Zonas de alteração hidrotermal e paragênese do minério de cobre

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Revista Brasileira de Geociências
Rafael A. Augusto et al.
38(2): 263-277, junho de 2008
Zonas de alteração hidrotermal e paragênese do minério de cobre
do Alvo Bacaba, Província Mineral de Carajás (PA)
Rafael A. Augusto1, Lena V. S. Monteiro1, Roberto P. Xavier1 & Carlos Roberto de Souza Filho1
Resumo O Alvo Bacaba localiza-se a 7 km a ENE do depósito de óxido de ferro-Cu-Au de Sossego, na
Província Mineral de Carajás, sendo considerado satélite daquele depósito. Seu estudo visa à identificação dos
tipos de alterações hidrotermais que podem representar as partes mais distais do sistema Sossego, auxiliando
na compreensão da evolução dos paleo-sistemas hidrotermais responsáveis pela gênese dos depósitos cuproauríferos de classe mundial de Carajás. O estudo possibilitou o reconhecimento de zonas hidrotermais em
granito e gabro hospedeiros, que incluem albitização, intensa escapolitização, alteração potássica, formação de
magnetita e sulfetos de cobre, cloritização e sericitização. A mineralização de cobre foi tardia durante o desenvolvimento do sistema hidrotermal, sendo espacialmente associada a zonas com alteração potássica contendo
feldspato potássico. O decréscimo da temperatura (~500 oC a < 300 oC), com aumento da fO2 e diminuição da
salinidade dos fluidos metalíferos podem ter influenciado a deposição dos sulfetos. A associação de minerais
de minério, calcopirita, bornita e calcocita com galena, melonita, hessita, altaita, magnetita, hematita, uraninita,
cassiterita, ferberita, allanita, apatita, monazita e cheralita subordinadas, reflete a assinatura geoquímica caracterizada por Cu-Fe-Ni-Te-Ag-Pb-U-Sn-W-ETR-Th-P. Exceto pela abundância em escapolita, o Alvo Bacaba
possui uma seqüência de alteração hidrotermal semelhante à descrita para o depósito Sossego, sugerindo representar uma porção diferente do mesmo sistema hidrotermal, porém com concentração mais restrita de minério
cuprífero. É possível que o influxo de fluidos meteóricos, responsável pelo rápido decréscimo da salinidade e
temperatura, tenha sido mais eficiente no depósito de Sossego, favorecendo a deposição de cobre e a formação
de um depósito de classe mundial.
Palavras-chave: Carajás, depósito de óxido de ferro-Cu-Au, IOCG, Sossego, escapolita.
Abstract Hydrothermal alteration zones and ore paragenesis in the Cu Bacaba Prospect, Carajás
Mineral Deposit. The Bacaba prospect is located at 7 km from the Sossego iron oxide-copper-gold deposit
in the Carajás Mineral Province. It represents a satellite copper deposit associated with the Sossego deposit.
This study aims the identification of hydrothermal alteration patterns, which might represent distal portions
of the Sossego hydrothermal system. The results permitted the recognition of hydrothermal alteration zones
represented by early albitization, intense scapolitization, potassic alteration, magnetite formation, chloritization, copper mineralization, and sericitization. These alteration stages were recognized in different host rocks
(granite and gabbro). The copper mineralization was late and spatially related to potassic alteration with predominance of potassic feldspar. Temperature (~500 oC to < 300 oC) and salinity decrease, coupled with increase
of fO2 conditions could have favored metal deposition from the metalliferous fluid. Ore and gangue minerals
(chalcopyrite, galena, bornite, chalcocite, melonite, hessite, altaite, magnetite, hematite, uraninite, cassiterite,
ferberite, allanite, apatite, monazite, and cheralite) reflect a Cu-Fe-Ni-Te-Ag-Pb-U-Sn-W-ETR-Th-P signature.
The identified sequence of hydrothermal alteration stages in the Bacaba prospect is similar to that described
for the Sossego deposit, despite scapolite abundance at Bacaba. This suggests that these deposits represent different portions of a single hydrothermal system. Influx of diluted, meteoric fluids might be more important at
Sossego causing a higher efficiency in copper deposition in that site.
Keywords: Carajás, iron oxide-copper-gold deposit, Sossego, scapolite.
INTRODUÇÃO A classe de depósitos denominada de óxido de ferro-Cu-Au (iron oxide-copper-gold
deposits ou IOCG) representa mundialmente um dos
grandes alvos da pesquisa mineral, desde a descoberta
do depósito de Olympic Dam na Austrália (Roberts e
Hudson, 1983). A Província Mineral de Carajás (PMC;
Fig. 1) apresenta importantes depósitos de Cu-Au com
expressivo conteúdo de magnetita, semelhantes aos de-
pósitos IOCG de classe mundial. Entre esses depósitos destacam-se Salobo (789 Mt @ 0.96% Cu, 0.52 g/t
Au, 55 g/t Ag, Souza & Vieira 2000), Igarapé Bahia/
Alemão (219 Mt @ 1.4% Cu, 0.86 g/t Au, Tallarico et
al. 2005), Sossego (245 Mt @ 1.1% Cu e 0.28 g/t Au,
Lancaster et al. 2000), Gameleira (100 Mt @ 0.7% Cu,
Rigon 2000), Alvo 118 (70 Mt @ 1.0% Cu, 0.3 g/t Au,
Rigon 2000) e Cristalino (500 Mt @ 1.0% Cu, 0.3 g/t
1 - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP), Brasil. E-mails: [email protected], lena@ige.
unicamp.br, [email protected] , [email protected]
Arquivo digital disponível on-line no site www.sbgeo.org.br
263
Zonas de alteração hidrotermal e paragênese do minério de cobre do Alvo Bacaba, Província Mineral de Carajás (PA)
Figura 1 - Mapa geológico simplificado do segmento norte da Província Mineral de Carajás (Cinturão de Cisalhamento Itacaiúnas, Dardenne & Schobbenhaus, 2001).
Au, Huhn et al. 1999). Entretanto, até o momento, não
há um modelo genético único para os depósitos cuproauríferos de Carajás que possa explicar todas as peculiaridades de cada um. A simples adoção de modelos
já propostos para depósitos IOCG em outras partes do
mundo (Hitzman 2000, Williams et al. 2005) não parece ser compatível com os diversos atributos particulares dos depósitos cupro-auríferos de Carajás, o que
pode refletir evolução diferenciada dessa importante
província metalogenética.
