1 Disponibilidade de Cu, Zn, Cr e Cd em resíduos orgânicos e biocarvões pirolisados a 400°C e 700°C Maria Paula Silveira Bibar(1); Aline Renée Coscione; (2) ; Cristiano Alberto Andrade(3) (1) Estudante; Instituto Agronômico; Campinas, São Paulo; [email protected]; Agronômico; (3) Pesquisador; EMBRAPA Meio Ambiente. RESUMO: Do total de 188,8 ton/dia de resíduos sólidos coletados, aproximadamente 60% vai para os lixões. Uma alternativa de reaproveitamento desses resíduos é o processo de pirólise. O biocarvão, sub-produto desse processo, tem grande potencial de utilização em solo agrícola. Porém, ainda não está claro na literatura se BC com quantidades altas de metais potencialmente tóxicos disponibilizam estes para o ambiente. O objetivo deste trabalho foi avaliar a disponibilidade de Cu, Zn, Cd e Cr, usando o extrator DTPA, em amostras de BC, obtidas em duas temperaturas de pirólise, a partir de oito resíduos orgânicos, comparando-a com os teores semi-totais destes elementos encontrados na biomassa original e nos respectivos biocarvões. Os metais estudados ficaram disponíveis em menor quantidade nos biocarvões (BC) quando comparado aos resíduos orgânicos. Em alguns casos a disponibilidade dos metais foi desprezível, especialmente nos BC pirolisados a 700°C. Termos de indexação: elemento potencialmente tóxico, micronutrientes, biocarvão, disponibilidade. INTRODUÇÃO No Brasil, 188,8 ton/dia de resíduos sólidos. Desse total, em 50,8% ainda vai para os lixões (Brasil, 2013). Essa descarga irregular pode causar malefícios à saúde e ao meio ambiente. Apesar do cenário alarmante, nosso país vem alcançando importantes avanços ao longo dos anos. Em 2010, foi instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n° 12.305/10) que proíbe a destinação ou disposição final de resíduos sólidos ou rejeitos in natura, a céu aberto, a partir de 2014. Dentre as alternativas para disposição ou reaproveitamento de resíduos sólidos orgânicos está o processo de pirólise. A pirólise é a degradação térmica de qualquer material orgânico na ausência parcial ou total de oxigênio, em temperaturas de 400 a 700oC. O biocarvão (BC), que é um sub-produto desse processo, tem composição bastante variada, dependendo do material utilizado e da temperatura de pirólise. É um material com alto teor de C e elevada estabilidade obtendo, portanto, um alto potencial de sequestro de C, contribuindo para a mitigação de GEE’s. Outra vantagem do uso do BC (2) Pesquisadora; Instituto é a elevada área superficial, que pode ser manipulada para fornecimento de nutrientes ou retenção de poluentes orgânicos e inorgânicos. (LEHMANN AND JOSEPH, 2009). O BC pirolisado a temperaturas mais altas, possuem maior estabilidade, maior capacidade de retenção de cátions, bem como maior potencial de redução de GEE’s se comparados aos pirolisados em temperaturas mais baixas. Estes por sua vez, são mais semelhantes ao material original, apresentando assim maior capacidade de disponibilizar nutrientes, o que os caracteriza como fertilizantes. Apesar do uso de resíduos orgânicos na forma de BC na agricultura ser promissor, estes, dependendo de sua origem, podem ter em sua composição teores elevados de elementos potencialmente tóxicos. Qualquer que seja o uso pretendido do BC na agricultura se este obtiver teores significativos de elementos potencialmente tóxicos poderá tornar-se inviável caso representem risco para a cadeia elementar e o meio ambiente. Porém, não está claro na literatura como estes elementos e os micronutrientes metálicos são afetados após o processo de pirólise. O objetivo deste trabalho foi avaliar a disponibilidade de Cu, Zn, Cd e Cr, usando o extrator DTPA, em amostras de BC, obtidas em duas temperaturas de pirólise, a partir de oito resíduos orgânicos, comparando-a com os teores semi-totais destes elementos encontrados na biomassa original e nos respectivos biocarvões. MATERIAL E MÉTODOS Os BC foram obtidos a partir de oito resíduos orgânicos: lodo de esgoto (LE), lodo de curtume (LC), composto orgânico (CO), dejeto de galinha (DG), micélio fúngico (M), torta de filtro (T), borra de café (BC) e serragem