Artigo Original/Original Article/Artículo Original APLICABILIDADE DA MEDIDA DO ÂNGULO DE COBB NA ESCOLIOSE IDIOPÁTICA USANDO IMAGEM DIGITALIZADA APPLICABILITY OF THE COBB ANGLE MEASUREMENT IN IDIOPATHIC SCOLIOSIS USING SCANNED IMAGING APLICABILIDAD DE LA MEDICIÓN DEL ÁNGULO DE COBB EN LA ESCOLIOSIS IDIOPÁTICA USANDO IMAGEN DIGITALIZADA Erasmo de Abreu Zardo1, Marcus Sofia Ziegler1, Afrane Serdeira1, Carlos Marcelo Donazar Severo3, Rodrigo Valente Frast1, Paulo Renato Rech2, Lauro Toffolo1, Renata Siciliani Scalco3, Carla Helena Augustin Schwanke4 1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Hospital São Lucas da PUCRS, Grupo de Coluna, Porto Alegre, RS, Brasil. 2. Hospital Life Center, Cirurgia de Coluna, Belo Horizonte, MG, Brasil. 3. University College London Institute of Neurology, Centro de Doenças Neuromusculares e Divisão de Neuropatologia, Queen Square London, United Kingdom. 4. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Instituto de Geriatria e Gerontologia, Porto Alegre, RS, Brasil. RESUMO Objetivo: Comparar a aferição do ângulo de Cobb em radiografias impressas e em radiografias digitalizadas, visualizadas por meio da ferramenta “PixViewer”. Métodos: Foram avaliadas as radiografias pré-operatórias de 23 pacientes em filmes impressos e pelo software “PixViewer”. O mesmo avaliador, cirurgião de coluna, elegeu as vértebras limites proximal e distal da curva principal nas radiografias impressas, sem identificação dos pacientes, e realizou a aferição do ângulo de Cobb baseado nesses parâmetros. Os mesmos parâmetros e aferições foram aplicados às radiografias digitalizadas. As aferições foram comparadas, assim como a escolha das vértebras limites. Resultados: A variação média do ângulo de Cobb entre os métodos foi de 1,48 ± 1,73°. O coeficiente de correlação intraclasse (CCI) foi de 0,99, demonstrando replicabilidade excelente. Conclusão: O método de Cobb pode ser utilizado para avaliação da escoliose por meio da ferramenta “PixViewer” com a mesma confiabilidade que pelo método clássico em radiografias impressas. Descritores: Escoliose; Doenças da coluna vertebral; Curvatura da coluna vertebral; Intensificação de imagem radiográfica. ABSTRACT Objectives: To compare the measurement of the Cobb angle on printed radiographs and on scanned radiographs viewed through the software “PixViewer”. Methods: Preoperative radiographs of 23 patients were evaluated on printed films and through the software “PixViewer”. The same evaluator, a spine surgeon, chose the proximal and distal limiting vertebrae of the main curve on printed radiographs, without identification of patients, and measured the Cobb angle based on these parameters. The same parameters and measurements were applied to scanned radiographs. The measurements were compared, as well as the choice of limiting vertebrae. Results: The average variation of the Cobb angle between methods was 1.48 ± 1.73°. The intraclass correlation coefficient (ICC) was 0.99, demonstrating excellent reproducibility. Conclusion: The Cobb method can be used to evaluate scoliosis through the “PixViewer” tool with the same reliability as the classic method on printed radiographs. Keywords: Scoliosis; Spinal diseases; Spinal curvatures; Radiographic image enhancement. RESUMEN Objetivo: Comparar la medición del ángulo de Cobb en radiografías impresas y en radiografías digitalizadas vistas a través de la herramienta “PixViewer”. Métodos: Se evaluaron las radiografías preoperatorias de 23 pacientes en películas impresas y a través del software “PixViewer”. El mismo evaluador, cirujano de columna, eligió las vértebras proximal y distal límites de la curva principal en las radiografías impresas, sin identificación de los pacientes, y realizó la