O Alvo Bacaba (Fig. 2), localizado a 7 km a nordeste da Mina de Sossego, representa um alvo satélite
daquele depósito, caracterizado por extensas zonas de
escapolitização. Seu estudo visa à identificação dos tipos de alterações hidrotermais e padrões de distribuição
das zonas de alteração e de sua possível relação com o
paleo-sistema hidrotermal associado à gênese do depósito de Sossego. A distribuição das zonas de alteração
hidrotermal no Alvo Bacaba, em comparação com a definida em outros corpos de minério do depósito de Sos264
sego, pode: (i) fornecer subsídios para a reconstituição
de paleo-sistemas hidrotermais mineralizados em cobre
e ouro locais, e também para outras partes da Província
Mineral de Carajás; (ii) prover uma melhor compreensão
do ambiente de formação, da natureza das rochas hospedeiras e características dos sistemas IOCG em Carajás.
MÉTODOS Os métodos utilizados nesse estudo incluíram a descrição detalhada e amostragem sistemática de testemunhos de sondagem do Alvo Bacaba, totalizando doze furos de sondagem. Estudos petrográficos
de luz transmitida e refletida de 80 lâminas delgadas–
polidas foram realizados visando a identificação das
paragêneses de alteração hidrotermal e minério, assim
como seu seqüenciamento temporal durante a evolução
do sistema hidrotermal. Os estudos de fases menores
inclusas em sulfetos foram realizados com o auxílio de
microscópio eletrônico de varredura, conjugado a detectores de elétrons retro-espalhados e acoplado a sistema de microanálises utilizando detector de dispersão
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Rafael A. Augusto et al.
Figura 2 - Mapa simplificado e esquemático da área do depósito de Sossego, mostrando
a localização do Alvo Bacaba (modificado de VALE).
de energia (EDS).
CONTEXTO GEOLÓGICO DA PROVÍNCIA DE
CARAJÁS A Província Mineral de Carajás (PMC)
está localizada no sudeste do Cráton Amazônico e integra a Província Amazônia Central. Foi formada e estabilizada tectonicamente no Arqueano e é dividida em
três domínios tectônicos de direção leste-oeste (Docegeo
1988, Costa et al. 1995). A norte, localiza-se o Cinturão
de Cisalhamento Itacaiúnas; no centro, o terreno granitogreenstone de Rio Maria; e a sul, o terreno granito-greenstone de Inajá, também denominado por Costa et al.
(1995) de Cinturão de Cisalhamento Pau D’Arco.
As unidades mais antigas da província são representadas por granulitos compreendidos no Complexo Pium, cujas datações U-Pb em núcleos de zircão
sugerem idades de cristalização do protólito ígneo de
3.002 ± 14 Ma (Pidgeon et al. 2000). A idade U-Pb de
2.859 ± 9 Ma, obtida na borda dos grãos de zircão, foi
considerada como relativa ao metamorfismo de alto
grau (Pidgeon et al. op cit). Migmatitos e gnaisses tonalíticos e trondjemíticos do Complexo Xingu (2.974
± 15 Ma, Machado et al. 1991) também constituem o
embasamento reconhecido na província.
No Cinturão de Cisalhamento Itacaiúnas (Fig.
1), sobreposta ao Complexo Xingu, ocorre a seqüênRevista Brasileira de Geociências, volume 38 (2), 2008
cia metavulcano-sedimentar do Supergrupo Itacaiúnas
(Docegeo 1988) com idades entre 2,73 e 2,76 Ga (Wirth et al. 1986, Trendall et al. 1998, Galarza et al. 2003,
Pimentel et al. 2003, Tallarico et al. 2005). Esse supergrupo hospeda uma grande parcela dos depósitos de
classe mundial da PMC, incluindo os depósitos de ferro
gigantes de Serra Norte e Serra Sul e os de manganês
de Sereno e Buritirama, como também os de óxido de
Ferro-Cu-Au, tais como Salobo, Igarapé Bahia, Sossego, Cristalino e Alvo 118. Uma outra unidade metavulcano-sedimentar da Província Mineral de Carajás, o
Grupo Rio Novo (Hirata et al. 1982), é correlacionada
ao greenstone belt da Província Rio Maria (Docegeo
1988). Essa unidade é cortada pelo complexo máficoultramáfico de Luanga (2,76 Ga, Machado et al. 1991),
que hospeda mineralizações de cromo e platinóides.
O Supergrupo Itacaiúnas foi dividido por Docegeo (1988) em cinco unidades, aproximadamente
cronocorrelatas, designadas Igarapé Salobo, Igarapé
Pojuca, Grão Pará, Buritirama e Igarapé Bahia. O Grupo Igarapé Salobo que hospeda o depósito de IOCG
de Salobo consiste de paragnaisse, anfibolito, quartzito, gnaisse, metarcóseo, além de formação ferrífera.
O Grupo Igarapé Pojuca contém rocha metavulcânica
básica, xisto e rochas com cordierita-antofilita interpretadas como resultado de alteração hidrotermal pré265
Zonas de alteração hidrotermal e paragênese do minério de cobre do Alvo Bacaba, Província Mineral de Carajás (PA)
metamórfica, possivelmente associada à mineralização
de Cu-(Zn-Au-Ag) do depósito de Pojuca hospedado
nesse grupo (Winter 1994). O Grupo Grão Pará é composto de metabasalto, metavulcânica félsica e uma importante unidade de jaspilito hospedeira do minério de
ferro de Carajás. O Grupo Buritirama inclui quartzito,
mica xisto, xisto carbonatado, rocha cálcio-silicática e
mármore manganesífero, aos quais se associam os depósitos de manganês de Sereno e Buritirama (Docegeo
1988). O Grupo Igarapé Bahia, hospedeiro do depósito homônimo, é constituído na base por metabasalto,
metapelito, metagrauvaca, metarritmito, formação ferrífera e rochas metapiroclásticas de composição ácida e
intermediária (Ferreira Filho 1985). A unidade superior
desse grupo é constituída por metarenitos, em parte arcoseanos e ferruginosos, com intercalações de metabasalto (Ferreira Filho 1985).
A deposição das unidades do Supergrupo Itacaiúnas tem sido relacionada a ambiente distensivo de
rifte ensiálico (Docegeo 1988, Villas & Santos 2001,
Galarza et al. 2003), a ambiente tectônico associado a
zonas de subducção (Dardenne et al. 1988, Meirelles
& Dardenne 1991) ou, alternativamente, a uma bacia do tipo pull apart, gerada em fase inicial dúctil e
transtensiva neoarqueana do Cinturão de Cisalhamento
Itacaiúnas (Araújo et al. 1988). Os litotipos do Supergrupo Itacaiúnas foram metamorfisados na fácies xisto
verde inferior a anfibolito superior (Hirata et al. 1982,
Docegeo 1988) e deformados em regime dúctil e rúptil
(Pinheiro & Holdsworth 2000).
Sobreposta aparentemente em discordância angular às seqüências metavulcano-sedimentares ocorre
uma unidade metassedimentar siliciclástica depositada
em ambiente fluvial a marinho raso, denominada Formação Rio Fresco (Beisiegel et al. 1973) ou Águas Claras
(Nogueira et al. 1995). A unidade foi submetida a metamorfismo em fácies xisto verde inferior e deformação
dúctil a rúptil, apresentando uma idade mínima de 2.645
± 12 Ma obtida a partir de datação de zircões de um dique de metagabro intrusivo nessa unidade (Dias et al.
