Oftalmologia - Vol. 34 Editorial O Prémio Champalimaud de 2010 O s vencedores do prémio Champalimaud de 2010 são dois prestigiados investigadores norte-americanos da área das neurociências. Poder-se-ia perguntar o que é que as neurociências têm a ver com a oftalmologia. Na verdade os agora premiados dedicam-se ao estudo da percepção de imagens e muito têm contribuído para o esclarecimento dos processos ligados à detecção do movimento, das formas e das cores. J. Anthony Movshon e W. Newsome não são tão conhecidos entre os Oftalmologistas como são D.H. Hubel e T.N. Wiesel também dois notáveis neurofisiologistas que na década de setenta estabeleceram as bases neuroanatómicas da ambliopia demonstrando a atrofia de grupos celulares no corpo geniculado lateral e córtex visual principal em macacos com ambliopia induzida, descoberta que justificou a atribuição do prémio Nobel de Medicina. Os trabalhos de Movshon e Newsome embora centrados no estudo do sistema visual perseguem um objectivo bem mais ambicioso: conhecer os mecanismos corticais responsáveis pelos processos de decisão. Movshon e Newsome estudaram a codificação e descodificação da informação visual no córtex e os mecanismos pelos quais essa informação pode ser usada pela acção e modulada pelo comportamento. O trabalho laboratorial teve como principal instrumento o registo individual da actividade eléctrica de neurónios no córtex mas não só. O recurso a técnicas de discriminação perceptual foi amplamente aplicado estabelecendo pontes entre a neurofisiologia a neuroanatomia e a psicofísica. Uma das vertentes da investigação permitiu comprovar a existência de neurónios no córtex visual selectivos à direcção, isto é, neurónios que respondem ao movimento num determinado sentido e que não respondem ao movimento no sentido oposto. Movshon e e Newsome procederam então à estimulação eléctrica desses neurónios e obtiveram uma modificação da percepção dos movimentos identificando com esta metodologia os circuitos neuronais que estão na base de decisões relativas à percepção do movimento. Ora os «processos de decisão» ou as «regras de decisão» estão presentes em todo o comportamento cognitivo. São os elementos cognitivos que ligam a percepção à acção. VOL. 34, ABRIL - JUNHO, 2010 V No seguimento destas e de outras investigações três problemas fundamentais poderão em breve ter resposta. Como é que a informação é processada no cérebro? Como é que este processamento desperta uma atitude comportamental? E como é que a experiência pode modificar o comportamento seguinte? O sistema visual até à data tem constituído a melhor plataforma para a investigação da base neuronal para a tomada de decisões. Se os mecanismos que regem esses mecanismos forem entendidos no sistema visual serão previsivelmente entendidos nos outros sistemas. O conhecimento dos circuitos neuronais que fornecem informação visual oriunda da execução de determinadas tarefas como Movshon e Newsome mostraram em relação à discriminação de movimento, conduz-nos agora a um novo e excitante campo de investigação: o estudo dos circuitos neuronais e os algoritmos computacionais subjacentes aos processos de decisão, isto é, à essência da própria decisão. Ver, pensar, agir. Conhecer o binómio cérebro-comportamento porventura a última fronteira para o conhecimento total do funcionamento do cérebro… Movshon e Newsome bem merecem o reconhecimento da Fundação Champalimaud. Prof. Dr. Falcão dos Reis VI OFTALMOLOGIA