Relacionamento Brasil - Estados Unidos

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Relacionamento Brasil - Estados Unidos
Gabriel Terra Pereira
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PEREIRA, GT. A diplomacia da americanização de Salvador de Mendonça (1889-1898) [online].
São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 178 p. ISBN 978-85-7983-006-8.
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RELACIONAMENTO
BRASIL-ESTADOS UNIDOS
As negociações e a assinatura do Tratado
de Reciprocidade de 1891
A expansão econômica dos Estados Unidos no final do século
XIX foi sentida pelo Brasil, que procurava novas bases de sustentação
política. A partir da característica fundamental de sua economia, a
exportação de produtos agrícolas, o Brasil procurou buscar o apoio
necessário para a manutenção das novas instituições políticas, indo ao
encontro dos interesses estratégicos norte-americanos de alargamento dos seus mercados consumidores e fornecedores. A diplomacia
brasileira, na figura de Salvador de Mendonça, vivenciou momentos
peculiares e delimitadores dessa iniciativa, gerando posicionamentos
de defesa e ataque por parte da imprensa e intelectuais do Brasil,
denotando a fragilidade do novo regime.
A aproximação com os Estados Unidos datava do início do século
XIX e não foi, ao todo, harmoniosa (Bandeira, 1973, p.11; Magnoli,
1997, p.178-9). Pelo contrário, a relação com o Brasil atendeu a
interesses estratégicos nos sentidos econômico e político, desenrolando-se, às vezes, em posturas diplomaticamente agressivas, como
quando os norte-americanos desejaram a abertura à livre navegação
do Rio Amazonas e durante a Guerra do Paraguai, posicionando-se
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a favor do governo paraguaio. O primeiro exemplo, já abordado
no Capítulo 1, era o ponto de partida no campo sul-americano da
“diástole colonialista” dos Estados Unidos, e a diplomacia brasileira
encarava as pressões norte-americanas como tentativas camufladas
de anexação daquela porção territorial, tal como havia ocorrido alguns anos antes no Texas e na Califórnia (Bandeira, 1973, p.87). No
conflito brasileiro com o Paraguai entre 1865 e 1870, o representante
dos Estados Unidos no governo paraguaio colocou-se à disposição
de López, fato que levou à suspensão temporária das relações com o
Brasil, que, por sua vez, havia apoiado tacitamente os confederados
na Guerra de Secessão norte-americana e que foram derrotados em
1865 (Mendonça apud Azevedo, 1971, p.380).
O expansionismo territorial passou a ser perseguido pela política externa norte-americana, sustentada pela doutrina do Destino
Manifesto. Interpretando-o como um repertório ideológico que
aliava o enriquecimento material à ideia de povo “eleito por Deus”,
o Destino Manifesto norte-americano se configurava também como
uma doutrina de predestinação geográfica e uma base de legitimação
para as conquistas territoriais e violações de soberania no restante do
continente. Em outras palavras, a aplicação dessa ideia de predestinação à conquista implicava a sublimação da história, ou seja, a sua
inscrição em tempos indefiníveis, revelando sua fragilidade legal.
O intervencionismo característico da política externa dos Estados
Unidos no século XIX, representado pela conquista de territórios no
México e na América Central, poderia estar justificado, em parte,
pelo Destino Manifesto na medida em que dispensava a argumentação lógica e remetia a uma “lei natural, anterior à existência de uma
sociedade política” (Magnoli, 1997, p.21-4).
Portando, a diplomacia norte-americana encontrava obstáculos ao
se aproximar do Brasil no sentido político, apesar de o comércio entre
os dois países, focados na exportação brasileira de café, encontrarse em fase de crescimento desde a década de 1860 (Bandeira, 1973,
p.116; Pinto, 1984, p.142). Esse afastamento político encontrava
sua fundamentação possivelmente na estruturação dos regimes
políticos de cada um dos países, que possuíam bases de legitimida-
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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des distintas. Os Estados Unidos definiram, no final da década de
1860, portanto, após a Guerra Civil, seu território e a concepção de
união norte-americana, integrada a partir da política e da economia
(agropecuária e a industrialização) e colocada em prática sobretudo
pela revitalização da Doutrina Monroe, que passou a balizar seu
comportamento ante os demais países americanos, tratados como
inferiores culturalmente. Esse tipo de atitude encontrava aquiescência do povo norte-americano, que alegava serem piores todas as
alternativas de dominação que não fossem as dos Estados Unidos
(Schoults, 2000, p.111). Assim, a formação de um discurso comum
entre opinião pública e poder político, entre ideias e práticas voltadas
à intervenção, legitimava a postura exterior norte-americana, criando
a imagem de país-ameaça nos governos sul-americanos, inclusive no
Império brasileiro.
A despeito da semelhança do dilatado território com os Estados
Unidos, o Brasil trilhava outro caminho na construção de uma identidade específica a si e para seu povo. O Império dava continuidade
a um Destino Manifesto luso-brasileiro herdado do período de
colonização e que significava a priorização das ações estratégicas de
manutenção do território nos estuários do Rio da Prata e amazônico, posição que gerou conflitos diretos com Paraguai, Argentina e
Uruguai (Magnoli, 1997, p.84-90).
O Destino Manifesto aplicado à realidade brasileira é utilizado
por Demétrio Magnoli (1997) para comparar as ações de conquista e
intervenção brasileiras na região sul-americana. De forma similar aos
Estados Unidos, os políticos brasileiros se utilizavam de argumentos
ideológicos para a interferência nas bacias hidrográficas do Rio da Prata e do Amazonas com o fito de prover a manutenção e o alargamento
territorial. As semelhanças param nesse ponto, pois essa postura
diferia profundamente dos norte-americanos, que valorizavam a descontinuidade com o passado colonial no momento da independência.
No Brasil, a elaboração do nacionalismo, realizada no ambiente
histórico do Império manipulou os signos da continuidade, construindo uma identidade nacional e um sentido de destino ampara-
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dos no passado. Sob esse aspecto, os mitos fundadores brasileiros
distinguem-se radicalmente dos americanos, cuja fonte é a ideia
de ruptura. A distinção reflete trajetórias históricas e geopolíticas
contrastantes (Magnoli, 1997, p.94).
Nos Estados Unidos, três pilares davam significado à ruptura:
o geográfico, com a separação entre o Novo e o Velho Mundo; o
ideológico, pela instalação do contrato social ao invés das dinastias;
e, por fim, o institucional, pela fundação da República, em oposição
à Monarquia. No Brasil, a continuidade advinda da independência
foi a conclusão do ato de transferência da sede do Império da Europa
para a América. Nesse sentido, o Brasil independente sustentava-se
na afirmação do Brasil português.
A posição brasileira ante a região definia-se coberta com um
suposto manto de superioridade cultural, que se sustentava principalmente na figura do imperador e da Monarquia, elementos associados
pelas elites imperiais à estabilidade política do Brasil, em contraste
com a difícil trajetória das ex-colônias espanholas na América, permeadas de inúmeros conflitos internos. Esses segmentos de elite,
membros do campo político, procuraram, por fim, consolidar a noção
de um Estado que preservasse intacto o território nacional, sustentando-se na fidelidade ao governante e ao governo (Lessa, 2008, p.243).
A trajetória distinta entre Brasil e Estados Unidos não permitiu
uma aproximação que não no sentido comercial, em que a exportação de café adquiria cada vez mais importância para a economia
brasileira, passando inclusive a refletir nas decisões da Monarquia: a
livre navegação no Rio Amazonas foi permitida em 1866, e a entrada
de imigrantes dos Estados Unidos passou a crescer na mesma época
(Bandeira, 1973, p.118-21).1
A referência aos Estados Unidos e à sua República como paradigmas somente foi apontada na década de 1870, pelo movimento
republicano. Seus membros priorizaram a constituição de uma pauta
1 Em 1872, o Congresso norte-americano isentou o café brasileiro do pagamento
de direitos na entrada no país.
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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alternativa às referências europeias e se voltaram para seu próprio
continente. Por meio da retórica da solidariedade americana, os republicanos brasileiros indicavam que os Estados Unidos poderiam ser
utilizados como exemplo na organização de um governo federalista
pautado na autonomia das províncias.
Anos mais tarde, o movimento republicano brasileiro amainava em razão das disputas internas pelo controle do partido e pela
ascensão dos gabinetes liberais, que procuravam aplicar reformas
na organização do Estado monárquico e na discussão sobre o abolicionismo. Nesse ínterim, a política externa imperial em relação aos
Estados Unidos conheceu uma relativa aproximação por ocasião da
visita do imperador à exposição da Filadélfia em 1876, presença que
havia resultado em troca de elogios de ambas as partes, cada vez mais
próximas em relação ao comércio do café. O viés econômico foi diretamente explorado no governo de Grover Cleveland, já sob a atuação
de Salvador de Mendonça, quando o presidente norte-americano
propôs o estabelecimento de um zollverein2 em 1887. Levando ao
conhecimento do diplomata brasileiro o amplo desequilíbrio das
relações comerciais entre os dois países a favor do Brasil, o presidente declarou a Salvador de Mendonça que “[...] as duas maiores
nações deste continente não podiam manter esse estado de coisas”.
Completou dizendo que os bons negócios faziam os bons amigos e
que sua intenção era ampliar a amizade entre os países, indo além
da Doutrina Monroe (Mendonça, 1913, p.82; Bueno, 1995, p.118).
A intenção do presidente norte-americano traduzia interesses de
industriais e produtores agrícolas de todo seu país. Com o mercado
interno saturado e carente de consumidores, uma alternativa viável
seria o Brasil, que centralizava suas importações na Europa.