1996). A Formação Águas Claras hospeda os depósitos
de Au-EGP de Serra Pelada (Meireles & Silva 1988), de
manganês do Azul e de Cu-Au de Águas Claras e Breves
(Santos & Villas 2001, Tallarico et al. 2004).
O Supergrupo Itacaiúnas e a Formação Águas
Claras foram afetados por vários eventos intrusivos,
representados por (quartzo)-diorito/gabro (Huhn et al.
1999), granitos alcalinos deformados com idades de
~2,7 Ga (Complexo Granítico Estrela, Suíte Plaquê,
granitos Planalto e Serra do Rabo, Dall’Agnol et al.
1997, Avelar et al. 1999, Barros et al. 2004) e ~2,5 Ga
(granitos Old Salobo e Itacaiúnas, Machado et al. 1991,
Huhn et al. 1999), sills e diques máficos toleiíticos
neoarqueanos (Ferreira Filho 1985, Dias et al. 1996),
corpos máfico-ultramáficos foliados tardi-arqueanos
(e.g., Santa Inês; Araújo et al. 1988) e anorogênicos
diferenciados paleoproterozóicos (2,38 Ga) da Suíte
Cateté ou do “tipo Vermelho” (Macambira & Ferreira Filho, 2002). Outros episódios intrusivos na região
são representados por granitos anorogênicos de idade
266
de ~1,88 Ga (e.g., granitos Serra dos Carajás, Cigano,
Pojuca, Young Salobo, Musa, Jamon e Breves, Wirth
et al. 1986, Dall’Agnol et al. 1997, 1999, Tallarico et
al. 2004), por leucogranito de 1,58 Ga identificado por
Lindenmayer et al. (2001) na área de Pojuca-Gameleira
e diques máficos fanerozóicos, incluindo corpos mesozóicos enfeixados na unidade Diabásio Cururu (Macambira & Lafon 1999).
DEPÓSITOS DE ÓXIDO DE FERRO-COBRE-OURO DE CARAJÁS Depósitos cupro-auríferos com
expressiva concentração de magnetita e com reservas
consideradas como de classe mundial (>100 Mt) são conhecidos na Província Mineral de Carajás desde 1977,
quando foi descoberto o depósito de Salobo. Outros depósitos com essas características foram descobertos nas
décadas de 1980 e 1990, tais como Cristalino, Igarapé
Bahia/Alemão, Gameleira, Sossego e Alvo 118 (Fig. 1).
Nesses depósitos, óxidos de ferro (magnetita e,
mais subordinadamente, hematita) são mais comuns que
sulfetos de ferro (pirita e pirrotita) e ocorrem associados
aos sulfetos de cobre, que incluem calcopirita e quantidades variáveis de calcocita, bornita, digenita e covelita.
Os depósitos de óxido de ferro-cobre-ouro de
Carajás apresentam similaridades, incluindo: (i) rochas
hospedeiras variáveis, na maioria dos casos incluindo
unidades metavulcano-sedimentares do Supergrupo
Itacaiúnas; (ii) associação com zonas de cisalhamento;
(iii) proximidade com intrusões de diferentes composições (granito, diorito, gabro e diques porfiríticos de
composição dacítica ou riolítica); (iv) intensas alterações hidrotermais, incluindo sódica, sódica-cálcica e
potássica, além de cloritização, turmalinização e silicificação; (v) formação de magnetita seguida por precipitação de sulfetos e (vi) um amplo intervalo de temperaturas de homogeneização (100-570°C) e salinidades (0
a 69% eq. peso NaCl) em inclusões fluidas em minerais
de ganga relacionados aos minerais de minério, indicando a mistura de fluidos de origens diversas (Monteiro et al. 2008a). Além dessas características, esses
depósitos apresentam enriquecimentos em ETRL, P,
Ni, Co, e, em alguns casos, Ag, Mo, U, Th, Y, Pd, Zn,
Te e Sn, análogos aos descritos em depósitos da classe
de óxido de ferro-cobre-ouro (IOCG) em outras províncias mundiais (Hitzman 2000, Williams et al. 2005,
Grainger et al. 2008).
Extensas zonas de escapolitização foram reconhecidas em Carajás (Sousa 2007, Monteiro et al. 2007)
sendo semelhantes às identificadas em outras províncias com depósitos de IOCG de classe mundial, tais
como a do Escudo da Fenoscândia, na Suécia (Frietsch
et al. 1997), Wernecke, no Yukon, Canadá (Hunt et al.
2005) e o distrito de Cloncurry, Queensland, na Austrália (Oliver et al. 1992). Em algumas dessas províncias, a formação de escapolita a partir de halita ou de
fluidos salinos derivados de (meta)evaporitos foi estabelecida, notadamente na área de Slab em Wernecke,
Yukon, Canadá (Hunt et al. 2005). Em Carajás, estudos
de isótopos de boro (Xavier et al. 2006, 2008) fornecem evidências indiretas da participação da dissolução
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Rafael A. Augusto et al.
de evaporitos marinhos na evolução dos fluidos mineralizantes nos depósitos IOCG.
A gênese dos depósitos de IOCG de Carajás
tem sido relacionada aos três eventos de granitogênese
identificados na província com base em dados geocronológicos: (i) ~2,76 Ga (Galarza et al. 2003), (ii) ~2,57
Ga (Réquia et al. 2003, Tallarico et al. 2005, Grainger
et al. 2008), e (iii) ~1,88 Ga (Pimentel et al. 2003). A
importância das intrusões graníticas do Neoarqueano (~2,57 Ga), semelhantes aos granitos Old Salobo e
Itacaiúnas e de ocorrência restrita na província, para o
estabelecimento de sistemas magmático-hidrotermais
tem sido enfatizada por alguns autores (Tallarico et
al. 2005, Tavaza & Oliveira 2000, Réquia et al. 2003,
Grainger et al. 2008). Modelos vulcânicos singenéticos (Lindenmayer 1990, Villas & Santos 2001, Dreher
2004, Dreher et al. 2008) foram também propostos para
a gênese dos depósitos Salobo e Igarapé Bahia.
O Sistema Hidrotermal de Sossego O depósito de
óxido de Fe-Cu-Au de Sossego (Fig. 2), atualmente em
explotação pela VALE, representa o primeiro depósito
desse tipo a entrar em produção na Província Mineral
de Carajás. O depósito localiza-se ao longo de uma
zona de cisalhamento regional de direção WNW–ESE
que define o contato entre as unidades metavulcanosedimentares do Supergrupo Itacaiúnas, a norte, e os
gnaisses e migmatitos do Complexo Xingu a sul.
