Tiago Pitta e Cunha Blue Growth for Portugal Uma visão empresarial da economia do mar Sugestões, Medidas e Objetivos a Adotar Capítulo VIII do estudo ‘Blue Growth for Portugal: Uma visão empresarial da economia do mar’ realizado pelo autor para a COTEC Portugal - Associação Empresarial para a Inovação no período de Setembro de 2011 a Novembro de 2012. Uma visão empresarial da economia do mar 1. O novo paradigma: um país atrativo para a economia do mar Para que uma aposta na economia do mar possa ser bem sucedida é necessário que Portugal se torne num país atrativo ao desenvolvimento das indústrias e atividades dessa economia e que, em decorrência disso, se estabeleçam no país empresas competitivas. Para se conseguir tornar num país atrativo, Portugal necessita aumentar a qualidade dos fatores de produção dos setores da economia do mar e, simultaneamente, baixar o preço dos mesmos. O Estado tem aqui um papel determinante. Para aumentar a qualidade dos fatores de produção é fundamental que as dezenas de centros de investigação e conhecimento científico do mar, que existem em Portugal (são mais de cinquenta entidades), orientem muito mais decididamente os seus estudos para o desenvolvimento da economia do mar, transformando conhecimento em inovação. Com efeito, em contraste com outros países europeus, como a Noruega ou a França, a reduzida inovação é uma das grandes lacunas da economia do mar portuguesa e sem ela não se pode ser competitivo à escala mundial. A questão a saber é se o Estado e os governos nacionais, coadjuvados pela academia, pelos laboratórios de Estado e laboratórios associados, e por todos os centros de conhecimento e investigação científica do mar, em geral, conseguirão reorientar uma parte substancial da investigação nacional para gerar a inovação de que a economia do mar necessita. Por sua vez, para que o preço dos fatores de produção dos produtos e serviços da economia do mar se possa reduzir, tornando essa economia mais competitiva, o que é determinante, para além dos incentivos fiscais que devam ser criados, e cuja ausência tem sido muito prejudicial em setores como o dos transportes marítimos ou da construção naval, conforme foi explicado no Relatório «Blue Growth for Portugal», é que se procure reduzir consideravelmente os custos de contexto. Para isso, impõe-se começar por rever os objetivos e os princípios do ordenamento do território, em particular na orla costeira, que no quadro atual constituem uma barreira ao desenvolvimento da economia do mar, dificultando demais o estabelecimento das suas empresas, bem como criar um ordenamento do mar, que promova a exploração deste recurso natural pela iniciativa privada nacional ou estrangeira. Neste contexto, impõe-se criar processos de licenciamento mais simples, mais céleres, mais baratos e principalmente mais favoráveis para as empresas que arrisquem investir e fazer negócios na economia do mar, concedendo prazos de concessão de uso do domínio público marítimo mais dilatados e reduzindo-se as taxas a pagar, nomeadamente pelo uso de recursos hídricos. Apenas assim, com todos esses fatores a “empurrar”, será possível em Portugal criar um ambiente favorável a investimentos na exploração do recurso natural de elevado risco, que é o mar. Resumidamente, na esfera de ação do Estado, que medidas fundamentais devem ser tomadas para viabilizar e fomentar a economia do mar, setor a setor? 1 Blue Growth for Portugal Uma visão empresarial da economia do mar No setor dos transportes marítimos, bem como no setor da construção naval, o que é fundamental é o preço mais aliciante nessa primeira venda, ou até de permitir que a primeira venda não seja obrigato- que se tire partido das ajudas de Estado, permitidas por Bruxelas, criando regimes fiscais mais favorá- riamente realizada em lota pública, mas possa ser feita em qualquer fase da cadeia de valor, incluindo veis, à semelhança dos demais países europeus, sob pena, caso não se faça isso, de manter em perpé- ao consumidor final, o que, aliás, já hoje acontece com a percentagem de pescado (20 a 30%) que foge tua desvantagem competitiva tais setores. Igualmente, porque se tratam de setores de capital intensi- à lota. Outra medida fundamental, onde o Estado tem uma palavra determinante, é a do reforço da in- vo, é importante criar, em benefício destas indústrias, esquemas de financiamento verticais, bem como vestigação científica sobre o estado de sustentabilidade dos recursos pesqueiros com valor comercial. criar