Salvador de Mendonça descrevia que o Brasil importava dos
Estados Unidos apenas uma oitava parte da mesma ação por parte
2 Zollverein é o termo (em alemão) para designar um tipo de união aduaneira, que
tem por objetivo a constrição de uma área de comércio comum entre territórios,
Estados ou bloco de países. Nesse tipo de associação internacional, estabelece-se
uma tarifa aduaneira (proveniente do comércio) comum entre seus membros.
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deles, implicando severa desigualdade. No entanto, era sabido que
os norte-americanos já se encaminhavam para se tornar o maior mercado consumidor de café do mundo, e o Brasil, seu maior produtor.3
Ainda na reunião com Cleveland, o diplomata brasileiro ouviu
do presidente que a intenção dos Estados Unidos de estabelecer um
tratado de comércio com o Brasil poderia servir de modelo a outros
acordos que possivelmente seriam discutidos em uma reunião de representantes de países americanos. Perguntado sobre os “termos” do
tratado, Cleveland respondeu a Salvador de Mendonça que desejava
a mais absoluta liberdade de comércio entre os dois povos, de modo
a serem trocados todos os nossos produtos sem nenhum imposto ou
taxa, como já sucedia com o café e a borracha (cf. Mendonça, 1913,
p.83). Salvador de Mendonça contrapôs o presidente dizendo que
tal acordo privaria o Brasil das rendas aduaneiras, ao passo que o
norte-americano mostrou os benefícios da substituição das importações brasileiras da Grã-Bretanha e da Europa pelas norte-americanas,
cujas manufaturas se equivaliam (cf. Azevedo, 1971, p.147-8).
O diplomata encontrou-se com o imperador e expôs-lhe a proposta, a qual foi recebida com simpatias. O imperador havia visitado os
Estados Unidos em 1876 e se tornou simpático ao povo norte-americano, fato salientado pelo presidente Cleveland, que viu benefícios
políticos na efetivação de um tratado comercial bilateral. No Brasil,
Salvador de Mendonça reuniu-se com o barão de Cotegipe, ministro dos Negócios Estrangeiros, e Francisco Belisário, da Fazenda, a
fim de discutir a proposta norte-americana e elaborar estudos que
engendrariam uma declaração a ser incluída no orçamento imperial,
figurando no artigo 2o da Lei no. 3.396, de 24 de novembro de 1888:
Fica o Governo autorizado:
A rever as tarifas da Alfândega relativamente aos gêneros importados dos Estados Unidos, nos termos do tratado que porventura
3 Na década de 1880-1890, o Brasil produzia 56,63% do café mundial, representando 61,5% das exportações do país, aproximadamente 52.000 sacas do
produto (Pinto, 1984, p.139).
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celebrar com esta nação para obter vantagens pelo menos recíprocas
para gêneros de produção nacional por ela importados (Azevedo,
1971, p.149).
A comissão formada para analisar o comércio com os Estados
Unidos publicou, em 2 de janeiro de 1889, um ofício que serviu de
base para a minuta do acordo. A avaliação feita pelo grupo indicava
que a importação de alguns produtos, como o algodão manufaturado, a farinha de trigo e o querosene, sem taxação, poderia concorrer
com a produção brasileira e beneficiar outras nações. No quadro da
exportação, os produtos brasileiros que entravam em abundância nos
Estados Unidos eram o café, a borracha, o açúcar e o cacau, e somente
o terceiro pagava direitos alfandegários. Nesse sentido, a comissão
indicava que, se fosse cumprir a disposição legislativa de 24 de novembro de 1888, o Brasil poderia oferecer isenção de direitos sobre
o querosene norte-americano, escasso no País, pela livre entrada do
açúcar brasileiro naquele mercado. A minuta elaborada continha e
admitia as atividades de exportação e importação dos produtos livres
de direitos mencionados previamente, considerando que o acordo
duraria até que uma das partes manifestasse com um ano de antecedência a intenção de denunciá-lo. Em 19 de março de 1889, João
Alfredo de Oliveira, ministro da Fazenda do Império, comunicou
por meio de ofício a Rodrigo Augusto da Silva, da pasta de Negócios
Estrangeiros, que Salvador de Mendonça, com estudos especiais na
matéria de que se ia tratar, seria autorizado a acompanhar e ajudar as
negociações do acordo (cf. Azevedo, 1971, p.150-1). Seguiu-se que o
tratado foi duramente atacado pelo próprio Ministério dos Negócios
Estrangeiros e no Parlamento, onde a reunião de Salvador de Mendonça com o presidente norte-americano foi até mesmo colocada em
dúvida (cf. Mendonça, 1913, p.91).
A rejeição brasileira ao zollverein remetia à postura praticada ao
longo de todo o século XIX, de afastamento em relação aos vizinhos
e aos Estados Unidos, ainda que no final da década de 1880 tentasse
apresentar-se não oficialmente como a “mais republicana das realezas”, dando atenção à conjuntura internacional, demonstrando
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certo compromisso com a modernização econômica e os avanços
de sua época. Entretanto, os abalos internos na estrutura imperial
provocados pelo recrudescimento das críticas e das fileiras de republicanos faziam força no sentido contrário, de conservação da postura
hermética perante qualquer iniciativa que extrapolasse a tradição
imperial, de controle e autonomia comercial (Santos, 2004, p.143).
O aceite ao convite dos Estados Unidos para a I Conferência
Internacional Americana marcou certa concessão da parte brasileira. Salvador de Mendonça, cônsul em Nova York, indicou o
ex-republicano histórico Lafaiete Rodrigues Pereira para ser o chefe
da missão e J. G. do Amaral Valente para completá-la.
Quatro meses antes do início dos trabalhos da Conferência,
Salvador de Mendonça enviou ao governo brasileiro um longo memorando (cf. Azevedo, 1971, p.380-8)4 que detalhava e historiava
suas ideias acerca da aproximação comercial do País com os Estados
Unidos, salientando que, a partir da economia, a maciça importação
de produtos europeus poderia ser prontamente equilibrada com produtos oriundos dos Estados Unidos, bons compradores dos produtos
agrícolas brasileiros. Narrava também que algumas das queixas dos
norte-americanos, fundadas em uma provável antipatia ao regime
político do Brasil, foram dissipadas em 1876 por ocasião da visita do
imperador, mas outras persistiam à medida que as relações comerciais eram unilateralmente favoráveis a este país, que exportava dois
terços da sua produção de café e quatro quintos da borracha extraída
para os Estados Unidos.
A tal “estado de coisas”, ele apresentava os seguintes argumentos:
a) havia uma rotina comercial do Império brasileiro que se encontrava
engessada desde a época colonial com a Europa; b) as manufaturas
europeias tinham custo menor em relação às norte-americanas; c)
havia um sistema de crédito acessível dos fabricantes europeus aos
importadores brasileiros; d) os norte-americanos se negavam e difi4 O original desse memorando encontra-se na Academia Brasileira de Letras,
nos Arquivos de Salvador de Mendonça, pasta 2, com cerca de quinze páginas
manuscritas.
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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cultavam a venda de seus produtos a prazo; e e) não havia transportes
regulares entre os portos dos dois países.
Para Salvador de Mendonça, a livre entrada de produtos agrícolas
brasileiros nos Estados Unidos garantiria um amplo mercado de
consumo, além de sustentar a transformação da mão de obra de seu
país do elemento escravo para o livre. Os Estados Unidos já eram
os maiores compradores do café brasileiro a essa época, e a ampliação da exportação de outros produtos, como o açúcar, seria capaz
de restaurar a riqueza de várias províncias do norte e nordeste do
país. O mercado norte-americano consumia anualmente cerca de
1.400.000 toneladas de açúcar, ao passo que produziam somente
200.000 toneladas, importando a diferença majoritariamente das
colônias espanholas. Notadamente favorável ao entendimento dos
dois países, Salvador de Mendonça avaliava que o tratado de comércio
não deveria ficar reduzido a um acordo restritivo, como desejava o
gabinete imperial, mas deveria rever convenções antigas do Direito
Internacional e atribuições consulares que poderiam permitir maior
flexibilidade na negociação bilateral e promover a unificação da
moeda de prata dos dois países, que fixaria o câmbio e as transações
alfandegárias. Por fim, considerou que caso houvesse a assinatura
do tratado, este deveria ser feito antes ou em separado dos debates
que ocorreriam na Conferência de Washington, pois negociá-lo em
âmbito geral poderia despertar mal-estar entre os demais países ali
presentes.
O memorando era claro quanto à indicação ao acordo com os
Estados Unidos: para o diplomata, havia certa desconfiança da parte
brasileira quanto à importação de produtos norte-americanos, e a
assinatura de um tratado que permitisse a entrada desses produtos
no Brasil torná-los-ia mais baratos ao consumidor brasileiro, acostumado aos produtos europeus. Como o tratado previa a cláusula de
reciprocidade, a livre entrada de produtos brasileiros nos Estados
Unidos não representaria dificuldades aos produtores brasileiros,
pelo contrário, estimularia a produção e reativação de setores deficientes da economia brasileira. Pode-se entrever que o documento
apresentado por Salvador de Mendonça ao governo brasileiro possuía
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GABRIEL TERRA PEREIRA
certa dose de simpatia ao governo norte-americano e se sustentava
na importância que este país vinha adquirindo perante a economia
mundial. A recomendação do representante brasileiro de a negociação ser realizada fora do âmbito da Conferência indicava a busca por
exclusividade pelo Brasil, que não queria se ver – mais uma vez – em
meio aos turbulentos países hispânicos.