O depósito de Sossego é constituído por dois
grupos de corpos de minério, Sequerinho-Baiano-Pista
e Sossego-Curral, com associações de alteração hidrotermal distintas (Fig. 3). Os corpos Sequeirinho e Sossego, contudo, representam aproximadamente 85% e
15% das reservas.
Nos corpos Sequerinho e Baiano são reco-
nhecidas zonas de alteração sódica (albita–hematita) e
sódica–cálcica (actinolita-albita-titanita-epidoto-allanita) associadas com a formação de corpos maciços de
magnetita–(apatita), envelopados por zonas constituídas por actinolita (actinolititos), semelhantes aos descritos em partes profundas de sistemas IOCG em outras
partes do mundo (Monteiro et al. 2008a). No Corpo
Pista, hospedado por rochas metavulcânicas félsicas
milonitizadas, um importante estágio de alteração com
biotita±hastingsita-turmalina–escapolita foi reconhecido (Villas et al. 2005; Souza 2007).
Os corpos Sossego-Curral, entretanto, apresentam evidências de alteração potássica mais intensa,
caracterizadas pela formação de feldspato potássico e
biotita rica em Cl que substituem o granito granofírico
hospedeiro. Alteração clorítica predomina em halos externos nesses corpos. Alteração hidrolítica com sericitahematita-quartzo, típicas de partes bastante rasas de sistemas IOCG, foram reconhecidas apenas nesses corpos
(Carvalho et al. 2005, Monteiro et al. 2008a, 2008b).
A mineralização ocorre em brechas hidrotermais.
No corpo Sequeirinho essas brechas apresentam calcopirita na matriz envolvendo fragmentos de actinolititos e
de cristais de actinolita, apatita e magnetita. No corpo
Sossego, as brechas apresentam fragmentos angulosos
à sub-angulosos da rocha hospedeira hidrotermalizada
envolvidos por magnetita em matriz com calcopirita,
calcita, quartzo, clorita, epidoto e apatita com texturas
de preenchimento de espaços abertos (Carvalho et al.
2005, Monteiro et al. 2008a, 2008b). A mineralização
de cobre-ouro foi tardia e se desenvolveu em condições
essencialmente rúpteis, sendo representada por calcopirita (+ pirita + siegenita + millerita + ouro + esfalerita +
galena + cassiterita + Pd-melonita + hessita).
Datações Pb-Pb em calcopirita indicaram idade
Figura 3 - Perfil esquemático mostrando a distribuição das zonas de alteração hidrotermal nos
corpos Sequeirinho e Sossego do depósito Sossego (Monteiro et al. 2008a).
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267
Zonas de alteração hidrotermal e paragênese do minério de cobre do Alvo Bacaba, Província Mineral de Carajás (PA)
de 2.608 + 25 Ma para a formação das brechas mineralizadas do corpo Sequeirinho (Neves et al. 2006, Villas
et al. 2006).
CONTEXTO GEOLÓGICO DO ALVO BACABA No Alvo Bacaba (Fig. 4) os corpos de minério
são hospedados por rochas intrusivas félsicas e máficas
hidrotermalizadas (Fig. 5A a 5N) aflorantes próximo
à zona de contato entre o Supergrupo Itacaiúnas e o
Complexo Xingu (Fig. 2). As rochas intrusivas cortam
as unidades metavulcano-sedimentares do Supergrupo
Itacaiúnas e estão inseridas na zona de cisalhamento
regional de direção WNW–ESE que representa um importante corredor estrutural ao longo do qual ocorrem
outros depósitos de IOCG (e.g., Cristalino, Sossego e
Alvo 118) e ocorrências cupríferas.
Rochas hospedeiras Rochas intrusivas félsicas (Fig.
4) identificadas em domínios mais preservados da alteração hidrotermal no Alvo Bacaba apresentam cor
cinza à rósea, textura fanerítica média a grossa, sendo inequigranulares a localmente porfiríticas (Fig. 5I e
5J). Quando hidrotermalizadas apresentam comumente
coloração esverdeada (escapolitização) ou vermelha intensa (alteração potássica com microclínio com finas
inclusões de hematita). Encontram-se foliadas ou fortemente cisalhadas, embora termos mais isotrópicos tenham sido reconhecidos. A composição inicial da rocha
foi intensamente obliterada por processos hidrotermais,
mas relíquias de minerais ígneos são representadas por
quartzo com forte extinção ondulante, microclínio, pertita e pequena quantidade de biotita, que podem indicar um protólito granítico. O plagioclásio observado
Figura 4 - Seção esquemática mostrando as rochas
hospedeiras do Alvo Bacaba, elaborada pela VALE. A
seção também inclui a distribuição das zonas de alteração hidrotermal interpretadas nesse trabalho com base
em estudos petrográficos de testemunhos de sondagem
que cortam o perfil.
268
nessa rocha comumente é albita com textura “tabuleiro
de xadrez”, típica de substituição metassomática de microclínio, indicando sua origem hidrotermal. Texturas
semelhantes à mirmequítica, com intercrescimento de
quartzo e albita próximo ao limite de grãos de feldspato
potássico, são comuns e devido a sua associação espacial com microdomínios cisalhados sua formação pode
ter sido induzida por deformação.
O gabro, quando menos hidrotermalizado, mostra cor verde escura e textura fanerítica média (Figs.
5L e 6A). Ripas de plagioclásio quando identificadas
sugerem ser relíquias de textura ofítica a subofítica,
associadas com piroxênio já parcialmente substituído
por anfibólio e, subseqüentemente, por biotita. Cristais
euedrais de ilmenita com exsoluções de magnetita são
relativamente comuns, assim como a substituição da ilmenita por rutilo e titanita e da magnetita pelo anfibólio
hidrotermal (Fig. 6B). Inclusões muito finas de scheelita foram identificadas na magnetita presente no gabro.
Contatos entre o gabro e o granito são, em alguns casos, tectônicos e marcados por intensa alteração
hidrotermal nas duas rochas concomitante ao cisalhamento. Nesses casos, o milonito resultante tem aspecto
híbrido e apresenta zonas silicificadas e enriquecidas
em feldspato potássico, escapolita e epidoto.
Mais subordinadamente, diques de rocha intrusiva ácida de coloração marrom à avermelhada também
ocorrem no Alvo Bacaba. Essas rochas, denominadas
de quartzo-feldspato pórfiros, têm textura porfirítica,
com megacristais de quartzo bipiramidal e feldspato
euedral e, localmente, apresentam-se foliadas e hidrotermalizadas.
Estágios de Alteração Hidrotermal De uma forma
geral, a alteração hidrotermal no Alvo Bacaba é intensa,
obliterando parcial a totalmente as texturas originais das
rochas hospedeiras (Fig. 5A a 5N). As zonas hidrotermais
são verticalizadas e sua distribuição fortemente controlada pelo desenvolvimento de zonas de cisalhamento rúptil-dúctil e pela geometria dos corpos de gabro.