condições que lhes permitam aceder às garantias bancárias exigidas pelas circunstâncias dos seus negócios. Para o sucesso destes setores, será igualmente determinante que outros setores da economia Assim, algumas medidas especificas que podem ser sugeridas são: nacional procurem privilegiar os serviços e os produtos da armação e da construção naval portuguesa, - A flexibilização das regras que regulam as transacções do pescado; o que não acontece. É que, como explicámos, sem uma base mínima de procura, gerada pelo mercado - A continuação das campanhas de atracção de consumidores para produtos provenientes de espécies excedentárias ou subexploradas, conforme correntemente desenvolvidas pela Docapesca; doméstico nacional, não é possível gerar um modelo de negócio sustentável nestes setores. - A elaboração de normas para certificação de processos/práticas de captura sustentáveis; Mais especificamente, com vista a contribuir para o desenvolvimento dos setores do equipamento, - O desenvolvimento de esquemas de certificação de denominação de pescado e de certifica- construção e reparação naval, podem indicar-se os seguintes objetivos: ção de origem; - Rever os prazos das concessões públicas; - O incentivo à utilização de tecnologias de conservação e tratamento a bordo; - Eliminar a burocracia em termos de cadernos de concursos; - O fomento do movimento associativo em torno de Organizações de Produtores (OP’s); - Estímular a procura de equipamento naval made in Portugal; - A criação de Áreas Marinhas Protegidas (AMP); - Fomentar a cooperação através da criação de uma rede de fornecedores e clientes que cons- - A alteração da legislação aplicável à pesca lúdica e desportiva; - A recuperação do selo de qualidade da sardinha portuguesa “Marine Stewardship Council”. tituam um cluster de indústrias associadas às indústrias navais; - Promover a transferência de conhecimento científico e tecnológico; - Regular o regime de auxílio à inovação na construção naval (já utilizado por 7 Estados membros da UE); - Facilitar o acesso a financiamento tanto junto da banca como junto de programas e entidades Noutros setores da alimentação de origem marinha, pode referir-se a recuperação de salinas abandonadas, valorizando a biodiversidade e o património natural; bem como a criação de marcas (sal marinho português; flor de sal, etc). públicas (ex. QREN). Por fim, mas não em último, na aquacultura, o que é decisivo é conceder espaço, em terra e no mar, No setor portuário, o Estado enquanto acionista único dos portos nacionais, deve promover a redu- incluindo em estuários e zonas protegidas, para a instalação de explorações aquícolas, bem como ção das taxas dos serviços cobrados à carga e aos navios, tendo em consideração as margens que simplificar o seu licenciamento e tornar mais barato o seu funcionamento, nomeadamente pela re- as administrações portuárias e os operadores auferem, por forma a tornar os portos nacionais mais dução das taxas, inicial e anual, sobre o uso dos recursos hídricos. A regulação e a facilitação pelo baratos e em decorrência disso a economia nacional mais competitiva. Importa também reformar a Estado de seguros bonificados para esta atividade, bem como a isenção de imposto de combustível, legislação laboral e terminar com situações de monopólio que ainda persistem. Igualmente, é reco- à semelhança do que acontece na pesca e na agricultura, será igualmente importante para o setor. mendável aumentar o número de concessões portuárias e lançar concursos públicos transparentes para as concessões que venham a expirar, inclusive atraindo novos players, e nomeadamente em- No setor do lazer e do turismo marítimo, o grande obstáculo são igualmente as barreiras adminis- presas estrangeiras (ex. PSA). Finalmente, como vimos no capítulo do setor portuário, analisadas trativas e burocráticas que hoje se erguem aos utilizadores da náutica de recreio, nomeadamente a as administrações portuárias, torna-se essencial ao crescimento do volume de negócios dos portos legislação que regula esse setor, incluindo a regulação das empresas marítimo-turísticas, a homolo- portugueses a melhoria das ligações ferroviárias a Espanha, como forma de angariar carga nesse gação morosa das embarcações, o sistema complexo e custoso de cartas de navegação, entre ou- país para os portos nacionais. tras barreiras. Impõe-se, igualmente, que haja uma visão do Estado para o setor e que se formulem, no contexto dessa visão, medidas que o incentivem, democratizando