Filosofia da Educação e busca de sentido para a Educação

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Filosofia da Educação
e busca de sentido para a Educação
Helena de Fátima Gonçalves de Castro*
Resumo
Levantamos a questão de saber se a Filosofia da Educação se enquadra dentro do âmbito das
ciências filosóficas ou dentro do âmbito das ciências da Educação, ou se ela pode, mesmo
num contexto de interseções constantes entre diversas ciências, definir-se como um campo
específico de investigação. Propomos uma reflexão pessoal a partir dos contributos de diferentes autores e defendendo a ideia de que a Filosofia da Educação não deve apenas ser
uma ciência teórica, mas deve apontar caminhos para a prática, de modo a poder construir
possíveis vias de sentido das práticas educativas quotidianas e promover a transformação
social. Não nos repugna a ideia de uma Filosofia da Educação empenhada política, axiológica
e eticamente, pois esse empenho parece ser urgente, dado o relativismo e a indiferença em
que se tem caído dentro do campo da Educação; uma indiferença que é, em última instância,
a sentença de morte de qualquer ato educativo enquanto tal.
Palavras-chave: Ciência. Filosofia. Educação. Sentido. Transformação.
Introdução
A compreensão do estatuto da Filosofia da Educação decorre da
compreensão da complexidade do ato/fato educativo entendido como um
esforço permanente ao longo da história de o Homem construir o Homem.
Portanto, a discussão sobre o estatuto da Filosofia da Educação irá depender
do ponto de vista a partir do qual se olha a Educação; do ponto de vista a
partir do qual se constroem um conjunto de expectativas mais ou menos
fundamentadas a propósito do ato/ fato de educar e de o Homem ser um
ser educador.
Dada a complexidade de estudo do campo da Educação, diversas
ciências contribuem para o constante desvelamento das muitas camadas de
realidade que esse campo esconde e oferece. Parece-nos defensável a posição
de que a Filosofia da Educação não só é útil como é necessária, nomeadamente pelo conjunto de questões que levanta e que acolhe e pelo esforço em abordá-las o mais universalmente possível. Nesse sentido, complementa e atravessa as ciências empíricas, como é o caso das Ciências da Educação, escapando
ao particularismo, do qual estas não podem fugir porque lhes é intrínseco.
*
Mestre em Filosofia, Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa da Universidade de
Lisboa (CLEPUL). (E-mail: [email protected]).
Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 177-194, jul./dez. 2011
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1 A polêmica da classificação e da legitimidade
da(s) Ciência(s)
1.1 A classificação das ciências
1.1.1 O conceito de “Ciência”
A definição aristotélica de Ciência como “conhecimento certo a partir de causas” continua a ser de extrema pertinência para o levantamento das questões epistemológicas que ainda hoje se discutem (MASOTA,
1991). Assim, encontram-se na definição os três aspetos fundamentais que
determinam uma caracterização geral do conceito “ciência” e da atividade científica: conhecimento, certeza e causalidade. A atividade científica
é, em primeiro lugar, esforço de conhecimento verdadeiro. Para ser verdadeiro, deve ser capaz de indicar as causas que explicam corretamente o
fenómeno/o problema em análise. Só a adequação entre a explicação e a
realidade permite concluir da verdade desse conhecimento e, assim, constituir uma certeza que é simultaneamente objetiva e subjetiva: o conhecimento certo (dimensão objetiva da verdade) permite chegar a uma concordância entre sujeitos sobre a explicação causal construída a propósito de
um dado fenómeno/problema (dimensão subjetiva da aceitação da verdade). No entanto, as questões epistemológicas multiplicaram-se e geraram
um longo debate, que ainda hoje persiste, em torno do que poderia, dentro
do conjunto dos saberes humanos, considerar-se efetivamente “Ciência”.
1.1.2 Ciência ou Ciências?
Olhando para o vasto campo do conhecimento humano já produzido, deparamo-nos com “Ciências” e não com “Ciência”. Logo surgem
duas grandes questões: o que as distingue? O que existe de comum entre
elas?
Habituamo-nos a ouvir que para haver uma ciência, ela tem de ter
definido claramente o seu campo, o seu objeto e o seu método. Mas quer
quanto ao campo, quer quanto ao objeto, quer quanto ao método, muitas
vezes encontramos coincidências entre diferentes ciências. Por exemplo,
no campo educativo podem intervir a Sociologia, a Psicologia, a História, etc. O objeto “fato educativo” também pode ser olhado sob diferentes prismas científicos e mobilizando, inclusive, métodos semelhantes
em diferentes ciências. Portanto, se são nomeadamente as diferenças de
objeto e de método que permitem identificar diferentes ciências e distinguir as ciências umas das outras, tudo isto tende a esbater-se quando
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começam a existir interseções de campos de investigação, mistura de métodos e o recurso à interdisciplinaridade para abordar as hipóteses de resolução de um problema. Salientamos, então, um aspeto comum a todas
as ciências: todas emergem do contexto problemático da própria vida,
como diria Dilthey (NAPOLI, 1999). É a vida, nas suas dinâmicas, complexidades, problemas e desafios, que impõe o aparecimento e promove
o desenvolvimento das ciências.