A natureza da rocha hospedeira reflete-se na associação mineral de alteração hidrotermal, sendo mais
comum alteração potássica com biotita no gabro ou
próximo ao contato com esse litotipo. A alteração potássica com feldspato potássico e magnetita, comum na
intrusiva félsica, é mais proximal em relação aos corpos de minério, enquanto que escapolitização, muito
expressiva no Alvo Bacaba, é mais distal.
ALBITIZAÇÃO A albitização representa o estágio inicial da alteração hidrotermal no Alvo Bacaba. Ocorre
tanto na forma de vênulas e veios, como também substituindo parcial e/ou totalmente o gabro e intrusivas
félsicas. Veios de albita pura com cor branca podem
atingir mais de 40 cm. Zonas de substituição da rocha
intrusiva félsica por albita apresentam coloração rósea,
possivelmente devido à presença de inclusões muito
finas de hematita. Essas zonas são caracterizadas pela
substituição de feldspatos ígneos por cristais euédricos a
subeuédricos de albita com textura tabuleiro de xadrez.
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Rafael A. Augusto et al.
Figura 5 - Principais feições das rochas hidrotermalizadas e mineralizadas do Alvo
Bacaba (BACD 03). A. Rocha substituída por biotita (bt) e cortada por vênulas com
calcopirita (cp) com clorita (chl) ou biotita, calcita (cal) e quartzo (qtz); B. Rocha
escapolitizada (scp) e substituída por biotita; C. Rocha escapolitizada cortada por
vênula com feldspato potássico (kfs) e quartzo; D. Rocha escapolitizada substituída
por feldspato potássico e cortada por vênulas com calcopirita; E. Rocha intrusiva
félsica substituída por biotita (bt) fina; F. Rocha intrusiva félsica albitizada (ab)
com zonas de substituição com biotita e feldspato potássico; G. Halo de feldspato
potássico ao redor de vênula com calcopirita; H. Rocha escapolitizada cortada por
vênula com feldspato potássico; I. Aspecto do granito escapolitizado próximo ao
contato com gabro; J. Granito incipientemente escapolitizado com texturas ígneas
ainda preservadas; K. Rocha substituída por biotita e escapolita e cortada por vênulas com calcopirita; L. Gabro incipientemente alterado com vênulas de calcita;
M. Rocha intrusiva félsica foliada e escapolitizada próximo a veio de escapolita com
feldspato potássico; N. Veio de escapolita com feldspato potássico e goethita. Abreviações utilizadas segundo Chace (1956) e Kretz (1983).
Revista Brasileira de Geociências, volume 38 (2), 2008
269
Zonas de alteração hidrotermal e paragênese do minério de cobre do Alvo Bacaba, Província Mineral de Carajás (PA)
No gabro, a albita hidrotermal com aspecto límpido
forma-se intersticialmente aos cristais de plagioclásio
ígneo, bastante saussuritizado, e relíquias de piroxênio.
A albitização é fortemente obliterada por estágios de alteração subseqüentes. Comumente, os cristais de albita
hidrotermal são substituídos por feldspato potássico, o
que também confere aos cristais um aspecto “sujo” ao
microscópio ou cortados e envolvidos por biotita (Fig.
6C). Outras alterações observadas no feldspato sódico
incluem a escapolitização, que resulta em cores esverdeadas e bordas corroídas.
Uma geração de albita hidrotermal mais tardia
relaciona-se aos minerais de minério, principalmente
com a calcopirita, em torno dos quais forma envelopes,
e substituem feldspato potássico.
SILICIFICAÇÃO A silicificação afeta as rochas intrusivas félsicas do Alvo Bacaba, geralmente sobrepondose a albitização inicial. A silicificação resulta na formação de quartzo nos espaços intersticiais entre cristais de
albita em rochas previamente hidrotermalizadas, como
também acompanha a alteração potássica com feldspato potássico. Nesse caso, grandes cristais de microclínio euedrais podem ocorrer em uma matriz de quartzo.
ESCAPOLITIZAÇÃO A escapolitização é um dos tipos de alteração hidrotermal mais abrangente em termos areais do Alvo Bacaba. Essa alteração substitui
parcial e/ou totalmente as rochas intrusivas félsicas em
particular, conferindo coloração esverdeada às mesmas.
No gabro, a escapolitização resulta em coloração cinza
esverdeada. Em rochas intensamente escapolitizadas
texturas ígneas são completamente obliteradas e a identificação do protólito apenas é possível com a observação das transições entre litotipos mais preservados e
intensamente escapolitizados. Em escala microscópica,
observa-se que as bordas dos feldspatos ígneos, e em
alguns casos da albita hidrotermal, apresentam-se corroídas e parcialmente substituídas por escapolita.
A escapolitização generalizada é mais intensa
ao redor de veios de escapolita (Fig. 5M), que representam outra forma de ocorrência típica desse mineral.
Tais veios alcançam até 5 m de espessura, sendo comuns também veios centimétricos e sistemas de vênulas. Os veios apresentam coloração branca a creme ou
avermelhada devido à presença de goethita (Fig. 5N).
Comumente os veios métricos de escapolita (< 5 m)
são cortados por veios de escapolita branca com até 20
cm. Nos veios, escapolita ocorre como grandes cristais
fibrosos (Fig. 6D) ou prismáticos com baixa birrefringência, típica de escapolita marialítica (Scp I) em associação com quartzo, magnetita, fluorita e epidoto.
Os cristais de escapolita mostram freqüentemente extinção ondulante e formação de sub-grãos e
encontram-se bastante fraturados, indicando terem sido
afetados por deformação no regime próximo à transição
rúptil-dúctil. Adicionalmente, são cortados por faixas
ou zonas irregulares com escapolita fina (Scp II), também com baixa birrefringência, fortemente orientadas,
sugerindo associação com zonas de milonitização. A
270
escapolita fina (Scp II) também constitui localmente
matriz entre cristais da escapolita (Scp I) brechados.
A escapolita inicial (Scp I) é comumente substituída por feldspato potássico, biotita, muscovita, illita ou caolinita. Minerais de urânio e tório, tais como
haiweeita (Fig. 7a) [Ca[(UO2)2Si5O12(OH)2]·3(H2O)]
e calciothorita [(Th,Ca2)SiO43.5H2O] também preenchem fraturas nos cristais fibrosos de escapolita.
FORMAÇÃO DE ÓXIDOS DE FERRO Magnetita
ocorre associada a escapolitização inicial, principalmente em veios nos quais a escapolita (Scp I) está mais
preservada. Ocorre como cristais euedrais a subeuedrais, preenchendo fraturas na escapolita (Scp I) ou
como cristais orientados ao longo da foliação milonítica. Em zonas de escapolitização intensamente milonitizadas, afetadas por alteração retrógrada, relíquias de
magnetita ocorrem como cristais xenomórficos menores associados a óxidos de Fe-Ti-(Mn) e goethita.