de eucalipto (EU), que foram secas a 40°C até massa constante e em seguida pirolisadas a duas temperaturas, 400°C e 700°C, totalizando 24 amostras avaliadas neste estudo. Em todas as amostras foram avaliados os teores de Cu, Zn, Cr e Cd pelos métodos de extração USEPA 3051a e DTPA a pH 7.3, ambos em triplicata. O método USEPA 3051a foi utilizado para determinar o teor semi-total dos elementos nas amostras (Usepa, 1986). A digestão foi feita com HNO3 em 2 forno de microondas. A extração com DTPA foi empregada para avaliar a disponibilidade dos metais nas amostras (ABREU et al, 2001). Esse procedimento foi adaptado, utilizando-se o dobro de solução em relação ao método original devido a retenção da solução pelas amostras ter sido muito alta não restando extrato aquoso suficiente para as determinações. Os metais presentes nos dois tipos de extratos acima foram determinados por espectrometria de emissão óptica (ICP-OES) de precisão. O pH em água 1:10 de todas as amostras e o teor de sólidos voláteis (SV) foram determinados segundo a Resolução CONAMA 375/2006 sobre uso de lodo de esgoto na agricultura e, por fim, o C e N total foram determinados por combustão a seco em analisador elementar. Os resultados foram submetidos à análise de variância (ANOVA) considerando um delineamento inteiramente ao acaso, com dois fatores: tipo de material e temperatura, inclusive testando a interação entre os mesmos. Nos casos de efeitos significativos indicados na ANOVA, foram feitas comparações de médias por teste de Tukey 5%. Além disso, foi calculada a quantidade disponível de cada metal, em porcentagem, em relação do teor semi-total. RESULTADOS E DISCUSSÃO A determinação dos teores semi-totais pelo EPA 3051 nos permitiu separar as amostras em dois grupos: aqueles com baixos teores de metais (EU, T, M e B) e os com teores elevados (LE, LC, CO e DG). Neste grupo chamam a atenção o LE e CO devido ao alto teor de Zn que ultrapassa o limite de 7.500 mg/kg permitido pela legislação (CETESB, 1999) para aplicação em solo agrícola. O mesmo aconteceu para o resíduo de LC, que excedeu 500 mg/kg. Os resíduos de LE e CO apresentaram também teores altos de Cu, Cr e Cd. No geral, a maioria das amostras apresentaram baixos teores de Cd e Cr em sua composição (Tabela 1). Como mencionado anteriormente, as características de cada BC são governadas pela biomassa utilizada, e pelas condições do processo de queima. Devido à dificuldade de compreensão da relação causa-efeito quanto às propriedades do material produzido. Demirbas et al., (2004) dividiu os mecanismos de reação da pirólise de biomassas em três etapas: a primeira consiste na perda de umidade e alguns SV do material. Na segunda etapa, ocorre ainda perda de SV e há formação de um produto sólido (biocarvão). Na terceira etapa, esse BC decompõe-se a uma velocidade bastante baixa, dando origem à BC com estruturas ricas em C, alto pH e baixo teor de SV. Tais características têm grande influencia no poder retenção de íons metálicos, e foram encontradas na maioria das amostras estudadas. Em algumas amostras não houve aumento no pH dos BC pirolisados a 400°C. Porém, todos os BC a 700°C tiveram um aumento do pH com relação ao resíduo original (Tabela 2). Esse atributo interfere na desprotonação dos grupos OH da superfície do material, podendo agir de maneira positiva na retenção dos metais na estrutura dos BC. O aumento do pH também induz a formação de óxidos metálicos na própria estrutura do BC, deixando os metais menos disponíveis. O decréscimo do teor de SV com o aumento da temperatura de pirólise era esperado, e isso foi evidenciado nas amostras estudadas. Nas amostras de B e M houve um comportamento anômalo com relação ao teor de SV, que pode ser confirmado pelo aumento da relação C/N. Porém, para os outros resíduos avaliados houve diminuição do teor de SV (Tabela 2), como também encontrado por Uchimiya et al (2011). A carbonização é um processo que envolve o aumento de estruturas aromáticas e a polimerização, podendo contribuir também no poder de retenção de metais na estrutura do próprio BC. Com o aumento da temperatura de pirólise, forma-se