Na intenção de distinguir aquilo que pode ser conhecimento científico legítimo de outros tipos de saber, têm-se definido características típicas desse conhecimento, como é o caso da objetividade, repetibilidade,
preditibilidade e controle. Aliás, o conceito de “explicação científica” encontra-se aliado à capacidade preditiva das ciências (COSTA, 1982). Mas
sabe-se que nem todas as ciências conseguem apresentar a totalidade destas características, sobretudo devido ao seu campo de estudo. Por exemplo, a História e a Paleontologia não possuem condições para assegurar a
repetibilidade e a preditibilidade, uma vez que tratam com os indícios de
eventos que já foram concluídos no tempo e não se voltarão a repetir, pelo
menos em circunstâncias idênticas. Deixarão de ser ciências por causa disso ou será necessário mudar o conceito de “explicação científica”?
As caraterísticas acima enumeradas podem ser encontradas principalmente nas ciências experimentais. Assim, frequentemente associamos à noção geral de ciência as determinações das ciências experimentais, que é apenas um grupo de ciências. E as restantes ciências, perante
noção tão estrita, poderão continuar a considerarem-se como ciências?
A possibilidade de construir uma hipótese explicativa da realidade
que se quer conhecer, de criar formas de verificação e de teste apoiadas num aparato experimental mais ou menos complexo é apanágio de
um número muito restrito de ciências às quais designamos por Ciências
Experimentais. Se escolhermos o caráter experimental como critério para
incluir ou excluir um conhecimento específico na classificação de ciência,
reduzimos bastante o número daqueles conhecimentos humanos que podem enquadrar-se no conceito de ciência. Teríamos, um conceito estrito
de ciência, que apenas poderia incluir aquelas ciências que, pelo seu método hipotético-dedutivo, permitem uma aliança com a técnica na manipulação dos fenómenos naturais conhecidos, explicados e aparentemente
dominados. Assim, é preciso alargar o critério de classificação.
Se alargarmos o nosso critério ao domínio empírico, o conceito de
ciência já inclui as ciências experimentais e passa a incluir todas as ciências
que possuem, por um lado, um caráter descritivo, e, por outro, um caráter explicativo, como é o caso da Geografia, Geologia, Biologia, Botânica,
Zoologia... Talvez pudéssemos chamá-las de Ciências Naturais, dada a
sua dedicação a fenômenos observáveis do mundo natural. No entanto,
também o critério empírico não é suficiente para abranger todas as formas de conhecimento humano. E essa perceção emerge no mundo das
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ciências, sobretudo quando a observação, a indução, a experimentação
passam a submeter-se aos processos dedutivos. Aludindo a esta influência, pode afirmar-se, à maneira de Ladrière, que a ciência não é um simples prolongamento da visão espontânea do mundo e que só se faz ciência
quando o domínio percetivo é substituído por um campo de objetos que a
própria ciência constrói (COSTA, 1982).
Quando se trata de conhecer um objeto particular, o Homem, a
consciência de uma enorme complexidade ganha maior importância e
obriga a novo alargamento do critério classificativo. Alargando um pouco
mais esse critério, tendo em conta não apenas o método experimental ou o
método descritivo empírico, mas um método hermenêutico (interpretativo), podemos incluir todos os tipos de conhecimento construídos com base
na análise de indícios, fósseis, inscrições, comportamentos..., como é o caso
da História, da Antropologia Cultural, da Arqueologia..., com base nos dados recolhidos da análise sistemática de um determinado contexto social,
como é o caso da Sociologia e da Economia, ou com base na especulação e
argumentação, como é o caso da Filosofia.
Designaremos estas ciências como Ciências Sociais e Humanas.
Dilthey chamava-lhes ciências do espírito e Habermas de ciências histórico-hermenêuticas (MOLINA, 2008). Para Dilthey, o que separa as ciências
do espírito das ciências da natureza não é a delimitação do seu campo ontológico (a natureza exterior, por um lado, e o género humano, por outro)
mas o modo como os fatos científicos são constituídos. São os modos de
comportamento do sujeito cognoscente face aos objetos do conhecimento
que determinam a diferença entre ciências da natureza e ciências do espírito (MOLINA, 2008). Distingue-se, então, entre a “explicação”, comportamento atribuído às ciências naturais, e a “compreensão”, comportamento
atribuído às ciências do espírito. Neste último caso, tratar-se-ía da inteligibilidade de uma intencionalidade presente nos atos humanos, da captação
do sentido e não da redução do sentido dos acontecimentos a uma cadeia
causal externa a essa intencionalidade (COSTA, 1982).
1.1.3 A Filosofia da Educação no contexto
das Ciências Sociais e Humanas
A Filosofia, ultrapassada a questão de que ela é a “mãe das ciências” – como primeira forma de conhecimento racional e espaço original
de que as ciências emergiram pela especialização em torno de muitos dos
seus núcleos problemáticos (SERRA, 2008) –, e ultrapassada a tentativa
dos epistemólogos do positivismo lógico de subordinar a Filosofia à Ciência ou até de a reduzir a um discurso com legitimidade duvidosa, entra no
grupo das Ciências Sociais e Humanas como uma grande área de conhecimentos (Ética, Estética, Ontologia, Epistemologia, Lógica, Antropologia...).