No gabro, a alteração potássica com biotita
pode ser acompanhada por formação de abundantes
quantidades de magnetita.
Grande quantidade de magnetita disseminada
substitui a rocha intrusiva félsica tanto parcialmente
preservada como fortemente substituída por feldspato
potássico. Em alguns casos formam-se corpos constituídos por > 60 a < 80% de magnetita fina, denominados
de magnetitito (Fig. 5E).
Vênulas com feldspato potássico também cortam porções de rocha rica em magnetita, incluindo os
magnetititos. Magnetita ocorre ainda nas zonas mineralizadas onde se encontra parcialmente substituída
por hematita.
ALTERAÇÃO POTÁSSICA COM FELDSPATO POTÁSSICO As zonas de alteração potássica com feldspato
potássico são estruturalmente controladas. Ocorrem
como faixas orientadas ao longo da foliação milonítica
com intensa cor vermelha, conferida por finas inclusões
de hematita no feldspato potássico. A alteração potássica também é representada por veios, sendo comuns nos
contatos entre a rocha intrusiva félsica e o gabro.
No rocha intrusiva félsica a alteração potássica
resulta na formação de grandes cristais euedrais de microclínio que substituem feldspatos pré-existentes (Fig.
6E). A alteração é descontínua, controlada por fraturas, mas avança para alteração mais generalizada com
a substituição dos demais minerais presentes na rocha.
Ao microscópio, sob luz transmitida e polarizadores
descruzados, o microclínio mostra aspecto turvo, devido
à oxidação da hematita e à sericitização e caolinização
sobrepostas. Nessas zonas de alteração potássica, rutilo
e grande quantidade de zircão são comuns. No gabro,
a alteração potássica com feldspato potássico é menos
evidente, mas também resulta na formação de cristais de
microclínio intersticiais a relíquias de minerais ígneos.
Veios e vênulas com feldspato potássico cortam
zonas albitizadas (Fig. 5F), escapolitizadas (Figs. 5C,
5D e 5H) e veios com magnetita, mas em geral antecedem a formação dos sulfetos. Nos magnetititos, veios e
vênulas de feldspato potássico apresentam halo externo
Revista Brasileira de Geociências, volume 38 (2), 2008
Rafael A. Augusto et al.
Figura 6 - Fotomicrografias exibindo aspectos da alteração hidrotermal e mineralização cuprífera do Alvo Bacaba. A. Relíquia e textura subofítica em gabro hidrotermalizado, caracterizada por ripas de plagioclásio e
piroxênio parcialmente substituído por anfibólio (luz transmitida - LT, polarizadores cruzados - PC). B. Ilmenita
associada a anfibólio. As texturas sugerem que a ilmenita foi preservada, enquanto exsoluções de magnetita foram alteradas e substituídas por anfibólio hidrotermal (LT, polarizadores descruzados - PD). C. Cristais de albita
com biotita ao longo de suas bordas (LT, PC). D. Cristais fibrosos de escapolita em veio; (LT, PC). E. Alteração
potássica com microclínio englobando quartzo (LT, PC). F. Cristais finos de biotita (Bt I) orientados ao longo
da foliação milonítica e vênula com biotita grossa (Bt II) associada a quartzo e calcopirita (LT, PC). G. Zona
mineralizada com calcopirita e magnetita (opacos) associados com clorita, quartzo, apatita e albita (LT, PD). H.
Allanita associada a quartzo, albita e biotita cloritizada em zona mineralizada (LT, PC). I. Calcopirita em espaços intersticiais entre cristais euedrais de albita (centro) e quartzo (topo). Feldspato potássico ocorre no canto
direito inferior da foto (LT, PC). J. Calcopirita associada com bornita (luz refletida – LR). K. Cristal de magnetita
subeuédrica cortada por calcopirita (LR). L. Altaita e melonita na borda da calcopirita (LR). Abreviações utilizadas segundo Chace (1956) e Kretz (1983).
de clorita e calcita no centro, associada com a qual foi
identificada ferberita (FeWO4).
ALTERAÇÃO POTÁSSICA COM BIOTITA A alteração potássica com biotita é típica de rochas de composição gabróica. As rochas afetadas por esse tipo de
alteração são finas e de cor marrom escura, foliadas e
cortadas por vênulas (Figs. 5A e 5K). São compostas
por biotita (> 50 a < 80 %), mas quartzo com extinção
ondulante, magnetita, microclínio, escapolita, turmalina, muscovita e zircão estão presentes. Biotita fina (Bt
I), em geral, forma-se ao longo da foliação milonítica.
Escapolita (Scp III) ocorre nessas rochas como
porfiroblastos, em alguns casos zonados, ou como poiquiloblastos. A Scp III caracteriza-se por ter uma maior
birrefringência que a escapolita de veios e zonas extensivas de escapolitização (ScpI e Scp II), o que indica maior
conteúdo da molécula meionita. Possivelmente essa geração de escapolita representa o produto da alteração hidrotermal de plagioclásio pré-existente na rocha.
Revista Brasileira de Geociências, volume 38 (2), 2008
Em geral, a biotita fina corta e substitui rochas
escapolitizadas (Fig. 5B), assim como o feldspato potássico das zonas de alteração potássica. Entretanto, vênulas de feldspato potássico também cortam as zonas
de ricas em biotita, sugerindo múltiplos pulsos de fluidos e recorrência dos estágios de alteração.
Nas zonas de alteração potássica, cortando a
biotita fina também são observados cristais grossos de
biotita (Bt II, Fig. 6F), turmalina verde, escapolita e
calcopirita associados a sistemas de fraturas.
CLORITIZAÇÃO E EPIDOTIZAÇÃO A mineralização encontra-se principalmente associada a intensa
cloritização (Fig. 6G) que, por sua vez, também é estruturalmente controlada, em geral concordante com a
foliação milonítica. Tais zonas de cloritização sobrepõem-se às zonas de alteração potássica tanto nos protólitos félsicos como máficos, marcando o domínio da
mineralização cuprífera. A clorita ocorre como cristais
271
Zonas de alteração hidrotermal e paragênese do minério de cobre do Alvo Bacaba, Província Mineral de Carajás (PA)
Figura 7 - Imagens de elétrons retro-espalhadas de associações minerais em rochas hidrotermalizadas e mineralizadas do Alvo Bacaba obtidas com uso de microscópio eletrônico de varredura.
A. Haiweeita ocorre como produto de alteração da escapolita; b: Allanita zonada associada a
feldspato potássico nas bordas de veio mineralizado. Inclusões de altaita e galena ocorrem no
feldspato potássico; c. Monazita com apatita nas bordas associada com calcopirita e feldspatos.