No Brasil, as diretrizes do gabinete Ouro Preto seguiram a tradição imperial e desconsideraram as recomendações de Salvador de
Mendonça. Em um ofício reservado a Lafaiete Pereira, expôs a visão
do Império acerca da aproximação com os Estados Unidos:
[...] vou declarar a V. Exa. quais são as minhas idéias sobre essas
questões e como desejo que elas se resolvam. Os benefícios que podem produzir as associações aduaneiras, tais como a uniformidade
das tarifas com a redução dos direitos de entrada e saída de despesas
do porto e trânsito, um código comum, a proteção de indústrias e a
conformidade nos pesos e medidas, interessam mais particularmente
aos países centrais rodeados por nações que disponham de portos e
rios navegáveis por onde se fazem a importação e a exportação. [...]
não sendo os povos confederados, têm política e aspirações diversas
e raramente podem adotar idênticas medidas financeiras. [...] Não
descubro conseguintemente, grande conveniência em entrar o Brasil
em uma associação aduaneira [...] 5
A documentação que instruía a delegação brasileira expunha
a resistência imperial em relação a uma aproximação aos demais
países americanos e aos Estados Unidos, em que a negociação só era
vislumbrada em termos específicos, como no caso do querosene e do
açúcar (Bueno, 1995, p.119).
A proclamação da República forçou a alteração nas diretrizes da
política externa brasileira, atitude justificada em nome da fraternidade republicana e americana. Os representantes do País na Confe5 Ofício reservado do visconde de Ouro Preto à chefia da missão brasileira à
Conferência Americana, de 15 de julho de 1889 (cf. Azevedo, 1971, p.151-2).
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rência de Washington, que havia se iniciado cerca de um mês antes
da mudança do regime, solicitaram instruções ao governo provisório
e logo tiveram novo posicionamento para deliberar no certame. Os
republicanos no poder desejavam que o novo regime rompesse com
as referências políticas que lembrassem o passado monárquico, inaugurando um período de progresso, democracia e distante da herança
colonial e na busca por tais objetivos; os dirigentes do campo político
brasileiro depararam com uma série de problemas institucionais que
se prolongaram na diplomacia.
A proclamação da República, antes que ecoasse no plano externo
e fosse buscado seu reconhecimento internacional, demandou uma
série de ações por parte dos republicanos, que assumiram o poder no
sentido de modificar o funcionamento do aparato político existente,
deflagrando um processo nomeado de republicanização. O decreto
de 15 de novembro de 1889 instalava o sistema federativo no país e
autorizava as províncias, transformadas em Estados, a eleger suas respectivas assembleias constituintes (Carone, 1969, p.14-6). Na prática,
o que se via era a instalação de uma ditadura, pois não havia órgão
legislativo funcionando no País depois da dissolução do Parlamento
Imperial, o que comprometia a estabilidade interna e externa do País.
Internamente, em relação à recepção da República nos Estados
onde o movimento republicano fora atuante, como Minas Gerais,
São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco, o que
se viu foram soluções heterogêneas, que não conseguiram arrefecer
as disputas entre grupos locais. Por indicação dos membros do
governo provisório, foram nomeados os presidentes dos Estados:
Cesário Alvim ocupou o cargo em Minas Gerais sem protestos, até
que conflitos entre republicanos e monarquistas, que insistiam em
não deixar os cargos do antigo regime, emergiram, provocando uma
cisão que chegou ao governo federal, na busca por apoio de Deodoro,
chefe do governo provisório, e do almirante Wandenkolk, ministro da
Marinha, que liderava os protestos contra a autoridade do marechal.
Em São Paulo, a República chegou sem protestos organizados
contrários ao seu estabelecimento e foi liderada por um partido que
possuía tradição organizatória: Prudente de Moraes e Rangel Pestana
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GABRIEL TERRA PEREIRA
assumiram o governo do Estado de forma conjunta com Campos
Sales, que ofereceu aos monarquistas, certamente um foco de instabilidade, participação na vida administrativa, conseguindo adesões e
diminuição de problemas. Já no Rio de Janeiro, Francisco Portela foi
indicado presidente, governando no epicentro do republicanismo do
país, que logo o conduziu para fora do cargo em virtude de disputas
sobre a eleição de candidatos aliados a setores majoritários do partido.
No Rio Grande do Sul, a situação tornou-se bastante conturbada logo
no momento de transição, deflagrando radicalismos e lutas armadas
pelo poder, tendo como líder Júlio de Castilhos, que tendia para a
constituição de uma República positivista e presidencialista.
Em Pernambuco, os conflitos eram anteriores à mudança do regime e, após a proclamação, ganharam mais força. Liberais (resquícios
do partido monárquico) e republicanos passaram a disputar e se
alternar no poder até a nomeação do barão de Lucena pelo governo
provisório, que ficou no cargo até a saída de Deodoro da Fonseca.
Nos demais Estados, a República instalou-se sem problemas graves,
mas não anulou querelas que preexistiam (Carone, 1971a, p.18-26).
A falta de unidade do movimento republicano era sentida na
prática, pois, se desde seu surgimento era discutido como seria feita
a República, ocasionando profundas divergências, agora instalado o
novo regime, as lutas pela proeminência política começaram a crescer
exponencialmente. O significado dessas lutas residia na dificuldade
de os grupos republicanos convergirem a heterogeneidade ideológica
e as brigas individuais em estabilidade política, resultando em um
período de incerteza geral. Tanto que o ponto comum das disputas se
centrava no principal tópico do republicanismo no País: o federalismo, que não fora absorvido quanto ao seu modo de aplicação à realidade brasileira. Os grupos que imediatamente assumiram o poder
não conseguiram oferecer uma resposta “republicana” aos critérios
monárquicos de organização do espaço público, ocasionando, por
exemplo, divergências acerca da nomeação dos indivíduos que iriam
compor a Assembleia Constituinte federal (Lessa, 1988, p.50-1).
Essas características não se restringiam aos Estados, mas estavam unidas ao redor do campo político brasileiro, carente de uma
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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ideia homogênea de República, que consequentemente afetava o
processo de republicanização do País, que ainda não possuía base
constitucional. Com esse objetivo, foi convocada e depois reunida a
Assembleia Constituinte um ano após a proclamação da República,
convergindo as disputas estaduais em suas deliberações. O período de
elaboração da Constituição republicana foi marcado pela intervenção
do governo provisório nos assuntos legislativos representados pelos
congressistas, que, insistentemente, negavam qualquer tipo de subordinação, fortalecendo o desentendimento e o confronto entre os
poderes e grupos, representando interesses regionais, como o caso de
São Paulo, que reivindicava maior participação e autonomia de sua
vida política desde os tempos do Império e que agora não queria ver
tolhidos seus esforços a despeito de querelas entre militares e civis
(Monteiro, 1986, p.36-43).
Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituição da República brasileira, e, no dia seguinte, Deodoro da Fonseca
e Floriano Peixoto foram eleitos presidente e vice-presidente da
República, respectivamente, pelo Congresso Constituinte. Floriano
Peixoto formava oposição a Deodoro na chapa com Prudente de
Morais, candidato derrotado à presidência. Nas Forças Armadas,
dissensões internas clarificavam as disputas pelo poder, ao passo
que, do lado civil, criticava-se a participação intensa dos militares
nas questões políticas. Floriano Peixoto e Deodoro situavam-se em
campos opostos na política, mas mostravam que o elemento militar
manteria importante papel no governo nos anos seguintes, apesar
das hostilidades mútuas (Hahner, 1975, p.53-7). Deodoro não tinha
popularidade e havia sido recebido de forma fria pelo Congresso na
data de sua posse, ao contrário de Floriano Peixoto. A antipatia vinha
desde o governo provisório, quando deliberou medidas centralizadoras que fragmentaram o consenso entre elites e governo, enfurecendo
os defensores da autonomia estadual. Dirigentes paulistas chegaram
a discutir a separação da federação caso houvesse, no governo, quem
tentasse fundar uma República unitária. Os atritos entre paulistas
defensores da candidatura de Prudente de Morais e deodoristas
cessaram temporariamente após a eleição presidencial, ainda que
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GABRIEL TERRA PEREIRA
os primeiros saíssem fortalecidos com o apoio dos partidários de
Floriano Peixoto.
O imperativo político requisitava a organização institucional
e, no campo econômico, a estabilidade da moeda e dos negócios
com outros países. No tocante ao segundo aspecto, na tentativa de
estimular a industrialização do País, Rui Barbosa, então ministro da
Fazenda, adotou uma política de emissão de linhas de crédito, mas
logo deparou com o que se convencionou denominar “encilhamento”. Sem se preocupar com o lastro da moeda brasileira, o governo
provisório viu a inflação crescer e provocar o fechamento de várias
empresas, engendrando uma recessão econômica no país conectada
com sonegação fiscal e contração de empréstimos para fins diversos
do estabelecido pela lei. Ao mesmo tempo, a imprensa estrangeira
denunciava a má gestão da economia brasileira, que não conseguiria
cumprir os compromissos internacionais caso a ingerência persistisse
(Bandeira, 1973, p.133-4).6 No campo político, a Constituição de
1891 seria a ferramenta que colocaria em prática ideias existentes
desde o Manifesto Republicano de 1870, como o federalismo, a
liberdade de culto e de educação e as eleições diretas. Ainda que as
divergências não cessassem após sua promulgação, a Constituição
previa que a União seria a “fiação” que ligaria as diversas realidades
regionais, permitindo a gestão de recursos e políticas de forma independente. E “ao instituir o regime representativo democrático, as
leis republicanas abriam – formalmente – a participação no processo
político a um grande contingente eleitoral antes marginalizado” (Souza, 1984, p.162-3). Outro ponto que figurava na Constituição era o
princípio do arbitramento (capítulo IV, artigo 34, número 11) para
as questões controversas ou de disputa com outros países, herança
da Primeira Conferência Americana.
6 Em apenas um ano de regime republicano e sob o “encilhamento”, apareceram
mais empresas no País do que em sete décadas de Império. Segundo Carvalho
(1990, p.29-30), a política emissionista estava diretamente ligada com o modo
como fora implantada a República: predominavam a (nova) mentalidade predatória e o espírito do capitalismo, sem a ética protestante.