medición del ángulo de Cobb en base a estos parámetros. Los mismos parámetros y mediciones se aplicaron a las radiografías digitalizadas. Las mediciones fueron comparadas, así como la elección de las vértebras límites. Resultados: La variación promedio del ángulo de Cobb entre los métodos fue de 1,48 ± 1,73°. El coeficiente de correlación intraclase (CCI) fue de 0,99, demostrando reproducibilidad excelente. Conclusión: El método de Cobb puede ser utilizado para la evaluación de la escoliosis a través de la herramienta “PixViewer” con la misma fiabilidad que el método clásico en radiografías impresas. Descriptores: Escoliosis; Enfermedades de la columna vertebral; Curvaturas de la columna vertebral; Intensificación de imagen radiográfica. INTRODUÇÃO A escoliose é classicamente definida como sendo o desvio lateral da coluna.1 Sabe-se, porém, que se trata de um desvio tridimensional, com componentes de desvio lateral, desvio no plano sagital (desvio para anterior ou posterior) e desvio rotacional das vértebras. 2 Durante a avaliação de um paciente com suspeita de escoliose deve ser realizada a avaliação radiológica com radiografias panorâmicas da coluna vertebral nas incidências póstero-anterior e perfil em ortostatismo, sendo este exame essencial para o acompanhamento e escolha do tratamento a ser instituído.1,3,4 O principal parâmetro analisado nas radiografias é a angulação da curva escoliótica, sendo Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Grupo de Coluna, Hospital São Lucas da PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil. Correspondência: Centro Clínico da PUCRS. Avenida Ipiranga 6690, sala 208. Bairro Jardim Botânico, Porto Alegre, RS, Brasil. 90610-000. [email protected] Recebido em 10/08/2015, aceito em 17/08/2016. http://dx.doi.org/10.1590/S1808-185120171601153058 Coluna/Columna. 2017;16(1):22–24 APLICABILIDADE DA MEDIDA DO ÂNGULO DE COBB NA ESCOLIOSE IDIOPÁTICA USANDO IMAGEM DIGITALIZADA o método descrito pelo ortopedista norte-americano John Robert Cobb em 1948 apud Rigo,2 Canale e Beaty,5 Langensiepen et al.6 e Tanure et al.,7 o mais consagrado, e utilizado até hoje para guiar o seguimento clínico e o tratamento adequado da patologia. O método descrito por Cobb envolve inicialmente a identificação das vértebras-limite proximal e distal da curva escoliótica. Para tal, identifica-se qual a vértebra mais proximal que possui a superfície superior mais inclinada para o lado da concavidade da curva, e a vértebra mais distal em que a superfície inferior encontra-se mais inclinada para a concavidade da curva. Traça-se uma linha perpendicular à superfície superior da vértebra mais proximal da curva, e uma linha perpendicular à superfície inferior da vértebra mais distal da curva. O ângulo formado pela intersecção destas linhas é o ângulo de Cobb.5,8 Com o advento da radiologia digital, as imagens passaram a ser obtidas e armazenadas utilizando sistemas digitais, dando origens aos PACS (Picture Archiving and Communication System).8-10 Com isso, surgiram ferramentas capazes de realizar aferições de medidas e angulações nas radiografias digitalizadas, e com elas a necessidade de comprovar a reprodutibilidade destes métodos em comparação com o método convencional (em radiografias impressas).6 Neste trabalho temos o objetivo de demonstrar que a aferição dos ângulos da curva escoliótica por meio do método de Cobb pode ser realizada de forma confiável diretamente na radiografia digitalizada, com uso do software “PixViewer”, sem a necessidade de impressão dos filmes. 