o acesso ao mar com fins de Importa também estabilizar a governação dos portos e o estatuto das administrações portuárias, lazer, principalmente porque deste setor, mais do que todos os outros, depende o reforço de uma que têm tido um desempenho positivo nos últimos anos, e aperfeiçoar a legislação laboral portuá- cultura marítima, que hoje é bastante residual, e que é fundamental para gerar procura doméstica ria, revendo a legislação e a definição de “trabalho portuário” (o que impõe verificar impacto da lei em Portugal de produtos e serviços da economia do mar. aprovada em Conselho de Ministros no dia 20/9/2012). No contexto legislativo é oportuno modernizar a legislação que regula a pilotagem. Algumas medidas especifícas a sugerir, incluem: - A revisão do ordenamento na orla costeira, atribuindo prioridade ao uso do mar para fins de No setor da alimentação, o elo mais fraco é, como concluímos acima, o setor produtor de matéria-prima, lazer, turismo e recreação; ou seja a pesca e a aquacultura. O setor da pesca, limitado que está no volume de negócio pela escas- - A flexibilização de regras e simplificação de processos associados a graus e cartas náuticas, concedendo equiparações a sistemas estrangeiros; sez de recursos pesqueiros, deverá crescer através da criação de mais valor por unidade de pescado, devendo o Estado incentivar e viabilizar mecanismos de valorização do pescado, incluindo esquemas de - A criação de um registo central único digital de embarcações de recreio; certificação e procurar que o lucro seja mais equitativamente distribuído na cadeia de valor. Para isso, se- - O desenvolvimento de novos produtos, designadamente conteúdos para o sector do lazer e turismo, hotéis especializados e clínicas de surf ou de mergulho. ria importante flexibilizar as regras da primeira venda em lota pública, considerando maneiras de tornar 2 3 Blue Growth for Portugal Uma visão empresarial da economia do mar Finalmente, no que toca à energia, é recomendável que o Estado se preocupe mais com a promo- 2.3. Inovação ção da prospeção, pesquisa e exploração de hidrocarbonetos na plataforma continental, sendo necessário aqui, não a reforma do quadro legal aplicável, que é suficiente, mas que haja vontade A inovação nos setores da economia do mar é essencial à sua competitividade internacional, sendo política de lançar novos concursos de concessão e de abrir mais lotes à prospeção. um dos principais fatores determinantes ao aumento da qualidade dos fatores de produção dessa economia em Portugal. Nesse sentido sugere-se: Nas energias renováveis Portugal deve reservar amplos espaços destinados ao seu uso nos planos de - A adopção de uma Estratégia Nacional de investigação e desenvolvimento (I&D) dedicada à ordenamento do mar, bem como garantir que as infraestruturas necessárias à ligação desses espaços economia do mar, na esteira da Estratégia Europeia para a Investigação Científica Marinha (e à rede elétrica nacional existirão a breve trecho. Deve igualmente disponibilizar uma tarifa atrativa que pode passar por uma atualização do Programa Dinamizador das Ciências e Tecnologias do Mar, adotado em Portugal em 1998). para as energias renováveis offshore, que se encontrem em fase de desenvolvimento, à semelhança, - Essa Estratégia deveria prever especificadamente o desenvolvimento de projectos de I&D do que os países mais progressistas neste domínio, como o Reino Unido, em particular, disponibilizam. (áreas temáticas a privilegiar nos concursos nacionais da Agência de Inovação ou da Fundação para a Ciência e a Tecnologia): 2. Sistematização das recomendações gerais (não setoriais) - no domínio da pesca e da aquacultura; - na poupança energética associada à propulsão das embarcações; - em tecnologias de processamento e conservação de pescado; - na geolocalização/referenciação de stocks/espécies de peixe de profundidade; - nas aplicações de algas para diferentes fins com experiências piloto definidas; - na análise dos ecossistemas marinhos e dos serviços por eles gerados; - sobre materiais de equipamento naval (incluindo para fabrico de pranchas, caiaques, velas para embarcações, etc.); 2.1. Eliminação de constrangimentos de natureza fiscal e administrativa (Cf. Exemplos nos - em applied marine IT e biotecnologia de origem marinha; Capítulos sectoriais do Relatório), destacando-se: - em técnicas e obras de adaptação às alterações climáticas nas zonas costeiras; - no desenvolvimento de tecnologias de exploração de energias renováveis