INFORMAÇÕES TÉCNICAS Pesquisa com plantas aromáticas, medicinais e corantes: o papel do Instituto Agronômico O que pode haver em comum entre produtos como uma pasta de dente com juá e menta, um queijo “tipo Cheddar”, um shampoo com Aloe vera e calêndula, um patê com ervas, um frasco de perfume e um remédio para prevenir esclerose? Esses produtos estão entre uma infinidade de outros que levam em sua composição diversos componentes naturais provenientes de plantas aromáticas, medicinais e corantes. Essas espécies de plantas e seus extratos vem sendo usados pela humanidade desde há milêBeatriz nios: os primeiros registros escritos de seu uso vêm das antigas civilizações dos egípcios e chineses. Em nossa sociedade atual, estamos testemunhando um claro movimento de volta aos produtos naturais para uso terapêutico, cosmético e alimentar. Na verdade, os produtos naturais nunca deixaram de ser parte da composição de muitos medicamentos, e ainda hoje esses produtos, incluindo seus derivados e análogos, representam quase 50% de todas as drogas terapêuticas em uso clínico, das quais as plantas superiores são aproximadamente 20% do total. Além do uso terapêutico, os usos das plantas e seus sub-produtos como conservantes, aromatizantes e corantes estão cada vez mais difundidos em alimentos e cosméticos. Histórico das pesquisas no Intituto Agronômico A programação de pesquisa desenvolvida pelo Instituto Agronômico sempre procurou refletir as necessidades e demandas do setor produtivo. Foi assim também com a Seção de Plantas Aromáticas e Medicinais, criada em 1942. O pioneirismo da Instituição nessa área foi voltado para as O Agronômico, Campinas, 54(2), 2002 prioridades da época, que era a necessidade de avanço tecnológico no cultivo de matéria-prima para suprir as indústrias que ainda eram muito dependentes de fontes naturais para a obtenção de óleos essenciais e outros princípios ativos para seus produtos (Santos, 1993). O foco maior nessa fase era o equilíbrio da balança comercial brasileira, com a busca da “substituição das importações”, essencial naquele contexto de Segunda Guerra Mundial. A intenção era pesquisar plantas exóticas que produziam fármacos que o país necessitava importar, como por exemplo os glicosídeos cardiotônicos provenientes da planta de origem européia Digitalis, dentre várias outras. Foi nessa época que o IAC começou também a pesquisar plantas aromáticas e a extração de seus óleos essenciais, especialmente de gramíneas e labiadas, como a “menta japonesa” (Mentha arvensis), produtora de mentol. Alas ind Potencial de uso medicinal da flora brasileira O mercado mundial de fitoterápicos é da ordem de 20 a 40 bilhões de dólares por ano e o de cosméticos é de 2,6 a 2,8 bilhões (Simões et al., 2000). Alguns compostos anticancerígenos, cujos exemplos clássicos são os alcalóides vincristina e a vinblastina e, mais recentemente o taxol, alcançam preços altíssimos no mercado mundial, mostrando o potencial de renda que uma espécie medicinal pode ter. No entanto, raras são as espécies da nossa flora que participam desse grupo seleto que gera recursos de grande vulto, uma vez que a maioria dos fitoterápicos e fitofármacos já consagrados são de clima temperado, onde as pesquisas estão muito mais avançadas. Um t, China e França. No entanto, as plantas medicinais brasileiras podem vir a ter um mercado consistente, e um dos sintomas disso é o já mencionado crescimento do interesse do consumidor pela Fitoterapia, especialidade que ganha adeptos na classe médica e ca- minha para ser reconhecida oficialmente, da mesma maneira como foi reconhecida a homeopatia. Além dos fitoterápicos para distribuição em escala comercial, existe também o interesse pelo uso das plantas medicinais em programas municipais e estaduais, que têm projetos em fitoterapia implantados na saúde pública, para atendimento primário. Exemplos de sucesso dessa prática vêm aumentando, aproveitando a experiência de alguns programas pioneiros como o “Farmácias Vivas” da Universidade Federal do Ceará e o da Prefeitura de Curitiba, que vem desde o final da década de 80 utilizando fitoterapia nos postos