23 Tabela 1. Avaliação do ângulo de Cobb. Curva principal Vertebra-limite Vértebra-limite Paciente Ângulo de Cobb superior inferior Filme PixViewer Filme PixViewer Filme Pixviewer Diferença A T12 T12 L3 L3 50 49,24 0,76 B T10 T10 L3 L3 60 62,09 2,09 C T8 T8 L1 L1 90 87,88 2,12 D T6 T6 L1 L1 87 87,98 0,98 E T4 T4 T11 T11 63 64,85 1,85 F T12 T12 L3 L3 40 40,77 0,77 G T5 T5 L1 L1 90 89,83 0,17 H T12 T12 L4 L4 43 44,13 1,13 0,35 I T5 T5 L1 L1 10 10,35 J T1 T1 L1 L1 80 79,93 0,07 K T5 T5 T11 T11 45 46,45 1,45 L T12 T12 L4 L4 64 65,61 1,61 M T6 T6 T11 T11 70 69,82 0,18 N T12 T12 L4 L4 27 26,84 0,16 O T5 T5 T11 T11 82 82,53 0,53 P T11 T11 L3 L3 80 78,38 1,62 Q T5 T5 T12 T12 58 63,61 5,61 R T6 T6 T12 T12 100 99,31 0,69 MÉTODOS S T4 T4 T11 T11 47 53,91 6,91 Foram avaliadas no estudo 23 radiografias pré-operatórias de indivíduos que realizaram tratamento cirúrgico de escoliose no Serviço de Ortopedia do Hospital São Lucas da PUCRS em Porto Alegre. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética desta instituição. (Parecer Nº409.409) As radiografias impressas foram avaliadas por um ortopedista especialista em coluna vertebral, de forma aleatória e sem identificação dos pacientes. Em cada radiografia foram definidas as vértebras-limite proximal e distal da curva escoliótica principal, e realizada a aferição do ângulo de Cobb utilizando estes parâmetros. Todas as radiografias foram avaliadas com o mesmo goniômetro e o mesmo lápis n°2. Em um segundo momento, os mesmos exames digitalizados foram avaliados pelo mesmo ortopedista, também de forma aleatória e sem a identificação dos pacientes, com a utilização da ferramenta “PixViewer”. Em cada radiografia foram definidas as vértebras-limite proximal e distal da curva escoliótica principal, e realizada a aferição do ângulo de Cobb utilizando estes parâmetros. Para a avaliação das radiografias digitalizadas foi permitida a utilização das ferramentas de contraste, brilho, aumento (zoom), e a ferramenta para cálculo de ângulos disponível no próprio aplicativo. Os dados foram tabulados no software Microsoft Excel (Tabela 1) e analisados pelo Software SPSS quanto à variação média das aferições, desvio padrão, teste t de student e teste de correlação intraclasse. T T3 T3 T12 T12 70 69,60 0,40 U T9 T9 L2 L2 43 44,64 1,64 RESULTADOS Não houve nenhuma diferença na escolha das vértebras-limite para a aferição do ângulo de Cobb. A variação média da aferição entre os dois métodos (convencional e em radiografias digitalizadas) foi de 1,48°, com desvio padrão de 1,73°. O coeficiente de correlação interclasse (ICC) mostrou um índice de 0,99 (IC95%=0,9918-0,9987), demonstrando excelente reprodutibilidade. O teste t de Student não apresentou diferença estatisticamente significativa entre os métodos (p>0,2). Apenas dois pacientes tiveram diferença das aferições maior do que 5 graus. Nenhum teve diferença maior do que 7 graus. DISCUSSÃO A escoliose é uma doença caracterizada por desvios laterais da coluna vertebral no plano frontal associado a rotações dos corpos vertebrais, além de ser a deformidade da coluna vertebral mais frequente em crianças e adolescentes.1,3,6 Pode apresentar-se de forma Coluna/Columna. 2017;16(1):22–24 assintomática nas formas mais brandas, porém, quando severa, pode levar ao comprometimento cardíaco e pulmonar.3,4 Em aproximadamente 80% dos casos não se encontra o fator causador da deformidade, sendo então definida como idiopática. Nos demais 20% dos casos, na maioria dos casos é causada por deformidades na formação ou na segmentação das vértebras durante a vida uterina (escoliose congênita), devido a alguma doença que modifique o tônus muscular (escoliose neuromuscular), ou relacionadas a alguma síndrome.3 Há outras causas menos comuns para o desenvolvimento de escoliose, como fraturas das vértebras, infecção da coluna ou tumores.1,11 As radiografias tem papel muito importante na avaliação e acompanhamento dos pacientes com