de distribuição para a comercialização dos produtos alimentares. 6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA AURIER, P.; SIRIEX, L. Le Marketing des Produits Agroalimentaires. Paris: Dunod, 2004. BELL, R.; MARSHALL, D. W. The construct of food involvement in behavioral research: scale development and validation. Appetite, v. 40, n. 3, p. 235-244, 2003. 1 CASOTTI, L. À mesa com a família: um estudo do comportamento do consumidor de alimentos. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. CHEUNG-LUCCHESE, T. Os comportamentos alimentares de brasileiros urbanos: identificação de uma tipologia de consumidores e análise das relações dos grupos com os alimentos. Tese de Doutorado. São Carlos : UFSCar, 2007. CORBEAU, J.; POULAIN, J. 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