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
83
A efetivação da Constituição deu-se paralelamente à disputa entre
os poderes Executivo e Legislativo, que se arrastou por todo o ano de
1891, agravando-se quando a oposição ao presidente da República
aprovou uma lei que limitava seus poderes. O contra-ataque veio em
forma de golpe. Em 3 de novembro de 1891, Deodoro da Fonseca
decretou estado de sítio no País e suspendeu a Constituição. O presidente divulgou longa nota justificando o ato, argumentando que
a diminuição das atribuições do Poder Executivo era fruto da ação
de grupos radicais que não respeitavam as tradições nacionais e que
queriam lhe incutir os traços de tirano sem que ele os possuísse; no
âmbito da política externa, Deodoro comentou que a Assembleia
Constituinte havia rompido os laços de solidariedade internacional
cultivados pelo Brasil com as principais potências da Europa, suprimindo legações em um momento em que o Brasil mais precisava
tornar estimadas as novas instituições (Carone, 1969, p.19-21). Vinte
dias após o golpe de Deodoro, Floriano Peixoto, articulado com os
setores dissidentes do Congresso, acionou o almirante Custódio
de Melo, que organizou a Armada no Rio de Janeiro e ameaçou
bombardear a cidade caso o presidente não renunciasse. Melo conseguiu a renúncia do presidente, queda imputada pelas dissensões
em torno das medidas tangentes à ordem federativa e dificultadas
pelo presidente da República no apreço à fortificação da unidade
política. Privilegiando minorias em Estados importantes, a política
governamental estava fadada ao fracasso, encontrando seu algoz no
Congresso. Floriano Peixoto chegava ao poder deparando com as
forças militares divididas (ele próprio e Deodoro eram exemplo) e
um país institucionalmente desorganizado.
A Constituição de 1891 revelava-se, portanto, incapaz de definir
com precisão um “pacto político” suficiente para instituir os novos
limites da comunidade política e suas relações internas, pelo menos
nos primeiros anos do novo regime, nos quais a incerteza foi elemento
dominante (Lessa, 1988, p.66). Baseada claramente no paradigma
constitucional norte-americano, a Constituição do Brasil, elaborada
em grande medida por Rui Barbosa, revelava a tentativa de vincular
o país ao certame continental, americano e republicano, mas trope-
84
GABRIEL TERRA PEREIRA
çava por desconhecer os fundamentos do regime. O Brasil queria
romper com tudo que lembrasse o passado monárquico, inclusive
no campo econômico, no qual se pretendeu expropriar companhias
estrangeiras e expulsar do País o capital europeu. O País passava a
se chamar Estados Unidos do Brasil, e a bandeira, em um primeiro
momento, era uma clara inspiração na grande República da América
do Norte (Bandeira, 1973, p.134). A inspiração dos Estados Unidos
como paradigma era dominante no campo político brasileiro, mas
não se revelava unânime. Voltava-se para uma americanização da
República aliada à ausência de um projeto de política externa (Malatian, 2001, p.116).
Entre a formulação da Constituição e a subida de Floriano Peixoto
ao poder no final de 1891, foi discutido e assinado o Tratado de Reciprocidade entre Brasil e Estados Unidos, no qual a interlocução de
Salvador de Mendonça com o secretário de Estado norte-americano
não deixou de expor as dificuldades internas pelas quais atravessava
o Brasil naquele período. Nesse sentido, a articulação entre política
interna e externa foi determinante para a formulação de críticas à
diplomacia pela opinião pública brasileira, principalmente pela
atuação do diplomata, favorável ao acordo com os Estados Unidos.
As primeiras instruções para a formulação de um acordo aduaneiro não ultrapassaram o limite da Conferência que se realizara em
Washington. Escolhido como árbitro da Questão das Missões entre
Brasil e Argentina, o presidente dos Estados Unidos não poderia
assinar convênio que favorecesse o comércio com um dos países
reclamantes, ainda mais em um certame em que se discutia tal ação,
portanto a ideia de uma “aliança íntima” sugerida por Quintino
Bocaiúva não foi levada adiante (Bueno, 1995, p.112).7
Contudo, textos de Salvador de Mendonça revelam que novos
planos foram discutidos nesse sentido, sendo, inclusive, referendados
por James Blaine, secretário de Estado dos Estados Unidos entre
1889 e 1892. Segundo o diplomata, o objetivo era que Brasil e Estados
Unidos sondassem os governos do centro e ao sul da América para
7 Para Mendonça (1913, p.168), “não era lícito tornar o juiz em aliado”.
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
85
o fim de se reunirem em uma Segunda Conferência Internacional
Americana, que ocorreria no Rio de Janeiro, discutindo sobre o Tratado de Arbitramento, aprovado em 1890, e negociando sua sanção,
obtendo um instrumento de regulação das relações entre os povos
americanos. Nesse sentido, a maior dificuldade a ser enfrentada era
o quesito condizente aos votos de cada país, que não poderiam ter
o mesmo número por causa da importância política e econômica
exercida individualmente, caso do Brasil e dos Estados Unidos. Para
tanto, a União Internacional das Repúblicas Americanas, o bureau
de comércio criado após a Conferência de Washington, estabeleceria
cotas para cada país de acordo com sua população, favorecendo os
norte-americanos, que contavam à época com cerca de cinquenta
milhões de habitantes, o que lhes daria onze votos; ao passo que o
Brasil, o segundo país mais populoso da América, com aproximadamente quinze milhões, teria apenas quatro votos.
O plano conjunto de Mendonça e Blaine se estendia para a organização de um Tribunal Internacional Americano de natureza
permanente e que permitiria a gestão de conflitos entre os países
integrantes, garantida a soberania de cada um. As decisões desse
Tribunal seriam submetidas a um juizado composto por representantes de três países, que ficariam encarregados de analisar e emitir
o parecer sobre as questões (Mendonça, 1913, p.173-9).
Dissertando sobre o assunto, o representante brasileiro parecia
encantar-se com a ideia de aliança com os Estados Unidos, colocando o Brasil, ao contrário do que acreditava, exposto a críticas e
intervenção norte-americanas, que certamente olhavam a criação
de um Tribunal Interamericano com desconfiança, pois ele seria o
instrumento que bloquearia suas ações militares ou não no continente. Ele julgava que, caso o Tribunal fosse estabelecido, a Doutrina
Monroe poderia ser substituída por um órgão jurídico que impediria
o controle norte-americano, tendo como princípios a divisão de
responsabilidades e o auxílio interamericano.
O plano era originário das convicções de Salvador de Mendonça,
que enxergava o relacionamento com os norte-americanos de forma
horizontal e temia que o afastamento da postura de aproximação a
86
GABRIEL TERRA PEREIRA
eles poderia engendrar planos restauradores da Monarquia. O diplomata brasileiro acreditava que, com Blaine à frente da presidência
dos Estados Unidos, as chances de o Tribunal se efetivar cresceriam,
porém Blaine foi derrotado, jogando por terra seu sonho (ibidem,
p.181-5). A perspectiva do diplomata traduzia o entusiasmo dos momentos subsequentes à mudança do regime, percebido na crença em
uma fraternidade americana camuflada pelos interesses econômicos
dos Estados Unidos e dos políticos do Brasil. Conforme argumenta
Clodoaldo Bueno (1995, p.120):
Com a Novel República, a impressão que se tem é de que o
governo brasileiro perdeu um pouco de altivez internacional
e da consciência da posição do país no concerto internacional.
Associava-se o estreitamento de laços comerciais com os Estados
Unidos como um dos instrumentos para a consolidação das novas
instituições. Esquecia-se que aos olhos da Europa, e mesmo dos
Estados Unidos, o que realmente contava era a solidez das instituições políticas aferida pela normalidade político-institucional e pela
seriedade na condução das finanças nacionais.
A própria desorganização do Brasil, abalado pela disputa interna
nos Estados e na esfera federal, não permitia a formulação de estratégias sólidas em termos de política externa. A diplomacia atuava
incisiva e independentemente pelo reconhecimento e respaldo à
República no exterior, não possuindo diretrizes quanto ao relacionamento com os Estados Unidos por causa da inexperiência e da falta
de planejamento político. Em um cenário de gradativa importância
geopolítica norte-americana, tal postura somente contribuía para
criar situações que iludiam a diplomacia brasileira, como as percebidas na negociação do tratado bilateral em 1891.
A conversação acerca de um acordo bilateral voltou à baila no final
de 1890, quando uma nova lei de tarifas foi aprovada pelo Legislativo
dos Estados Unidos, prevendo o estabelecimento de acordos a fim
de beneficiar a entrada de produtos estratégicos e de alto consumo,
como o café brasileiro. Em carta a Rui Barbosa, ministro da Fazenda,
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
87
de 17 de setembro de 1890, Salvador de Mendonça (cf. Azevedo,
1971, p.153-5) expôs a proposta norte-americana (Bueno, 1995,
p.120-2). Para o diplomata, a União (norte-americana) não podia
levar vantagem em uma provável guerra de tarifas, pois esse país
dependia da importação do produto brasileiro e uma sobretaxação
tornaria o produto mais caro, algo nada interessante a seus consumidores. Também recomendava ao ministro que aproveitasse a oportunidade de o Brasil aumentar as exportações do açúcar para aquele
mercado, desde que tratados semelhantes não fossem assinados com
países exportadores do produto, como a Espanha e a Inglaterra; o
primeiro país principalmente, pois possuía colônias diretamente
interessadas em acordos que favorecessem a produção açucareira.
Mendonça declarava, ainda, que a maior dificuldade com que o país
poderia deparar era a mudança na administração norte-americana e
uma consequente alteração na lei de tarifas, o que colocaria abaixo
os termos de um acordo que favorecesse os produtos brasileiros. A
resposta de Rui Barbosa demorou e veio em 20 de outubro de 1890,
recomendando que se continuassem as negociações nos termos que
Mendonça havia relatado (cf. Azevedo, 1971, p.153).