A Filosofia, mais do que uma ciência particular, poderia entender-se como
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a designação geral de um conjunto de diversas ciências que possuem um
método hermenêutico, mas também argumentativo e especulativo, podendo, ainda, utilizar outros métodos de acordo com a necessidade de aceder,
compreender e responder quer às complexas questões que extravasam os
domínios das ciências enquanto tais, quer às questões que lhe são próprias e
emergem do seu próprio campo interrogativo. O que garante a sua legitimidade é, não o saber já constituído, mas o rigor concetual na busca constante
da verdade, mediada pela racionalidade humana e pela honestidade inteletual. A organização sistemática e clara do pensamento e do discurso é meio
fundamental para salvaguardar essa necessária tensão do pensamento para
a verdade, a radicalidade e a universalidade. E, por isso mesmo, rejeitamos
aqui a ideia do filósofo como alguém que vive numa esfera diferente da
realidade, isolado do resto do mundo. Consideramos o conceito de “interioridade intersubjetiva” (GILES, 1983) como fonte, meio e finalidade do trabalho filosófico, de tal modo que não existe separação entre filosofar e viver,
nem pensamento sem relação em, pelo menos, dois sentidos:
• Relação humana como fundamento/origem do pensamento e da
linguagem;
• Relação judicativa intersubjetiva, tendo em conta uma perspetiva “cibernética” do pensamento, em que novas redes neuronais
se constituem simultaneamente às redes concetuais.
Consideramos que duas grandes ciências dentro do campo da Filosofia reúnem em si as principais dimensões do questionamento filosófico:
a Ontologia, sobre a questão do que há (implicando em si, nomeadamente,
a Lógica e a Epistemologia), e a Antropologia, sobre a questão de quem
é o Homem e das suas relações consigo mesmo e com todos os outros
(homens/mundo) (que envolve, entre outras, a Ética e a Axiologia).
Se concordarmos com a perspetiva de que “a filosofia se encarrega de alcançar os momentos mais ricos da dinâmica existencial do eu e do outro
eu no mundo” (GILES, 1983), compreende-se a afirmação anterior. Não há
interrogação sobre o Homem que não inclua um desenvolvimento ético e
axiológico, já que a reflexão sobre estes dois eixos, caracterizadores do humano e catalizadores do seu desenvolvimento, tende a desembocar num
projeto antropológico, explícito ou implícito. Todo o projeto de Homem
é um projeto sobre o futuro do Homem e, simultaneamente, a afirmação
da liberdade da sua autoconstrução. E a Educação é o lugar, o fator e a
condição dessa construção do humano no Homem, quer através dos atos
informais decorrentes dos processos de socialização e integração numa
cultura, quer através de atos formais, como acontece na escola. Assim se
compreende que a Educação não poderia ficar de fora das investigações
filosóficas e que se tenha definido, ao longo dos séculos, um conjunto de
reflexões filosóficas a propósito dos muitos temas implicados direta ou indiretamente na Educação. Tais são as que se reúnem debaixo da designação de Filosofia da Educação.
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Sendo a Educação ação humana por excelência, consideramos que
a Filosofia da Educação é, em primeiro lugar, Filosofia da Ação Educativa,
na medida em que se debruça sobre:
• A intencionalidade educativa humana, expressa nos valores e
ações que a concretizam;
• O projeto educativo global de uma cultura, nos seus pressupostos e consequências;
• A utopia educativa humana, no seu devir, liberdade, novidade e
possibilidade constantes, relacionando permanentemente o ontem (a herança dos antepassados), o hoje (os desafios do presente) e o amanhã (a inquietação do futuro) (CASTRO, 2001).
1.2 A importância do método
1.2.1 A crise do totalitarismo experimental
As discussões em torno do método ligam-se aos pressupostos de
que a adequação do método ao objeto de conhecimento garantem a verdade do mesmo e, consequentemente, a legitimidade das ciências. O método
científico pode ser definido como um procedimento ordenado cujo fim é a
verdade num determinado âmbito científico (MASOTA, 1991).
As ciências que emergem da revolução copernicana, no século XVI,
instalaram um novo modelo de racionalidade para o conhecimento, um
método baseado na observação e na experimentação – o método experimental. Muito do seu sucesso deveu-se à introdução da Matemática nos
seus raciocínios, permitindo a construção de hipóteses com um grau de
rigor considerável, ao mesmo tempo que era possível testá-las com uma
garantia muito elevada de controle das variáveis da experiência em curso. Como nos diz Boaventura Sousa Santos (2010), “a matemática fornece à ciência moderna não só o instrumento privilegiado de análise, como
também a lógica de investigação, como ainda o modelo de representação
da própria estrutura da matéria”. O método das ciências deixou, então,
de ser apenas o método experimental, passando a teoria, a dedução, a ter
um papel fundamental na evolução das próprias ciências experimentais.
Chamou-se a este de método hipotético-dedutivo. Assistiu-se, portanto,
a uma mudança de paradigma nas relações do Homem com a Natureza,
sendo que nunca como até aí se concebeu, com tal intensidade, a separação
entre o Homem, dominador, e a Natureza, dominada.
À medida que a Matemática (Ciência Exata) foi estendendo a sua
influência direta ou indireta (através de instrumentos de medida/quantificação) sobre as restantes ciências, tem-se assistido a uma tendência para
basear os critérios de cientificidade na possibilidade de utilizar, sempre que
possível, métodos quantitativos de preferência aos métodos qualitativos.