um material rico em C e pobre em N, já que este é bastante volátil. O aumento nas relações C/N é uma evidência da produção de matérias com altos teores de C estável. Em geral, isso está relacionado com o aumento de O nos grupos funcionais de superfície, e consequentemente o poder de adsorção de metais na própria estrutura do BC. Essa relação aumentou em todas as amostras de BC pirolisadas a 700°C (Tabela 2). Não só o C, como também as relações H/C, O/C e C/N que controlam a formação dos grupos funcionais de superfície apresentam grande influência na sorção de metais (Uchimiya et al, 2011). Singh et al (2010) constataram maiores teores de C nos BC derivados de plantas, e os mais baixos nos derivados de esterco. Esses dados se assemelharam com o encontrado nas amostras estudadas em que houve decréscimo nos teores de C do DG, LC, LE, CO e T, quando pirolisados a 700°C e o inverso aconteceu nos resíduos de EU, M e B. Considerando que as propriedades da superfície dos grupos funcionais dos BC controlam a capacidade de sorção de íons metálicos e tais propriedades são altamente dependentes dos fatores citados acima, espera-se que os BC a 700°C tenham menor disponibilidade de Cd, Cr, Pb e Zn nas amostras estudadas, em relação ao resíduos e biocarvões obtido a 400°C, independente do resíduo utilizado. A maior parte de Cd, Cr, e Zn analisados por DTPA não ficaram disponíveis nas amostras de BC, mesmo quando os teores semi-totais eram elevados (Tabela 3). No geral, os BC pirolisados a 700°C 3 apresentaram teores disponíveis mais baixos de Cr, o que pode ser devido à alta capacidade desse metal formar óxidos (Allowey, 1995), não ficando disponível. Vale ressaltar a indisponibilidade desse metal no BC a 700°, que tinha um teor alto do elemento devido à composição do resíduo. Nos BC pirolisados a 700°C de LE e CO, o Cd ficou disponível, porém outros estudos são necessários para entender esse processo (Tabela 4). Nos demais resíduos que tinham esse elemento, ele ficou pouco disponível após a pirólise. No LC, T e DG, a pirólise provocou menor disponibilidade de Zn, independente da temperatura. Já no LE e CO os teores detectados por DTPA foram menores nos BC a 400°C e maiores nos de 700°C. Nos demais, não houve diferença significativa na disponibilidade do micronutriente. O Cu tem alta afinidade com a matéria orgânica, devido a isso pode-se observar que os BC de LC, M EU, T e B tiveram os teores determinados por DTPA mais altos que os resíduos (Tabela 4). No caso da T e B, isso ocorreu somente no BC a 700°C. Isso se deve ao processo de pirólise que provoca a desidratação de despolimerização do material, alterando as estruturas orgânicas e deixando assim o elemento disponível. Nos resíduos de DG, LE e CO esse elemento foi disponibilizado em menor quantidade nos BC. A baixa disponibilidade de Zn e em alguns casos de Cu nos BC também pode ser associada com o pH, pois em pH alcalinos esses elementos tem uma tendência de precipitaram, ficando assim menos disponíveis (Tabelas 2 e 4). No caso do Cu e Zn, como além de metais potencialmente tóxicos esses elementos são micronutrientes, considerados essenciais ao desenvolvimento das plantas, a disponibilidade pode ser desejada, desde que não seja em quantidades elevadas podendo provocar a toxicidade. Pode-se destacar que os resíduos de LE e CO pirolisados a 700°C adsorveram quase todo o teor de Cr e Cd, e disponibilizaram teores de Cu e Zn, portanto, é um material com alto potencial de uso na agricultura (Tabela 3) CONCLUSÕES Os resultados mostram que o uso de biocarvões com teores elevados de metais potencialmente tóxicos na agricultura depende fortemente das características do resíduo orgânico e das condições de pirólise, e deve ser avaliado caso-a-caso. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a SPPT Pesquisas Tecnológicas, de Mogi Mirim/SP pelo fornecimento das amostras de biocarvão e bolsa de mestrado para Maria Paula Silveira Bibar, à FAPESP pelo apoio financeiro (Proc. 2012/14122-8) e ao CNPQ pela bolsa de ARC. REFERÊNCIAS ABREU C. A., ABREU M. F., ANDRADE J. C., “Determinação de cobre, ferro, manganês, zinco, cádmio, cromo e chumbo em solos usando a solução de DTPA em pH 7,3,” in Análise química para avaliação da fertilidade de solos tropicais, B. van Raij, J.C. Andrade, H. ALLOWAY, B. J. Copper. In: Heavy metals in soils. ALLOWAY, B. J. (ed). New York. 1995. p. 168-189. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e dá outras providências. Cantarella, and J. A. Quaggio, Eds., pp. 240–250, Instituto Agronômico, Campinas, Brazil, 2001. CETESB. Aplicação de Lodos de Sistemas de Tratamento Biológico em Áreas Agrícolas – Critérios para Projeto e Operação. Norma Técnica P4.230, 32p. São Paulo, agosto, 1999. CONAMA. Conselho Nacional do Meio Ambiente, Resolução n°375/2006. “Define critérios e procedimentos, para o uso agrícola de lodos gerados em estações de tratamento de esgoto sanitário e seus produtos derivados, e dá outras providências”. Data da legislação: 29/08/2006. Publicação no DOU n° 167 de 30/08/2006, p. 141-146. Demirbas, A., 2004. Effects of temperature and particle size on bio-char yield from pyrolysis of agricultural. DOI: 10.1016/j.jaap.2004.07.003 LEHMANN, J and JOSEPH, S. Biochar for environmental management: An Introduction. IN: Lehman, J and Joseph, S.(editors), Biochar for environmental management: Science and Technology, Earthscan, London, 2009. residues. J. Anal. Applied Pyrol., 72: 234-24. SINGH, B.; SINGH, B.P.; COWIE, A.L. Characterisation and evaluation of biochars for their application as a soil amendment. Australian Journal of Soil Research 48, 516-525. 2010. UCHIMIYA, M., CHANG, S., and KLASSON, K. T. “Screening biochars for heavy metal retention in soil: role of oxygen functional groups.” Journal of hazardous materials, Elsevier B.V., 190(1-3), 432–41, 2011. USEPA. UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. Method 3051: Microwave Assisted Acid Digestion of Sediments, Sludges, Soils, and Oils.2004.Disponívelem:<http://www.epa.gov/epaoswer/hazwaste/test/3 _series.htm>. Acesso em: abril/2011. SINGH, B.; SINGH, B.P.; COWIE, A.L. Characterisation and evaluation of biochars for their application as a soil amendment. Australian Journal of Soil Research 48, 516-525. 2010. UCHIMIYA, M., CHANG, S., and KLASSON, K. T. “Screening biochars for heavy metal retention in soil: role of oxygen functional groups.” Journal of hazardous materials, Elsevier B.V., 190(1-3), 432–41, 2011. USEPA. UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. Method 3051: Microwave Assisted Acid Digestion of Sediments, Sludges, Soils, and Oils.2004.Disponívelem:<http://www.epa.gov/epaoswer/hazwaste/test/3 _series.htm>. Acesso em: abril/2011. 4 Tabela 1 - Teores semi-totais de Cr, Cd, Zn e Cu (mg kg-1) em resíduos orgânico e biocarvões obtidos a duas temperaturas de pirólise (400°C e 700°C). *médias seguidas de letras minúsculas iguais na mesma linha não diferem pelo Teste de Tukey 5% no mesmo elemento; LC: lodo de curtume, M: micélio fúngico, T: torta de filtro, EU: serragem de eucalipto, B: borra de café, DG: dejeto de galinha, LE: lodo de esgoto e CO: composto orgânico. Tabela 2 – Valores de pH em água, sólidos voláteis e relação C/N de 8 resíduos e seus respectivos biocarvões obtidos a duas temperaturas de pirólise (400°C e 700°C). *LC: lodo de curtume, M: micélio fúngico, T: torta de filtro, EU: serragem de eucalipto, B: borra de café, DG: dejeto de galinha, LE: lodo de esgoto e CO: composto orgânico. Tabela 3 – Porcentagem disponível de Cr, Cd, Zn e Cu em resíduos orgânicos e biocarvões obtidos a duas temperaturas de pirólise (400°C e 700°C). *LC: lodo de curtume, M: micélio fúngico, T: torta de filtro, EU: serragem de eucalipto, B: borra de café, DG: dejeto de galinha, LE: lodo de esgoto e CO: composto orgânico. Tabela 4 - Teores disponíveis de Cr, Cd, Zn e Cu (mg kg-1) em resíduos orgânico e biocarvões obtidos a duas temperaturas de pirólise (400°C e 700°C). *médias seguidas de letras minúsculas iguais na mesma linha não diferem pelo Teste de Tukey 5% no mesmo elemento; LC: lodo de curtume, M: micélio fúngico, T: torta de filtro, EU: serragem de eucalipto, B: borra de café, DG: dejeto de galinha, LE: lodo de esgoto e CO: composto orgânico.