de saúde do município. Em Campinas, a Secretaria Municipal de Saúde tem o seu projeto de Fitotera-pia, que foi implantado inicialmente em 1990 e reEspinheira santa tomado em 2002. As espécies utilizadas nesses casos, são na maioria exóticas, incluindo algumas poucas espécies nativas com estudos farmacológicos e clínicos já bastante adiantados, como o guaco e a espinheira santa. Criando oportunidades para o produtor O agricultor familiar carece de alternativas que diversifiquem sua fonte de renda, aumentando a sustentabilidade da sua atividade. O cultivo de plantas medicinais e aromáticas e mesmo a coleta sustentável, através do manejo de plantas medicinais em suas áreas de ocorrência natural, são alternativas promissoras se considerarmos as oportunidades já apontadas aqui. No entanto, o produtor que desejar 21 cultivar ou manejar plantas medicinais e aromáticas depara-se com vários tipos de problemas, e a maioria deles não está sob seu controle. Um desses problemas é a multiplicidade de demandas a serem atendidas. Como vimos, o agricultor pode produzir matéria prima vegetal para suprir a demanda de diversos segmentos, como a indústria de fitoterápicos, o mercado atacadista, o mercado local, e todos eles exigem, num maior ou menor grau, um nível satisfatório de qualidade. Mas dentre todas as dificuldades que se apresentam, uma que diz respeito diretamente ao agricultor é com relação à deficiëncia em tecnologias de cultivo. Mesmo com relação às espécies exóticas, cujo cultivo em seus países de origem já é bem estabelecido, ainda temos muitos problemas a resolver e ainda assim teremos que contar com novos problemas que possivelmente virão surgindo ao longo do caminho. Vemos que, apesar do cultivo de espécies exóticas já adaptadas e cultivadas no Brasil como a camomila, o alecrim, o manjericão, o orégano, a hortelã e outras não estarem isentas de problemas tecnológicos no campo e também no processamento pós-colheita, ainda assim percebemos que pode ser desejável a adaptação ao cultivo de novas espécies exóticas, ainda não adaptadas no país, como é o caso de espécies muito consumidas mundialmente como a Ginkgo biloba e o Hypericum perforatum por exemplo. No entanto, o pior cenário fica, paradoxalmente, com o cultivo das nossas espécies nativas. A grande maioria delas ainda carece de pesquisas agronômicas e um nível mínimo de seleção e domesticação para que seu cultivo possa ser econômico e com produto final com qualidade e uniformidade. Até que sejam resolvidos alguns problemas fundamentais para a produção dessas espécies, uma alternativa a essa situação seria o manejo sustentável. Alguns produtores e comunidades rurais estão dentro dos últimos remanescentes das áreas de Mata Atlântica do Sudeste, freqüentemente em áreas de proteção ambiental, como por exemplo os caiçaras e quilombolas do litoral paulista, especialmente no Vale do Ribeira. O manejo de plantas medicinais e aromáticas em áreas de vegetação nativa vem sendo preconizado como alternativa promissora para melhoria da renda e qualidade de vida das comunidades e agricultores do Vale. As legislações estadual (do Departamento de Proteção aos Recursos Naturais) e federal (IBAMA) permitem a exploração, contanto que seja feita com planos de manejo previamente aprovados pelas entidades. Nesse caso, é necessário que se tenham parâmetros para o manejo das espéci22 es, levando em conta aspectos ecológicos e genéticos para evitar o extrativismo predatório, que pode levar à extinção de espécies e à destruição das florestas e outras áreas naturais. Uma questão importante nesse caso é a correta identificação botânica dos materiais coletados, além de outros fatores fundamentais relacionados à qualidade e uniformidade. Várias entidades vêm desenvolvendo projetos para fundamentar tecnicamente o manejo em áreas naturais, mas pela grande quantidade de espécies e pela complexidade das variáveis a serem definidas, ainda são necessários estudos em grande número e profundidade. Para o agricultor que deseja iniciar atividades com espécies aromáticas, medicinais e condimentares recomenda-se agregação de valor à matéria