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E não há dúvidas de que o contributo da estatística, por exemplo, para
muitas das ciências sociais e humanas tem sido fundamental. A introdução de métodos quantitativos tem permitido ampliar o grau de preditibilidade de algumas ciências, inclusive da Psicologia e da Sociologia.
As leis das ciências experimentais aparecem, de certo modo, como
o modelo de inteligibilidade credível, traduzindo o esforço não apenas
“moderno” de encontrar uma causa formal para os fenómenos da Natureza. Estendeu-se esta conceção também a todos os fenómenos observáveis,
desde que mensuráveis, nomeadamente os fenómenos sociais e os comportamentos de pessoas e animais. Valorizou-se a causalidade formal ao
mesmo tempo que entrou em crise ou foi abandonada a preocupação com
a causalidade final, com a questão do sentido (SANTOS, 2010). Saber o fim
das coisas deixou de ser considerada uma preocupação científica.
No entanto, o pressuposto metateórico deste paradigma experimental (a estabilidade e ordem do mundo) é a ideia de que o passado se
repete no futuro (SANTOS, 2010) e, como já vimos, esse paradigma só serve para explicar fenómenos repetíveis. Por outro lado, as próprias ciências
experimentais têm apresentado a perpétua dinâmica do mundo natural,
repleto de interrelações desconhecidas, de surpresas e de exceções. Isto é,
tem-se interiorizado a ideia de um dinamismo interno do mundo natural
por vezes tão difícil de prever, explicar ou compreender como os dinamismos internos do mundo social ou do mundo humano subjetivo. Assim,
recusa-se, hoje, como único garante metateórico, o paradigma totalitário
do positivismo lógico, que entra em crise possivelmente com Einstein e a
sua “teoria da relatividade”. Percebeu-se que todas as definições que introduzimos num sistema de conhecimentos vêm alterar o conhecimento que
é construído e que, mesmo os instrumentos de medida, isto é, a técnica,
se ajustam a um conjunto de condições espaciais, que não é o único possível. Essa crise agudiza-se e consolida-se quando o rigor da Matemática
é também abalado pelas investigações de Gödel que descobre a existência
de proposições indecidíveis, impossíveis de demonstrar ou refutar, sendo uma delas a do caráter não contraditório de um sistema formal (SANTOS, 2010). Emerge, então, uma nova perspetiva sobre a Natureza que
reconhece a sua instabilidade, a sua nem sempre previsível mudança, a
não linearidade dos fenómenos. E, neste novo enquadramento, é possível
perspetivar a emergência de métodos alternativos ao conhecimento de um
mundo, afinal, muito complexo.
1.2.2 Novas metodologias nas Ciências Sociais e Humanas
As Ciências Sociais e Humanas com forte componente empírico
como a Etnografia, a Antropologia Cultural, a Psicologia Educacional,
as Ciências da Educação têm vindo a desenvolver métodos de análise
qualitativa sofisticados que permitem em simultâneo uma descrição da
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realidade em estudo e um trabalho hermenêutico digno de consideração
pelas novidades que tem trazido ao conhecimento do Homem. O contributo destes métodos para as Ciências da Educação tem sido inegável, já
que estas ciências, procurando compreender/ interpretar as mais diversas
dimensões da condição humana no mundo, nas suas múltiplas interações,
desenvolveram métodos mistos.
Como já dissemos, debaixo do amplo teto da Filosofia encontramos uma série de ciências filosóficas. E isso justifica-se porque, de acordo
com a diversidade das questões de investigação em cada área da Filosofia, assim também há a diversidade dos métodos de abordagem das mesmas (maiêutica, dialética, fenomenologia... são alguns deles). Havendo
em comum entre estas áreas a recorrência do carácter argumentativo,
especulativo e hermenêutico do seu discurso, as diferenças entre os seus
campos exigem uma especialização das técnicas argumentativas e da linguagem concetual que nos permite poder defender que a Filosofia não é
uma ciência, mas um conjunto de ciências.
O conhecimento do Homem e da sua complexidade tem obrigado, ainda, o surgimento de novas ciências nas fronteiras das ciências já
existentes e nas interseções das mesmas; ciências que são difíceis de classificar, sobretudo porque, dado o seu objeto de estudo, os métodos têm
de ser variados e heterogéneos, como é o caso das Ciências da Educação,
que podem ser simultaneamente vistas como ciências descritivas e ciências práticas, que tendem a agir sobre a realidade.
Impõe-se, por isso, o recurso ao contributo de diversas ciências, à
interdisciplinaridade, quando se trata de conhecer o Homem. As Ciências Humanas são, elas mesmas, as primeiras a darem conta da insuficiência das suas abordagens particulares e a abrirem-se a essa interdisciplinaridade (FULLAT, 2000).
2 O caráter crítico da Filosofia da Educação
2.1 O estatuto da Filosofia da Educação face
às Ciências da Educação
A educação é simultaneamente um ato humano e um fato humano.