escoliose, e devem ser analisadas de forma seriada, com determinação das vértebras limítrofes da curva e aferição do valor angular da curva pelo método de Cobb.3-5 Mesmo sendo um método simples e de fácil aplicação, existem estudos que demonstram haver variação de 5 a 7 graus na aferição do ângulo de Cobb, tanto intraobservador como interobservador. Isto deve sempre ser levado em conta durante a avaliação da progressão de uma curva escoliótica.3,5,6 Atualmente, um número cada vez maior de hospitais e centros de diagnóstico por imagem vem adotando as radiografias digitais no lugar das convencionais.12 Apesar de um custo maior para implantação inicial da tecnologia digital, a partir de um ano de uso, a economia com filmes impressos passa a ser compensatória.13 Além disso, as radiografias digitais apresentam diversas facilidades: softwares com ferramentas que possibilitam melhorar a qualidade das imagens e medição de ângulos, distâncias e outros parâmetros;14 visualização e envio rápido por meio de e-mail ou telefones celulares;15 facilidade de armazenamento, não necessitando impressão em filme e poupando espaço físico; e menor exposição à radiação.12 Com possibilidade de manipular as imagens após a sua obtenção, há menor necessidade de realizar novamente o exame devido à má qualidade do mesmo.16 Diante dessa nova realidade, tornou-se necessária a comprovação de que a nova tecnologia disponível nos forneça dados com a mesma segurança e consistência que as radiografias convencionais.6 Na literatura encontramos artigos que demonstram ter boa reprodutibilidade intraobservador e interobservador utilizando as radiografias digitais para 24 aferição dos ângulos de Cobb,8,14,17 porém, a maioria deles possui em sua metodologia a utilização de vértebras-limite pré-definidas. Em nosso estudo foram avaliadas 23 radiografias de pacientes, sendo aferido o ângulo de Cobb em filmes impressos e de forma digitalizada por meio do software “PixViewer”. Não houve nenhuma variação na escolha das vértebras-limite da curva principal. A análise estatística mostrou variação média do ângulo de Cobb entre os métodos de 1,48 ± 1,73°. Este valor está abaixo da variação intraobservador descrita na literatura utilizando o método convencional em radiografias impressas, que é de 5 a 7 graus.3,5,6 Neste estudo não foi realizada análise de reprodutibilidade inter e intra observador. ICC igual a 0,99 demonstra que o ângulo de Cobb pode ser reproduzido pelo software “PixViewer” com a mesma confiabilidade. CONCLUSÃO O estudo comparativo mostrou que as radiografias digitais visualizadas por meio da ferramenta “PixViewer” permitem uma medição confiável e segura do ângulo de Cobb na avaliação de pacientes com escoliose. Não foi encontrada variação estatisticamente significativa de valores angulares medidos ou alteração na escolha das vértebras limites para medição dos ângulos pelos dois métodos nos pacientes do estudo. Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo. CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES: Cada autor contribuiu individual e significativamente para o desenvolvimento do manuscrito. EAZ, MSZ, CMDS e AS apresentaram a ideia original. EAZ, MSZ, RVF e LT foram os principais contribuintes na redação do manuscrito e discussão. RVF, LT e PRR realizaram a pesquisa bibliográfica e a coleta de dados. CHAS e RSS realizaram a supervisão do estudo. REFERÊNCIAS 1. Herbert S. Ortopedia e Traumatologia: princípios e prática. 4ª. ed. Porto Alegre: Artmed; 2009. 2. Rigo M. Patient evaluation in idiopathic scoliosis: Radiographic assessment, trunk deformity and back asymmetry. Physiother Theory Pract. 2011;27(1):7-25. 3. Morrissy Raymond T, Weinstein Stuart L. 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