Bueno (1995, p.121) nota que o representante brasileiro contradizia-se ao fazer tais considerações. Os Estados Unidos já eram o
maior mercado do café brasileiro, posição que o acordo não mudaria
em termos significativos, o que constituía um ponto frágil em sua
argumentação. Quanto à criação de um “monopólio virtual do açúcar brasileiro naquele país” e à ideia de que o intento das colônias
espanholas nas Antilhas era a possibilidade de serem incorporadas
aos Estados Unidos, o representante brasileiro esquecia-se de que,
caso tal fato ocorresse, quebraria tal privilégio.
Mas se, como se deve esperar, o Brasil dentro de poucos anos
aumentar a sua produção, graças às condições privilegiadas do seu
produto neste mercado, ao ponto de suprir quase toda ou toda a
demanda aqui, nenhuma reclamação surgirá, pois o preço do açúcar
baixará inevitavelmente. Quem reclamará nesse caso será Cuba por
ver perdido seu melhor mercado, e os Estados Unidos esperarão
88
GABRIEL TERRA PEREIRA
pacientemente que as colônias espanholas das Antilhas percam a
paciência e se proclamem independentes com o fito de se agregarem à
Grande União. Isto está na mente do Governo americano e é a melhor
garantia da continuação de um tratado que façamos com esta gente
(cf. Azevedo, 1971, p.155).
No mês seguinte, o ministro da Fazenda autorizou a continuação
da negociação do acordo, e Salvador de Mendonça continuou a dialogar com Blaine, obtendo do secretário norte-americano a declaração
de que o Poder Executivo do País aprovara o estabelecimento do
acordo. Em carta ao representante dos Estados Unidos no processo
de transação, John Foster, Blaine aprovava o arranjo que o convênio
tomaria “em seu conjunto e em detalhe” (cf, Azevedo, 1971, p.155).
Salvador de Mendonça foi comunicado imediatamente da resolução
de Blaine em 3 de novembro de 1890. Na carta, Blaine comentava
que, de acordo com a nova lei de tarifas aprovada pelo Congresso
norte-americano, o país deveria buscar a assinatura de acordos de
reciprocidade comercial sob pena de sobretaxar os produtos importados. Nesse sentido, Blaine acreditava que o Brasil poderia ser
aliado dos Estados Unidos no empreendimento, firmando a troca de
produtos importantes para ambas as partes e lhe informando as tarifas a serem cobradas na importação/exportação de outros produtos
que entrariam no acordo. Os produtos que poderiam gozar de livre
entrada nos Estados Unidos seriam, sumariamente, diversas modalidades de açúcares, café e couros. Por fim, assegurava ao diplomata
brasileiro seu entusiasmo com relação a tal acordo, que teria vigência
enquanto nenhuma das partes contratantes o denunciasse, ou seja,
pedisse sua anulação (ibidem, p.156).
Salvador de Mendonça dirigiu-se, então, ao Brasil para levar as
informações do governo dos Estados Unidos e receber instruções
quanto aos produtos que estariam incluídos no tratado. Em ofício de
17 de dezembro de 1890, levou ao conhecimento do governo brasileiro que, em virtude da tarifa MacKinley, caso não fosse assinado o
acordo, o Brasil teria um ônus de 16,5 milhões de dólares somente entre o café (dois terços do valor) e o açúcar. O representante brasileiro
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
89
também afirmou a Foster, diplomata e negociador norte-americano
do acordo, que o Brasil perderia quase 5,5 milhões de libras esterlinas
nos termos em que se ajustava o tratado, ao passo que a produção
industrial e de manufaturas nos Estados Unidos era mais cara que a
europeia para ser exportada. Foster, então, cedeu, apesar de considerar as informações de Salvador de Mendonça exageradas. O Brasil
pagaria em taxas alfandegárias a soma de 3.100:000$, enquanto os
Estados Unidos, cerca de 33.000:000$, ampla vantagem do Brasil
que Salvador de Mendonça ancorava na irrevogabilidade da tarifa
MacKinley durante os próximos seis anos, ainda que a disputa entre
os partidos Democrata e Republicano pelo poder naquele país deixasse os representantes brasileiros temerosos quanto a uma possível
revisão dessas taxas. Caso tal receio se concretizasse, o acordo poderia
ser denunciado, daí a indefinição no ponto relativo à sua duração.
Ele terminava a correspondência recomendando a assinatura do
convênio, considerando que tal oportunidade seria a salvação dos
Estados brasileiros produtores de açúcar, animando os políticos
brasileiros (Mendonça apud Azevedo, 1971, p.157-8; Malatian,
2001, p.115).
A questão para a qual Salvador de Mendonça e o governo brasileiro não atentavam era que, com excesso de otimismo, acreditava-se
que a produção de açúcar no Brasil crescesse e conseguisse atender à
demanda norte-americana, algo pouco provável em um curto prazo.
Bueno (1995, p.122) nota que, na correspondência de Amaral Valente
do final de 1890, a impressão “solidária” que Blaine transmitia nas
negociações do acordo não era acerca do Brasil em si, mas da importância do produto importado. Tanto que, em visita a diversas cidades
dos Estados Unidos, Blaine declarava-se favorável ao protecionismo
alfandegário, ao mesmo tempo que elogiava o estabelecimento de
tratados de reciprocidade.
De volta aos Estados Unidos, Salvador de Mendonça enviou
carta ao ministro da Fazenda, em 2 de janeiro de 1891, requisitando
que o ministro acertasse com o governo brasileiro a assinatura e a
ratificação do acordo de forma conjunta com os Estados Unidos, para
que ele pudesse entrar em vigor simultaneamente nos dois países (cf.
90
GABRIEL TERRA PEREIRA
Azevedo, 1971, p.158-9). Ainda no final do mesmo mês, enviou por
meio de cabograma a notícia de que o governo norte-americano já
havia sido notificado do aceite do acordo e de suas bases, mas ainda
não havia recebido ordens para assiná-lo, advertindo os representantes brasileiros sobre uma possível perda de vantagens caso fosse
prorrogado tal ato (ibidem, p.159). Nos dias seguintes, notas oficiais
foram trocadas: Tristão de Alencar Araripe havia sucedido Rui Barbosa como ministro da Fazenda e pedia que Salvador de Mendonça
assinasse o acordo, conforme havia ajustado com Barbosa (ibidem).
O acordo foi assinado em 31 de janeiro de 1891 e proclamado
pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos no dia 5 de fevereiro
do mesmo ano. No ato da assinatura do tratado, foram trocadas notas
entre Salvador de Mendonça e James Blaine. A carta entregue por
Mendonça continha o histórico do processo de negociação do acordo,
e “animado pelo espírito de sincera amizade”, declarava:
É portanto, motivo de grande satisfação para mim poder comunicar-vos que o Governo dos Estados Unidos do Brasil, como
reciprocidade devida, e em atenção à entrada nos portos dos Estados
Unidos da América, livre de todo o direito, nacional, de Estado ou
municipal, dos artigos enunciados na vossa nota de 3 de novembro
de 1890, autorizou, por ato legal, a introdução em todos os portos
de entrada do Brasil, a principiar do dia 1o de abril de 1891, livre
de todo o direito, nacional provincial ou municipal, dos artigos ou
mercadorias mencionadas na seguinte lista, com a condição de que
tais artigos sejam produto ou manufatura dos Estados Unidos da
América (cf. Azevedo, 1971, p.160)8.
Os produtos que teriam livre entrada no Brasil eram: milho e
seus derivados, farinha de trigo, diversos grãos, carnes, ferramentas,
instrumentos e máquinas para a agricultura, mineração e mecânica,
máquinas para vapor e para indústrias e material para estrada de
8 As notas também estão presentes no relatório do Ministério das Relações Exteriores do Brasil de 1890.
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
91
ferro. Na nota, Salvador de Mendonça esclarecia que o governo brasileiro não faria nenhum aumento na taxa de exportação em vigor sobre
os produtos enumerados na nota de 3 de novembro do ano anterior,
nem sobre produtos atualmente livres da tarifa norte-americana.
Observava que o governo brasileiro reservava-se no direito de adotar
leis e regulamentos necessários para proteger suas rendas e impedir
fraudes nas declarações vindas dos Estados Unidos, e, por fim, que
caso o tratado viesse a ser denunciado por um dos países, deveria ser
informado ao outro com três meses de antecipação.
A resposta de Blaine seguia os mesmos termos da nota de Salvador
de Mendonça sobre o processo de negociação do tratado. Também
comunicava o aceite do presidente dos Estados Unidos, conforme
nota de 3 de novembro de 1890, esclarecendo que a data fixada para
entrada livre do açúcar seria o primeiro dia de abril de 1891, e terminava a nota felicitando o diplomata brasileiro por haver prestado
valioso serviço (ibidem, p.161-2).
Críticas à aproximação do Brasil com
os Estados Unidos
A assinatura do acordo assinalou a confusão daqueles tempos, notou Moniz Bandeira (1973, p.134). A República brasileira, livre das
pressões europeias, rompia com a política externa imperial e aceitava
o tratado com os Estados Unidos, que ficou conhecido pelo nome de
seus principais articuladores: “Blaine-Mendonça”. O acordo não
era apenas um marco econômico, mas político, pois representava
o entendimento formal entre dois países antes separados por seus
regimes e que agora se aproximavam. Nesse processo de “americanização” da política externa e da diplomacia – entendendo o termo
como uma guinada e aproximação com o continente americano em
termos político-econômicos, especialmente com os Estados Unidos –,
as ideias e as práticas dos indivíduos atrelados ao poder político foram
duramente criticadas. Na disputa pelo poder entre grupos políticos,
temia-se que a vassalagem econômica se estabelecesse em razão da
92
GABRIEL TERRA PEREIRA
carência de apoio institucional do País, e não faltaram certames que
elucidassem tal realidade.