É um ato humano porque é intencional, planificada, sistemática, e, quer
seja formal ou informal, a sua finalidade última é a construção/formação
do Homem (no sentido de Bildung). É um fato humano na medida em
que se manifesta na vida das comunidades humanas, desde muito cedo,
acompanhando a longa história da constituição do humano no Homem,
concretizando-se nas mais diversas formas de transmissão/transformação
cultural e implicando diversas instituições.
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As Ciências da Educação, um caso típico de interdisciplinaridade, recorrem a contributos metodológicos de diversas ciências para compreender sobretudo o fato educativo. Amado (2007) apresenta, entre outras, a definição de Ciências da Educação de Gaston Mialaret: “As ciências
da educação são constituídas pelo conjunto das disciplinas que estudam
as condições de existência, de funcionamento e de evolução das situações
e dos fatos de educação”. Possuindo uma forte componente empírica, debruçam-se não sobre a totalidade do fato educativo, mas sobre uma parte
dele. Dependendo do tipo de realidade que visam conhecer, ora selecionam métodos quantitativos, ora selecionam métodos qualitativos. Recorrem ainda ao contributo de correntes teóricas no cruzamento de diversas
ciências sociais e humanas, em particular da Sociologia, da Psicologia e
da Administração para a construção das suas hipóteses interpretativas.
E é exatamente por se debruçarem sobre um domínio particular do imenso campo da educação, um domínio que possa ser cognoscível através de
metodologias empíricas, quantitativas ou qualitativas, que o seu conhecimento do campo da educação opera sempre uma redução temática e
metodológica (FULLAT, 2000). E essa redução deixa em aberto todo um
conjunto de questões acerca das quais não é legítimo investigar dentro do
seu âmbito, dentre elas, a questão que diz respeito ao ato/fato educativo
na totalidade do seu sentido.
A dimensão empírica da investigação nas Ciências da Educação
permite-nos afirmar que, se queremos conhecer o Homem, não nos basta um conhecimento deste apenas enquanto fenômeno da natureza ou da
cultura. Essa seria sempre uma visão exterior do Homem, que não tocaria
a sua natureza profunda. Se nos reduzirmos a essa ideia fenomenalizada
do Homem, como referia J. Maritain, deixamos de fora a reflexão sobre os
fins da educação, isto é, não chegamos a tocar no sentido da ação humana
de educar (CARVALHO, 2002).
A questão do sentido da educação é uma questão humana por excelência e, se é humana, é filosófica. E não é uma questão a que se possa
dar uma resposta quantitativa nem meramente descritiva ou funcional.
Logo, não se resolve pela construção e teste de hipóteses no campo da
experimentação controlada. Também não é uma questão a que se possa
responder apenas a partir do contributo da metafísica ou da análise lógica
da linguagem, já que se constitui como um problema que emerge de uma
ação própria do Homem enquanto tal, uma ação que acarreta consigo consequências para o futuro dos seres humanos e, por isso, possui implicações
éticas, axiológicas, antropológicas, psicológicas, sociais… Deste modo, a
Filosofia da Educação poderia ser vista como uma área da Filosofia que se
situa no cruzamento das diversas Ciências Humanas, recorrendo a saberes
constituídos nesses diferentes domínios como suportes teóricos de reflexão, sempre que a questão do sentido totalizador do ato/fato humano de
educar se propõe inquietar o pensamento. Assim, poderíamos apresentar
os fatores condicionadores e legitimadores da Filosofia da Educação:
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a)
A partir das condições externas à Filosofia da Educação:
• O campo da Educação, campo cuja ação humana implica todos os grandes domínios da sociedade e da cultura e, portanto, todos os grandes domínios onde se constroem as condições
dos projetos de humanidade, imprime a necessidade de uma
reflexão ética, axiológica, antropológica, nomeadamente sobre
os pressupostos teóricos/concetuais desse projeto e suas consequências;
• A necessidade de resposta a essas questões como vitória sobre o
sem-sentido educativo.
b)
A partir das condições internas à Filosofia da Educação:
• O conjunto de questões específicas que emergem do ato/fato
educativo em busca do seu sentido, questões às quais as outras
ciências na área da Educação não respondem;
• O caráter tipicamente filosófico (fundamental, radical e crítico)
das mesmas questões, que solicita uma abordagem intersubjetiva pautada por critérios de rigor como a clareza e a universalidade, ao mesmo tempo que exige um método hermenêutico-especulativo;
• A necessidade imperativa de voltar de novo às questões já tratadas para recolher pressupostos e premissas e analisar o seu
sentido teórico-prático, numa atitude de espanto e perplexidade
permanentes;
• O facto de poder e dever constituir-se um pensamento utópico
necessário não só à determinação de um sentido para o ato/fato
de educar e para a educabilidade humana, muito além, no entanto, de uma prescrição uniformizante, mas ainda de renovar ou
revigorar a liberdade de construção dos sentidos possíveis.
Assim, à Filosofia da Educação não compete um lugar de superioridade ou de inferioridade no contexto das restantes ciências. Afirmamos
o papel irredutível da Filosofia da Educação como um saber simultaneamente complementar e transversal aos restantes saberes produzidos no
vasto campo do ato/fato educativo. Esta irredutibilidade resulta, por um
lado, do tipo de questões que geram a reflexão filosófica e que não têm
cabimento dentro das metodologias investigativas das ciências da Educação, e, por outro, da natureza intrínseca quer da educação enquanto ato/
fato humano que carece de sentido a cada momento e requer/ ordena ao
pensamento humano que se debruce sobre essa questão, quer da própria
filosofia, que é, por si, uma atitude de busca de fundamentos, entre outros,
para os atos/fatos humanos.