prima produzida. Alguns produtores vem conseguindo registro para empacotar ervas, sem indicação de uso, enquadrando-se na legislação de alimentos. A oportunidade de comercializar ervas semi-processadas diretamente para farmácias de manipulação, supermercados e outros pontos de venda dão uma dimensão nova para o produtor, ampliando sua renda. Algumas espécies são especialmente indicadas para atender essa demanda, como carqueja, camomila, erva-cidreira, capim-limão e outras. A comercialização dos óleos essenciais também pode ser interessante, uma vez que existe e é consistente a demanda por óleos essenciais Um exemplo são as gramíneas aromáticas como a citronela, campim-limão, o vetiver e a palma-rosa. Nesse caso, o produtor deve dispor de uma área de plantio que permita escala de produção, uma vez que a maioria dessas espécies apresentam menos de 1% de óleo essencial em sua composição. Uma outra oportunidade que vem despontando é a produção de plantas que são utilizadas para controle fitossanitário em agricultura ecológica (termo que utilizamos aqui de maneira a nos referir a todas as vertentes de agricultura alternativa em desenvolvimento atualmente). Nesse grupo estão o nim, a Trichillia sp., o timbó, o piretro, e muitas outras, espécies procuradas para controle natural de pragas e outras também utilizadas para controle de microorganismos como fungos e bactérias como a arruda, o alecrim, a alfavaca e várias outras. O consumo de produtos naturais na alimentação tem levado também a um discreto mas constante crescimento na demanda por corantes naturais, e destes os prove- Urucuzeiro (Bixa orellana) em produção nientes de urucum e curcuma, apresentamse como promissores, especialmente para integrar sistemas de cultivo biodiversos como os Sistemas Agroflorestais (SAFs). Também as especiarias, como cravo da Índia, canela, noz moscada, são em sua grande maioria importadas, havendo interesse dos atacadistas em comprar o produto nacional, se este tiver disponibilidade, volume e qualidade exigidos pelo consumidor. Prioridades Atuais de Pesquisa A cadeia produtiva das plantas aromáticas e medicinais no Brasil ainda é muito dominada pela atividade extrativista (Batalha et al., 2002), realizada de forma predatória nas escassas áreas naturais de floresta e cerrado que ainda existem nos Estados do sul, sudeste e centro-oeste. No entanto, a área de cultivo vem aumentando, especialmente em algumas regiões tradicionais de cultivo como o Estado do Paraná. Em São Paulo, várias iniciativas são registradas, mas a única cultura mais desenvolvida é o urucuzeiro (Bixa orellana), para a produção de corantes, cultivo praticado por quase 300 produtores no Estado de São Paulo, segundo levantamento por unidades de produção da CATI (Cati, 2001). Como já mencionado, observa-se que tanto o interesse dos agricultores pelo cultivo de espécies medicinais e aromáticas como o uso dessas plantas pelos consumidores vem aumentando. O interesse internacional sobre a nossa biodiversidade pode criar novas oportunidades para exportação Manjericão (Ocimum basilicum) O Agronômico, Campinas, 54(2), 2002 ANÚNCIO STIHL O Agronômico, Campinas, 54(2), 2002 23 tuições possa cumprir sua missão com a sociedade, apresentando inovações e soluções a agricultura. de produtos da nossa flora nativa e, além disso, à medida que aumenta o conhecimento farmacológico sobre nossas espécies deve aumentar também sua demanda em preparações farmacêuticas e cosméticas. A ampliação do grupo de espécies em uso deve demandar adaptação de cultivares para o plantio e adequação de tecnologias de cultivo e processamento. Nosso grupo de pesquisa tem identificado diversas espécies nativas que necessitam de melhoramento genético e domesticação. Os projetos de pesquisa são interdisciplinares e envolvem diversas áreas do conhecimento, abrangendo a coleta, introdução, caracterização e conservação de recursos genéticos, utilizando técnicas de genética de populações e marcadores; genética e melhoramento clássicos; ecofisiologia; nutrição de plantas; fertilidade do solo; agroecologia; sistemas agroflorestais; manejo de espécies silvestres