Inclusão de melonita na calcopirita pode também ser observada; d. Inclusões de altaita e de hessita e filetes de hematita na calcopirita. E. Melonita e hessita na borda da calcopirita (em contato
na albita); f: Inclusões de uraninita em calcopirita e de galena em quartzo.
finos a grossos com arranjos fibro-radiados e apresenta
birrefringência anômala. Em geral, altera as fases hidrotermais iniciais incluindo feldspatos, escapolita e
biotita (Bt I e Bt II). A epidotização é comum em milonitos silicificados e albitizados que marcam o contato
entre granito e gabro.
MINERALIZAÇÃO A mineralização é representada
pela formação de vênulas, veios, bolsões e zonas de substituição (até 30 cm) controladas pelo desenvolvimento
de foliação milonítica. As zonas mineralizadas são comuns nos contatos entre diferentes litotipos, incluindo
magnetitito, gabro e intrusiva félsica. Adicionalmente,
mostram relação espacial com rochas intensamente afetadas por alteração potássica com feldspato potássico
(Fig. 5G). Nessas zonas, o feldspato é cortado por veios
mineralizados com calcopirita, acompanhada por clorita, albita, calcita, epidoto, clinozoisita, allanita (Figs. 6H
e 7b), apatita, monazita (Fig. 7c), rutilo e magnetita. A
ocorrência de albita ao redor dos sulfetos ou associada
aos mesmos (Fig. 6I), cortando o feldspato potássico préexistente, é bastante comum no Alvo Bacaba.
O principal mineral de minério é calcopirita que
ocorre associada com bornita e calcocita (Fig. 6J). Em
geral, esses minerais ocorrem nas bordas da calcopirita, evidenciando serem produto de sua alteração. Magnetita euedral alterada ao longo de suas bordas e em
fraturas com hematita é comum nos intervalos mineralizados. Hematita também ocorre em filetes ou cristais
272
alongados associada com calcopirita (Fig. 7d).
Melonita (NiTe2) e altaita (PbTe) são fases
acessórias importantes na mineralização (Figs. 7b a
7e). Preenchem fraturas ou representam inclusões na
calcopirita ou nos minerais de ganga. Galena, uraninita (Fig. 7f), cassiterita, cheralita [CaTh(PO4)2] e teluretos de bismuto ocorrem como finas inclusões na
calcopirita. Hessita (Fig. 7d) ocorre também associada
com melonita nas bordas da calcopirita, alterando esse
mineral. Olsacherita (Pb2SO4SeO4) também foi identificada, ocorrendo como finas agulhas em paredes de
fraturas na calcopirita. Esse mineral poderia representar
um produto de alteração da penroseita [(Ni,Co,Cu)Se2],
como descrito por Hurlbut et al. (1969).
ALTERAÇÃO HIDROLÍTICA/ SERICITIZAÇÃO A
sericitização é controlada por redes de fraturas e
pela foliação milonítica (sin- a pós-milonitização) e
é acompanhada por formação de muscovita, epidoto
e hematita resultante da alteração da magnetita. Essa
alteração também pode associar-se a intervalos mineralizados com calcopirita.
DISCUSSÕES Os estudos realizados permitiram o
reconhecimento da seqüência de estágios de alteração
hidrotermal (Fig. 8) e da evolução paragenética (Fig. 9)
do Alvo Bacaba.
O Alvo Bacaba apresenta evidências de intensas
alterações sódica (albita-escapolita) e potássica (feldsRevista Brasileira de Geociências, volume 38 (2), 2008
Rafael A. Augusto et al.
Figura 8 - Principais estágios de alteração hidrotermal caracterizados no Alvo Bacaba
juntamente com mudanças físico-químicas resultantes da evolução temporal do sistema
hidrotermal, inferidas a partir de campos de estabilidade mineral.
pato potássico, biotita, magnetita, turmalina) e formação de óxidos de ferro (predominantemente magnetita
com hematita subordinada), seguidas por cloritização/
epidotização que acompanham a mineralização cuprífera e sericitização tardia. Os diferentes estágios de alteração hidrotermal reconhecidos no Alvo Bacaba parecem
ter sido fortemente controlados pelo desenvolvimento
de zonas de cisalhamento. De modo geral, a evolução
paragenética do depósito de Sossego (Monteiro et al.
2008a) é semelhante ao descrito neste alvo. A principal
diferença é representada pela ocorrência localizada de
escapolita e predominância de actinolita em Sossego.
Corpos ricos em actinolita e magnetita, denominados
de “actinolititos” no depósito de Sossego também não
foram observados no Alvo Bacaba.
A ocorrência de escapolita em veios e zonas de
substituição no Alvo Bacaba constitui halos ou fronts de
escapolitização associados aos condutos de escape de
fluidos. Evidências diretas de substituição in situ de minerais evaporíticos não foram observadas. Entretanto,
a presença e abundância de escapolita marialítica, que
contém cloro em sua estrutura, representa um mineral
indicador de alta salinidade do fluido hidrotermal a partir do qual foi formada. Como o cloro é um elemento
com alta partição em fases fluidas em comparação com
as fases sólidas, apenas é incorporado nessas fases em
condições de alta atividade de Cl (Jiang et al. 1994).
O tamponamento da atividade de cloro no fluido, relaRevista Brasileira de Geociências, volume 38 (2), 2008
Figura 9 - Evolução paragenética do Alvo Bacaba associada aos diferentes estágios de alteração hidrotermal.
273
Zonas de alteração hidrotermal e paragênese do minério de cobre do Alvo Bacaba, Província Mineral de Carajás (PA)
cionado à limitada infiltração de fluidos diluídos, também seria importante para a estabilidade da escapolita
(Mora & Valley 1989). Adicionalmente, a estabilidade
deste mineral é incomum em temperaturas inferiores
a 500-400°C (Vanko & Bishop 1982), indicando fluidos altamente salinos e quentes nos estágios iniciais de
evolução do sistema hidrotermal. Tais condições favoreceriam o transporte de metais no fluido na forma de
complexos cloretados.
Subsequentemente à escapolitização, alteração
potássica e formação de óxidos de ferro foram processos recorrentes (Fig. 9). Isso é sugerido pela ocorrência,
por exemplo, tanto de veios de magnetita cortando a rocha substituída por feldspato potássico como veios com
microclínio em magnetititos pré-existentes. A alteração
potássica proximal em relação ao minério é representada por veios ou zonas de substituição com feldspato potássico. Alteração potássica com biotita foi fortemente
controlada pelo desenvolvimento de foliação milonítica, indicando formação de biotita e de escapolita sindeformacionais, principalmente em protólitos gabróides. A transição da alteração potássica com biotita (bt
+ mt) para alteração com feldspato potássico (kfs + mt)
não representa necessariamente uma mudança de temperatura, mas pode sugerir aumento das condições de
fO2 como indicado na figura 10. Adicionalmente, é possível que a natureza oxidada ou reduzida do protólito
seja determinante na associação mineral desenvolvida
na alteração potássica.