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2.2 Dimensão crítica e práxica da Filosofia da Educação
2.2.1 A insuficiência de algumas conceções
de Filosofia da Educação
Se definir Filosofia é já produzir filosofia, definir Filosofia da Educação é, desde logo, fazer filosofia da educação, na medida em que as definições apresentadas exprimem um modo de pensar a educação e um modo
de olhar esse complexo mundo.
Podem apresentar-se quatro atitudes face ao estatuto da Filosofia
da Educação (CARVALHO, 2002):
• Metafísica – parte do pressuposto de que, cabendo à Filosofia
uma abordagem totalizadora e racionalizadora da existência, lhe
pertence por inerência a definição dos princípios e atitudes educativas. A Filosofia da Educação seria uma espécie de “metafísica
regional”
• Filosófico-analítica – restringe as tarefas da Filosofia a um esforço de crítica e de clarificação da linguagem educativa, libertando
a Filosofia de problemas insolúveis e de questões sem sentido,
conferindo-lhe um estatuto mais fiável. A Filosofia não serve
para fornecer unilateralmente os princípios ou bases da Educação, trabalha antes sobre propostas já constituídas. A Filosofia
da Educação seria uma atividade de clarificação, de exame de
conceitos e de posicionamentos teóricos.
• Histórico-filosófica – considera que a Filosofia tem o direito exclusivo de ditar e impor as finalidades educativas, mas a sua preocupação é saber a que conclusões chegaram os filósofos quando
se colocaram questões na área da Educação.
• Cientificista – recusa toda a intervenção filosófica na área da
Educação. O seu objetivo é levar o conhecimento a atingir um estado “positivo”, em que o estudo do real substitui a argumentação sobre ideais. Muito próxima da atitude da filosofia analítica.
A primeira e a terceira perspetivas são incompletas, e a segunda e a
quarta são demasiado limitativas, sendo que a última pretende uma total
eliminação da Filosofia da Educação, tornando-se incompatível, em última
instância, com a existência da mesma.
A primeira perspetiva arroga-se um poder excessivo e exclusivo da
Filosofia, quer face às Ciências da Educação, quer face à própria Filosofia
da Educação. Ver a Filosofia da Educação como uma região da Metafísica
empobrece o recurso a outras abordagens e dá-lhe uma tendência para a
autofundamentação que acaba por impedir o desenvolvimento da mesma.
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A segunda perspetiva reduz o papel da Filosofia apenas a uma análise lógica da linguagem, sem poder inovador e sem capacidade para apresentar projetos antropológicos, o que não parece ser aceitável se olharmos
para a história da Filosofia e virmos como tantos filósofos apresentaram a
sua reflexão como uma rampa de lançamento para a mudança pessoal e
social.
A terceira perspetiva nem sequer é filosófica, funcionando apenas
como uma espécie de propedêutica ao filosofar, na medida em que se concentra numa recolha histórica de diversos contributos sem uma apreciação
crítica que faça emergir o filosofar propriamente dito.
Sobre a quarta perspetiva, resta dizer que nem o positivismo lógico, nem as diversas correntes analíticas depois dele conseguiram apagar
da consciência humana as questões inerentes à metafísica, à axiologia, à
ética e à estética; nem a ciência consegue responder a essas questões que
escapam naturalmente ao seu âmbito. Sendo assim, a Filosofia parece continuar a ser necessária.
Pode apontar-se, ainda, outra perspetiva, onde se considera que a
questão tem de ser reformulada e que o necessário não é saber o papel
da Filosofia da Educação, mas como é que a educação se vem a tornar
objeto de investigação filosófica (CARVALHO, 2002). Justifica-se esta posição com o facto de que muita da produção filosófica sobre educação se
tem apresentado mais como um projeto do que como uma epistemologia.
Deixando em aberto esta discussão, o autor acima referido denuncia uma
certa politização da perspetiva cientificista, que tem procurado eliminar a
Filosofia da Educação do campo da Educação, e a atitude fechada de certas
filosofias que, persistindo em situarem-se para além da ciência, acabam
por não corresponder às solicitações do contexto epistemológico contemporâneo, voltado definitivamente para a interdisciplinaridade. Finalmente, das tentativas contemporâneas de atualização da originalidade e identidade da Filosofia da Educação, o autor salienta três:
• Charbonnel, que propõe a Filosofia da Educação como crítica da
razão educativa;
• Pantillon, que proclama a Filosofia da Educação como totalizadora crítica dos valores e do sentido do humano;
• Reboul, que define a Filosofia da Educação como uma teoria do
discurso pedagógico.
No entanto, Carvalho (2002) considera que, em meio a esta discussão, deve ser salvaguardada a função eminentemente crítica da Filosofia
da Educação. A reflexão crítica está na base da fundamentação de uma Filosofia da Educação, segundo Serpa (2005). Este último autor aponta perspetivas sobre Filosofia de Educação que considera inadequadas e afirma
que o que falta a todas as tentativas de classificação da Filosofia da Educação é a dimensão práxica, isto é, a dimensão da orientação do filosofar para
um agir transformador do mundo.