em seu habitat natural; manejo fitossanitário; fitoquímica; botânica e taxonomia. A disponibilidade de germoplasma é fundamental para o melhoramento genético mas também para o desenvolvimento de todas as outras atividades de pesquisa científica e tecnológica. Para isso, o setor mantém uma coleção de espécies nativas e exóticas com quase 200 espécies aromáticas, medicinais, inseticidas, especiarias e corantes. Apesar da conservação no campo ser de alto custo, outros modos de conservação de germoplasma são ainda mais difíceis quando se considera o número de espécies envolvidas e sua diversidade de hábitos e modos de reprodução. Estudos em andamento O melhoramento genético em urucuzeiros é um dos projetos que vem sendo desenvolvido pelos pesquisadores do setor desde 1988, quando foi implantado um ensaio em Pindorama para avaliar genótipos desta espécie perene produtora de bixina, um corante natural de interesse industrial e cosmético. Estudos de genética de populações têm sido realizados para dar subsídios à conservação, manejo, cultivo e melhoramento genético de algumas espécies nativas do Estado de São Paulo, como espinheira-santa (Maytenus aquifolia e M. ilicifolia), Hypericum brasiliense e Pfaffia glomerata. Vêm sendo utilizados marcadores bioquímicos (isoenzimas) e moleculares (RAPD e AFLP) para desvendar aspectos da biologia da conservação dessas espéci24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Vista parcial da coleção de germoplasma de plantas aromáticas e medicinais do IAC es (Perecin et al., 1997; Perecin & Kageyama, 2002). Espécies exóticas de importância econômica como a menta, a alcachofra, a Echinacea, a erva de bicho e o nim (Azadirachta indica) vêm tendo suas características fitotécnicas avaliadas, para dar suporte a agricultores interessados em seu cultivo. No caso específico da Mentha arvensis, há um projeto de retomada do melhoramento genético da espécie, com reintrodução de germoplasma e estudo de suas exigências nutricionais. Para as espécies aromáticas como menta e manjericão, estudos nutricionais e bioquímicos e sua interferência na produção e qualidade do óleo essencial vêm sendo realizados. São também desenvolvidas técnicas de extração de óleos essenciais para avaliação da produção em hidroponia e em campo. Desafios para a pesquisa Diante do quadro apresentado, observa-se o enorme esforço de pesquisa que necessita ser feito, em vários níveis. Para que os brasileiros e pessoas de outros países que vivem em áreas urbanas e rurais possam se beneficiar das qualidades das espécies medicinais brasileiras e estas possam ser consumidas com segurança, são necessários ainda estudos farmacológicos e clínicos da maioria delas. Apesar do amplo uso popular de algumas, já consagradas, outras potencialmente benéficas ainda têm sido alvo de polêmicas que devem ser esclarecidas. Em termos de pesquisa agronômica, incentivos devem ser dados à formulação de projetos integrados que privilegiem a obtenção de tecnologia e variedades que atendam ao produtor familiar, o principal interessado na atividade de cultivo e manejo de plantas aromáticas e medicinais. São necessários investimentos em pessoal e infraestrutura nos institutos de pesquisa e nas universidades, de maneira que essas insti- BATALHA, M. O., Ming, L. C., Nantes, J. F. D., Alcântara, R. C. L., Castro, D. M., Machado, J. G., Lourenzani, A. E. B., Barreto, C. V. Complexo agroindustrial de plantas medicinais e aromáticas no Estado de São Paulo: Diagnóstico e proposição de ações de melhoria da eficiência e da competitividade. Sumário Executivo do projeto. São Carlos: UFSCAR / UNESP / SEBRAE, 2002. 57 p. CATI, Coordenadoria de Assistência Técnica Integral. LUPA: Projeto de Levantamento das Unidades de Produção Agrícola no Estado de São Paulo. Campinas: CATI, 2001. LIMA, A. R. & MOLLAN, T. R. M. Nova variedade de Mentha arvensis L. Bragantia, Campinas, 12: 277-284, 1952. PERECIN, M. B.; BOVI, O.A.; MAIA, N.B. Plantas medicinais, aromáticas, inseticidas e corantes: o papel pioneiro do Instituto Agronômico (IAC). In: VIEIRA, R. F. et al. 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