No campo político, de onde saíram as deliberações que autorizaram a assinatura do acordo, já existiam divergências. Salvador de
Mendonça posicionava-se em busca do estreitamento das relações
comerciais e políticas com os Estados Unidos, uma vez que considerava inevitável sua preeminência no continente (Malatian, 2001,
p.118). Rui Barbosa, ministro da Fazenda, deixou o cargo em 21 de
janeiro de 1891 por não concordar com o processo de negociação do
tratado, especialmente com a ausência da cláusula que dava exclusividade à entrada do açúcar de procedência brasileira nos Estados
Unidos (Bueno, 1995, p.126-7).9
A existência desses desacordos justificava-se pelo fato de ser
um convênio inédito na história do País e encarado pelo governo
como uma saída para a crise de mercados internacionais do açúcar
nordestino (Malatian, 2001). Os temores dos ministros da Fazenda
e das Relações Exteriores fizeram-se sentir na correspondência diplomática, quando passaram a negociar Espanha e Estados Unidos.
Um acordo semelhante com o país europeu praticamente anularia os
esforços de promoção do açúcar brasileiro, que passaria a concorrer
com a produção antilhana, mais barata.
Em março de 1891, o barão de Lucena, então ministro da Fazenda, determinou a Salvador de Mendonça que “habilitasse o governo
a responder às censuras feitas no País ao tratado”, recebendo imediata resposta do representante brasileiro: Mendonça explicava que
os Estados Unidos “perderiam” com o acordo sessenta mil contos
de réis, ao passo que o Brasil, dez, além das vantagens que teriam o
café e o açúcar naquele mercado, e ademais não haveria razões para
crer em uma “ofensa” à indústria brasileira, pois, caso acontecesse,
o acordo poderia ser denunciado, e as mercadorias contempladas no
acordo, importadas da Europa (cf. Azevedo, 1971, p.162). Persistiam
os receios acerca das dificuldades que o tratado traria às indústrias
nacionais. Em outra correspondência ao ministério das Relações
9 No lugar de Rui Barbosa, ocupou o cargo Tristão de Araripe.
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
93
Exteriores, explicava que se temia a concorrência do setor brasileiro
com o europeu e norte-americano, não encontrando razões para tal,
pois as casas de exportação dos Estados Unidos ainda não estavam
preparadas para exportar mais do que antes, e o Brasil poderia se
proteger também pela elevação das tarifas.10
Em dois ofícios, Salvador de Mendonça explicava ao ministro
os tipos de açúcar que estavam contemplados no acordo e apontava
para o favorecimento brasileiro na questão. Mesmo açúcares não
contemplados pagariam menos que outros países: o Brasil, 10 réis/
libra, e os demais países, 40 réis/libra. O representante brasileiro
também já falava do acordo que possivelmente seria assinado com
as colônias espanholas, recomendando expressamente que a suspensão do acordo sem sua experimentação de um ou dois anos traria o
rompimento das relações entre os países.11
Em maio, os Estados Unidos assinaram o acordo com a Espanha
concedendo-lhe também a livre entrada do açúcar (Bueno, 1995,
p.127). Salvador de Mendonça enviou justificativa ao governo brasileiro, informando que o presidente norte-americano havia aproveitado a ausência de Blaine, que garantiu ao brasileiro a exclusividade
açucareira, para negociar com os espanhóis o dobro das concessões
brasileiras.12 As críticas de intelectuais na imprensa e de setores de
oposição ao governo de Deodoro da Fonseca multiplicaram-se, levando o ministro das Relações Exteriores, Justo Leite Chermont, a pedir,
por meio de correspondência oficial, que Salvador de Mendonça se
esforçasse para obter a cláusula de exclusividade, caso contrário o
acordo seria denunciado.13
10 Carta de Salvador de Mendonça ao barão de Lucena, de 10 de março de 1891
(cf. Azevedo, 1971, p.162).
11 Cartas de Salvador de Mendonça ao barão de Lucena, de 14 e 28 março de 1891
(Azevedo, 1971, p.163).
12 Carta de Salvador de Mendonça a Justo Leite Chermont, de 31 maio de 1891
(cf. Azevedo, 1971, p.164).
13 Carta de Justo Leite Chermont a Salvador de Mendonça, de 2 junho de 1891
(cf. Azevedo, 1971, p.164).
94
GABRIEL TERRA PEREIRA
A resposta do representante brasileiro traria um elemento não
abordado na correspondência diplomática sobre o convênio comercial até então. Ele referia que o acordo pretendido pelo atual ministério e por ex-ministros da Fazenda estava nas bases de negociação do
tratado de aliança que Quintino Bocaiúva havia mandado iniciar em
janeiro de 1890, não sendo condição do acordo aduaneiro.14 Especificamente, aludia à “aliança íntima” proposta pelo ministro do governo
provisório, Quintino Bocaiúva, que chegou a escrever os artigos para
o estabelecimento de uma aliança defensiva e ofensiva para a defesa
das soberanias e troca de recursos entre os dois países. O respaldo dos
Estados Unidos às novas instituições brasileiras, duramente atacadas
pela imprensa estrangeira e por grupos monarquistas, era visto como
indispensável para assegurá-las, mas deveriam estar subvencionadas
às relações comerciais, informava Salvador de Mendonça.15
A celeuma intragovernamental foi arrastada até o final de junho
de 1891. De um lado, o ministro pressionado pelas críticas argumentava que o negócio da aliança era distinto do acordo aduaneiro e que
este havia sido estabelecido com o objetivo de proteger a “indústria
sacarina”; de outro, o diplomata brasileiro, que salientava a distinção
das negociações e dizia ser improvável a inclusão da cláusula de exclusividade no acordo aduaneiro.16 Salvador de Mendonça fazia a defesa
do acordo baseando-se nos benefícios políticos que o país poderia
obter em curto prazo, pois estava em processo de arbitramento pelo
presidente dos Estados Unidos a questão das missões entre Brasil e
Argentina. Assim, a denúncia do convênio poderia colocar em risco
uma decisão favorável ao País. Ante as pressões do governo, o diplomata reuniu-se com representantes norte-americanos, que, por sua
vez, declararam que a lei que serviu de base à negociação obrigava-os
a negociar com todos os países produtores de açúcar e café, e a falta
14 Carta de Salvador de Mendonça a J. L. Chermont, de 7 de junho de 1891 (cf.
Azevedo, 1971, p.165).
15 Cartas de Salvador de Mendonça a Quintino Bocaiúva, de 7, 8 e 14 de janeiro de
1890. Ver também carta de Quintino Bocaiúva à missão especial em Washington,
de 2 de setembro de 1890 (cf. Azevedo, 1971, p.165).
16 Telegramas de 7 e 10 de junho de 1891 (cf. Azevedo, 1971, p.165).
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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de apoio ou ratificação pelo Congresso brasileiro ao tratado seria
encarada como atitude hostil aos Estados Unidos.17 A resposta do
governo brasileiro viria no telegrama cifrado alguns dias depois:
Diga verbalmente a Foster Convênio Aduaneiro está ratificado
desde sua assinatura, que não depende voto Congresso e está sendo,
sempre foi e será executado e cumprido boa-fé e lealmente, Governo
brasileiro negociou-o na persuasão Governo americano não faria
Convênio idêntico com outra nação, pois nossa intenção era proteger indústria brasileira açúcar, criando para ela um grande mercado
privilegiado, assinado Convênio com a Espanha açúcar brasileiro
não poderá competir açúcar Cuba, ficando nulo o único favor que
nos concede e ficando nosso açúcar no mesmo pé que anteriormente,
por conseguinte nada ganhamos Convênio, antes perdermos simpatia todas nações Europa e afeta com dispensa e redução direitos
importação e muitos gêneros exportação.18
Foi dada continuidade ao acordo, apesar da grita levantada por
diversos setores da sociedade brasileira, como o grupo monarquista,
que se apropriou do período turbulento e dos atos do novo regime
para forjar novos planos de ação. Os monarquistas aproveitavam-se
da heterogeneidade de opiniões e faziam apologia à política externa
do Império, tanto no aspecto econômico quanto geográfico, na medida em que os republicanos demonstravam estar “entregando” o
comando da economia e do território (ver o exemplo das Missões e
o arbitramento) aos Estados Unidos (Janotti, 1986, p.24-5; Magnoli,
1997, p.223; Bueno, 1995, p.132).
No certame de crítica política e econômica generalizada, destacou-se o monarquista Eduardo Prado, advogado e jornalista que publicou uma obra atacando diretamente a aproximação do Brasil com
17 Carta de Salvador de Mendonça ao Ministério das Relações Exteriores, de 16
de junho de 1891 (cf. Azevedo, 1971, p.166).
18 Telegrama a Salvador de Mendonça, de 21 de junho de 1891 (cf. Azevedo, 1971,
p.166).
96
GABRIEL TERRA PEREIRA
os Estados Unidos, intitulada A ilusão americana. A obra e as ideias
de Prado passaram a ser a base ideológica do grupo monarquista, que,
na última década do século XIX, acreditava ser possível organizar
o movimento de restauração da Monarquia no País (Janotti, 1986,
p.34). Eduardo Prado era filho de uma tradicional família paulista e
formou-se em Direito na Faculdade de São Paulo, o que o conduziu
à crítica política e literária. Esse contato o conduziu à Europa, onde
trabalhou como adido da legação brasileira em Londres. A mudança
de regime faria Eduardo Prado um ferrenho defensor das instituições
imperiais, diametralmente opostas à recente “vassalagem” da República brasileira aos Estados Unidos, ainda que, em um certo sentido,
valorizasse as condições físicas e naturais desse país que o conduziram
a um alto grau de desenvolvimento material (ibidem, p.80).