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2.2.2 O sentido crítico e práxico da Filosofia da Educação
Partindo do princípio de que só quem se dedica à educação está
em condições de refletir sobre ela, a Filosofia da Educação aparece-nos
muito claramente associada a uma prática continuada de algumas pessoas que, a partir da sua própria experiência, constituem e reconstituem
reflexiva e continuamente um projeto de humanidade do Homem.
Fullat (2000, p. 90) define Filosofia da Educação como “saber racional e crítico das condições de possibilidade da realidade experimental
educativa no seu conjunto”. Enquanto saber crítico, a Filosofia da Educação esclarece os conceitos, enunciados e argumentos utilizados pelos
educadores e pelos pedagogos. As condições de possibilidade a que alude o autor são as condições do seu tempo sobre as quais recai a reflexão
filosófica e que enformam essa própria reflexão, no sentido de que cada
filósofo não pode deixar de ser um homem do seu tempo. Assim, para
Fullat, a Filosofia da Educação não é ciência nem tecnologia educativa, e
também não é pedagogia ou teoria da educação, é um questionamento:
• sobre o que se diz no campo da educação (um questionamento
sobre a linguagem e um questionamento epistemológico)
• e sobre o que se quer, ou os fins da educação (um questionamento antropológico, axiológico e teleológico).
Faltaria apenas acrescentar outro questionamento sobre o que se
faz em Educação: um questionamento ético, prescritivo, político e práxico. Consideramos haver uma complementaridade entre estas dimensões.
É um questionamento ético, na medida em que procura avaliar a ação educativa e desvelar as energias presentes na interioridade do sujeito humano
que educa, conhecer o que molda a sua vontade, a sua intencionalidade.
É um questionamento com caráter prescritivo, já que não basta apresentar
os resultados de um questionamento ético, é preciso tomar posição face
ao bem e ao mal, encontrar caminhos de ação aconselháveis. É um questionamento político, sobretudo nos tempos presentes, em que o Estado e
as forças políticas e económicas, em confronto pelo poder social, procuram definir e influenciar os projetos educativos através de medidas políticas concretas, que é preciso analisar criticamente face aos seus resultados
(ganhos e perdas em termos de humanidade). É um questionamento práxico, na medida em que cria as condições teóricas de pôr em ação uma
utopia transformadora da sociedade, orientando-se, nomeadamente, pelo
princípio da perfetibilidade humana.
É neste último ponto que recai a construção teórica de Serpa (2005),
a partir de uma experiência desenvolvida no seu país. Este autor apresenta
algumas críticas feitas à Filosofia da Educação por autores como Saviani e
Wilson, desde a falta de nexo intrínseco entre o corpo teórico da Filosofia e
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da Educação até à dificuldade em se saber claramente como trabalha a Filosofia da Educação. Para este autor, é necessário esclarecer/assumir um
conjunto de fundamentos filosóficos da educação para criar as condições
teóricas de que a Filosofia da Educação precisa para ser um “instrumento efetivo de compreensão e transformação da atividade educacional”
(SERPA, 2005, p. 2). Mas isso implica alguns pressupostos metodológicos
a propósito da filosofia enquanto tal, dos quais destacamos:
• A filosofia é entendida como teoria universal da atividade humana, como “disciplina científica que estuda as regularidades essenciais universais da ativa interrelação [...] material e ideal, [...]
objetiva e subjetiva do homem com o mundo natural e social”
(SERPA, 2005, p. 2);
• As suas dimensões fundamentais são o ontológico, o gnoseológico, o lógico, o axiológico, o antropológico e o praxiológico;
• As suas funções são consciencializar, racionalizar, otimizar e
aperfeiçoar a atividade social dos homens;
• A sua finalidade é superar a alienação, fundamentando e promovendo a transformação da realidade através de um tipo de sociedade onde cada vez mais correspondam a essência e a existência
humanas;
• A região da análise da filosofia é a natureza, a sociedade e o pensamento humano numa perspetiva ativa de relação com o mundo;
• O seu objeto de estudo é conforme à universalidade da interrelação humana com o mundo na sua dupla determinação material e
ideal, objetiva e subjetiva;
• Ao assumir o enfoque teórico sobre a atividade humana, integrase de modo coerente o substancial e o funcional.
Deste modo, a Filosofia da Educação emerge claramente do campo
da Filosofia, que é atividade reflexiva sobre a totalidade da ação humana.
Sendo a educação um domínio fundamental dessa mesma ação, na qual se
lançam as sementes da humanidade do Homem, a Filosofia da Educação
constitui-se como o espaço reflexivo teórico-práxico onde todas as problemáticas que se referem à condição humana enquanto educadora e educada
têm lugar.