Cloritização, associada à formação de calcita,
quartzo e epidoto, além de albita, apatita, allanita e monazita, sobrepõe-se às zonas de alteração potássica, estando
associada com a mineralização cupro-aurífera. As condições para estabilidade da associação clorita-epidotoquartzo-calcita são restritas às do início da fácies dos xistos verdes embora tal paragênese possa ser estável a temperaturas mais elevadas se a XCO for alta (Laird 1988).
2
De modo geral, entretanto, a ausência
de actinolita nessa
associação pode indicar que as temperaturas de deposição
da calcopirita não teriam ultrapassado 350 oC.
A mineralização representa um estágio tardio
na evolução do sistema hidrotermal representado por
sulfetos, teluretos e óxidos que ocorrem em vênulas,
veios, bolsões e zonas de substituição da rocha hospedeira. Magnetita formada no estágio de mineralização
parece ser anterior à calcopirita, sendo substituída por
hematita ao longo de fraturas e bordas. A associação
entre calcopirita e hematita, por sua vez, indicaria que a
mineralização ocorreu em condições mais oxidadas que
aquelas predominantes nos estágios anteriores.
Zonas de alteração hidrolítica com sericita e
hematita também são reconhecidas no Alvo Bacaba,
mas associam-se a zonas com fraca mineralização. A
presença dessa associação sugere ainda diminuição de
pH nesse estágio (Fig. 9). Em parte, isso poderia ser
resultante da deposição dos sulfetos a partir de reações
com consumo de H2S e liberação de H+.
A deposição do minério pode ter sido relacionada a três fatores (Fig. 9): (i) decréscimo da temperatura,
com a formação de minerais de baixa temperatura em
274
Figura 10 - Diagrama de pH vs. fO2, a 300 oC, 1,5 kbar
e aK+ = 0.1, mostrando possível trajetória de mudança
de pH e fugacidade de oxigênio nos estágios de alteração potássica e sericítica. Campo pontilhado representa condições predominantes no estágio de deposição
dos sulfetos (Skirrow 2004).
paragênese com os minerais de minério, (ii) aumento
da ƒO2, sugerida pela predominância de magnetita nos
estágios iniciais da evolução paragenética e a presença de hematita no final, (iii) decréscimo da salinidade,
devido à cristalização inicial de minerais portadores de
cloro, como a escapolita.
No Alvo Bacaba, as extensas zonas de escapolitização podem indicar tamponamento das atividades
de cloro e baixa infiltração de fluidos diluídos. A alteração retrógrada incipiente da escapolita para clorita
e caolinita, associada com microdomínios cisalhados,
pode refletir a desestabilização desse mineral devido ao
influxo canalizado, porém limitado, de fluidos diluídos,
tais como águas meteóricas.
Processos de mistura dos fluidos hipersalinos com fluidos meteóricos poderiam contribuir para
aumentar a eficiência da deposição do minério, como
parece ser o caso do depósito de Sossego, para o qual
dados de isótopos estáveis apontam para significativo
influxo de fluidos meteóricos no sistema (Monteiro et
al. 2008a). É provável que essa mistura de fluidos hipersalinos com fluidos mais diluídos, responsável pelo
rápido decréscimo da salinidade e temperatura no sistema hidrotermal, tenha sido mais eficiente no depósito
de Sossego, possibilitando a formação de um mineralização de IOCG de classe mundial. No Alvo Bacaba,
o selamento dos condutos com a precipitação das fases hidrotermais iniciais pode ter impedido a mistura
Revista Brasileira de Geociências, volume 38 (2), 2008
Rafael A. Augusto et al.
desses fluidos em grande escala no sistema, permitindo
condições adequadas à formação de grandes quantidades de escapolita, porém com formação mais limitada
de mineralização cupro-aurífera.
CONCLUSÕES Os estudos realizados permitiram
a caracterização da evolução temporal do sistema hidrotermal e das relações entre distribuição das zonas
hidrotermais e diferentes litotipos.
O Alvo Bacaba caracteriza-se por apresentar evidências de albitização inicial, intensa escapolitização,
seguida por alteração potássica e formação de magnetita, cloritização/epidotização, mineralização cuprífera e
sericitização tardia. Altas salinidades e temperaturas relativamente elevadas (~500-400 oC) são sugeridas para
a evolução inicial do sistema devido à predominância
de escapolita marialítica. Decréscimo de temperatura
(< 300 oC) e aumento da fO2 devem ter sido as condições predominantes no estágio de mineralização associado à cloritização. Essas mudanças físico-químicas,
assim como diminuição da salinidade favorecida pela
formação de minerais portadores de cloro, podem ter
sido responsáveis pela deposição dos sulfetos.
A associação de sulfetos (calcopirita, bornita,
calcocita, galena), teluretos (melonita, hessita, altaita)
e óxidos (magnetita, hematita, uraninita, cassiterita)
presentes no minério reflete uma assinatura geoquímica
caracterizada por Cu-Fe-Ni-Te-Ag-Pb-U-Sn, enquanto
minerais de ganga (allanita, apatita, monazita, cheralita) evidenciam ainda presença de significativos conteúdos de ETR, Th e P no sistema hidrotermal.
O Alvo Bacaba apresenta uma seqüência de alteração hidrotermal semelhante à do depósito Sossego e
de outros depósitos IOCG reconhecidos mundialmente
(Hitzman 2000, Williams et al. 2005). É possível que o
Alvo Bacaba e o depósito de Sossego representem porções diferentes do mesmo sistema hidrotermal. O primeiro contém zonas de escapolitização relacionadas com o
fluxo de fluidos metalíferos hipersalinos, que podem
representar um halo distal ao redor dos maiores corpos
de minério reconhecidos em Sossego. Assim, as zonas
de maior concentração de minério estariam associadas a
estruturas que teriam permitido a entrada de fluidos mais
frios e de baixa salinidade (e.g. meteóricos) em maior escala, aumentando a eficiência da deposição do minério.
Agradecimentos Os autores agradecem o apoio logístico fornecido pela VALE, em especial aos geólogos
Márcio Godoy, Benevides Aires e José Antonio Garbellotto de Matteo e ao técnico Isidoro Marco Lameira
Costa. Nossos agradecimentos também à FAPESP (Processos 03/01159-1, 03/09584-3, 03/01996-6), FAEPEX/
UNICAMP (Convênio 519.292) e CNPq/MCT (Processo 555065/2006-5) pelos auxílios à pesquisa concedidos
que possibilitaram a realização esse estudo.
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Manuscrito ID 10903
Submetido em 17 de março de 2008
Aceito em 21 de junho de 2008
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