O livro A ilusão americana foi publicado em 1893 e significou
um forte ataque ao governo provisório e à conturbada presidência
do Marechal Deodoro da Fonseca, sucedido por Floriano Peixoto,
outro militar não menos autoritário. Se as repúblicas deveriam seguir
o aforismo de Montesquieu, tendo como fundamento a virtude, o
Brasil não se adequava como um regime republicano legítimo, na
medida em que seus dirigentes eram homens do corpo militar e sem
conhecimento da política nacional e internacional. O livro de Prado
foi confiscado, e muitos exemplares foram destruídos.
O primeiro capítulo da obra revela nitidamente o que significava a reorientação da política externa brasileira para o continente
americano. Para Eduardo Prado (1958, p.7-9), a fraternidade americana não existia e era um erro acreditar que os países da América
deveriam estar unidos pelo regime político republicano, pois entre
eles prevaleceram mais as disputas políticas e os conflitos militares
do que demonstrações de amizade.19 Nesse contexto, Prado (1958,
p.18) se perguntava sobre a intervenção dos Estados Unidos ante
as turbulências pelas quais frequentemente passavam os países
latino-americanos, especificamente o entendimento da Doutrina
Monroe por estes (o Brasil republicano estava incluído), que a enca19 Ver também Janotti (1986, p.79).
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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ravam como sinônimo de uma aliança definitiva, um compromisso
formal que não correspondia à realidade. Eduardo Prado (1958,
p.46) não se contentava em fornecer exemplos negativos do comportamento dos países vizinhos como também insistia em argumentos
que valorizassem o período imperial, pois, “após setenta anos de
liberdade, o grande erro foi cometido em 1889, quando os brasileiros
quiseram impor ao Brasil artificialmente a fórmula norte-americana”.
Prado discordava integralmente de Salvador de Mendonça no que tangia à atuação de James Blaine, secretário de Estado
norte-americano entre 1889 e 1892, perante o Brasil e a América.
Mendonça (1913, p.266) havia escrito que Blaine era o maior estadista que teve a fortuna de conhecer em toda sua vida e possuía relações
que iam além dos compromissos oficiosos, sendo o norte-americano
como um amigo íntimo do brasileiro. Prado (1958, p.82-7) dizia
que, apesar de Blaine ser o último sopro heroico dos tempos da independência norte-americana, ele era incompleto, desequilibrado,
faltando-lhe a grandeza moral dos grandes estadistas, demonstrando
ser dotado de um temperamento conquistador.
O segundo capítulo foi dedicado ao relacionamento entre Brasil
e Estados Unidos, exclusivamente. Historiando as relações entre os
países, Prado (1958, p.99-105) disserta sobre o modo frio pelo qual
foi acolhida a independência do Brasil pelos norte-americanos até as
intrigas surgidas durante o conflito com o Paraguai, quando se postaram a favor de López e reclamaram indenizações utilizando menos o
recurso racional do que a violência. Outro ponto que Prado criticava
era a luta dos políticos norte-americanos pela livre-navegação no
Rio Amazonas durante o Império, que pressionaram pelo ato, mas
não investiram de modo significativo na região, ação que coube aos
ingleses realizar.
Eduardo Prado não acreditava no sentimentalismo – leia-se crença em amizade incondicional justificada pelo regime político – em
termos de política internacional. Julgava-a arrogante e egoística, algo
que a diplomacia brasileira não enxergava naquele momento, deixando ser ludibriada pelos interesses dos Estados Unidos. No tocante à
economia, investia contra a sede monopolista norte-americana, que
98
GABRIEL TERRA PEREIRA
buscava em outros países os mercados para seus produtos, formulando, para isso, tratados de comércio.
Tratados de comércio! Eis aí a grande ambição norte-americana,
ambição que não é propriamente do povo, mas sim da classe plutocrática, do mundo dos monopolizadores que, não contentes com o
mercado interno de que eles têm o monopólio contra o estrangeiro
[...] que se vê privado do grande benefício que a concorrência universal lhe traria com o forçado abaixamento dos preços (Prado,
1958, p.124).
O monarquista brasileiro acreditava que o real sentido da formulação dos convênios aduaneiros dos Estados Unidos com os
países latino-americanos era extorquir deles produtos estratégicos,
concedendo-lhes, em troca, vantagens aparentes. O exemplo mais
recente do argumento de Prado era o Tratado de Reciprocidade
assinado com o Brasil em 1891, no qual a pseudoexclusividade ao
açúcar brasileiro foi concedida. Nesse sentido, Eduardo Prado (1958,
p.142-7) voltava a atacar James Blaine, que vinha articulando uma
reunião interamericana desde meados da década de 1880 com o
objetivo de extrair acordos comerciais ainda que tivesse que utilizar
da ideia da fraternidade americana.
O Brasil foi o primeiro país que cedeu aos desejos norte-americanos, negociando e assinando o acordo comercial. O acordo que
previa a isenção dos direitos de importação sobre o café brasileiro e
tipos mais “nobres” de açúcar era ilusório, pois o primeiro produto
não pagava direitos nos Estados Unidos desde 1872, e o açúcar vindo
do Havaí entrava neste país livremente, mas era incapaz de suprir
a demanda do mercado, conforme já havia observado Salvador de
Mendonça. Para Eduardo Prado (1958, p.151-7), o acordo paralelo
dos Estados Unidos com a Espanha e suas colônias produtoras da
mercadoria pôs fim aos benefícios que o Brasil tinha no acordo e
legitimava a tese do ludibrio norte-americano (Bueno, 1995, p.128).
Era um “erro colossal” acreditar que havia tantas simpatias por um
Brasil que mudara seu regime havia apenas quatro anos, conside-
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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rando o apreço que existia ao imperador Dom Pedro II naquele país,
lembrado em alguns discursos no Senado norte-americano.
Outro aspecto que feria a dignidade brasileira na visão de Eduardo Prado era a escassez cerimonial com que eram tratados os representantes brasileiros nos Estados Unidos, muitas vezes expostos ao
ridículo na imprensa, como aconteceu com o próprio Salvador de
Mendonça em duas ocasiões: quando adquiriu uma coleção de obras
de arte e no processo de compra de prata pelo Brasil. No primeiro
episódio, considerou-se a coleção falsa, e o representante brasileiro
foi ridicularizado por desconhecer sua autenticidade, e, no segundo,
a imprensa acusou Mendonça de ter se beneficiado pessoalmente
dessa compra. Curiosamente, Prado colocava-se ao lado de Mendonça argumentando que o diplomata não havia recorrido à justiça
norte-americana porque “sabia” qual seria sua decisão entre um
compatriota e um sul-americano.
As instituições criadas em determinado país não poderiam desenvolver-se em outros, com tradição cultural e política distintas.
Os países sul-americanos, e recentemente o Brasil, ao “copiar” as
instituições norte-americanas, não calculavam quão funestos poderiam ser os resultados do transplante, pois chegavam maculadas
com o signo da corrupção (Prado, 1958, p.161, 170-2). Ao fim da
obra, Prado (1958, p.183) justifica, em algumas expressões, o título
de sua obra:
Devemos concluir de tudo quanto escrevemos:
Que não há razão para querer o Brasil imitar os Estados Unidos
porque sairíamos da nossa índole, e, principalmente porque já estão
patentes e lamentáveis, sob os nossos olhos, os tristes resultados da
nossa imitação;
Que os pretendidos laços que se diz existirem entre o Brasil e a
República americana, são fictícios, pois não temos com aquele país
afinidades de natureza real e duradoura;
Que a história da política internacional dos Estados Unidos não
demonstra, por parte daquele país benevolência alguma para conosco
ou para com qualquer República latino-americana;
100
GABRIEL TERRA PEREIRA
Que todas as vezes que tem o Brasil estado em contato com os
Estados Unidos tem tido outras tantas ocasiões para se convencer
de que a amizade americana (amizade unilateral e que, aliás, só nós
apregoamos) é nula quando não interesseira;
Que a influência moral daquele país, sobre o nosso, tem sido
perniciosa.
Para Janotti (1986, p.80), a obra de Eduardo Prado explora três
ordens de ideias: o nacionalismo, a crítica à República brasileira e,
por último, defende os interesses britânicos, prejudicados com a mudança do regime. Por meio de diversas comparações com o período
monárquico, o autor mostra que os governos republicanos passaram
sistematicamente a desconsiderar a tradição política, construída até
1889 pelo Império, de altivez e distinção no cenário internacional.
A ausência de um planejamento e diretrizes para a política, exterior
pelos republicanos no poder também foi notada por Bueno (1995,
p.22), na perda da ênfase de dois pontos fundamentais: o controle
da política comercial e alfandegária e a pretensão de hegemonia
regional. O Tratado de Reciprocidade realçava tal perda, pois os
tributos aduaneiros proviam grande parte das rendas para o País
e transmitia a imagem de fragilidade aos vizinhos, que chegaram
a reclamar acordos semelhantes, sem sucesso. A visão altamente
moralista e contraditoriamente nacionalista de Prado entendia que
somente a cultura europeia e o capitalismo britânico, símbolos do
Segundo Reinado, poderiam “salvar” o Brasil, que vivia sob um
oceano de incertezas aproveitado pelos norte-americanos, que utilizaram do epíteto de “padrinhos do batismo político brasileiro” para
extrair novos mercados consumidores de seus produtos (Janotti,
1986, p.81).
Representantes de outros países passaram a insistir, por meio
de meios oficiais ou pela imprensa, na assinatura de acordos aduaneiros semelhantes ao tratado “Blaine-Mendonça”. A Argentina
viu-se prejudicada com a livre entrada no Brasil da farinha de trigo
norte-americana, pois era grande exportadora do produto ao vizinho.