Serpa (2005) exclui da sua reflexão sobre a educação aquela recebida na família ou aquela que é veiculada pelos meios de comunicação
social. Deseja centrar a sua atenção na escola e define a atividade educativa como
aquela atividade orientada, através do processo de ensino-aprendizagem, para transmitir e apreender ativamente
os conhecimentos fundamentais acumulados pela humanidade; para formar as habilidades, hábitos, competências
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e valores imprescindíveis para que o indivíduo possa enfrentar adequadamente a solução dos problemas que a vida
lhe colocará; e para modelar as capacidades e a conduta
do homem tendo em vista a sua inserção ativa e eficaz na
sociedade e a convivência harmónica com os seus semelhantes; mediante a organização pedagógica de um sistema de conteúdos, métodos e meios estruturados em planos
e programas de estudo, no marco institucional da escola;
tudo isso orientado para o alcance dos objetivos formativos
e instrutivos propostos. (2005, p. 3)
O caráter eminentemente descritivo, sistemático e funcional desta definição tem a vantagem de nos colocar perante os principais elementos constitutivos da ação e da realidade educativa, principalmente
da educação pública, abrangendo-a em quase todos os seus domínios
problemáticos fundamentais (processo, conhecimentos, habilidades,
hábitos, competências, capacidades, conduta e adaptação social do
indivíduo, sistema educativo, currículo, métodos, objetivos...). O aspeto que falta, quanto a nós, é o do indivíduo na realização pessoal
da sua liberdade, a formação do caráter, tendo em vista não apenas
a vida social, mas também a felicidade pessoal. De qualquer modo, a
sistematicidade ajuda o pensamento a clarificar os seus próprios caminhos. E neste caso, o enfoque é colocado na vertente social do Homem, naquilo que a sociedade ou o Estado esperam dele; importa
aqui destacar a relevância que deve ser dada a um projeto antropológico coerente, que a escola veicula enquanto instrumento político e
prático de construção desse mesmo projeto. Não é dada importância
ao papel do indivíduo, nem o que é educado, nem o que é educador.
Os seus projetos pessoais hão de ganhar sentido dentro deste projeto
mais amplo definido social/politicamente. A nosso ver, o papel da Filosofia da Educação é, em primeiro lugar, criticar este objetivo fundamental, não tanto para o destruir, mas para o aperfeiçoar.
O mesmo autor propõe quatro tipos de fundamentos filosóficos
para a atividade educativa (cosmovisivos, gnoseológicos, lógicos e sociológicos), de modo que o estudo filosófico sobre a educação se constitua como uma ferramenta a ser utilizada pelo educador na sua atividade
quotidiana, deixando de ser uma simples ocupação erudita sem relevância prática. Procura-se ultrapassar uma forma dita tradicional da Filosofia da Educação, apontando para uma dimensão simultaneamente crítica
e transformadora da atividade educativa.
Assim, poderíamos estabelecer uma perspetiva da Filosofia da
Educação como um questionamento radical do processo educativo, uma
atitude que imprime uma sistemática busca de sentido para a Educação
e que visa a transformação das condições de possibilidade desse ato/
fato em cada momento da história e a partir dos problemas que em cada
momento são suscitados.
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Conclusão
Dada a nossa pertença profissional ao conjunto daqueles que se dedicam à Educação, tudo o que a ela diz respeito nos afeta e nos inquieta, direta
ou indiretamente. Não há, portanto, neste trabalho, qualquer pretensão de
neutralidade, que seria hipócrita, senão impossível. Consideramos uma necessidade fundamental para a Educação que aqueles que a ela se dedicam
tomem partido:
• em primeiro lugar, pela liberdade de se questionar sobre o que
fazem no seu quotidiano profissional;
• em segundo lugar, pela determinação de um rumo ético-axiológico, sempre discutível mas não dispensável, submetido ao princípio da máxima realização do humano no Homem;
• e em terceiro lugar, pela construção de uma utopia onde as tradições e a cultura própria possam possibilitar sempre o seu próprio
aperfeiçoamento, promovendo a gestação de um mundo onde
cada um de nós (o eu, o tu e o vós) possa ter lugar.
Parece-nos, por isso, que a resposta ao sentido da educação está
dada no conceito de Bildung (formação/construção do Humano no Homem), mas não significa que essa resposta esteja já em ação no mundo da
Educação. Ela aparece-nos como estando e como não estando. Estando pelas utopias pessoais e/ou comunitárias e culturais, pelo empenho de muitos, e não estando pelos muitos vazios de sentido de que os nossos alunos
continuam a ser vítimas nas suas escolas e nas suas famílias, sobretudo do
ponto de vista da incoerência axiológica, política e humana de adultos que
deveriam repensar o seu lugar no mundo. Portanto, a resposta à questão
do sentido torna-se tarefa e compromisso, afazer humano que a todos, sem
exclusão, responsabiliza.
Recebido em setembro de 2011.
Aprovado em outubro de 2011.
Philosophy of Education and the Search for Meaning for Education
Abstract
This paper raises the question of whether the Philosophy of Education should be fit within
the scope of philosophical sciences or within the framework of Education Sciences or,
if it is possible, even in a context of constant intersections with different sciences, should
be defined as a specific field of investigation. We intend to carry out an analysis based on
different authors’ contributions in order to defend the idea that the Philosophy of Education
should not only be a theoretical science, but also shows ways for the practice, so that possible
pathways of meaning of daily educational practices may be built and social change may be
promoted. We are not against the idea of a Philosophy of Education politically, axiologically
and ethically committed because this commitment appears to be urgent due to the relativism
and indifference the field of education has fallen into; an indifference that is, ultimately, the
sentence death of any educational act as such.
Keywords: Science. Philosophy. Education. Meaning. Transformation.
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