offshore. - Revisão do ordenamento da orla costeira num sentido mais consentâneo com o desenvolvimento da economia do mar, e criação de ordenamento espacial marítimo flexível e conferidor Seria igualmente relevante proceder à caracterização de boas práticas em termos de inovação na de segurança e certeza jurídica na exploração do domínio público marítimo; economia do mar, incluindo: - desenvolver programas de divulgação e partilha de boas práticas em diferentes domínios e se- - Redução ou eliminação de taxas de utilização do domínio público marítimo; taxas de seguran- tores da economia do mar (por exemplo no âmbito de Organizações de Produtores de pescas). ça, taxas ambientais, e taxas de utilização de recursos; - Processos de licenciamentos mais claros, simples, expeditos e sujeitos ao princípio do “one stop shop”, incluindo equacionar-se a hipótese de se desenvolver um procedimento de licen- Finalmente, ainda no domínio da inovação importa apoiar a criação e registo de marcas (por exem- ciamento comum a vários usos do mar; plo, marcas de pescado nacionais). - Fim ou redução de autorizações precárias e de concessões de uso e ocupação do domínio público de curta duração e ampliação dos prazos, por forma a permitir investimentos mais 2.4. Gestão e internacionalização dos produtos e serviços e da economia do mar elevados, por maiores períodos de tempo e mais competitividade para os privados; - Em contrapartida da diminuição proposta dos custos de contexto dever-se-ia obter um aumento da vigilância dos interesses e valores públicos a tutelar em casos de concessões públicas. Com vista a dinamizar a gestão e a internacionalização da economia do mar seria pertinente promover a criação de grandes clusters setoriais (conforme recomendado no Relatório) que efetivassem medidas, tais como: 2.2 Acessibilidades: - Apoiar as exportações dos respetivos setores; - Participar setorial e conjuntamente em feiras e certames comerciais internacionais; - Participar em concursos públicos internacionais; - Criação e melhoria das acessibilidades ferroviárias entre as regiões de hinterland, com desta- - Desenvolver networking, incluindo a articulação específica multisectorial com as instituições que para regiões espanholas, e os principais portos de comércio nacionais; comunitárias; - Desenvolvimento das acessibilidades fluviais no Rio Tejo para transporte de mercadorias; - Construção de rampas públicas de acesso ao mar para embarcações de recreio; - Incorporar soluções e sistemas de gestão empresariais; - Planeamento e investimento em postos de amarração (flutantes, destinandos também a não - Criar programas de atração de eventos internacionais ligados ao mar (ex. Surf/Rip Curl de Peniche, ou Vela/Volvo Ocean Race). residentes) e parqueamento em seco; - Melhoria das condições das docas e portos de recreio com serviços de apoio e assistência a pessoas e embarcações; - Desenvolvimento de terminais de passageiros na óptica do turismo de cruzeiros. 4 5 Blue Growth for Portugal 2.5 Formação e qualificação de recursos humanos Desenvolvimento de programas destinados a fomentar a mobilidade de trabalhadores entre empresas da economia do mar, incluindo de quadros superiores e a promover a formação avançada em organização, gestão e técnicas comerciais daqueles quadros. Considerar a criação de programas dirigidos à integração de jovens profissionais em domínios como a robótica, ou as tecnologias da informação e da comunicação (TIC), nas empresas, associações e outras instituições inseridas na economia do mar. 2.6 Cultura Dado o défice de cultura marítima atualmente existente em Portugal, e o impacto negativo que esse défice tem no desenvolvimento da economia do mar, incluindo na formação de procura doméstica de produtos e serviços fornecidos por essa economia, em particular, fornecidos pelo setor do lazer e do turismo marítimo, seria recomendável o desenvolvimento de um programa de sensibilização nacional sobre o valor do mar (nomeadamente, apoiado pelas áreas ministeriais ligadas à educação, cultura e desporto, bem como pelas autarquias locais ribeirinhas). Nota final: Para além das sugestões, medidas e objetivos enunciados nesta Separata do Relatório «Blue Growth for Portugal», recomenda-se a leitura dos cinco capítulos setoriais desse estudo, e em particular das conclusões desses respetivos capítulos, onde se poderá compreender melhor o contexto e alcance das mesmas, bem como até encontrar outras que não são aqui especificadamente descritas. 6