O Chile almejava acordo semelhante para expandir sua produção
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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de vinhos, e tanto Portugal quanto a Inglaterra passaram a observar
atentamente o desenrolar dos fatos (Bueno, 1995, p.135-6).
Durante os anos de 1891 a 1894, a despeito das críticas e pressões
políticas, o acordo foi mantido, e as relações econômicas entre os
dois países não sofreram, contudo, profundas alterações, apesar de
a escassez estatística impedir a análise precisa da questão.20 O que se
pode ler nas declarações dos representantes alfandegários presentes
no Relatório do Ministério da Fazenda de 1892 são apenas sugestões
de que o acordo estaria prejudicando o comércio, mas recomendava
prudência no tratamento dado à questão, pois justamente a falta
de dados poderia conduzir a uma atitude inconsequente, ou seja, a
denúncia do tratado.
À luz dos dados disponíveis para análise,21 com relação ao café,
percebe-se que, entre 1891 e 1894, a exportação de café para os Estados Unidos não sofreu alteração significativa, passando de 3.884.300
para 4.313.700 sacas. Em 1897, quando o tratado já não estava
em vigor, o Brasil exportou 5.302.800 sacas para o mesmo país,
demonstrando que a situação do produto não havia se modificado
com o tratado. O Relatório do Ministério da Fazenda de 1892 ainda
indicava que o comércio entre os dois países apresentava resultados
semelhantes nos anos anteriores e durante a vigência do acordo,
indicando seu parco valor para a economia brasileira, informação
que questionava a defesa de Salvador de Mendonça.
A crise política que levou à renúncia do presidente Deodoro da
Fonseca, para além das negociações do Tratado comercial, conduziu
Mendonça a agir prontamente em prol das instituições brasileiras nos
Estados Unidos. Conforme aponta Janotti (1986, p.48), a preocupação do corpo diplomático nesse período era o advento de um golpe de
20 De acordo com Bueno (1995, p.138-40), a carência estatística foi sentida inclusive no relatório do Ministério da Fazenda de 1890, que reclamava a falta
de dados em repartições oficiais necessárias ao andamento do comércio e da
agricultura. Em razão do fato, foram criadas seções de estatística comercial para
fornecer os dados.
21 Relatório do Ministério da Fazenda de 1892. Disponível em: <http://brazil.
crl.edu/bsd/bsd/u1577/000126.html>. Acesso em: 21 maio 2008.
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GABRIEL TERRA PEREIRA
Estado monarquista, um fantasma que foi comumente aproveitado
pelos membros do grupo para desestabilizar o regime republicano.
Em meio aos conflitos internos, a imprensa norte-americana passou
a denunciar a falta de experiência brasileira com o regime republicano, que parecia converter-se em mais uma República tipicamente
sul-americana: instável politicamente e desacreditada perante as
potências estrangeiras (Bandeira, 1973, p.141).
A troca de correspondências entre o ministro das Relações Exteriores, Justo Leite Chermont, e Salvador de Mendonça, no período
em que irrompeu a crise política, demonstrava o quão hesitante era
a postura norte-americana perante a questão. Salvador de Mendonça
foi comunicado sobre o golpe no dia 4 de novembro de 1891, em
telegrama que narrava os decretos presidenciais, bem como o apoio
do Exército e da Armada e a tranquilidade completa nos Estados (cf.
Azevedo, 1971, p.240). A despeito do apoio prometido ao governo
brasileiro e ante os boatos separatistas no País, o mesmo ministro
autorizou o representante brasileiro a desmentir tais informações
divulgadas pela imprensa, dizendo-lhe que a restauração era ideia
combatida por todos, e antigos monarquistas, como Joaquim Nabuco
e Ouro Preto, encontravam-se em liberdade (ibidem, p.241). A notícia de separação de alguns Estados da federação brasileira foi tema de
outros telegramas enviados por Chermont a Salvador de Mendonça,
que confirmava a calma na Região Sul do país, pedia, mais uma vez,
que fosse divulgada nos Estados Unidos a paz no Brasil e desmentia
o boato de que os membros do Congresso haviam se refugiado nas legações estrangeiras. Os telegramas ainda informavam que o governo
não tinha tomado nenhuma medida violenta (ibidem).
Salvador de Mendonça reuniu-se com Blaine a fim de buscar apoio
ao Brasil. Ambos acertaram que, caso houvesse golpe monarquista e
o governo legal se refugiasse no interior do país, os Estados Unidos
manter-se-iam ao lado deste grupo. O secretário norte-americano
aventava em correspondência que seria melhor que tal respaldo se
restringisse à correspondência em que tratava do assunto, pois não
queria ser acusado de intervir em querelas domésticas do Brasil
(Bueno, 1995, p.114). O telegrama do dia 16 de novembro tinha
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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por destinatário o presidente norte-americano e expressava a visão
brasileira – e deodorista – da questão:
Transmita ao Presidente dos Estados Unidos da América a expressão do reconhecimento do Presidente dos Estados Unidos do
Brasil pelo vivo interesse que lhe merecem as novas instituições
políticas deste país. A moderação que ele aconselharia está na índole do povo brasileiro, nos sentimentos e na política do seu atual
Presidente, e tem sido praticada por seu governo. O Presidente pois
vê com grande satisfação que, nesse ponto, como em tantos outros,
se acham as duas Repúblicas de perfeito acordo, e pode dizer que o
conselho do amigo encontraria acolhimento digno dele. – Chermont
(cf. Azevedo, 1971, p.242).
Segundo Bueno (1995, p.115), esse telegrama chegou às mãos do
presidente norte-americano somente em 24 de novembro, data em
que a crise já havia sido resolvida, e Deodoro, renunciado ao cargo.
Mesmo assim, Harrison agradeceu a mensagem, mostrando estar
satisfeito com o desfecho pacífico da crise. A preocupação de Salvador de Mendonça com um golpe monarquista estava diretamente
ligada às dificuldades internas do país, ainda que a disputa “oficial”
se restringisse aos círculos republicanos deodoristas e florianistas.
Nessa tônica, em janeiro de 1892, voltou o diplomata a referir-se
a boatos de um golpe que poderia perder força caso partisse dos
Estados Unidos uma nota monroísta com direção à Europa ou até
mesmo uma esquadra dali para o porto da capital federal, ao passo
que o governo agradecia a oportunidade no dia seguinte.22
A negociação do acordo comercial e a consequente aproximação
com os Estados Unidos foram processos definidores da política interna e externa do Brasil, que atravessava uma crise de poder propensa
a gestar uma reviravolta abrupta do cenário político, avolumando os
problemas já existentes. A gestão de Salvador de Mendonça em Wa22 Carta de Mendonça a F. L. Leite Pereira, de 11, 12 e 18 de janeiro de 1892 (cf.
Azevedo, 1971, p.242).
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GABRIEL TERRA PEREIRA
shington foi decisiva nesse sentido, pois revelou o modus operandi do
governo brasileiro no cenário internacional, ainda que inexperiente e
pouco altivo, conforme expressão de Clodoaldo Bueno (1995, p.120).
Os sintomas de uma reorientação da política exterior do Brasil,
inaugurados na Conferência Internacional Americana em 1889-1890,
foram aperfeiçoados com o acordo “Blaine-Mendonça”, mas duramente criticados pelo sentido que tal aproximação foi conduzida.
O constante temor dos republicanos a um golpe restaurador
imprimia a ideia de que o regime ainda não se firmara, ou seja, era
frágil, e foi justamente nesse ponto que Salvador de Mendonça explorou o contato com James Blaine e o Poder Executivo dos Estados
Unidos. Ele tinha em Blaine – e naturalmente no governo dos Estados
Unidos – a noção de ser um aliado extracomercial e garantidor das
instituições republicanas (ibidem, p.117, 147). Essa manifestação na
correspondência diplomática exprimia o grau de influência e poder
que eles passavam a ter no continente e seus contornos econômicos,
vistos pelo Brasil, frágil, como apoio político. Essa visão invertida
contribuiu para a proliferação das críticas de monarquistas e republicanos ao regime.
A busca por uma identidade americana associada ao republicanismo, mesmo atacada por indivíduos como Eduardo Prado, também
foi ideia recorrente, manifesta no acordo comercial que representava
a inoculação de um antídoto contra o monarquismo. Mas a ideia
possuía o contraponto da instabilidade interna, algo intensamente
explorado no setor externo, pela busca pelo novo porém tradicional
apoio norte-americano.
Duas décadas mais tarde, escrevia Salvador de Mendonça sobre
o período. O diplomata, já aposentado, atribuía a uma “cegueira de
patriotismo” os interesses contrários ao estabelecimento do acordo
comercial em uma época em que o país se reconstituía política e
economicamente. Não acreditava no protecionismo como diretriz
econômica, pois era o obstáculo natural ao bom andamento do jogo
político, algo que não poderia ter lugar em momento tão decisivo para
a República brasileira. Defendeu de forma veemente o acordo argumentando pela via política, na qual o Brasil dependia do arbitramento
A DIPLOMACIA DA AMERICANIZAÇÃO DE SALVADOR DE MENDONÇA (1889-1898)
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da questão das missões e pela via econômica, na qual a maior prova do
benefício brasileiro foi a denúncia do acordo pelos norte-americanos
em 28 de agosto de 1894 (cf. Mendonça, 1913, p.187-97).
A comunicação entre o governo norte-americano e o brasileiro,
por meio de Salvador de Mendonça, não cessou, apesar das críticas
ao acordo, e, ao contrário, intensificou-se pelos anos de 1893 e 1894,
quando um novo incidente no Brasil fez o governo de Floriano Peixoto acionar o diplomata nos Estados Unidos, objeto da discussão
do terceiro e último capítulo.
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